segunda-feira, 16 de maio de 2016

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques

Em poucas situações como agora temos tanto direito ao pessimismo da inteligência. Mesmo acossado intelectual e politicamente, o petismo aferra-se a uma narrativa em que, como norma, detém a superioridade moral – e isso quando praticamente todo o grupo dirigente, a começar pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se encontra às voltas com um vasto conjunto de acusações raras vezes visto em nossa vida política. E num contexto que põe em risco a quase totalidade do sistema partidário – o coração da democracia –, a tal ponto enredado em esquemas de cooptação que, salvo melhor juízo, nem sequer a sombra de herói positivo parece surgir de veneráveis partidos como o PMDB.

Alegar que se trata de ação concertada da (frágil) oposição, da imprensa monopolizada e até de setores do aparelho de Estado, mancomunados numa “nova forma de golpe”, pode tranquilizar consciências simples. Pior ainda, pode insuflar uma espécie de subversivismo elementar que paralise, na oposição, partidos ou frentes de esquerda sem capacidade efetiva de liderar um conjunto de forças e mesmo um país, numa perspectiva socialmente justa. Previsivelmente, tal alegação nem de longe reporá a esquerda política em posição dirigente nos próximos (muitos) anos, uma faceta nada desprezível da herança maldita que ora nos desorienta.

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*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta e é um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil - site: www.gramsci.org ‘Os heróis que não temos’, O Estado de S. Paulo, 15/5/2016

Centrais e Fiesp já fazem pressão sobre Meirelles

• Aliados de Temer no processo de impeachment, sindicatos e empresários são contra volta da CPMF e alteração na Previdência, indicadas pelo ministro da Fazenda

Victor Martins e Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA Apenas quatro dias após terem tomado posse, o presidente da República em exercício, Michel Temer, e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, iniciam a semana sob pressão das centrais sindicais e também dos empresários em relação ao pacote de medidas que a equipe econômica planeja colocar em prática nos próximos dias.

A pressão parte, principalmente, de personagens importantes que estiveram ao lado de Temer na batalha do impeachment: o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), da Força Sindical.

Em reunião agendada para as 15h no Palácio do Planalto, ao menos quatro das maiores centrais do País – Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Sindicatos Brasileiros e Nova Central Sindical de Trabalhadores pressionarão Temer, Meirelles, Eliseu Padilha (Casa Civil) e o novo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, a rever alguns pontos anunciados por Meirelles em entrevista coletiva na última sexta-feira.

Do lado dos empresários, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, se reuniu na noite de ontem com o presidente em exercício. Michel Temer, em São Paulo. A pauta foi a proposta de recriação da CPMF ou de outro imposto transitório, ideia que não é descartada pelo ministro em exercício da Fazenda, Henrique Meirelles.

“O pato está a postos e tem como prioridade dizer não ao aumento”, afirmou Skaf no sábado em entrevista à Rádio Gaúcha, numa referência ao pato inflável da campanha da entidade contra impostos.

O primeiro grupo rejeita fortemente a recriação da CPMF, ainda que temporária, e o segundo teme os rumos da reforma da previdência. Geddel Vieira Lima, secretário de governo, se diz pessoalmente contra a recriação da CPMF.

“Sou pessoalmente contra a criação da CPMF, mas vou adotar a postura do governo”, disse Geddel em entrevista ao Estado. “O novo governo Temer tem um ministro da Fazenda, que é o Meirelles. Não há ambiguidade. Não haverá surpresas para pessoas físicas e jurídicas.”

Sindicatos. As centrais são contra a reforma da Previdência, em especial em relação à idade mínima e ao aumento do tempo de contribuição. Outro ponto que elas querem discutir hoje é a revisão da legislação trabalhista.

Na entrevista, Meirelles disse que a proposta de reforma da Previdência deve respeitar os direitos adquiridos. Mas ressaltou que esse conceito de direitos adquiridos é “impreciso”. Afirmou ainda que sua equipe trabalha em cima de revisão da legislação trabalhista. Temer quer convencer as centrais de que algumas medidas são necessárias, apesar de duras para o contribuinte. Dirá que a proposta de reforma da Previdência tem por objetivo conter os gastos públicos e que as leis trabalhistas precisam ser modernizadas.

Conforme antecipou ontem no estadão.com a Coluna do Estadão, na reunião de hoje com as centrais sindicais Temer, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, serão claros na conversa. Ambos dirão aos representantes dos sindicalistas que o governo vai apresentar uma proposta de reforma da Previdência Social para o Congresso, como forma de conter os gastos enormes que o setor hoje representa. Projeções feitas por técnicos do governo indicam que o sistema previdenciário poderá entrar em crise a partir de 2020, se os gastos não forem contidos por algum tipo de reforma.

Além de conseguir apoio, o encontro visa debelar uma possível rebelião das centrais. As entidades ainda não falam em ações práticas, mas informaram que, quando as negociações começarem efetivamente, vão levar as propostas para os trabalhadores para estudar a reação mais adequada, caso medidas mais duras prosperem.

Para Temer, esse cenário é ruim, pois ele já não detém o apoio das centrais ligadas ao PT, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior do País, e a Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Ambas foram convidadas para a reunião, mas, até o início da noite de ontem, nenhuma delas havia confirmado presença.

PT diverge sobre tom da oposição a governo Temer

• Volta da CPMF e proposta de antecipar a eleição presidencial dividem partido, que reunirá Executiva e Diretório

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

/ BRASÍLIA - A cúpula do PT está dividida sobre o tom da estratégia de oposição ao governo comandado por Michel Temer. À procura de uma bandeira que vá além do discurso do “golpe” contra Dilma Rousseff, afastada da Presidência por até 180 dias, o comando petista pode apoiar até mesmo a proposta de antecipação das eleições presidenciais, mas ainda há divergências sobre o rumo a seguir.

O PT também abriga diferentes posições sobre a forma de tratar, a partir de agora, projetos que sempre defendeu, como a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A intenção de reeditar a CPMF como “imposto temporário” foi anunciada na sexta-feira pelo novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

“Nada do que vier desse governo ilegítimo será aprovado por nós. Faremos oposição ferrenha”, afirmou o deputado Paulo Pimenta (PT-RS). Nem todos, porém, têm a mesma opinião. “Em princípio, o que nós defendíamos antes, continuaremos defendendo. Se os recursos da CPMF forem vinculados à saúde, a proposta pode ter nosso apoio. Sou favorável a isso”, disse o ex-líder do governo no Senado Humberto Costa (PT-PE), que foi ministro da Saúde no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

O modelo da oposição petista será discutido hoje, na reunião da Executiva do partido, e também amanhã, quando haverá encontro do Diretório Nacional, em Brasília, com a presença de ex-ministros, governadores e prefeitos. Lula foi convidado, mas ontem informou que não poderá comparecer.

Antes de o impeachment ser aprovado pelo Senado, em primeira votação, Dilma chegou a cogitar a possibilidade de enviar ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para encurtar o seu mandato. Seria uma tentativa de fazer um aceno para o diálogo com outras forças e, ao mesmo tempo, de “emparedar” Temer.

Recuo. Dilma desistiu de enviar a proposta porque a CUT e o MST foram contrários à ideia. Agora que ela não tem mais a caneta na mão, uma ala do PT quer avalizar uma proposta em tramitação no Senado, que prevê eleições presidenciais em outubro, mês das disputas municipais.

A chance de aprovação de um projeto assim é remota, mas correntes do PT julgam necessário movimentar o debate político e constranger Temer. Mais uma vez, há divergências. “Não é o momento de tratar disso. Temos de fazer a defesa do mandato de Dilma, lutar pelo ‘Fora Temer’ e cuidar das eleições para prefeituras”, disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). “Essas devem ser nossas prioridades.”

Planalto chama centrais para debater Previdência

O presidente interino, Michel Temer, recebe hoje representantes de centrais sindicais para debater reforma da Previdência. Propostas de mudanças não foram bem recebidas por sindicalistas.

Temer discute Previdência com centrais

• Reunião com sindicalistas busca remediar reação negativa às propostas de reforma que irão ao Congresso

Eduardo Bresciani, Simone Iglesias - O Globo

-BRASÍLIA- Após a repercussão negativa de propostas de mudanças na Previdência feitas por seus ministros, Temer recebe hoje, às 15h, representantes de centrais sindicais. Semana passada, Henrique Meirelles (Fazenda) e Eliseu Padilha (Casa Civil), declararam que o governo adotará a idade mínima ou aumentará o tempo de contribuição para resolver o déficit crescente na área.

No sábado, preocupado com a reação de parlamentares ligados aos sindicatos, caso do presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), Temer telefonou ao aliado pedindo um encontro. Logo depois, ligou novamente pedindo que a reunião fosse ampliada a todas as centrais.

Participarão os presidentes da Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), Nova Central e Central dos Sincidatos Brasileiros (CSB). Temer também convidou a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil), ligadas ao PT e ao PCdoB, respectivamente. Ambas não haviam dado resposta até a noite de domingo.

Paulo Pereira da Silva, que foi um dos líderes do processo de impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, disse ontem que o governo Temer começou errado, sem consultar as centrais sindicais antes de propor pontos da reforma previdenciária. As centrais estão particularmente irritadas com a adoção da idade mínima.

— Vamos dizer para ele que já há na legislação uma idade mínima, que são os 90/100 de soma da idade e tempo de contribuição. Achamos que a situação da Previdência não é tão ruim como o governo fala — diz Silva.

O deputado admitiu, no entanto, que se a proposta de adoção da idade mínima for para quem ainda não ingressou no mercado de trabalho, a ideia é “conversável”. Participarão da reunião os ministros Meirelles, Padilha e Ronaldo Nogueira (Trabalho). A ideia do governo é iniciar também debates sobre mudanças na legislação trabalhista.

Maioria pode garantir reformas
A montagem de um ministério com forte presença parlamentar teve justamente o objetivo de dar a Temer uma maioria congressual para garantir efetividade às medidas do governo. O peemedebista contará ainda com votos em partidos que não têm ministérios, como Solidariedade e PSC, além do apoio de parlamentares de partidos nanicos.

Enquanto o apoio a Temer na Câmara se aproxima dos 400 votos, os partidos que lhe farão oposição não chegam a cem deputados. Somados, PT, PDT, PC do B, PSOL e Rede têm 99 parlamentares. No Senado, o presidente interino poderá conquistar o apoio de até 60 senadores, enquanto a minoria reúne apenas 15. Há ainda nas duas Casas parlamentares independentes que poderão apoiar medidas específicas.

A primeira demonstração de força dessa base se dará na revisão da meta fiscal, que deve ser votada ainda em maio. O governo Dilma Rousseff enviou projeto mudando a previsão de superavit para um déficit de R$ 96 bilhões. A equipe de Temer avalia que será necessário estimar um déficit maior, mas não propôs ainda um número exato.

Prioridade do novo governo, a reforma da Previdência é uma proposta que precisa do quórum qualificado para a aprovação, bem como o restabelecimento de foro privilegiado para o presidente do Banco Central e para o advogado-geral da União (AGU). PECs necessitam de três quintos dos votos, quórum mais alto de votações, mas que Temer conquista, em tese, com folga.

Votos para volta da CPMF
Com essa maioria, o governo de Michel Temer também teria condições de propor medidas polêmicas como aumento de impostos ou a recriação da CPMF. Assim como a reforma da Previdência, a volta da contribuição precisa de 308 votos na Câmara para ser aprovada. Mesmo considerado assunto ainda lateral pelo governo — que busca, antes de aumentar impostos, cortar ao máximo seus gastos — a ideia pode vir a ser colocada em prática.

A CPMF jamais passaria no governo Dilma, onde a base de sustentação era bastante parecida. No período em que o então ministro Joaquim Levy (Fazenda) tentou viabilizar a ideia, os deputados se insurgiram contra, argumentando que a petista não tinha credibilidade e que dar a ela uma nova receita seria como lhe entregar “um cheque em branco”. Agora, nos bastidores, parlamentares já não descartam a CPMF, desde que Meirelles dê um sinal de recuperação ao mercado.

O tamanho da base, claro, não garante a aprovação. O governo Dilma, por exemplo, partilhava seu ministério até fevereiro com partidos que tinham 317 deputados e 51 senadores. Mas vinha desde o ano passado enfrentando dificuldades em votações de projetos de lei e medida provisória, que exigem a maioria apenas dos presentes. Foi perdendo apoio diariamente e, nas votações do impeachment nos últimos dois meses, teve menos de um terço de votos a seu favor nas duas Casas.

MST promete não dar trégua ao governo, e tensão no campo deve crescer

• Fazendeiros acusam sem-terra de se aliarem a bandos que roubam gado em fazendas

Cleide Carvalho - O Globo

-DUARTINA (SP)- O impeachment e o aumento do desemprego devem aumentar a tensão com ocupação de terras no país. Depois de fechar estradas, marchar nas cidades e protestar ocupando agências bancárias e órgãos públicos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promete por fim à trégua dada ao governo do PT.

— Os conflitos tendem a se acentuar. Não vamos aceitar um governo ilegítimo, que vai priorizar o agronegócio e criminalizar os movimentos sociais — diz Marina dos Santos, da coordenação nacional do MST.

Antes do impeachment, a meta do MST era invadir uma fazenda por dia. Foi substituída por uma ação eminentemente política: a ocupação de uma fazenda em Duartina (SP), que está em nome de um amigo do presidente interino Michel Temer. Para o MST, a fazenda é de Temer. Duas áreas ocupadas no estado, em Marabá Paulista e Mirante do Paranapanema, foram esvaziadas para reforçar a ação, que reúne mil pessoas.

Em 2015 a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 771 conflitos por terra no Brasil, 214 deles envolvendo movimentos sem-terra, com 47 mortes — os demais são ligados a disputas em territórios indígenas e quilombolas. A violência é maior no Maranhão, Pará e Tocantins.

Só em 2015, mais de 7.500 famílias aderiram a 27 novos acampamentos criados em oito estados.

Vinte anos após o assassinato de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA), fazendeiros da região acusam os sem-terra de se aliarem a quadrilhas de roubo de gado. Há 15 dias, fecharam a BR-155 e passaram a abrir valas com escavadeiras para impedir o acesso às propriedades.

— Eles cortam cerca e matam animais. A vala é um jeito de os animais não chegarem onde eles estão — diz João Barreto, de Curionópolis (PA).

Barreto conta que, seis anos atrás, os sem-terra invadiram uma fazenda vizinha. A Justiça deu reintegração de posse e o grupo acampou na estrada. Aos poucos, entraram na fazenda dele. Diz que fez um acordo e os sem-terra ficaram em parte da área, ainda pendente de regularização no Terra Legal, programa criado pelo PT para resolver a situação fundiária na Amazônia. Agora, o grupo ameaça ocupar a área toda.

Barreto acusa os sem-terra de se aliarem a bandos que roubam gado na região:

— O sem terra usa o bandido na hora de brigar e o bandido se esconde debaixo da bandeira dos sem-terra.

Os sem-terra bloquearam há dez dias a rodovia que liga Curionópolis e Parauapebas e acusaram pistoleiros de terem atacado a tiros um acampamento . Além do MST, pelo menos outros oito movimentos de sem-terra atuam no Pará.

Em Poço de Trincheiras (AL), um acampamento instalado há dois anos teve os barracos queimados por encapuzados. Os sem-terra dizem que a dona da antiga fazenda quer retomar a área para arrendar.

No Tocantins, 80 famílias deixaram uma área que teve reintegração de posse determinada pela Justiça e ficaram na beira do rio Tocantins. A polícia queimou e derrubou os barracos.

Entre 2004 e 2015, o governo investiu R$ 2,5 bilhões em reforma agrária - R$ 1,3 bilhão apenas na compra de terras.

O país segue com mais de 80 mil famílias à espera de lotes, segundo o DataLuta, do núcleo de estudos de Reforma Agrária da (Unesp).


Núcleo duro tem discursos bem definidos

• Análise de falas e entrevistas dos principais integrantes do novo governo mostra divisão clara de temas

Fábio Vasconcellos - O Globo

Nos dias que antecederam a decisão do Senado pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff, as atenções do Brasil estiveram voltadas para dois endereços do poder em Brasília. No Palácio do Planalto, a presidente apresentou, em eventos quase diários, inúmeros discursos contra o impeachment. Não muito distante dali, no Palácio do Jaburu, o então vice-presidente e hoje presidente interino Michel Temer recebia aliados. Na agenda, conversas sobre nomes do seu futuro ministério e as primeiras medidas, caso viesse a assumir.

No contexto de crise política e econômica, nunca se falou tanto na capital federal como na última semana. Com tantos discursos, uma constatação. O novo núcleo duro do governo tem buscado um alinhamento nas suas falas, com uma divisão bem clara sobre os temas de economia e política que cabem a cada um.

Antes da posse dos nova equipe, o Núcleo de Dados do GLOBO analisou como os integrantes do núcleo duro se posicionam publicamente. Para isso, foram reunidas entrevistas e artigos escritos na imprensa, nos últimos 15 dias, pelos ministros Romero Jucá (Planejamento), Henrique Meirelles (Fazenda) e do coordenador de Infraestrutura, Moreira Franco. Foi incluída também uma entrevista concedida pelo presidente Temer.

Foco na economia
O estudo utilizou um software de análise de discurso baseado em resultados estatísticos que leva em consideração não só a frequências das palavras mais comuns utilizadas pelo comando do atual governo, como também o grau de associação entre essas palavras. Os resultados formam grupos mais consistentes estatisticamente e que podem ser utilizados para interpretar os discursos de Temer, Jucá, Franco e Meirelles.

A análise indica que os discursos do núcleo duro foram formados por três grupos de palavras, um relativo ao tema da economia, que concentrou 39% das palavras mais associadas; um segundo focado em política, que concentrou na defesa das críticas que Temer recebeu do PT ou de integrantes do governo Dilma, e um terceiro, também de política, mas explicitamente associado à formação da base parlamentar e distribuição de cargos no novo governo. Essas três temáticas acabaram por antecipar a fala de Temer, durante a sua posse na quinta-feira. Uma forte ênfase na questão econômica e no desenvolvimento e também falas direcionadas ao Congresso Nacional, de que o presidente dependerá para aprovar medidas nesses primeiros meses.

Dois gráficos em forma de aranha reúnem não apenas as palavras mais frequentes, como aquelas com forte associação estatísticas entre os discursos. No tema político de defesa do governo, prevalecem termos como “Temer”, “não”, “social”, “dificuldade”, “respeito” entre outros. Essas palavras constituem argumentos que a equipe de Temer procurou apresentar quando foram acusados de quererem reduzir programas sociais. Já no tema econômico, prevaleceram as palavras como “investimento”, “economia”, “crescimento”, “país” entre outros.

A análise também permite compreender como Temer, Jucá, Meirelles e Moreira Franco estiveram mais ou menos próximos desses três temas. Novamente, prevaleceu um alinhamento quase perfeito. O ministro da Fazenda foi o maior responsável pelos discursos de economia, enquanto Jucá e Moreira Franco focaram na defesa do governo. A Temer coube o discurso mais institucional, com referência a termos como a formação do Ministério ou declarações sobre a espera da decisão do Senado Federal.

Entrevista tem ‘panelaços’ e ‘apitaços’ em sete cidades

• Em pelo menos três bairros do Rio, foram entoadas músicas de Chico Buarque

- O Globo

Enquanto a entrevista com o presidente interino Michel Temer era veiculada pelo “Fantástico” da TV Globo, na noite de ontem, foram registrados “panelaços” e “apitaços” em diversas regiões de pelo menos sete cidades: Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Salvador, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em pelo menos três bairros do Rio — Tijuca, Botafogo e Humaitá —, também foram colocadas músicas de Chico Buarque em volume alto.

Ainda que menores do que nos últimos pronunciamentos da presidente afastada Dilma Rousseff, os protestos foram ouvidos durante praticamente toda a entrevista. Em alguns bairros, foram registrados gritos de ordem, como “fora, Temer” e “golpista”, já enquanto falava o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em reportagem veiculada antes da de Temer.

No Rio, as manifestações ocorreram em Botafogo; Copacabana; Glória; Flamengo; Laranjeiras; Catete; Leblon; Ipanema; Leme e Humaitá, na Zona Sul da cidade; na Lapa, Santa Teresa e no Bairro de Fátima, no Centro; e em Vila Isabel, Tijuca e Grajaú, na Zona Norte. Na vizinha Niterói, houve “panelaço” em Icaraí.

Durante o dia, manifestações
Na capital paulista, o protesto ocorreu no Centro e nos bairros de Vila Madalena, Bixiga, Consolação, Pompeia e Pinheiros, entre outros. Em Porto Alegre, houve registros no Centro Histórico, Bom Fim e em Petrópolis. Em Brasília, foram ouvidos apitos e barulho de panelas na Asa Norte.

Também ontem, durante o dia, foram realizadas manifestações contra Temer em São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e no Distrito Federal.

Em São Paulo, manifestantes protestaram à tarde contra Temer na Praça do Ciclista, região da Avenida Paulista. O ato também era a favor de Dilma.

Com cartazes e um carro de som, os manifestantes desceram, por volta de 15h30m, a Rua da Consolação em direção à Praça Roosevelt. O protesto foi organizado por grupos feministas. Elas criticavam a ausência de mulheres no Ministério formado pelo presidente interino.

Quando chegaram na altura da Fiesp, houve bate-boca com um grupo pró-impeachment que está acampado no local há mais de 60 dias. A PM separou os grupos, e os manifestantes continuaram a caminhada.

Em Brasília, o protesto reuniu cerca de 250 pessoas, em frente à Praça dos Três Poderes.

Presidente diz não ter medo de ser impopular

• Em entrevista ao ‘Fantástico’ na noite de ontem, Michel Temer afirmou que, se conseguir trazer benefícios ao País, já estará satisfeito

- O Estado de S. Paulo

O presidente em exercício Michel Temer afirmou ao programa Fantástico, da TV Globo, que não disputará a reeleição caso assuma definitivamente o Planalto ao fim do processo de impeachment de Dilma Rousseff, que será novamente analisado pelo Senado no prazo de 180 dias. “Eu estou negando a possibilidade de uma eventual reeleição, até porque isso me dá maior tranquilidade. Eu não preciso praticar gestos ou atos conducentes a uma eventual reeleição, posso ser até, digamos assim, impopular, mas desde que isso produza benefícios para o País. Isso para mim seria suficiente.”

O presidente em exercício disse ter “legitimidade constitucional”, mas reconheceu que o apoio popular só virá com eventual sucesso da gestão. “Fui eleito com a senhora presidente. Os votos que ela recebeu eu também os recebi. Especialmente porque, quando nós fizemos a aliança, evidentemente que o PMDB trouxe muitos votos à nossa chapa. Mas eu reconheço que não tenho essa inserção popular e que só ganharei, só terei, se, legítimo como é o nosso governo, ainda que interinamente, eu produzir efeito benéfico para o País”, disse.

Questionado sobre a ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pede a impugnação dele e da presidente afastada Dilma Rousseff, Temer defendeu a análise separada das contas.

Sobre as declarações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que pode rever regras da Previdência, foi cauteloso. “Nós não examinamos esse assunto ainda.” Mas citou déficit na aposentadoria. “Daqui a alguns anos quem sofrerá as consequências serão os aposentados.”

Segundo Temer, uma das prioridades “é a atenção com os mais carentes”. Ele disse que eventual ajuste vai preservar a área social. “Se for necessário, cortarei de outros setores”, afirmou, ao enfatizar que deve manter programas sociais do PT.

Ministério. O presidente rebateu as críticas de que formou um Ministério “machista”. “Eu contesto a afirmação de que não há nenhuma mulher”, disse, ao citar que a chefia de gabinete da Presidência é ocupada por uma mulher. Afirmou que, na Cultura, quer uma “representante do mundo feminino”, assim como na Cidadania e Ciência e Tecnologia – cargos que não têm status de ministro.

Segundo ele, a ausência de “notáveis” na Esplanada ocorreu porque ele teve “de fazer uma composição de natureza política”. Ele prometeu demitir ministros que cometerem irregularidades. 

“Se um ou outro não proceder adequadamente, estará fora da equipe. Se houver irregularidades, eu demito o ministro.”

Sobre citações ao nome dele na Lava Jato, negou ter “patrocinado” a indicação de diretores da Petrobrás. Ele lembrou que a Procuradoria-Geral da República não viu motivos para investigá-lo. Sobre o ministro Romero Jucá (Planejamento), alvo da Lava Jato, Temer elogiou o colega e lembrou que ele não é réu. Se ele se tornar réu, disse que vai “examinar o caso”.

Temer afirmou que, se for efetivado no cargo, a mulher dele, Marcela, assumirá uma função no governo e coordenará a área social. “Ela tem muita preocupação com as questões sociais.”

Temer manda rever últimos atos de Dilma

• Foco são desapropriações de terra e criação de reservas indígenas

Em reunião com parlamentares ligados ao agronegócio, presidente interino se comprometeu a rever medidas; MST diz que conflitos rurais devem aumentar. Também será reavaliado o Marco Civil da Internet

A Casa Civil do governo Michel Temer já começou a reavaliar todas as ações da presidente afastada, Dilma Rousseff, de 1º de abril a 12 de maio, quando ela deixou o Planalto. O foco principal são desapropriações de terra, reconhecimento de comunidades quilombolas e criação de reservas indígenas, revelam Simone Iglesias, Danilo Fariello e Martha Beck. Só no dia 1º de abril, Dilma assinou 21 atos para desapropriar 56 mil hectares de terra. No primeiro governo Dilma, foram assentadas 107 mil famílias, o pior resultado em 20 anos. Antes de assumir a Presidência, Temer se reuniu com parlamentares do agronegócio e se comprometeu a rever essas medidas. O MST, que ocupa uma fazenda que está em nome de um amigo de Temer no interior paulista, diz que os conflitos no campo devem aumentar. Além de questões fundiárias, está na mira de revisão do governo o Marco Civil da Internet.

Casa Civil revê atos de Dilma

• Ações desde 1º de abril estão sendo reavaliadas, especialmente as desapropriações de terra

Simone Iglesias, Danilo Fariello Martha Beck - O Globo

-BRASÍLIA- A Casa Civil iniciou na última sexta-feira um pente-fino em todas as ações do governo da presidente afastada Dilma Rousseff a partir do dia 1° de abril. A data combina exatamente com a publicação de uma série de normas que criaram áreas indígenas e desapropriaram terras, contrariando interesses do setor ruralista. Semanas antes de assumir a Presidência, Michel Temer se reuniu com deputados e senadores ligados ao agronegócio e se comprometeu a rever todas essas medidas.

No dia 1º de abril, Dilma assinou 21 atos para desapropriar 56 mil hectares de terras. Só em decretos, foram assinados 75 até o dia em que a petista foi afastada, em 12 de maio. No período, o governo Dilma também assinou atos reconhecendo pelo menos cinco comunidades quilombolas, além de aprovar outras etapas importantes do processo de legalização fundiária. Ainda chancelados estudos de delimitação de quatro terras indígenas. Durante o primeiro governo Dilma, 107 mil famílias foram assentadas, o pior resultado em 20 anos.

A revisão que o governo Temer fará não se limitará a este primeiro período definido pela Casa Civil. Depois deste lote, serão analisados, mês a mês, todos os atos do governo Dilma desde que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abriu o processo de impeachment, no dia 2 de dezembro de 2015.

— Vamos analisar todos os atos desde a abertura do processo de impeachment, porque, desde então, muitas definições ganharam agilidade. Não vamos fazer nenhuma terra arrasada, mas precisamos fazer uma verificação — justificou um interlocutor presidencial.

Política de dados abertos
O Marco Civil da Internet também está na mira do novo governo. A equipe de Dilma acelerou a regulamentação da lei aprovada dois anos antes em um texto elogiado pelos movimentos sociais, mas criticado pelas operadoras de telefonia.

Uma decisão já tomada foi a demissão do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Ricardo Mello. Ele tomou posse dois dias antes do afastamento de Dilma. Pesou na decisão do novo governo críticas feitas pela estatal a Temer.

O conselho curador da EBC se manifestou contra a demissão, dizendo que não há amparo legal para o afastamento. O governo Temer, no entanto, não irá recuar da decisão. A exoneração de Ricardo Mello deverá ser publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União. Para o seu lugar, irá o jornalista Laerte Rímoli.

Entre os decretos deixados por Dilma estão ainda a instituição de “política de dados abertos do Poder Executivo Federal” e a necessidade de requisitos mínimos para seleção de contratados para cargos na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). O órgão é feudo do PMDB e do PTB, em especial do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator do processo de impeachment na Câmara.

Segundo o decreto da política aberta de dados, são consideradas automaticamente passíforam veis de abertura as bases de dados do governo federal que não contenham informações protegidas pela Lei de Acesso à Informação.

O decreto estabelece prazo de 180 dias para que o Executivo abra uma série de dados, como ocupantes de cargos em estatais e informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), um dos mais difíceis de ser acessado pelos cidadãos. Este sistema é restrito a técnicos, que precisam ter senha de acesso.

A gestão da presidente afastada também baixou decreto discriminando ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) a serem executadas por meio de transferência obrigatória. Temer, no entanto, vai rever a manutenção deste programa e a ideia é que ele desapareça.

Na última sexta-feira, a Casa Civil percebeu que não será tão fácil mexer em medidas assinadas por Dilma Rousseff. Em uma reunião com os técnicos houve desconforto com o anúncio das revisões. Um servidor chegou a abandonar a reunião, contrariado com a intenção do novo governo.

Rombo nas contas públicas deve chegar a R$ 125 bi

A equipe econômica do novo governo refaz cálculos devido ao impasse na dívida dos estados e à queda na arrecadação, contam Geralda Doca e Cristiane Jungblut.

Previsão sobre rombo já chega a R$ 125 bilhões

• Disputa com estados sobre dívidas e menor arrecadação forçam revisão da meta fiscal

Geralda Doca, Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- Diante do risco de ter que paralisar toda a máquina pública caso a alteração da meta fiscal de 2016 não seja votada até o fim de maio, o presidente interino, Michel Temer, deve estabelecer como uma de suas prioridades a análise do tamanho do rombo das contas públicas. Já é consenso que o déficit ultrapassará os R$ 96,6 bilhões previstos pela equipe de Nelson Barbosa. Segundo estimativas de uma fonte da equipe econômica, o rombo ficará acima de R$ 118 bilhões. Integrantes da Comissão de Orçamento falam em um déficit de, ao menos, R$ 125 bilhões.

Será necessário incluir no resultado pelo menos mais R$ 10 bilhões relativos ao impacto de decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a um grupo de estados pagar, temporariamente, parcelas menores da dívida com a União. Além disso, o governo calcula que a frustração de receitas será ainda maior que o previsto. A arrecadação prevista com a recriação da CPMF, por exemplo, de R$ 12 bilhões, não deve se concretizar este ano. Isso porque a expectativa do governo considerava que o imposto seria votado em maio, o que não deve acontecer. Dessa forma, mesmo que aprovada em 2016, a CPMF vigoraria por um tempo reduzido, este ano, uma vez que sua aplicação só aconteceria após um período de quarentena.

— Com certeza, o ponto de partida não serão os R$ 96 bilhões, o que não significa que não vamos fazer de tudo para economizar e apresentar o melhor resultado primário — disse ao GLOBO o ministro do Planejamento, Romero Jucá.

O tamanho do rombo, segundo ele, vai depender das conversas entre Temer e a equipe econômica. Será também uma decisão política, influenciada por dois fatores: projetar um número factível e que será entregue de fato ao fim do exercício, ou insistir em uma meta flexível. Neste caso, a ideia é prever que o valor possa ser alterado novamente caso haja nova frustração de receitas ou outra decisão do STF favorável aos estados.

— Se optar pela meta flexível, o novo governo do presidente Michel Temer pagará por isso — disse um ministro a par das discussões, acrescentando que alguns cálculos dentro do governo apontam um rombo ainda maior que os R$ 125 bilhões.

Gastos fora das contas
Algumas despesas estão mesmo fora das contas por enquanto. O governo não liberou, por exemplo, as emendas individuais de parlamentares, que são impositivas. Só no Ministério da Saúde, o montante é de R$ 4,5 bilhões. A União deve ainda a organismos e bancos internacionais R$ 6 bilhões, e algumas dívidas são de 2014.

— A situação das contas públicas está muito crítica — lamentou esse ministro, que pediu para não ser identificado.

O Ministério da Fazenda já havia admitido que o resultado deste ano seria um déficit, ao contrário do previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016. A estimativa inicial era de um superávit de R$ 30,5 bilhões para o setor público. Desse total, R$ 24 bilhões caberiam ao governo federal e R$ 6,5 bilhões, aos estados. Sem receitas suficientes e com a desaceleração da atividade, a equipe econômica do ex-ministro Nelson Barbosa já havia encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de alteração dessa meta fiscal, admitindo que, em vez de superávit, o resultado seria negativo em até R$ 96,6 bilhões, com o abatimento de frustrações de receitas e a alocação de investimentos.

A equipe econômica anterior também previa que uma decisão do STF favorável aos estados pioraria ainda mais esse resultado. Governos estaduais travam batalha na Justiça para melhorar as condições de correção de dívidas com a União. Os governadores querem deixar de pagar juros compostos (juros sobre juros), como determina o Tesouro Nacional, para pagar débitos corrigidos por juros simples (que incidem apenas sobre o principal).

Ao julgar o caso, o Supremo deu dois meses para que as partes tentem chegar a um acordo em uma tentativa de evitar a judicialização da questão. Nesse meio tempo, os 11 estados que conseguiram liminares para pagar juros simples prosseguem com o direito, o que dá um alívio para os caixas regionais, mas afeta a contribuição estadual para o resultado primário do governo.

Temor com paralisação do estado
O governo corre contra o tempo para aprovar a revisão da meta e, assim, evitar um corte generalizado nos gastos. O chamado shutdown incluiria até despesas básicas, como água, luz e bolsas de estudo. Caso a alteração não ocorra até o fim do mês, o governo terá De editar um decreto contingenciando despesas em proporção suficiente para cumprir a meta em vigor, um superávit. Isso porque o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, para evitar pedaladas fiscais, que o governo tem que trabalhar com o objetivo fiscal vigente, mesmo que já tenha percebido que ele não poderá ser cumprido. O valor do novo corte pode chegar a R$ 40 bilhões.

Antes de assumir, Jucá defendia que haveria tempo para aprovar a nova meta até 30 de maio. Mas a avaliação técnica mais recente é que, para evitar uma demonstração de desorganização fiscal, a votação deve ocorrer antes do dia 20, quando será divulgado o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas. Nesse documento, o governo já tem de sinalizar se irá ou não realizar um novo contingenciamento.

Técnicos da Comissão Mista de Orçamento (CMO) explicaram que a aprovação da revisão até o dia 22 atenderia à decisão do TCU.

Politicamente, a aprovação de nova meta é o primeiro desafio parlamentar do governo Temer. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), vai conversar com Jucá e o próprio Temer sobre como aprovar a medida. As datas possíveis são 17 e 24 de maio. Como a CMO ainda não foi instalada, o projeto terá de ser puxado para o Plenário do Congresso.

Enquanto isso, as estatais enfrentam crise. O novo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, classificou ontem de urgente a situação da Eletrobras, que tem até quarta-feira para apresentar documentos referentes ao seu balanço nos Estados Unidos, sob o risco de ter de desembolsar até R$ 40 bilhões.

Colaboraram Bárbara Nascimento e Danilo Fariello


Esquerda diz não haver diálogo com Temer e planeja intensificar protestos

Thiago Amâncio – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - "Fruto de golpe", "sem legitimidade", "não venceria nas urnas". A Folha ouviu lideranças de cinco movimentos sociais que levaram multidões a protestos contra o impeachment sobre as perspectivas de atuação durante o governo Temer, que garantem: não reconhecem o mando do presidente interino e não vão sair das ruas.

"Seremos oposição e não há diálogo", afirma Raimundo Bonfim, coordenador-geral da CMP (Central de Movimentos Populares) e membro da coordenação nacional da Frente Brasil Popular, congregação de 65 movimentos sociais que organizou grandes atos no Vale do Anhangabaú e na avenida Paulista, em São Paulo.

"Nós entramos a partir de agora em um período de instabilidade social", afirma o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos.

"É de se esperar em qualquer governo, ainda mais em um governo ilegitimo que corte os recursos da moradia, uma onda de ocupações. Não há outra alternativa aos milhões de trabalhadores sem teto que não ocupar", diz.

Posição similar tem o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). "Continuaremos fazendo as nossas lutas em defesa da reforma agrária, ocupando latifúndios e reivindicando crédito e políticas públicas para os assentamentos", diz João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do grupo.

"Nossa relação é estritamente de pressão e luta, de negação e contrariedade", diz Thiago Ferreira, da coordenação do Levante Popular da Juventude, que ganhou notoriedade após promover uma série de "escrachos" de políticos e entidades a favoráveis ao impeachment.

O Levante promete "continuar perseguindo e escrachando o Temer por onde ele for, denunciando seu papel como grande promotor do golpe" até derrubar o presidente interino.

"Não dá para ter um presidente representando o povo brasileiro sem intenção de voto nas pesquisas, com um programa que o povo não escolheu", diz Carina Vitral, presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Ela lembra que o novo ministro da Educação, Mendonça Filho, é do DEM, partido que entrou com ação de inconstitucionalidade no STF contra as cotas e o Prouni. "Com esse tipo de governo não há diálogo", completa.

Financiamento
A promessa de protestos constantes exige recursos para isso. Os movimentos, no entanto, contam principalmente com o próprio bolso.

O Levante diz haver "participação muito grande da sociedade", com doações de dinheiro por parte da militância e de alimentos e serviços no caso de ocupações em escolas, por exemplo.

"Temos uma militância que faz política sem convênio com o Estado e sem patrocínio de empresas", diz Bonfim.

Para pagar os ônibus como os que levaram manifestantes a Brasília, por exemplo, os militantes fazem rifas, contam com doações de associações de moradores e fazem vaquinha para dividir os gastos, afirma ele.

Sem recursos para grandes mobilizações, a atuação da UNE no decorrer do processo de impeachment foi "bem mais local, nas universidades, com baíxissimo custo", diz Vitral. Na votação da Câmara, contaram com financiamento coletivo de militantes e simpatizantes. "Mas esse não é o cotidiano", afirma.

É o mesmo discurso do MST. "Sempre fizemos nossas lutas com dinheiro e infra-estrutura própria da base ou solidariedade de outros setores, nunca precisamos de dinheiro público para nossa atividades", diz Rodrigues.

"Autoavaliação"
Se ficaram "adormecidos" durante os anos de governo PT, ao qual eram mais alinhados ideologicamente? Nem todos, garante Boulos. "O MTST foi o movimento que mais fez enfrentamentos ao governo petista. Ocupamos órgãos públicos, nos opomos à Copa do Mundo. Sempre fizemos oposição rigorosa à administração petista", afirma.

Bonfim destaca que é momento para "autoavaliação". "Os movimentos populares poderiam ter pressionado por mudanças estruturais quando o presidente Lula tinha alta popularidade e a questão econômica favorável. Muitos setores ficaram embreagados, acharam que a classe trabalhadora tinha chegado ao paraíso. Também temos que fazer uma autoavaliação."

Sem Lula, cúpula do PT se reúne para discutir futuro como oposição

Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Sem a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a cúpula do PT se reúne em Brasília pela primeira vez após o afastamento de Dilma Rousseff. O objetivo do encontro, que acontece nesta segunda (16) e terça-feira (17), é tratar do futuro do partidocomo oposição após 13 anos e cinco meses à frente do Palácio do Planalto.

Nesta segunda acontece a reunião da executiva nacional petista, que deve avaliar as perspectivas do partido pós-impeachment, discutir a mobilização em defesa do mandato de Dilma –afastada na semana passada após o Senado abrir processo de impeachment contra ela– e traçar um plano de ação para fazer oposição ao governo de Michel Temer (PMDB).

Lula foi convidado para participar da reunião do diretório nacional da sigla, na terça (17), também em Brasília, mas, segundo sua assessoria, não irá ao evento.

A expectativa de dirigentes petistas era a de que o ex-presidente desse o tom do discurso que deve ser adotado pelo partido pelo menos até o fim do julgamento de Dilma no Senado.

Ministros
Uma das discussões do encontro deve ser a acomodação de ex-ministros do governo Dilma na direção do PT.

Lula defende que Jaques Wagner (Gabinete Pessoal da Presidência), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Miguel Rossetto (Trabalho e Previdência Social) sejam incorporados à cúpula do partido, mas a ideia ainda sofre resistência interna.

Dirigentes da sigla contrários à tese afirmam que a chegada dos ex-ministros pode dar a impressão de que o PT fez uma "incorporação acrítica" do governo Dilma, o que seria um aceno negativo para militantes e apoiadores.

Isso porque, defendem, a gestão da presidente afastada foi inepta, contrariou diversas bandeiras do PT e é preciso fazer uma autocrítica para tentar reconstruir a imagem desgastada da sigla.

Aliados de Lula, por sua vez, afirmam que ele está tentando unificar o PT, visto que os quadros partidários que não participaram do governo tendem a criticar e culpar Dilma pela maior crise da história da legenda, enquanto Wagner, Berzoini, Rossetto e outros, que participaram do núcleo decisório de Dilma, devem poupá-la disso.

Sem Dilma
Alguns petistas apostam que, após o julgamento do Senado –que pode resultar no afastamento definitivo de Dilma– o PT tenda a renegá-la para centrar forças na reconstrução do partido e na unificação da esquerda, com a formação de uma frente ampla com partidos e movimentos sociais, como deseja Lula.

Entrevista. José Álvaro Moisés

"Temer terá que enfrentar passivo da crise de imagem das instituições"

Por Marcos de Moura e Souza – Valor Econômico

Belo Horizonte - O professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés está otimista com as primeiras palavras do presidente interino, Michel Temer, e de sua equipe. Vê pela frente a volta do que chama de racionalidade das políticas econômicas e uma base parlamentar muito mais sólida do que teve Dilma Rousseff. Mas Moisés, que foi integrante da executiva nacional do PT, afirma que Temer enfrentará a descrença popular em políticos. Para ele, o afastamento de Dilma foi uma reação a abusos de poder à aguda crise econômica e não vê chances de sua volta.

Valor: O que esperar de um governo de dois anos e meio com desafios econômicos imensos?

José Álvaro Moisés: Acho que o pronunciamento do Temer aponta que vai ele fazer um governo de cooperação com o Congresso. E ele conseguiu montar uma coalizão governativa muito sólida, que dá número suficiente para ele aprovar as primeiras medidas que quer. Acho que ele vai se concentrar na retomada da economia. Estão indicando com contenção de gastos, corte de 4 mil cargos comissionados, de ministérios - embora isso seja em grande parte simbólico - e rever condições de fazer concessões e as privatizações. Eu acho que vão apostar nesses pontos e que, na verdade, não constituem grandes reformas, mas constituem pré-condições para retomada do crescimento. Eu estou vendo que em parte é isso o que eles poderão fazer.

Valor: Pelo que já disse até agora, o governo Temer será mais uma continuação da era FHC do que da do período Lula-Dilma?

Moisés: Desde a redemocratização, a política de Estado teve alguns momentos de grande racionalidade. A meu juízo o governo Fernando Henrique Cardoso foi exemplo disso. No primeiro mandato de Lula, as coisas se mantiveram assim até certo ponto. No segundo, isso mudou. E no período de Dilma, se perdeu completamente. Acho que agora está se propondo uma retomada de uma racionalidade da política econômica.

Valor: Qual é a força e a qual é a fraqueza de Temer?

Moisés: A fraqueza é que a crise solapou a crença das pessoas nas instituições e nos partidos. Esse é um passivo que Temer terá de enfrentar. Ele vai ter de inovar e terá de dar uma perspectiva nova. Mas em algumas decisões na montagem de ministério, já faltou transparência. O ativo é a reconhecida capacidade dele como negociador e o fato de ele ter formado uma base que lhe dê governabilidade.

Valor: Que preço Temer terá de pagar para manter a base?

Moisés: Nós estamos habituados, inclusive olhando o PMDB, que coalizão é quase igual a fisiologismo. Mas na França, Bélgica, Portugal, Espanha, Itália, em vários países, onde tem governos de coalizão, partido que governa junto significa ter postos. A experiência no Brasil diz que ter postos no governo significa obter benefícios, para além dos limites republicanos. A equipe nova está falando que vai adotar uma série de critérios muito cuidadosos, do ponto de vista de competência. Pode ser que estejamos entrando numa fase nova do presidencialismo de coalizão. Agora, será preciso que órgãos de fiscalização e controle, a imprensa olhem se vão ou não repetir procedimentos anteriores.

Valor: Os novos ministros permitem alimentar expectativas de que oferecerão algo novo?

Moisés: Não me detive ainda para analisar os escolhidos. Mas qualquer novo governo que vai forma uma coalizão se apoiando no Congresso e nos partidos, não tem jeito. Não se pode chegar para a direção dos partidos e dizer: 'Não indique esse cara, por que eu não gosto'. Se você aceita fazer uma coalizão e chama os partidos para fazerem parte, algum grau de concessão você tem de admitir quando o outro lado propõe um nome. Se você chama o partido para fazer parte, não dá para impor uma regra que impeça os partidos indicarem nomes com base na opinião deles. Os partidos que estão aí não são bons? Não são. Mas como não dá para esperar que os partidos se transformem para depois montar um governo, você tem que aceitar. Tem que funcionar assim.

Valor: Como o impeachment entrará para história política do país?

Moisés: Minha impressão é que o processo de democratização do país vem avançando em muitas direções desde meados dos anos 80, mas algumas coisas estão ainda incompletas. Uma delas é que nós não incorporamos com o devido cuidado do ponto de vista das normas, e principalmente da cultura política, a noção segundo a qual democracia não é só eleição, mas é também processo de fiscalização e controle do poder. No caso do impeachment, a questão sobre os decretos de crédito suplementares sem autorização do Congresso [uma das razões que embasaram o afastamento de Dilma] mostra que não há ainda devidamente a incorporação de que essas coisas são fundamentais para a democracia. A ideia de que esses créditos foram uma coisa simples só para acertar as contas é uma fraude do ponto de vista de fiscalização. O impeachment da presidente Dilma vai entrar para história como mais um episódio da incorporação desses temas.

Valor: Não fosse o abismo econômico e o avanço da Lava-Jato, créditos suplementares e pedaladas fiscais teriam derrubado Dilma?

Moisés: Difícil raciocinar por hipótese. Eu acho que o impeachment ocorreria. Esse processo se acelerou por causa da crise econômica, da crise política, a crise de valores.

Valor: Recessão e corrupção minaram Dilma?

Moisés: O que minou a popularidade da presidente Dilma foram escolhas de políticas econômicas erradas associadas a uma maneira de usar o poder político que envolve abuso. As pessoas não querem mais isso. Veja a situação da Petrobras. Houve um processo sistêmico, articulado, um clube de empresários administrava a corrupção em associação com funcionários da Petrobras e com partidos, com o PT e outros. Teve um rombo de tal natureza nas contas públicas a partir daí que trouxe consequências para a recessão, para a inflação, para o desemprego. Dá para separar uma coisa da outra? Para mim, não. Sempre teve corrupção, inclusive nos governos da ditadura militar. A novidade desse período do PT é que virou uma articulação. Esse desenho da corrupção é mais recente e, a meu juízo, tem enorme consequência para as políticas econômicas que por sua vez afeta a vida das pessoas. Eu insisto: o tema é abuso do poder. Abuso de poder, mais crise econômica, mais crise política. Democracias têm como se defender disso. No presidencialismo, a defesa se chama impeachment.

Valor: Dilma terá chances de voltar daqui a 180 dias somente se acontecer o quê?

Moisés: Primeiro, pode ser que com o aprofundamento do exame das acusações de crimes de responsabilidade uma maioria diga que não cometeu crime e que ela deveria voltar. E, em segundo lugar, se em quatro ou cinco semanas, Temer fracassar completamente e tiver um levante no país, Dilma tem chance de voltar. Mas não acredito que isso vá acontecer.

Cuba lidera campanha contra o Brasil

• Diplomacia cubana envia mensagem a órgãos internacionais com críticas ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff

Jamil Chade - O Estado de S. Paulo

GENEBRA - Sem se intimidar pela reação do chanceler José Serra de criticar abertamente as declarações dos governos bolivarianos em relação aos acontecimentos políticos no Brasil, a diplomacia de Cuba faz campanha nos órgãos internacionais contra o governo de Michel Temer.

O Estado obteve com exclusividade um e-mail enviado pela missão de Cuba perante às Nações Unidas para mais de uma dezena de organismos internacionais, alertando para o “golpe” no Brasil.

Na mensagem datada de 15 de maio, o governo cubano descreve o conteúdo da declaração como sendo “sobre o golpe do estado parlamentário e judicial no Brasil”.

Em anexo, os diplomatas que abriam o documento podiam ler a declaração assinada em Havana no dia 12 de maio e já publicada que acusava Temer de ter “usurpado o poder”, apoiado pela “grande imprensa reacionária e o imperialismo”.

“Dilma, Lula, o PT e o povo do Brasil contam e contarão sempre com toda a solidariedade de Cuba”, indicou a nota, que ainda denuncia as “manobras” da “oligarquia” e a “contraofensiva reacionária”.

O e-mail com a declaração foi direcionado para altos dirigentes da Organização Internacional do Trabalho, Organização Mundial do Comércio, para o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, para a secretaria da ONU, Alto Comissariado da ONU para Refugiados, Organização Mundial da Saúde, União Internacional de Telecomunicações, UNAids, para o Programa da ONU para o Desenvolvimento e para o Programa da ONU para o Meio Ambiente, além de várias outras.

Também receberam a nota a Secretaria da Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Organização da Conferência Islâmica, membros do alto escalão do governo suíço e dezenas de outros diplomatas.
O governo cubano tem como hábito fazer circular algumas das declarações assinadas em Havana por entidades. Mas pelo menos quatro dos funcionários do alto escalão da ONU que receberam o e-mail admitiram ao Estado que nunca tinham recebido uma mensagem do governo cubano. No sábado, a imprensa internacional com sede nas Nações Unidas já havia recebido a mesma declaração.

As comunicações dos diplomatas cubanos com os jornalistas, porém, são frequentes.

O Itamaraty enviou na sexta-feira a todos os Ministérios de Relações Exteriores de países com os quais mantém relações uma nota para informar que Dilma foi afastada em um processo que segue a lei e a Constituição. A preocupação do governo Temer é desconstruir a versão de que houve um “golpe de Estado” no Brasil, divulgada por Dilma, por seus aliados e pelos petistas.

O Estado apurou que o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, tratou do assunto quando esteve, na quinta-feira, em uma visita oficial a Portugal. Por meio de seu porta-voz, ele indicou que “confiava” que os processos democráticos no Brasil seriam respeitados.

No Parlamento Europeu, o deputado Francisco Assis indicou ao Estado que a mudança de governo no Brasil não foi alvo de um questionamento “nem mesmo pela extrema-esquerda”. “Todos sabem que o Brasil não é a Venezuela.”

Respostas. Na sexta-feira, Serra havia emitido duas notas à imprensa repudiando as declarações dos países vizinhos que atacaram o processo de impeachment. Em nota, a assessoria de imprensa do gabinete criticou a União das Nações Sul-americanas (Unasul) e governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua. O posicionamento inaugura a nova política externa do governo Michel Temer.

No mesmo dia, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou, durante a reunião do Conselho de Ministros, que solicitou o retorno a Caracas do embaixador venezuelano no Brasil, Alberto Castellar, em razão do afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Um dos alvos das críticas feitas pelo Itamaraty é o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, que, segundo comunicado, qualificou de maneira equivocada o funcionamento das instituições brasileiras.

“Os argumentos apresentados, além de errôneos, deixam transparecer juízos de valor infundados e preconceitos contra o Estado brasileiro. Além disso, transmitem a interpretação absurda de que as liberdades democráticas, o sistema representativo, os direitos humanos e sociais e as conquistas da sociedade brasileira se encontrariam em perigo. A realidade é oposta”, diz a nota.

Segundo o Estado apurou, foi o presidente em exercício Michel Temer que aprovou a decisão de Serra de manifestar repúdio às críticas.

O importante agora – Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

Ninguém questiona o gigantesco desafio que o Brasil tem pela frente para reverter expectativas negativas geradas pela ausência de governo, durante tanto tempo, e adensadas pelo descrédito e pela desconfiança que marcaram os últimos anos da gestão da presidente afastada Dilma Rousseff.

Está clara a relação direta de causa e efeito da perda da capacidade de liderança e governança com os principais males que afligem os brasileiros. Sem credibilidade para conduzir o país não há como mover a roda da economia e retomar o crescimento, a geração de ocupação e a melhoria da renda, o aquecimento do consumo e a recuperação do investimento e seus reflexos no processo de desenvolvimento nacional.

Neste momento, não há outra saída para o novo governo senão começar por uma rápida rearrumação da casa e a retomada das obrigações do poder público, literalmente abandonadas desde que ficou mais importante sobreviver no poder do que propriamente cuidar do país. O passo inicial e imprescindível é a instalação de um regime de responsabilidade com os gastos públicos, seguido da proposição de medidas e reformas estruturais que o momento exige.

Um governo não pode, no entanto, mesmo que em posição de interinidade, desconhecer os graves problemas que se abateram sobre o cotidiano da população, como resultado final da inépcia: a paralisia, a recessão profunda, o desemprego em escalada e a crise social que tem o seu curso.

Será necessário fazer o que precisa ser feito com enorme sensibilidade social e especial compromisso com os mais pobres, que são, neste momento, os mais atingidos pelo quadro de ruína do Estado brasileiro e da economia nacional. Este preceito deveria orientar todo o processo de revisão das prioridades do país. Há muito desperdício a ser contido, subsídios discricionários e indefensáveis a serem eliminados, áreas extensas passíveis de concessão e parceria, em que cabem uma bem-vinda colaboração transparente da iniciativa privada, entre tantos outros ajustes hoje flagrantes.

Com grave senso de urgência, ao lado das imprescindíveis medidas de ajuste fiscal, quatro grandes áreas de políticas públicas devem ser destinatárias finais de todos os esforços que puderem ser empreendidos agora – a saúde, hoje totalmente precarizada, a política nacional de segurança, simplesmente inexistente, a qualidade da educação pública e os programas de transferência de renda, absolutamente necessários em um cenário de desemprego, queda da renda e carestia.

A verdade é que, para o bem dos brasileiros, o novo governo não poderá fugir de um encontro tantas vezes marcado e adiado pelo que o antecedeu: o encontro com a realidade.
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Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB

O golpe abortado - Ricardo Noblat

- O Globo

Eu vou para casa.Lula, depois do discurso de despedida de Dilma da Presidência da República

Na manhã da última segunda-feira, depois de repetir que era vítima de um golpe e de excitar barulhentos militantes do PT reunidos para ouvi-la no Palácio do Planalto, a presidente Dilma disse que tinha um importante comunicado a fazer: Waldir Maranhão (PP-MA), presidente em exercício da Câmara dos Deputados, acabara de anular o resultado da votação que ali, em 17 de abril, aprovara o impeachment. 

“EU SOUBE AGORA, da mesma forma que vocês souberam”, comentou Dilma. “Apareceu nos celulares de todo mundo que o recurso foi aceito e o processo suspenso. Eu não tenho essa informação oficial. Estou falando porque eu não podia fingir não saber da mesma coisa que vocês estão sabendo. Mas não é oficial. Não sei as consequências. Por favor, tenham cautela.”

O RECURSO QUE ELA mencionou, assinado por José Eduardo Cardozo, Advogado-Geral da União, pediu a suspensão do processo de impeachment na Câmara, acusando-o de estar repleto de erros. Ignorado por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, o recurso acabara aceito por Maranhão. Com isso, ficava ameaçada a votação do impeachment pelo Senado naquele mesmo dia.

DILMA MENTIU AOS militantes do PT e aos que a escutaram país afora. Ela não soube pelo celular do que fizera Maranhão — soubera antes. A informação que ela tinha era oficial, ao contrário do que afirmou. Ela estava farta de saber, sim, quais seriam suas consequências. E tudo por um motivo muito simples: a tentativa de golpe contra o impeachment era comandada diretamente por ela.

EM TROCA DE TRÊS cargos, um deles a presidência da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, e de apoio à sua candidatura ao Senado em 2018, Maranhão votara contra o impeachment. Assumiu a presidência da Câmara quando dali foi retirado Cunha por ordem do Supremo Tribunal Federal. Desde então, passara a ser assediado para ajudar o governo ainda mais.

A IDEIA DE ACATAR o recurso de Cardozo foi levada a Maranhão pelo deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), o mais feroz pitbull do governo na Câmara. Ele admitiu examiná-lo. No sábado 7, Maranhão voou ao seu estado e discutiu a ideia com o governador Flávio Dino (PCdoB). No domingo, acompanhado por Dino, voltou a Brasília e jantou com ele e Cardozo no apartamento de Costa.

ENQUANTO JANTAVAM, o vice-presidente Michel Temer telefonou três vezes para Maranhão. Os dois haviam combinado encontrar-se naquela noite. A cada ligação de Temer, Maranhão mostrava o celular a Cardozo como prova de que seu passe, doravante, valeria ouro. O jantar terminou quando Maranhão assentiu em anular o impeachment. Em seguida, foi levado à presença de Dilma.

NO PALÁCIO DA ALVORADA, durante animada conversa regada a vinho chileno, Maranhão ouviu Dilma perguntar a Cardozo: “E Renan? Ele sabe?” Cardozo respondeu que sim. De Renan, como presidente do Senado, dependeria o êxito do golpe. Se ele referendasse o ato de Maranhão, ou se pelos menos o acolhesse para futura decisão a respeito, o impeachment empacaria.

AO DESPEDIR-SE DE DILMA, Maranhão pensou que iria para casa. Não deixaram. Com receio de que ele fosse localizado por Temer e cedesse à tentação de aderir a ele, Cardozo, Dino e Costa convenceramno a passar a noite no Hotel Golden Tulip, onde Lula costumava hospedar-se. Foi lá que ele assinou o ato redigido por Cardozo, e recusado por Renan, de anulação do impeachment.

Quibe com mortadela - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

O controle de admissão no Ministério de Michel Temer compete em rigor com o departamento de “compliance” da Mossack Fonseca. A firma tornada famosa pelos #PanamaPapers submetia os nomes dos clientes que queriam comprar offshore a uma busca no Google. O novo governo pede bênção de avalistas como PP e PSD. Se o partido bancou, está aprovado. Com exceção de Newton Cardoso Júnior (PMDB) para a Defesa: o único que conseguiu ser cliente da Mossack, mas foi barrado por Temer – ou por alguém acima dele.

Se não chegaram a frequentar o Panamá, muitos dos ministros do novo gabinete estão nos “Paraná Papers”. Dos 23 novos e seminovos (muitos foram reciclados de governos passados), 12 ministros receberam doações de empresas investigadas pela Lava Jato – a operação comandada desde a capital paranaense. Até aí, nenhum crime. Impossível Temer montar um Ministério bancado 100% por partidos e com zero de financiados por empreiteiras. A amostra é representativa do universo em que ela foi colhida.

Daí a ter um ministro que é alvo de um pedido de investigação pela Lava Jato, como Henrique Eduardo Alves, e outro que já responde a inquérito, como Romero Jucá, é quase uma imposição probabilística. O problema de um governo sustentado pelos votos de 367 deputados e 55 senadores é que ele não pode confrontar os interesses de seus eleitores. Mesmo quando, nas palavras da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), um ministro investigado pela Lava Jato ameace a chance de o Brasil “trilhar melhores rumos”.

Como explicou o seminovo Eliseu Padilha, essa é também a razão de não haver mulheres no Ministério. Os partidos não indicaram ninguém do sexo feminino. Tampouco é surpresa. Várias legendas não conseguem completar a cota de mulheres nas suas chapas em eleições proporcionais porque muitas das direções executivas dos partidos poderiam se reunir em banheiros masculinos – e nenhum dos presentes reclamaria. A misoginia está nos bigodes da política partidária no Brasil. O Ministério é seu reflexo.

Se há super-representação de homens brancos e ricos (média patrimonial de R$ 11 milhões declarados, com mediana de R$ 2,1 milhões – calculados a partir dos valores compilados pelo Congresso em Foco) no Ministério de Temer é porque essa é a casta que comanda a maioria dos partidos políticos no Brasil. Um gabinete semiparlamentarista como o que nasce vai espelhar essa distorção sempre que a sociedade parar de bater panelas.

O descontentamento com a baixa representatividade do sistema político-partidário brasileiro ajudou a desencadear os protestos de junho de 2013, uma das origens da crise política em que o Brasil se afunda até hoje. Um dos produtos dessa crise é a ascensão ao poder apenas daqueles que mais evidenciam a falta de representatividade. Essa ironia não é mero acaso.

O sistema é endógeno e busca a perenização, nem que para isso precise sacrificar os que desrespeitam sua lei do silêncio – como o ex-senador Delcídio Amaral descobriu. União em torno de um mesmo objetivo, a autopreservação, é chave para o sucesso da nova ordem. Assim, no mesmo dia em que Temer chamava a “Lava Jato” de referência, um de seus amigos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, arquivava a investigação contra Aécio Neves.

Não deve parar por aí. Em entrevista a Erich Decat, no Estado, o seminovo ministro da Secretaria de Governo de Temer, Geddel Vieira Lima, deu a extensão do acordo que se pretende: “Tenho muito apreço, carinho e respeito pelo ex-presidente Lula. (…) Nenhuma dificuldade de diálogo com ele. Tenho certeza de que, passado esse momento de emoção, o Lula (…) haverá de dar sua contribuição para o distensionamento”.

Isolada, a frase parece trivial. Na atual circunstância da Lava Jato, cheira a convite para uma pizza de quibe com mortadela.

Sinto muito, Dilma – Valdo Cruz

Folha de S. Paulo

Com todo respeito e seriedade, digo à presidente Dilma: Sinto muito, querida. Presenciar sua despedida na quinta-feira (12), no Palácio do Planalto, não foi nada agradável. Foi triste e frustrante.

Digo isto com a liberdade de quem sempre fez críticas à senhora neste espaço. Ali, no segundo andar do Planalto, até auxiliares que detestavam a senhora, e eram muitos no palácio, também estavam tristes.

Foi estranho ver a primeira mulher presidente, com o passado de defesa da democracia, presa política e torturada, sair afastada do cargo num processo de impeachment.

Deu um nó na garganta assistir à senhora engolindo o choro naquele discurso, segurando as lágrimas que haviam escorrido pela sua face horas antes, que nos últimos dias revelavam o cansaço da batalha.

Sinto muito ao lembrar da candidata em 2010 e do primeiro ano de seu governo, em 2011. Um sinal de esperança no país. A senhora encarnava ali tempo de transformação.

Sei que a senhora diz ser vítima de um golpe. Tem lá suas razões. Mas você perdeu o rumo a partir de 2012 e nunca mais voltou ao prumo. Não deu ouvidos nem espaço para que lhe questionassem. Seu estilo assustava, não agregava. Deu nisso.

Apostou numa canoa furada que inventaram de uma nova matriz econômica. Pior, dobrou a aposta nos erros para se reeleger. Para encobri-los, pedalou como ninguém para tapar o buraco das contas públicas e gerar uma fantasia de país, distribuindo o que não tinha.

Resultado: deu o argumento jurídico, frágil, mas real e verdadeiro, àqueles que queriam te derrubar. Simplesmente a maioria do país. A senhora demorou a perceber isto.

Talvez nem agora perceba. Como até hoje não admite seus erros. Como usar na campanha de 2014 golpes sujos para se reeleger, tendo sido vítima de algo parecido em 2010.

Enfim, nada neste mundo, em todas as suas dimensões, é por acaso. Nem mesmo seu algoz na Câmara.

Os desafios de Temer - Denis Lerrer Rosenfield

• Deverá tirar o país da grave situação econômica, reduzir o desemprego, criar expectativa de progresso social

- O Globo

O Brasil está de parabéns. Conseguiu livrar-se de 13 anos de dominação lulopetista no mais absoluto respeito às instituições democráticas. A sociedade brasileira esteve à altura de sua complexa realidade, dando um basta a uma elite política que devastou o país.

Enquanto a representação política em geral enfrenta problemas sérios de legitimidade, dados a corrupção e o fisiologismo, os laços propriamente sociais permaneceram imunes a esta corrosão. A política não contaminou a sociedade.

A moralidade pública foi tornada princípio, apesar de muitos políticos a desafiarem. Ou seja, a sociedade brasileira, mais uma vez, mostrou-se em muito superior aos seus políticos e representantes. Contudo, deve-se reconhecer que os parlamentares, seja na Câmara, seja no Senado, conscientizaram-se também das graves questões em curso e se colocaram como verdadeiros representantes do povo. Alguns disseram não à sua própria conduta anterior. É o preço que o vício paga à virtude.

O impeachment da presidente Dilma, para além dos seus erros e crimes de responsabilidade fiscal, infringindo a Lei Orçamentária e desrespeitando a Constituição, teve como condição central o descontentamento popular, manifesto nas ruas, na imprensa, nos meios de comunicação e nas pesquisas de opinião. Os cidadãos deste país recusaram um método de governar. A Lava-Jato tornouse efetivo patrimônio nacional.

Neste processo, as pessoas disseram “não” à ainda presidente Dilma, ao PT e aos seus diferentes aliados partidários. Só disseram indiretamente “sim” ao novo presidente Michel Temer, por ser o primeiro na linha constitucional de substituição de uma presidente impedida. Reafirmaram a Constituição.

Isto significa que o seu esforço deverá ser redobrado. Deverá tirar o país de sua grave situação econômica, reduzir drasticamente o desemprego, criar uma expectativa de progresso social, assistir aos mais necessitados e, ao mesmo tempo, mostrar-se como novo, capaz de imprimir um novo modo de fazer política, sinalizar um outro rumo para a nação. Não pode fazer mais do mesmo.

Ocorre, porém, que as mudanças de rumo obedecem a certos imperativos da política brasileira, que devem ser obedecidos, considerando os vários interesses em jogo. Na verdade, não se muda um país da noite para o dia. Da mesma maneira, há conflitos inevitáveis entre princípios da moralidade e negociações políticas que têm em vista a governabilidade.

Tudo indica que a preocupação principal do novo presidente Michel Temer consiste na governabilidade, ou seja, na aprovação dos projetos necessários para tirar o Brasil do atual atoleiro. Medidas duras e impopulares, tais como a reforma fiscal, a previdenciária e a trabalhista, devem ser aprovadas na Câmara dos Deputados e no Senado. Não é possível tergiversar sobre a aprovação dessas medidas. Sem governabilidade, sem a aprovação dessas medidas, o governo Temer não terá condições de dar certo, sendo o país o maior prejudicado.

No contexto atual, há um certo peso diante do qual o novo presidente deverá se curvar, apesar de suas intenções contrárias. No momento do processo de impeachment, nada foi efetivamente prometido, salvo uma colaboração e participação futura. Os termos foram vagos.

Contudo, agora, cada grupo de deputados e cada partido pretende participar do governo por intermédio da reivindicação de cargos. Foram acostumados, pelos últimos 13 anos, a uma forma de fazer política consistente na ocupação de cargos e nas moedas de trocas daí derivadas. Alguns sequer conhecem por experiência outra forma de fazer política.

Logo, surge um conflito inevitável entre a moralidade e a política, entendida em sua forma negocial. Acontece que a moralidade corresponde, hoje, a uma exigência da cidadania, clamando por uma nova forma de fazer política. As ruas deixaram isto muito claro nos últimos anos. Se o novo presidente não corresponder a essa expectativa, se colocará em franca dissonância com a sociedade.

Esta, por enquanto, está disposta a tudo suportar no imediato, pois o “não” a ainda presidente e ao PT continua regendo o seu comportamento. Em três meses, o novo governo deverá enfrentar-se com uma situação sua, por mais que reivindique uma herança maldita. E a população exigirá um novo método de governar.

Neste sentido, não bastam manifestações presidenciais de apoio à LavaJato se vários novos ministros estão sendo investigados nesta operação. O problema não consiste em que podem ou não ser condenados antes de seu julgamento, mas na imagem que é passada para a sociedade. O PT já utilizou esse argumento várias vezes, e ele não foi minimamente aceito. A moralidade pública tornou-se um meio de fazer política, ao contrário da recente prática política do país.

Para os cidadãos, o que conta são políticos que não estejam envolvidos com a corrupção. Os imperativos da moralidade pública deveriam vingar. No entanto, esses mesmos políticos, que foram muito importantes na aprovação do processo de impeachment, são alguns que estão moralmente, senão legalmente, implicados na LavaJato ou com outras formas de corrupção e de desvio de recursos públicos. Há uma contradição aqui entre os imperativos da ética e os da política.

Como se não fosse ainda suficiente, a composição do novo Ministério caracterizou-se pelo fisiologismo partidário. Ela foi escancarada publicamente. Partidos e grupos internos a cada um deles lançaram-se avidamente na captura de cargos, como se o país pudesse ser deixado para trás. Esta marca está impregnando este primeiro Ministério Temer, colocando-o em franca dissonância com a nação. É mais do mesmo!

O seu desafio, uma vez efetivado presidente e após as primeiras medidas aprovadas, será o de representar esse novo anseio da cidadania brasileira. Se não o fizer, poderá ter muitos tropeços até 2018. As ruas são um deles.

A sociedade entende o impeachment como uma conquista sua que não pode ser apropriada por uma elite política na qual não se reconhece.

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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul