sábado, 14 de maio de 2016

Opinião do dia – Roberto Freire

A gravidade da hora não nos permite fugir de nossas responsabilidades com o Brasil e com os brasileiros. A estrada será longa, o caminho pode ser tortuoso, mas não devemos ter medo da mudança, da história ou do futuro que já se apresenta bem diante dos nossos olhos. É hora de virar a página e recuperar o país, tão castigado nos últimos 13 anos. Que venha o novo governo, que venha um novo Brasil!

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS. ‘Sem medo do futuro, por um novo Brasil!’ – Artigo no Blog do Noblat/ O Globo, 13/5/2016

Itamaraty repudia críticas de países vizinhos ao impeachment

• Nota diz que os governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua estariam 'propagando falsidades' sobre o processo político interno do Brasil; Maduro chamou embaixador de volta

Isabela Bonfim, Ricardo Galhardo e Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Ministério das Relações Exteriores, já sob a gestão do tucano José Serra (SP), repudiou nesta sexta-feira, 13, declarações dos países vizinhos que criticaram o processo de impeachment. Em nota, a assessoria de imprensa do gabinete criticou a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua. O posicionamento inaugura a nova política externa do governo Michel Temer.

No mesmo dia, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou, durante a reunião do Conselho de Ministros, que solicitou o retorno a Caracas do embaixador venezuelano no Brasil, Alberto Castellar, em razão do afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Um dos alvos das críticas feitas pelo Itamaraty é o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, que, segundo comunicado, qualificou de maneira equivocada o funcionamento das instituições brasileiras. "Os argumentos apresentados, além de errôneos, deixam transparecer juízos de valor infundados e preconceitos contra o Estado brasileiro. Além disso, transmitem a interpretação absurda de que as liberdades democráticas, o sistema representativo, os direitos humanos e sociais e as conquistas da sociedade brasileira se encontrariam em perigo. A realidade é oposta", diz a nota.

Desde que o processo ainda tramitava na Câmara dos Deputados, o secretário-geral da Unasul lança notas em críticas ao afastamento da presidente Dilma Rousseff. "Se se continuar neste processo, poderíamos chegar a uma ruptura que seria preciso levar os países a analisar a aplicação ou não da cláusula democrática", disse o ex-presidente colombiano no dia da aprovação do impeachment no Senado, durante coletiva de imprensa na sede do organismo, nos arredores de Quito.
Segundo a assessoria de imprensa do gabinete do Ministério de Relações Exteriores, os juízos e interpretações de Samper são "incompatíveis" com as funções que exerce e com o mandato que recebeu na Unasul.

Em outra nota, o Itamaraty critica diretamente alguns países vizinhos, além da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América. De acordo com o comunicado, os governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua estariam "propagando falsidades" sobre o processo político interno do Brasil.
"Como qualquer observador isento pode constatar, o processo de impedimento é previsão constitucional; o rito estabelecido na Constituição e na Lei foi seguido rigorosamente, com aval e determinação do STF; e o Vice-Presidente assumiu a presidência por determinação da Constituição Federal, nos termos por ela fixados", diz o documento.

Reação. O Ministério das Relações Exteriores disse que não foi informado oficialmente sobre a retirada do embaixador da Venezuela no Brasil. O Itamaraty sabe, no entanto, que a imprensa daquele País está noticiando que o governo venezuelano mandou que seu embaixador retornasse a Caracas, em represália à nota divulgada pelo Itamaraty.

Diplomatas ouvidos pelo Estado disseram que quando um País age desta forma em relação ao Brasil, o Itamaraty reage com decisão semelhante. Com isso, caso a retirada se confirme oficialmente, a qualquer momento, Brasil poderá retirar seu embaixador de Caracas. Na linguagem diplomática, a retirada do representante diplomático de um País é um sinal grave de estremecimento das relações e o primeiro passo em relação a um afastamento entre os países que, em última instância pode levar até ao rompimento entre as nações.

Governos. Após tomarem conhecimento da decisão do Senado de afastar a presidente Dilma temporariamente, representantes dos governos latino-americanos divulgaram notas de apoio à presidente afastada. Maduro, da Venezuela, qualificou a saída de Dilma como um “golpe de Estado” e um “sinal grave e perigoso para o futuro da estabilidade de todo o continente.”

Em carta enviada a Dilma, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega se disse “indignado” com o “processo antidemocrático”. O governo cubano falou em “contraofensiva reacionária do imperialismo”. Evo Morales, da Bolívia, considerou um “atentado contra a democracia e a estabilidade política do Brasil e da região”, enquanto O governo colombiano disse esperar que a “estabilidade" brasileira se preserve.

Maduro chama embaixador venezuelano no Brasil de volta ao país após afastamento de Dilma

• O sucessor de Hugo Chávez classificou como uma 'canalhada' o afastamento da petista

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou nesta sexta-feira, durante a reunião do Conselho de Ministros, que solicitou o retorno a Caracas do embaixador venezuelano no Brasil, Alberto Castellar, em razão do afastamento da presidente Dilma Rousseff.

“Estamos revisando o que acontece na América Latina, o golpe de Estado parlamentar que se deu contra a presidente constitucional do Brasil, Dilma Rousseff. Pedi ao embaixador no Brasil, Alberto Castellar, que viesse para uma reunião junto com a chanceler (Delcy Rodríguez) e o vice presidente executivo (Aristóbulo Istúriz). Estamos avaliando esta dolorosa página da história do Brasil”, disse Maduro em cadeia nacional de TV.

O anúncio aconteceu no mesmo dia em que o Itamaraty, sob comando do novo ministro das Relações Exeteriores, José Serra, divulgou nota criticando as declarações feitas por autoridades da Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba, Nicarágua e a direção da União das Nações Sul Americanas (Unasul) sobre o processo de impeachment de Dilma.

Maduro, no entanto, não mencionou a nota de Serra na sua argumentação. O sucessor de Hugo Chávez classificou como uma “canalhada” o afastamento de Dilma e se disse preocupado com a possibilidade de que a queda da petista traga instabilidade a toda a região.

“É uma jogada totalmente injusta contra uma mulher que é uma grande patriota brasileira que teve coragem de enfrentar a ditadura. Uma canalhada contra ela, contra sua honra, contra a democracia. Temos de dizer isso a todo o continente”, afirmou o presidente venezuelano.

Maduro manifestou preocupação com a possibilidade de que o impeachment da presidente do maior país sul-americano possa trazer de volta à região o “vírus do golpismo” e reações violentas como a “luta armada da juventude”.

Brasil pode retirar embaixador de Caracas se confirmado que venezuelano foi chamado por Maduro

• De acordo com diplomatas consultados, quando um país age desta forma em relação ao Brasil, o Itamaraty reage com decisão semelhante

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Ministério das Relações Exteriores disse que não foi informado oficialmente sobre a possível retirada do embaixador da Venezuela no Brasil. O Itamaraty sabe, no entanto, que a imprensa venezuelana está noticiando que o governo de Nicolás Maduro mandou que seu embaixador retornasse a Caracas, em represália à nota divulgada pelo Itamaraty "rejeitando enfaticamente as manifestações dos governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, assim como da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Cooperação dos Povos (ALBA/TCP), que se permitem opinar e propagar falsidades sobre o processo político interno no Brasil".

Diplomatas ouvidos pelo Estado disseram que, quando um país age desta forma em relação ao Brasil, o Itamaraty reage com decisão semelhante. Com isso, caso a retirada se confirme oficialmente, a qualquer momento, Brasil poderá retirar seu embaixador de Caracas.

Unasul e governos latino-americanos dizem temer que 'instabilidade' no Brasil afete a região

• Segundo o secretário-geral do organismo, Ernesto Samper, há atores políticos no País 'que estão fazendo política sem responsabilidade política'; governantes demonstram apoio a Dilma

- O Estado de S. Paulo

QUITO (EQUADOR) - A União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e governos latino-americanos se mostraram temerosos com a instabilidade que o afastamento da presidente Dilma Rousseff pelo Senado, aprovado na manhã da quinta-feira, 12, possa trazer para a região.

Em entrevista coletiva em Quito, sede permanente da Unasul, o secretário-geral do organismo Ernesto Samper se pronunciou logo depois de o Senado aprovar a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Segundo o secretário-geral, há atores políticos no País "que estão fazendo política sem responsabilidade política".
Para a Secretaria-Geral da Unasul, acrescentou Samper, esses atores "estão comprometendo a governabilidade democrática da região de uma maneira perigosa".

O representante do bloco sul-americano reiterou que não existem acusações sobre a conduta da governante brasileira e, quanto às "acusações administrativas" feitas contra Dilma, considerou que não justificam "um processo de cassação como o que se iniciou".

Segundo Samper, se for aceito que tais acusações têm valor para isso, qualquer presidente poderia ser cassado "por uma simples atuação administrativa que se considere equivocada".

O ex-presidente da Colômbia, que governou entre 1994 e 1998, declarou ainda que o procedimento aberto no Brasil poderia violar "o princípio de separação de poderes" ao outorgar ao Congresso "a possibilidade de criminalizar atos administrativos".

No Brasil, "maiorias políticas parlamentares, de alguma maneira, desafiaram as maiorias cidadãs que se expressaram de maneira clara" em favor de Dilma, salientou Samper.

"Nós acreditamos que enquanto este processo seguir adiante ela segue ostentando o título de presidente constitucional do País", disse Samper, que solicitou, em nome da secretária-geral da Unasul que se garanta o direito de defesa da governante e que seja julgada com as garantias próprias de um Estado de Direito.

Governos. Após tomarem conhecimento da decisão do Senado de afastar a presidente Dilma Rousseff temporariamente, representantes dos governos latino-americanos divulgaram notas de apoio à presidente afastada.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, classificou a saída de Dilma como um “golpe de Estado” e um “sinal grave e perigoso para o futuro da estabilidade de todo o continente.”

Em carta enviada a Dilma, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega se disse “indignado” com o “processo antidemocrático”. O governo cubano falou em “contraofensiva reacionária do imperialismo”.

Evo Morales, da Bolívia, considerou um “atentado contra a democracia e a estabilidade política do Brasil e da região”, enquanto O governo colombiano disse esperar que a “estabilidade" brasileira se preserve. / EFE

Em editoriais, jornais estrangeiros discordam sobre afastamento de Dilma

• Financial Times dá confiança na equipe econômica de Temer; Guardian fala que reforma política deveria acontecer, não impeachment, e New York Times afirma que Dilma paga preço 'desproporcionalmente alto' por seus erros

Agência Estado - O Estado de S. Paulo

LONDRES - Jornais estrangeiros dedicaram espaço em seus editoriais para falar da situação política no Brasil nesta sexta-feira, 13, um dia depois de Michel Temer assumir interinamente a Presidência da República. Os britânicos "Financial Times" (FT) e "The Guardian" trouxeram visões diferentes sobre o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. O FT classificou o afastamento como "longe de ser perfeito", mas destacou que, se Temer conseguir colocar a economia de volta aos trilhos e continuar com a luta contra a corrupção, "deixará um legado considerável". Já o Guardian publicou duro editoral, criticando o processo e avaliando que o sistema político é que deveria ser julgado, e não a presidente da República.

FT. O editorial do FT diz que Temer enfrenta uma "tarefa assustadora" na presidência da República com uma crise tripla: econômica, ética e política. No topo das prioridades, o FT diz que está a situação da economia. A nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda e o rumor de que Ilan Goldfajn pode ir para o Banco Central são "encorajadores", diz o jornal, que avalia a equipe econômica como "digna de confiança".

O editorial argumenta que nomes como Meirelles e Goldfajn podem gerar um choque positivo nas expectativas, o que já ajudaria a reduzir os prêmios de risco e o custo do crédito para o Brasil. O FT diz que é um bom começo, mas ainda muito longe das reformas estruturais que o Brasil precisa executar para religar a economia.

Sobre a crise ética, o FT lembra que a Operação Lava Jato pesa sobre boa parte do Congresso e até sobre o próprio Temer. Por isso, o editorial defende que o presidente em exercício "deve permitir que as investigações continuem seu curso". "Mesmo se isso o deixar exposto. Qualquer coisa diferente vai correr o seu já magro apoio popular".

O editorial diz ainda que é preciso enfrentar o problema político que torna o Brasil "uma das democracias presidenciais mais fragmentadas e complexas do planeta".

Sobre esse tópico, porém, o FT diz que essa é uma tarefa para o próximo presidente da República que será eleito em 2018.

Ao reconhecer a controvérsia sobre a argumentação jurídica que baseia o processo de impeachment, o FT reconhece que o resultado do desdobramento da crise política visto na quinta, 12, "está longe de ser perfeito". "Se ele conseguir colocar a economia em uma trajetória mais segura e deixar que o combate à corrupção continue, deixará para trás um legado considerável. Há muitos 'se', mas não é inconcebível que ele conseguirá transformar em realidade".

Guardian. O editorial do The Guardian defende que o Brasil deveria ter uma profunda reforma para tornar a política mais funcional e honesta, mas lamenta que a equipe apresentada na quinta mostra que é "muito duvidoso" que o governo Michel Temer dará esse salto.

O Guardian diz que o sistema político brasileiro é tão disfuncional que a corrupção é "praticamente inevitável" para a governabilidade. "Dilma herdou esse legado infeliz e começou a perder o controle em um período de declínio econômico e quando a corrupção, graças à polícia e a promotores independentes, começava a se tornar um escândalo de proporções crescentes". O texto também cita que também houve preconceito machista e ressentimento da direita que nunca aceitou a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

"O elemento tóxico final na crise foi a percepção de muitos políticos que os procuradores poderiam pegar mais e mais deles e uma maneira de evitar ou minimizar essa possibilidade poderia ser distrair a atenção e tomar o controle político com o processo de impeachment da chefe de Estado", cita o editorial. O Guardian diz que "a ironia é que muitos dos acusadores são acusados e por pecados piores". O texto cita Eduardo Cunha e lembra que Dilma não é acusada, nem investigada por corrupção.

Diante desse quadro, o Guardian defende que "o que deveria estar em julgamento acima de tudo é o modelo político brasileiro que falhou". O texto lembra da infinidade de partidos políticos e a incongruência de um sistema que elegeu Dilma como presidente com a maioria dos votos, mas deu 20% dos assentos ao partido do chefe do Executivo.

Para conseguir governar, então, o Executivo oferece cargos para atrair partidos, o que dificulta a formulação de políticas, já que muitas vezes os grupos políticos indicam nomes incompetentes, cita o texto. "Para piorar, até mesmo os grandes partidos não podem levantar dinheiro suficiente das fontes legítimas para fazer a campanha em um país enorme e com muitos níveis de governo. As eleições brasileiras são tão caras como as norte-americanas", diz o editorial, que menciona que, no caso do PT e outros partidos, a Petrobras foi usada como fonte de recursos.

"O novo governo brasileiro deveria iniciar uma mudança constitucional radical que pudesse fazer a política mais funcional e honesta. Mas saber se o novo governo que o vice-presidente Michel Temer está montando será capaz de dar esse salto é, infelizmente, muito duvidoso", diz o Guardian.

New York Times. Em um editorial publicado nesta sexta-feira, o jornal The New York Times afirma que Dilma Rousseff paga um preço "desproporcionalmente alto" por erros administrativos que cometeu, enquanto vários de seus maiores detratores são acusados de crimes mais flagrantes. Com o título "Fazendo a crise política piorar", o editorial do maior jornal dos Estados Unidos defende que os brasileiros deveriam ter o direito de eleger um novo presidente.

O Times avalia que Dilma pode ter sido uma governante "ruim" e uma líder "decepcionante", mas foi eleita duas vezes nas urnas e não há evidência de que ela usou seu cargo para enriquecimento pessoal, enquanto outros políticos que a acusam e orquestraram a saída da presidente estão envolvidos em escândalos de corrupção e recebimento de propinas. Muito da ira destinada a Dilma pode se voltar agora para os políticos em Brasília acusados de corrupção, ressalta o texto.

Para o Times, o ideal seria que fossem realizadas novas eleições. "O Brasil está se recuperando da pior recessão desde 1930 e agora a crise política está reduzindo a fé na sua jovem democracia", afirma o jornal no editorial. O texto ressalta que o presidente em exercício Michel Temer foi condenado pela Justiça eleitoral e está inelegível por oito anos e que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que aceitou o pedido de impeachment de Dilma, foi afastado por denúncias de corrupção.

A foto de Dilma aparece na capa do New York Times nesta sexta-feira, em uma reportagem contando os acontecimentos de ontem no Brasil, com a posse de Temer. O jornal dá destaque para o fato de o ministério do peemedebista ser composto apenas por homens e que seu governo pode representar uma guinada para a direita, como tem acontecido com outros países da América Latina, casos de Argentina e Paraguai.

O Times dedica duas páginas da edição de hoje para falar da situação política do Brasil. Em uma das reportagens, conta a história do PT, destacando que o impedimento põe fim a 13 anos do partido no poder. O texto destaca a alta popularidade do partido durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que despencou em seguida após uma sucessão de escândalos e a crise econômica. / Colaborou Altamiro Silva Junior

No Itamaraty, Serra rejeita críticas de bolivarianos

Serra: países bolivarianos propagam falsidades

• Com tom diferente ao de Dilma e Lula, ministro rejeita em comunicados posição de latinos sobre impeachment

Eliane Oliveira - O Globo

BRASÍLIA - Agora sob o comando do senador tucano José Serra (PSDB-SP), o Itamaraty mudou radicalmente o tratamento dado nas gestões petistas aos países chamados bolivarianos. O Ministério das Relações Exteriores reagiu ontem às manifestações de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, além de organizações de esquerda latino-americanas, de que o afastamento da presidente Dilma Rousseff teria sido um “golpe de Estado". Em dois comunicados divulgados quase que simultaneamente ontem, o Itamaraty rejeitou “enfaticamente” as interpretações em torno do impeachment de Dilma.

Um dos comunicados diz que esses países, assim como a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Cooperação dos Povos (ALBA/ TCP), permitem-se “opinar e propagar falsidades sobre o processo político interno no Brasil”, que teria se desenvolvido em quadro de absoluto respeito às instituições democráticas e à Constituição Federal.

“Como qualquer observador isento pode constatar, o processo de impedimento é previsão constitucional; o rito estabelecido na Constituição e na Lei foi seguido rigorosamente, com aval e determinação do STF; e o Vice-Presidente assumiu a Presidência por determinação da Constituição Federal, nos termos por ela fixados”, diz um dos comunicados.

Em outra nota, o Ministério das Relações Exteriores se dirige diretamente ao secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper. No comunicado, o Itamaraty repudia recentes declarações de Lamper sobre a conjuntura política no Brasil, “que qualificam de maneira equivocada o funcionamento das instituições democráticas do Estado brasileiro”.

Na última quinta-feira, no dia da posse de Temer e seus ministros, Ernesto Samper declarou que o ocorrido “compromete a governabilidade democrática da região em um caminho perigoso”. Em referência à reeleição de Dilma em 2014, ele afirmou que “o que aconteceu no Brasil é que uma maioria política mudou o que a maioria dos cidadãos expressou, por eles mesmos, em claro favor de Rousseff ”. Chamou o impeachment de “ruptura democrática”.

Argumentos preconceituosos
O Itamaraty rebateu, dizendo que os argumentos usados por Samper são absurdos, preconceituosos, equivocados e infundados. “Os argumentos apresentados, além de errôneos, deixam transparecer juízos de valor infundados e preconceitos contra o Estado brasileiro e seus poderes constituídos e fazem interpretações falsas sobre a Constituição e as leis brasileiras. Além disso, transmitem a interpretação absurda de que as liberdades democráticas, o sistema representativo, os direitos humanos e sociais e as conquistas da sociedade brasileira se encontrariam em perigo. A realidade é oposta”, informa o comunicado.

As manifestações de líderes de esquerda latino-americanos eram frequentes meses antes da votação do impeachment de Dilma pelo Congresso. Em março, por exemplo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, pediu ao colega Tabaré Vázquez, do Uruguai — país que exerce a presidência temporária da Unasul — que convocasse uma reunião de cúpula de emergência no Brasil, para defender Dilma e seu antecessor, Lula.

Apelo semelhante foi feito pela Venezuela ao Mercosul. Porém, não há consenso no bloco sul-americano e, por isso, a chance de o Brasil ser suspenso por causa do impeachment é zero. Um dos principais opositores é o Paraguai que, há dois anos, foi suspenso em razão do afastamento do então presidente Fernando Lugo pelo Congresso daquele país.

As manifestações contrárias ao impeachment de Dilma se intensificaram nos dois ú’ltimos dias. Na quinta-feira, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e membros de equipe chegaram a conclamar a população de Caracas a irem a uma manifestação em solidariedade a Dilma na Praça Bolívar. Por meio do diário oficial, Cuba expressou sua solidariedade a Dilma e Lula.

O presidente do Equador, Rafael Correa, expressou sua “profunda preocupação” pela situação política no Brasil e ressaltou seu respaldo a Dilma, “legítima depositária do mandato popular”. Já o nicaraguense Daniel Ortega chamou de o impeachment de “armação jurídica.”

Próxima fase do referendo contra Maduro deve começar no dia 3 de junho

• Coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática exige que a validação das assinaturas coletadas comece imediatamente

- O Estado de S. Paulo

CARACAS - A próxima fase para a ativação de um referendo revogatório contra o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, deve se iniciar no dia 3 de junho, anunciaram as autoridades eleitorais na quinta-feira, desconsiderando as exigências da oposição de que as assinaturas dos solicitantes sejam validadas imediatamente.

A reitora do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Socorro Hernández, disse que a auditoria das planilhas, com 1,8 milhão de assinaturas entregues pela oposição para que a consulta seja ativada, deve ser concluída em 2 de junho.

"A auditoria das planilhas será realizada do dia 18 de maio até 2 de junho", afirmou Hernández, em entrevista ao canal estatal VTV.

Após finalizar a contagem das assinaturas, na segunda-feira, o CNE vai digitalizar esse material entre 16 e 20 de maio e depois iniciará a auditoria, acrescentou a reitora.
Embora precisasse apenas de cerca de 200 mil firmas para pedir a ativação do referendo revogatório, a oposição entregou 1,8 milhão em 2 de maio, seis dias após o início do prazo de coleta, de 30 dias. O período será usado pelo CNE para revisar as planilhas.

A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) exige, porém, que o CNE dê o próximo passo após a contagem, ou seja, imediatamente, e convoque os cidadãos para que validem suas assinaturas com a impressão digital.

Hernández afirmou que sua obrigação é revisar todas as que foram entregues. "Se nos entregam dois milhões de assinaturas, temos de fazer o trabalho de dois milhões", justificou a reitora.

Caso as assinaturas sejam validadas, a MUD deverá coletar mais quatro milhões em três dias para que o referendo seja convocado.

A oposição espera realizar a consulta até o final do ano, mas o governo afirma que isso não será possível em razão dos prazos legais.

Hernández indicou que a MUD poderia ter solicitado o referendo em 11 de janeiro, um dia depois de Maduro ter completado metade de seus seis anos de mandato, e não em 26 de abril, como foi feito. Anteriormente, a coalizão, que controla o Parlamento, impulsou uma emenda para reduzir o mandato do presidente socialista.

Considera-se que o atual período presidencial começou em 10 de janeiro de 2013, data em que Hugo Chávez deveria assumir um novo mandato após sua reeleição no ano anterior. Naquele momento, o presidente lutava contra um câncer e delegou o governo a Maduro, então vice-presidente.

Após a morte de Chávez, em 5 de março de 2013, foram realizadas novas eleições, com a vitória de Maduro. O atual presidente tomou posse em 19 de abril daquele ano.

A oposição quer realizar o referendo antes que Maduro complete quatro anos de governo. Se a consulta for feita após esse período e Maduro perder, seu vice-presidente assume e termina seu mandato. /AFP

Maduro decreta estado de exceção na Venezuela devido a 'planos de golpe'

Samy Adghirni – Folha de S. Paulo

CARACAS - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decretou na noite desta sexta-feira um estado de exceção para enfrentar supostos planos de golpe de Estado e "ameaças" por parte dos EUA.

Maduro não deu detalhes sobre o alcance da medida, que foi justificada como necessária para proteger a Venezuela após o "golpe" contra a aliada Dilma Rousseff no Brasil.

Espera-se que o decreto seja detalhado quando for publicado no Diário Oficial, em princípio até segunda-feira (16).

Pela lei venezuelana, o estado de exceção garante poderes especiais ao presidente e pode levar à restrição de alguns direitos civis em caso de eventos que "afetem gravemente a segurança da nação."

Críticos temem que a medida possa ser usada para proibir manifestações opositoras e emperrar esforços para convocar um referendo revogatóriocontra o presidente ainda neste ano.

Maduro afirmou que o estado de exceção faz parte da versão atualizada e estendida por mais 60 dias de um controverso decreto de emergência econômica que garante ao Executivo poderes adicionais para intervir no setor privado.

"Decreto hoje, sexta 13 de maio, um estado de exceção e de emergência econômica constitucional para proteger a nossa pátria", disse Maduro durante um conselho de ministros transmitido em cadeia de rádio e TV a partir do palácio presidencial de Miraflores.

"Estão sendo ativadas medidas desde Washington, pedidas e promovidas por setores da direita fascista venezuelana, que está toda confiante após o golpe no Brasil", afirmou Maduro, que também anunciou ter convocado de volta a Caracas o embaixador venezuelano em Brasília.

"Peço todo o apoio para que continuemos preparando os planos de defesa do país. Não subestimamos todas estas ameaças. É hora de defender a paz e a pátria, nacional e internacionalmente".

Emergência econômica
O decreto de emergência econômica entrou em vigor depois de a crise econômica ter levado os venezuelanos a votar em massa na oposição na eleição parlamentar de dezembro.

A medida dá ao governo carta branca para expropriar empresas e bens privados sob a justificativa de que a gravidade da crise exige a mobilização de todos os recursos possíveis para aprimorar a produção e distribuição.

O pacote também pretendia permitir a Maduro aprovar orçamentos especiais sem consultar o Parlamento.

Temer pode desistir de fusão dos ministérios da Cultura e da Educação

• Reação de artistas levou à articulação, que pode levar MinC para a Presidência

André Miranda e Renata Mariz - O Globo

A reação de artistas e produtores culturais contra o fim do Ministério da Cultura (MinC) pode ter tido resultado, ao menos em parte. Articulou-se durante a tarde de ontem, em Brasília, a criação de uma Secretaria Nacional de Cultura, que seria ligada diretamente à Presidência da República e não mais abaixo da estrutura do Ministério da Educação (MEC), como foi anunciado na posse de Michel Temer como presidente interino. Um nome cotado para o cargo é o do ator Stepan Nercessian, que já foi deputado pelo PPS.

O MinC foi extinto na quinta-feira, primeiro dia do governo Temer. Com o objetivo de enxugar os ministérios, os assuntos da pasta voltaram a integrar a estrutura do Ministério da Educação (MEC), como era antes da fundação do MinC, há 30 anos. Para cuidar das duas áreas, o escolhido foi Mendonça Filho (DEMPE), político sem ligação com setores culturais.

Roberto Freire não aceitou
Como, durante as negociações para a formação de seu ministério, Temer acertou que a gestão cultural seria de responsabilidade do PPS, caberia a Roberto Freire, presidente nacional do partido, fazer a indicação de quem seria o responsável pela área. O próprio Freire foi especulado como um novo secretário de Cultura dentro do MEC, abaixo do ministro Mendonça Filho, mas ele negou ao GLOBO que vá assumir o cargo. Há uma semana, ele teria sido convidado para assumir o MinC, antes de Temer decidir extinguir a pasta.

O fim do ministério gerou amplas críticas do setor, pelo enfraquecimento que a Cultura teria dentro do MEC. A Associação Procure Saber — formada por músicos como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan e Marisa Monte —e o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP) — que reúne Sérgio Ricardo, Ivan Lins, Leoni, Frejat, Fernanda Abreu e Tim Rescala, entre outros — escreveram uma carta aberta em conjunto a Michel Temer. “Entre as grandes conquistas da identidade democrática brasileira está a criação do Ministério da Cultura, em março de 1985, pelo então presidente José Sarney”, dizia o texto.

— Não podem transformar isso numa revanche do governo Dilma, como querem fazer com os programas sociais — reage Roberto Freire. — A cultura não será esvaziada, a única coisa que vai acabar é o gabinete do ministro.

Stepan Nercessian já foi sondado por Roberto Freire para ocupar a possível secretaria e sinalizou que aceitaria o cargo. Faltaria, apenas, articular dentro do governo a mudança de estrutura em tão pouco tempo. Ontem, antes de seu nome ser especulado para a Cultura, Stepan escreveu em seu Twitter: “Meu primeiro projeto como Dep. Federal foi criar a Comissão Permanente de Cultura, separando-a da Comissão de Educação”.

— Houve uma conversa. Estamos esperando uma definição — afirma Stepan.

Dois ministros de Temer consultados sobre o assunto disseram que, no momento, não há definição sobre criação de uma pasta nova para a Cultura ou uma secretaria especial, mas esses mesmos ministros admitiram que o assunto pode vir a ser tratado mais adiante.

Vaias e protesto na Cultura
Vaias e gritos de “golpista” marcaram o primeiro dia de Mendonça Filho à frente do Ministério da Educação e Cultura (MEC). De manhã, ele se apresentou aos servidores da Educação, onde manifestantes isolados fizeram protestos. À tarde, na pasta da Cultura, Mendonça foi duramente hostilizado por grupos que, além de levantar palavras de ordem, seguravam cartazes de oposição ao novo ministro, com a inscrição “vaza”.

Mendonça chegou a ser aconselhado a não comparecer no evento. Na porta do Ministério da Cultura, o filho dele foi abordado por um servidor que, achando se tratar de um assessor, afirmou que os ânimos estavam muito exaltados. O rapaz disse que ele entraria mesmo assim. No auditório, lotado e quente, os assentos reservados a assessores e parentes de Mendonça tinham sido ocupados. Manifestantes tomaram o palco, onde se posicionaram atrás do ministro com cartazes.

Sob vaias, mas também com pedidos de outros servidores para que houvesse silêncio, o ministro disse que não haveria caça às bruxas, que estaria aberto ao diálogo e que todas as iniciativas importantes da pasta, fundida com o Ministério da Educação, serão preservados.

— No final, foi positivo. Eu me fiz ouvir. Sou político, estou acostumado a vaias e aplausos — avaliou Mendonça.

Stepan Nercessian: 'Há minorias na Cultura que só representam elas próprias'

• O ator foi indicado pelo PPS para o assumir posto da Secretaria Nacional de Cultura, que ainda não confirmou a nomeação

Julio Maria e Pedro Venceslau – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As pressões do setor artístico, contrário à extinção do MinC, fizeram o presidente em exercício Michel Temer ampliar os poderes da pasta, que se tornaria apenas uma área subordinada ao MEC (Ministério da Educação e Cultura). A nomenclatura agora é Secretaria Nacional de Cultura, que vai funcionar, segundo o ministro Mendonça Filho, com “autoridade e autonomia”. “As atribuições do MinC passarão para a Secretaria Nacional de Cultura. Todas as entidades indiretas vinculadas ao MinC serão preservadas”, afirmou, em discurso tumultuado da sexta (13), na sede do antigo MinC, em que começou sendo vaiado. Ele se referia à Funarte, Fundação Cultural Palmares, Fundação Casa de Rui Barbosa, Biblioteca Nacional, Iphan e Ancine.

Fontes no governo afirmam que, na próxima semana, haverá um encontro com a classe artística para a definição de um nome com aprovação do setor. A preferência da pasta será por uma mulher, depois das críticas com relação à equipe predominantemente masculina. Enquanto isso, o ator e deputado federal Stepan Nercessian (PPS-RJ) foi sugerido por seu partido para assumir a nova Secretaria Nacional de Cultura.

Stepan. 'Há lideranças de minorias que só representam elas próprias'
Ao Estado, Stepan confirmou o convite: “O deputado Roberto Freire (PPS) ligou hoje perguntando se eu aceitaria. Eu aceitei, meu nome está lá”. Fontes, no entanto, não confirmam a presença de Nercessian na nova equipe. Mesmo que ainda “processando a informação”, a fala de Nercessian dá sinais da direção que a Cultura tomaria em suas mãos.

Ao contrário do ministro Mendonça Filho, que afirmou na quinta (12) ao Estado que não faria ruptura com projetos anteriores que estivessem bem estabelecidos na Educação, Nercessian se coloca com disposição para rever iniciativas. “As instituições da Cultura estão partidarizadas, e Cultura não pode ter partido. É preciso desaparelhar o ministério.” Sobre as ações das gestões anteriores, iniciadas com um redimensionamento das propostas do MinC a partir de Gilberto Gil (2003), ele faz ressalvas. “Sou cético com relação a certas conquistas. Há hoje na Cultura muitos casos de lideranças de minorias que acabam representando elas próprias.”

Os Pontos de Cultura, que cruzam ideias culturais e viabilidade econômica em regiões de grande vulnerabilidade social, seriam um alvo do revisionismo de Nercessian. “Vejo na Câmara dos Deputados muita insatisfação mesmo com projetos considerados conquistas. Os Pontos de Cultura ficaram emperrados na gestão do PT, muitos desapareceram. Precisamos primeiro ver como estão, quanto custam, o que pode ser mais eficiente e reduzir gastos desnecessários.”

Vaias. Um dia depois de tomar posse como ministro da Educação e Cultura, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) foi recebido com vaias e cartazes de protesto por funcionários da Cultura em uma reunião de apresentação, mas garantiu que pretende preservar fundações ligadas à pasta e programas de incentivo, como a Lei Rouanet.

Apesar do clima hostil, o ministro conseguiu controlar a situação e fez uma intervenção garantindo a continuidade dos projetos anteriores. No primeiro desenho da reforma ministerial, Michel Temer pretendia preservar o MinC. O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), chegou a ser convidado para ocupar a pasta, mas o vice-presidente mudou de ideia poucos dias antes da votação da admissibilidade do impeachment no Senado.

“Alguns setores da Cultura são meros aparelhos partidários”, diz Freire, sem citar nomes. Ele garante que as leis de incentivo, como a Rouanet, serão preservadas. “A Lei Rouanet não vai acabar. Esse boato faz parte de uma campanha daqueles que precisaram sair do ministério”, afirmou.

Bolsa interrompida. Em outro momento tenso no seu primeiro dia à frente do MEC, Mendonça Filho teve que desmentir rumores, divulgados nas redes sociais, de que acabaria com o programa Bolsa Permanência, que mantém estudantes em situação de vulnerabilidade em universidades pagas.

Repercussão. As reações no setor artístico ao fim do MinC seguiram por todo o dia. Depois de uma coletiva de imprensa para falar da Virada Cultural de São Paulo, a secretária de Cultura da Cidade, Maria do Rosário Ramalho, disse ao Estado:

“Estamos vivendo um grande retrocesso. É uma tragédia”. Ela fala do temor da interrupção de uma cadeia que une as esferas de governo chamada Sistema Nacional de Cultura. Claudia Leitão, ex-secretária de Economia Criativa na gestão Gil, disse: “A Idade Média começa hoje. Saímos do século 21 e fomos para o século 11 em um dia”.

Com repercussão negativa, Temer decide dar peso político à Cultura

Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com a repercussão negativa da extinção do Ministério da Cultura, o presidente interino Michel Temer decidiu criar uma secretaria nacional de cultura, dando maior peso político a estrutura que será subordina ao Ministério da Educação.

O corte da pasta, existente desde 1985, gerou reclamações tanto de produtores como de artistas, que recearam a possibilidade do setor cultural ser relegado a segundo plano em uma gestão do peemedebista.

As queixas levaram o presidente interino até mesmo a cogitar um recuo na possibilidade de extinguir a pasta, para oferecê-la ao PPS, hipótese que acabou sendo descartada posteriormente.

A proposta de criação de uma estrutura ampla, e não apenas um departamento para a área, deverá ser discutida no final de semana entre o peemedebista e o novo ministro da Educação, Mendonça Filho.

A ideia é nomear para o posto um nome de peso na área, que seja ligado ao setor artístico e que tenha experiência em gestão pública. Para tentar arrefecer também a crítica da ausência de mulheres no primeiro escalão ministerial, a equipe do presidente interino tem defendido nomes do sexo feminino.

Além da nova estrutura, o peemedebista tem procurado nomes para o comando da Funarte, órgão responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas na área cultural.

O PPS tem defendido a indicação para o posto do ator Stepan Nercessian, filiado ao partido.

‘Não vou fazer milagres em dois anos’, afirma Temer

• Presidente diz à ‘Época’ que missão mais urgente é arrumar economia

- O Globo

O presidente interino, Michel Temer (PMDB), afirmou que pretende colocar o país nos trilhos, mas admitiu ser impossível fazer milagres em dois anos, caso o afastamento da presidente Dilma Rousseff seja definitivo. Em entrevista à revista “Época”, a primeira feita à imprensa desde que assumiu o cargo, Temer estabeleceu quatro prioridades para seu governo: melhorar a economia, restaurar a relação com o Congresso, equilibrar a relação entre União e estado e mudar a cultura política do país.

O presidente disse reconhecer que tem diante de si um grande desafio e que “ainda não caiu a ficha" de que é “de fato o responsável por tirar o país de uma das mais graves crises do país".

— Quero, com a ajuda de todos, botar o país nos trilhos nesses dois anos e sete meses. Quero que, ao deixar a Presidência, olhem para mim e digam ao menos: ‘Esse sujeito arrumou o país — disse Temer à revista, sem deixar de lado o tom realista:

— Não vou fazer milagres em dois anos.

Assim como em seu primeiro pronunciamento, durante a posse dos novos ministros, na quinta-feira, o presidente interino deixou claro que a economia é a sua maior prioridade.

— Primeiro e mais urgente, é claro, arrumar o que está mais desarrumado: a economia — disse o presidente.

Michel Temer afirmou que tem plena confiança em Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e em sua equipe:

— Eles terão autonomia para fazer os ajustes necessários e transmitir a confiança que perdemos.

Outra meta, a de melhorar a relação do Planalto com o Congresso, é considerada essencial pelo presidente.

— Fui presidente da Câmara por três vezes e sei bem o quanto é necessário ter diálogo com os parlamentares e manter o respeito pelas ideias diferentes — explicou.

Com relação ao terceiro ponto, o de equilibrar a relação entre a União e os estados, Temer ressaltou a importância de “recompor o pacto federativo para que tenhamos uma verdadeira federação”.

Mudar a cultura política do país é a sua quarta prioridade.

— Ninguém mais lê a Constituição. Digo isso no sentido de que há um desrespeito profundo pelas leias e pelas instituições — declarou.

Na entrevista, Temer reconheceu que enfrentará dias difíceis, mas que confia na sua equipe para vencer os desafios.

— Não é porque é impossível fazer milagres que não se devem estabelecer metas ambiciosas, como as que delineei. É possível fazer muito, não tenho dúvida. E se não houver ambição, qual o propósito de se tentar?

Temer pede auditoria para expor cortes em programas sociais sob Dilma

Daniela Lima, Marina Dias e Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente interino, Michel Temer (PMDB), determinou que sua equipe faça uma auditoria na execução orçamentária de programas como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Pronatec para expor a queda de desembolsos na gestão Dilma Rousseff e, assim, desferir um contra-ataque às acusações feitas pelo PT de que promoverá cortes na área social.

A ordem de Temer foi exposta nesta sexta (13) por três ministros do novo governo, que deram linhas gerais das decisões anunciadas pelo peemedebista em sua primeira reunião de trabalho. Segundo eles, o presidente interino tornará "públicas" todas as informações relativas ao andamento dos programas sociais.

A ideia é que cada pasta e empresa envolvida na execução dessas ações faça um detalhamento dos repasses e do total de beneficiários.

Com isso, a equipe de Temer quer provar que, na verdade, a área social foi uma das vítimas da política econômica implementada por Dilma e do consequente ajuste nas contas do governo ainda sob a batuta da petista.

"Esses programas já foram muito cortados e vamos anunciar que foram cortados. O próprio governo Dilma reduziu a efetividade [deles]", disse Ricardo Barros (PP-PR), novo titular da Saúde.

A determinação foi reforçada pelo ministro do Planejamento, Romero Jucá (PMDB-RR). Segundo ele, "alguns programas" sociais estão "com subfuncionamento". "Isso também será tornado público para não responsabilizarem o novo governo pelas diminuições já feitas".

Inchaço
Os ministros ainda adiantaram que, neste pente-fino, levarão em conta relatórios da CGU (Controladoria-Geral da União) que apontam um inchaço e o pagamento indevido a beneficiários do Bolsa Família que, segundo eles, na verdade, não se encaixam nos parâmetros do programa.

"A CGU tem dezenas de relatórios mostrando que em torno de 30% ou 40% [dos beneficiários] estão desenquadrados da lei que determina as faixas de renda", disse o ministro da Saúde.

O ministro do Planejamento, por sua vez, afirmou que haverá uma tentativa de cruzar dados dos diversos sistemas que coletam informações de beneficiários de programas sociais para identificar duplicidade de pagamentos.

"A ideia é dar efetividade e justeza aos atendimentos dos programas sociais. Eles serão mantidos, ampliados e melhorados, corrigindo eventuais equívocos", afirmou.

Ainda na tentativa de vacinar a gestão Temer das críticas a essas iniciativas, Jucá tentou modular o discurso sustentando que "não haverá corte em programas sociais que estejam funcionando".

"Infelizmente, nos programas atuais os cadastros não se falam, não se cruzam. Vamos ter o cuidado de fazer o cruzamento e análise efetiva de quem esta recebendo e o que está recebendo. Se em dobro ou não", finalizou o ministro.

Mulheres no segundo escalão
Os ministros ainda tentaram minimizar as críticas sobre o "retrato" da nova Esplanada, que não tem mulheres ou negros à frente de pastas.

Eliseu Padilha afirmou que a composição do governo Temer foi desenhada em parceria com partidos políticos e sugeriu que foram as siglas que não indicaram mulheres para ministérios.

O ministro ressaltou que, nesta sexta (12), Temer divulgou sua escolha para a chefia de gabinete e que quem vai comandar a área é "uma mulher", Nara de Jesus. Ele disse ainda que o governo interino se esforçará para nomear mulheres para postos nas secretarias especiais que foram fundidas a ministérios.

Lula admite que PT não tem alternativas para 2018

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu, em recentes conversas, a falta de alternativas do PT, além dele próprio, para a disputa presidencial de 2018 após a abertura do processo de impeachmentcontra a presidente Dilma Rousseff.

Lula reclama de o PT "não criar quadros". O ex-ministro-chefe da Casa Civil Jaques Wagner e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, são as opções que defende para a corrida presidencial.

A aliados, Lula reconheceu, no entanto, que, sem cargo na Esplanada dos Ministérios, Wagner dificilmente terá a exposição necessária para se promover para a disputa eleitoral.

Lula sugere que ex-ministros recém saídos do governo Dilma passem a integrar o comando do partido.

Ricardo Berzoini e Miguel Rossetto serão, por exemplo, escalados para funções partidárias. Vice-presidente do PT, Paulo Teixeira (SP) afirma que a proposta é "adensar" a cúpula partidária para a defesa de Dilma até o julgamento final do impeachment.

Há dúvidas sobre a conveniência eleitoral de Wagner engrossar a cúpula do partido num momento de desgaste da sigla. Além disso, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró afirmou, num acordo de delação premiada, que em 2006, a campanha do ex-ministro ao governo da Bahia foi abastecida por propina, o que o petista nega.

Uma eventual candidatura de Haddad dependeria, por sua vez, de sua reeleição à Prefeitura de São Paulo neste ano. Embora o prefeito seja presença constante no instituto Lula, o ex-presidente tem recomendado que a imagem de Haddad seja preservada, evitando-se excessiva associação ao partido.

Em conversas, Lula afirmou ainda que se dedicará agora às eleições municipais para conter perdas ainda maiores do que as já provocadas pela Operação Lava Jato e o desgaste do governo Dilma.

O presidente do PT, Rui Falcão, convocou para segunda (16) uma reunião da Executiva Nacional do PT para discutir a estratégia do partido no pós-impeachment. Na terça (17), será realizada uma reunião mais ampla, do Diretório Nacional. A pauta incluirá o debate sobre a convocação de novas eleições nacionais.

Entrevista. Luiz Werneck Vianna

• Para professor-pesquisador da PUC-RJ, presidente em exercício terá dificuldade ‘quase intransponível’ para legitimar seu mandato e implementar nova agenda

‘Temer tem que limpar o terreno agora para quem chegar em 2018’

Alexandra Martins – O Estado de S. Paulo

A chegada do governo interino de Michel Temer coincide com o desabrochar de uma sociedade com pretensões por autonomia, segundo o sociólogo Luiz Werneck Vianna. Essa nova organização não se vê tão representada politicamente, o que pode, segundo o professor da PUC-Rio, criar obstáculos “quase intransponíveis” para a nova conformação do Palácio do Planalto. “O que Temer tem que fazer agora é limpar o terreno para quem chegar em 2018”, afirma. Para ele, a ocorrência de dois processos de impeachment em menos de 25 anos faz crescer na sociedade a desconfiança com o regime presidencialista.


• Do ponto de vista de quem é contra o governo Temer, há o entendimento de que houve uma desvalorização do voto. Como o sr. vê essa questão?

O voto continua valendo o que vale. Está todo mundo interessado no voto em 2018. O País logo vai se mobilizar para as eleições municipais. A democracia brasileira se consolidou, vem se consolidando, as instituições vêm demonstrando capacidade de resistência, ou seja, a arquitetura constitucional de 1988 está passando por testes muito duros e está indo muito bem. A democracia política foi reforçada pelo discurso de todos, dos perdedores e vencedores. A Constituição se tornou uma língua geral da política brasileira. A questão que tem que ser verificada é como esse governo vai se encontrar com a opinião pública com tão pouco tempo para sanear as contas públicas. Esse ministério apresentado pelo governo Temer é um ministério politicamente muito denso e treinado.

• A resistência social ao governo Temer, representada pelo MST ou pela CUT, é um desafio para o presidente interino?

Uma coisa assustadora e terrificante é imaginar que tipo de governo esse tipo de esquerda que você menciona poderia compor um governo neste País. Imagine um ministério com o senador Roberto Requião (PMDB-PR) na Fazenda. As críticas vêm de pessoas que não se dão conta da natureza das coisas, dos processos novos que estão em curso no País e do mundo, que já não é mais o da Margareth Thatcher (primeira-ministra britânica de 1979 a 1990), mas o do Barack Obama (presidente dos EUA), do papa, da Angela Merkel (premiê alemã), da ONU. Essa esquerda que você citou ainda está no mundo de Ronald Reagan (presidente dos EUA de 1981 a 1989). O anacronismo é uma marca da cultura política brasileira, mas ela persiste porque a política foi usurpada da sociedade. O PT, que nasceu com vocação de simular a vida civil, associativa, da deliberação, do assembleísmo, tornou-se um partido de Estado, aparelhou e deseducou a sociedade.

• O que eu quero dizer é caso a resistência de movimentos sociais se imponha. Não pode ser um problema para o governo interino?

Não, o governo nasce com desafios muito fortes. A temperatura pode ser elevada, mas não vai passar de nada que seja muito impactante. É só tomar como referencia esse processo das ruas desde que o movimento do impeachment surgiu. Não houve nenhum atropelo, os conflitos foram mínimos, as ocorrências policiais praticamente foram inexistentes.
O novo lema do novo governo – ordem e progresso – parece dizer o contrário.
Não me parece um lema feliz. Está carregado com o pensamento do republicanismo autoritário da nossa tradição. É tão infeliz como pátria educadora (lema do segundo mandato do governo Dilma).

• Com vários implicados na Operação Lava Jato, o PMDB pode tentar silenciar as investigações?

As investigações vão se aprofundar porque o Judiciário e a Polícia Federal, a essa altura, ganharam uma autonomia irreversível. Tentativa sempre poderá haver, mas me parece que não encontrarão sustentação, inclusive porque teremos uma opinião pública vigilante.

• Como o sr. avalia a chegada do velho PMDB ao poder?

O momento é de enorme dificuldade para todos. Não se governa este País sem o PMDB, o Lula aprendeu isso. O partido tem capilaridade, é uma força da tradição. Como se governa esse País sem o centro político? Pela esquerda? A Dilma tentou. Tem que entender porque a Dilma perdeu capacidade de sustentação. Não foi um movimento político e social que fez emergir o governo Temer. Ele está emergindo porque caiu a política do governo, a economia e também no plano ético-moral. A saída institucional é o Temer assumir.

Como o governo interino de Michel Temer vai obter legitimidade?

Ele vai ter que se legitimar pelas políticas, demonstrando capacidade de pôr a economia nos eixos, de animar a sociedade com novos horizontes. É um cenário muito difícil. Qual seria a alternativa? Novas eleições? Você convocar eleições a partir dessa ruína, sem que a sociedade tenha tempo de se organizar, para criar espaço para um herói providencial, um cavaleiro da fortuna de sabe-se lá onde? Quantos votos terá Bolsonaro (Jair, deputado do PSC-RJ)? De onde vem o cavaleiro da fortuna, sem apoio, com linguagem demagógica? A Dilma não está sendo derrubada.

• Mas ela não foi condenada.

Mas o governo dela derruiu. A acusação é de crime de responsabilidade fiscal.

• Não está provado. Do contrário teremos que tirar vários governadores deste País, não?

Essa argumentação é como se nada tivesse acontecido. Este País está sem governo. Há quanto tempo a Dilma não governa? Inclusive ela não gosta e não sabe governar. As lideranças mais conscientes têm consciência disso, de que as coisas chegaram a esse ponto por incompetência política e administrativa dela, pelos erros dela. Derruiu. O que fica no lugar? Fica no lugar um vice e as instituições. A política brasileira tem que ser pensada agora de forma absolutamente responsável, sob pena de entrar numa conjunção que vai fazer com que todas as nossas conquistas sejam perdidas. Retrocesso é perder o que conquistamos do ponto de vista político institucional. Estamos numa situação revolucionária? Certamente não, inclusive porque os partidos revolucionários não estão aí. O que você tem é uma retórica de alguns pouquíssimos revolucionários. A questão da terra se resolve com Kátia Abreu no ministério (da Agricultura)?

• E resolve agora com Blairo Maggi (deputado PP-MT, novo ministro da Agricultura)?

Vai continuar igual porque a situação não te permite botar o Stédile (João Pedro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) na Agricultura ou no Desenvolvimento Agrário. Aliás, não há partido agrário camponês no Brasil. Stédile podia ter montado um, mas não montou.

• O PSDB está bem contemplado com três ministérios?

O novo governo está buscando sustentação no Parlamento. Ele conseguiria isso com um grupo de notáveis com um programa de esquerda na mão? Os partidos estão em ruínas. O PSDB só tem califa querendo o lugar do califa, é uma luta pelo poder desvairada. Não tem quadros, só nos vértices, mas estão todos envolvidos em projetos pessoais de grandeza. Tem o Fernando Henrique Cardozo, que já não tem ambição do califado e ainda mantém os pretendentes no equilíbrio. Mas o PSDB não é um partido político moderno porque não tem cabeça, troncos e nem membros. A questão é como sair de uma barafunda dessa para um situação avançada, de enraizamento do governo na sociedade, criando uma agenda que possa ser produzida de uma forma que a sociedade entenda, legitime e aceite. Não é essa a situação atual.

• Dilma pode voltar?

Acho difícil. Se o governo Temer fracassar, uma nova eleição presidencial pode ocorrer no meio do caminho. É uma saída difícil do ponto de vista constitucional. Poder pode, mas a Dilma volta para governar com quem? Com que Parlamento?

• E Lula se recupera?

Lula é uma referência poderosa dentro do PT. Dizer que ele não está machucado seria uma ingenuidade. Deve estar sofrido. É um nome forte da política brasileira que não vai sair dela assim facilmente. É uma referência mais do que histórica, tem comando, liderança, talento político, mas malbaratado pela presidente que elegeu.

• O semiparlamentarismo, regime defendido por Temer, teria respaldo social?

Sim porque o presidencialismo brasileiro saiu malquerido nesse segundo impeachment. Foram dois em 25 anos, é muita coisa. E afora a história das crises politicas que têm sido a tradição do nosso presidencialismo, com Jânio Quadros, João Goulart e Getúlio Vargas. A sociedade brasileira está amadurecendo para o semipresidencialismo ou para formas de parlamentarismo mais presentes na vida das pessoas porque a sociedade está se organizando. Não tem como entender o período de 2013 para cá sem registrar que há um processo de auto-organização social na vida brasileira. Só que ela ainda não se encontrou com os partidos, com a política, mas vem se encontrando. Preste atenção no movimento dos adolescentes nas escolas públicas. Esse movimento tem a cara de 2013, de chamar atenção para o tema da educação, para auto-organização social. E logo que esse processo se aprofundar, essas lideranças carismáticas terão lugar. A sociedade está se educando, passando por um processo em que sua auto-organização é cada vez mais desejada por ela própria. Ela não está mais identificando a representação legislativa como resultado de sua vontade. É claro que um governo com as características do Temer, que não saiu das urnas, vai ter uma dificuldade quase intransponível para realizar a agenda de mudanças necessárias. O que ele pode fazer agora é limpar o terreno para aquele que virá em 2018 levar adiante a tarefa de aprofundamento da democracia política no Brasil. Ele o fará com homens disponíveis para essa tarefa, que não saíram da soberania popular, mas de um processo de ruínas. O capital político do Temer para agir agora é pequeno.

Teses e narrativas - Cristovam Buarque

• Raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade

- O Globo

O Partido dos Trabalhadores adotou, durante anos, a prática democrática de debater teses apresentadas por seus grupos organizados, chamados de “tendências”. Ao chegar ao poder, esta prática foi reduzida pela centralização criada para fazer o governo funcionar. As “tendências” foram perdendo força e suas teses, aos poucos, abandonadas.

Nos últimos meses, o partido passou a adotar “narrativas”, criadas conforme a interpretação de alguns dirigentes ou seus marqueteiros, para serem transformadas em lendas acreditadas sem contestações, o contrário do debate de teses. À exceção de alguns poucos líderes, a exemplo de Tarso Genro, que se mantêm fiéis a teses.

Foi propalada a lenda de que os programas de transferência de renda foram inventados e criados, em 2004, pelo governo Lula. A narrativa ignora o programa Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, espalhado para diversas cidades, inclusive São Paulo, no governo da Marta Suplicy, e depois adotado pelo governo Fernando Henrique, em 2001. O programa foi ampliado com o nome de Bolsa Família, mas, ao relegar o aspecto educacional, transformou-se em instrumento de assistência social.

Em 2009, foi criada a narrativa de que o pré-sal era um produto do governo Lula e que suas receitas salvariam o Brasil, especialmente educação e saúde. Anos depois, estes setores não viram os resultados prometidos, e a Petrobras luta para sobreviver após a rapinagem do petrolão.

Vendeu-se a narrativa de que o Brasil havia superado o quadro de pobreza e que 35 milhões ingressaram na classe média, como a família que recebesse em 2012 renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.091. Este baixo valor e a elevada e persistente inflação desmoralizaram a narrativa.

Apresentaram a lenda de que as generosas desonerações fiscais seriam capazes de transformar a crise mundial em uma marolinha brasileira. Graças às cotas, positivas, mas localizadas e restritas a raras pessoas, houve a narrativa de que os filhos de todos os pobres tinham vagas nas universidades, mesmo sem a melhoria da educação básica, porque raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade.

Agora, passa-se a narrativa de que o impeachment é golpe, mesmo se for comprovado crime de responsabilidade previsto na Constituição. Individualmente, cada um pode ter razões para duvidar se as gravidades dos fatos apresentados na petição do impeachment justificam a destituição de uma presidente eleita por mais de 53 milhões de votos. Mas não há razão para acreditar na narrativa de golpe, se o procedimento estiver seguindo as normas, leis e ritos constitucionais, conforme seguiu no caso do ex-presidente Fernando Collor.

Esta narrativa é, porém, um direito do partido na estratégia eleitoral para 2018. É lamentável, porém, que o partido das “teses” tenha se transformado no partido das “narrativas”.

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Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
- O Globo

Se vai acontecer, não sabemos. Mas a referência do presidente Michel Temer à “democracia da eficiência”, no seu primeiro pronunciamento ao assumir interinamente o cargo, é uma perfeita definição do que a sociedade busca, resumo do que motivou, a partir de 2013, os movimentos populares nas ruas do país.

Eficiência dos serviços públicos — o começo de tudo foi um protesto contra o aumento do preço das passagens — e ética na política e nos investimentos privados, justamente o contrário do que gerou escândalos como o mensalão e o petrolão.

O movimento contra o aumento das passagens não se resumia aos 20 centavos, mas à eficiência dos serviços, à sensação de que se paga muito imposto para uma resposta inadequada dos serviços públicos.

Naquela ocasião, os que lideraram os protestos não tinham o objetivo de transformá-los em movimento contra o governo, pois o Movimento pelo Passe Livre era ligado a diversas organizações sociais que apoiavam o PT.

Tanto que quando perderam o controle das manifestações, que se transformaram em protesto contra a corrupção, contra a ineficiência dos serviços públicos muito além dos ônibus, contra a violência policial, e sobretudo contra o governo petista, seus líderes anunciaram que se retiravam das manifestações.

Na verdade, o Movimento Passe Livre visava uma oposição ao governo tucano em São Paulo, mas tocou num nervo exposto da sociedade, de fato exausta com o custo de governos ineficientes em todos os níveis, não apenas no estadual.

E explodiram pelo Brasil movimentos contra governos estaduais de diversos partidos — sobretudo contra o governo do PT em nível nacional — que, embora não tenham tido força para impedir a reeleição de Dilma em 2014, acabaram desaguando no impeachment, anos mais tarde.

O presidente Michel Temer tem uma leitura correta do que será seu governo, que não permitirá milagres, mas exigirá mudança de hábitos, sem o que a sociedade não lhe dará, o crédito de que necessita.

A primeira fala presidencial teve praticamente tudo o que se esperava: a reafirmação dos programas sociais, referidos nominalmente para que não restassem dúvidas; a garantia de que o combate à corrupção é prioridade, e a Operação Lava-Jato, um símbolo intocável — ontem mesmo o chefe da Polícia Federal foi mantido, o que era imprescindível —, a referência à eficiência administrativa, que trará como consequência um enxugamento da máquina pública, com o desaparelhamento estatal.

O movimento de funcionários do antigo Ministério da Cultura, protestando diante do novo ministro Mendonça Filho, não apenas pelo fim dele mas contra o suposto golpe, é exemplar de como a estrutura ministerial está inchada e politizada.

Mas houve falhas na organização do governo, algumas que ainda podem ser sanadas, como a falta de nomeação de uma mulher, e outras que parecem definitivas, como a nomeação de ministros investigados na Operação Lava-Jato.

Claro que a máquina oposicionista já começa a ressaltar que o ministério Temer tem nove ministros investigados ou citados nas investigações, mas fingem esquecer que todos eles já fizeram parte de diversos ministérios de Lula e Dilma, ou foram líderes no Congresso.

Essas são incongruências de um governo que saiu da costela do que foi afastado, numa parceria que durou a maior parte dos 13 anos de reinado petista, com menor ou maior influência ou destaque. Não fosse o PMDB aquele partido que nunca disputou a eleição presidencial com chances reais, mas esteve sempre próximo ao poder ou, como no governo Dilma, como parceiro prioritário na teoria, mas sempre rejeitado na prática.

Ver hoje petistas de diversas correntes criticar Temer, e o PMDB é risível, diante da parceria formal dos últimos anos. Mas se o governo Temer repetir os erros de governos montados na base do é dando que se recebe e, sobretudo, não revelar os segredos que as caixas-pretas das diversas áreas guardam sobre os desmandos dos petistas, acabará sendo o culpado pela herança maldita que recebeu ao assumir o governo.

Senso de realidade norteia caminho de volta à normalidade - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

A escalação da equipe de Michel Temer obedeceu claramente ao critério da arte do possível diante da emergência. Daí a opção por montar um Ministério pragmático em face da necessidade de assegurar comprometimento do Congresso com as medidas a serem apresentadas a partir da semana que vem pelo governo. A dita equipe de notáveis poderia render uma boa propaganda, mas não corresponder em eficácia.

O desempenho do governo de transição, no entanto, deverá responder ao desafio de fazer o quase impossível: reconstruir em dois anos e meio uma obra que o PT levou quase 14 anos para destruir – a credibilidade do Brasil na economia, na diplomacia, na política, na capacidade de aperfeiçoar instrumentos de controle de condutas na gestão da máquina pública.

Embora seja missão inexequível em sua totalidade dado o curto prazo e o tamanho do buraco, é isso que a sociedade espera a fim de que em breve não chegue à conclusão de que o afastamento de Dilma Rousseff não valeu a pena. A boa notícia é que o grupo encarregado de fazer essa transição para a “normalidade” tem plena consciência disso. É dono de aguçado senso de realidade. A ótima notícia é que o destino dos que assumem o poder depende da obtenção de êxito.

Se para o País será excelente se conseguirem, para suas excelências será, política e eleitoralmente falando, melhor ainda. O oposto vale em toada de vice-versa: se der errado estaremos encrencados, mas eles estarão acabados.

Êxito ou fracasso dependerão de como esse pessoal vai lidar com as velhas práticas do chamado presidencialismo de coalizão (há duas formas de fazer, decente ou indecente), da manutenção do compromisso de não tentar desqualificar a Operação Lava Jato nem proteger esse ou aquele envolvido e do cumprimento estrito do roteiro apresentado no primeiro discurso de Michel Temer e um pouco mais detalhado ontem por Henrique Meirelles, Eliseu Padilha, Romero Jucá e Ricardo Barros.

Tanto o presidente em exercício quanto os ministros da Fazenda, da Casa Civil, do Planejamento e da Saúde (falando ainda na condição de relator do Orçamento no Congresso) mostraram sintonia com as expectativas gerais. A começar por Meirelles, que foi direto ao ponto principal ao estabelecer um compromisso com a verdade. Um governo dizer a verdade parece óbvio, mas na atual conjuntura é ganho significativo.

Ao que disseram, sai do cenário o ilusionismo de palanque para entrar o diálogo e a negociação com base em dados realistas sobre a situação das contas e as necessidades das reformas. Esse primeiro momento, aliás, marcou outra diferença: a discurseira dá lugar à prestação de esclarecimentos por intermédio de entrevistas para as quais os ministros parece que terão autonomia sobre as respectivas pastas. Comunicação esta que é o único modo de tratar a população como adulta e proprietária de discernimento.

E o fisiologismo velho de guerra que por tantos anos foi adotado como modus operandi – com entusiasmo, por parte do PMDB –, como fica? Padilha, da Casa Civil, encarregou-se de explicitar o tirocínio peemedebista na identificação do rumo dos ventos: “A sociedade repudia a corrupção e exige eficiência. Disse isto nas manifestações de rua. Portanto, precisamos todos entender que é hora de mudar”.

Faltou acrescentar: “Ou seremos mudados”.

Homenagens a Dilma – Demétrio Magnoli

- Folha de S. Paulo

Dez mil é o número registrado no caderninho lulopetista. Automaticamente, por uma decisão de cima, qualquer manifestação pública relevante reunirá 10 mil militantes, entre portadores petistas de holerites, sindicalistas profissionais e ativistas de "movimentos sociais". Menos de um terço disso apareceu na melancólica despedida de Dilma Rousseff, provável indício de uma ordem de desmobilização emanada de Lula. As homenagens à presidente escorraçada ficaram a cargo do presidente interino. Michel Temer bateu continência duas vezes, comprovando o horror à ruptura tão entranhado em nossa elite política.

No primeiro gesto de continência, o substituto desvelou a marca publicitária de seu governo, que empresta da bandeira nacional a abóboda celeste circundada pelo lema "Ordem e Progresso". A lei proíbe o uso da administração para propaganda pessoal dos governantes. As marcas publicitárias são a forma encontrada pelos políticos de circundar o veto legal, identificando eficazmente os atos de governo à figura dos governantes. O PT conduziu a prática ilegal ao paroxismo, criando uma marca geral para seus governos ("Brasil, país de todos"), de modo a produzir a tripla identificação governo-partido-governante. Temer reitera a ilegalidade, mas do seu jeito.

Inaugurando seu segundo mandato, Dilma inovou com a "pátria educadora", uma tentativa de singularizar sua imagem, distinguindo-se do PT. O presidente interino prefere investir na ideia de "união nacional" –e, para tanto, cobre seu governo com o manto da própria nação. A operação de marketing tem um cerne autoritário, sintetizado na mensagem subterrânea de que a fidelidade à pátria solicita o apoio ao governo. "O povo precisa colaborar e aplaudir as mudanças que venhamos a tomar", declarou Temer logo após a posse, reivindicando abusadamente uma nota promissória em aberto.

No segundo gesto de continência, o substituto desvelou sua escultura ministerial, que é Dilma menos a ideologia. A alardeada redução de ministérios quase não passa de um truque de ilusionismo vulgar, realizado pela agregação de pastas sob rótulos abrangentes. O núcleo palaciano (Jucá, Padilha, Geddel, Moreira Franco) é uma camarilha peemedebista, no estilo do burô petista de Dilma (Wagner, Berzoini, Cardozo, Edinho). A equipe econômica (Meirelles e Goldfajn), que sinaliza a mudança de rota, foi conectada ao núcleo palaciano por uma dupla ponte política (Jucá e Moreira Franco). Num círculo externo, raros nomes notáveis (Serra, Jungmann, Mendonça Filho) destacam-se sobre o fundo cinzento da tradicional repartição partidária do butim.

Sumiram os ministérios consagrados à cooptação de "movimentos sociais". Ficou, um pouco atenuado, o "presidencialismo de coalizão", expressão inventada por cientistas políticos brasileiros profissionalmente interessados na "normalização" da corrupção institucional. O espectro de Dilma ronda a paisagem da Esplanada, imantado em personagens como o bispo Marcos Pereira, o herdeiro de Jader Barbalho, o ministro-de-qualquer-governo Kassab e os notórios Picciani e Henrique Alves. Na pasta da Justiça, sai o Ministro da Chicana e entra o Ministro da Ordem: o Brasil oficial não tem lugar para um jurista independente.

A dupla continência confirma a dificuldade de Temer de vislumbrar um país, para além dos limites da Praça dos Três Poderes. O presidente interino pretende mudar a economia com as ferramentas políticas enferrujadas que sempre manejou. "A partir de agora não podemos mais falar de crise", atreveu-se a dizer, imaginando que a legitimidade política deriva da tessitura de uma maioria parlamentar.

"A classe política unida ao povo." Temer pronunciou esse desejo –mas, rodeado por representantes de quase todos os 35 partidos legalizados, calou sobre a urgência de uma reforma política. Tempo de quimeras.

Sexta-feira, 13 - Igor Gielow

- Folha de S. Paulo

Coube a Henrique Meirelles, czar da área econômica do governo de Michel Temer, dar o tom em sua entrevista de reestreia no poder: para dar certo, a nova administração só deve anunciar o que for exequível, ou seja, o que deve ser aprovado pelo Congresso.

Se a sobriedade soa bem, será curioso ver como ela pode ser incutida numa equipe recheada de parlamentares de segunda, que não se seguram na frente de um microfone.

Mas a ideia explica o arcabouço armado por Temer, visando azeitar a dinâmica Planalto-Parlamento. Moderninhos fazem mimimis ululantes pela carranca de Esplanada apresentada. Sem discordar da evidente falta de diversidade desejável, é de se perguntar em que planeta eles moravam para ver nos 13 anos passados só um oásis de reformas e progressismo. O ímpeto de reescrita da história é irrefreável nesse pessoal.

Acolhendo o que é óbvio em termos de avanços na era PT, não custa lembrar que o partido deixou uma terra arrasada na economia, na ética e na política. Aos velhos e aos velhacos, sobraram as batatas.

Os petistas em retirada agora se comportam como os templários expelidos da França numa outra sexta 13, em outubro de 1307 —uma das origens da lenda do mau agouro da data. Procuram refúgio, como a bela Tomar na qual os cavaleiros em fuga foram assentados, talvez na forma de uma "frente de esquerda".

(Para ficar em dias fatídicos, um parêntese cabalista: foi numa sexta 13 que há 12 anos explodiu o caso Waldomiro Diniz, primeira grande fissura no casco ético do PT, caminho sem volta que chegou ao fim agora).

A sexta ainda registrou, no campo de Temer, a promessa de manutenção da chefia da PF que tocou a Lava Jato. Não é pouco, se for para valer e após um ministro da Justiça que prometia enquadramentos.

O realismo marca o início da gestão Temer, faltando saber se não descambará para mera prática pedestre.