domingo, 1 de maio de 2016

Opinião do dia – Miguel Reale Junior

Nunca vi um crime com tanta impressão digital.

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Miguel Reale Junior, jurista, ao defender no Senado o impeachment da presidente Dilma

Programas sociais têm cortes de até 87% com Dilma

• Às vésperas da votação do impeachment, presidente reajusta Bolsa Família

Aumento, que terá impacto de R$ 1 bilhão ao ano, será anunciado hoje. No entanto, pelo menos dez projetos reduziram recursos desde 2015, entre eles o Minha Casa Minha Vida, que perdeu R$ 20 bilhões

Apesar de dizer que seu afastamento é ameaça à continuidade de programas sociais, a presidente Dilma Rousseff já vem promovendo cortes drásticos em ao menos dez iniciativas na área, devido à retração da economia e ao ajuste fiscal, relatam Renata Mariz e Cristiane Jungblut. Uma comparação entre os orçamentos de 2015 e o deste ano mostra reduções de verbas de até 87%, como na construção de creches, que perdeu R$ 3,7 bilhões. O Minha Casa Minha Vida, ao qual haviam sido destinados R$ 27 bilhões ano passado, agora tem dotação de R$ 7 bilhões. Nem o Bolsa Família escapou: seu orçamento foi de R$ 30,4 bilhões para R$ 28,7 bilhões. Apesar dos cortes, e às vésperas da votação do impeachment, Dilma anuncia hoje, 1º de maio, reajuste no Bolsa Família, com impacto de R$ 1 bilhão ao ano.

Sangria nos projetos sociais

• Embora Planalto diga que governo Temer é ameaça a iniciativas no setor, dez ações já perderam verbas este ano

Renata Mariz e Cristiane Jungblut - O Globo

BRASÍLIA - A despeito das críticas da presidente Dilma Rousseff de que um eventual governo Temer acabaria com programas sociais, as ações nesta área já vêm sofrendo cortes significativos em função do ajuste fiscal e da retração da economia. Pelo menos dez iniciativas importantes em diversos setores — como reforma agrária, creches, combate às drogas e até o Bolsa Família — perderam recursos neste ano em comparação com o Orçamento de 2015.

Levantamento da assessoria técnica do DEM, que corrigiu os números de 2015 pelo IPCA (inflação) de 10,67%, mostra quedas reais de até 87%. É o caso da construção de creches. Se, em 2015, o valor foi de R$ 4,2 bilhões para esse fim, neste ano caiu para R$ 502 milhões. O programa Minha Casa Minha Vida perdeu 74% das verbas. No Pronatec, a diminuição foi de 59%. Programas importantes de segurança e Saúde, como Crack, é possível vencer e Rede Cegonha, tiveram redução superior a 20%.

A desidratação dos programas, como o fenômeno é chamado pelos técnicos, ocorreu principalmente nos últimos dois anos, com o agravamento do rombo das contas públicas. O governo anunciou uma tesourada no Orçamento de 2016, quando refez as contas e precisou cortar R$ 30,5 bilhões. Na época, o Minha Casa Minha Vida foi o mais atingido: teve sua previsão inicial reduzida de R$ 15,6 bilhões para R$ 7 bilhões.

Em 2015, o governo suspendeu o Minha Casa Melhor, que oferecia crédito para compra de móveis e eletrodomésticos a beneficiários do Minha Casa Minha Vida. A iniciativa, criada em 2013 como desdobramento do programa habitacional para baixa renda, acabou em menos de dois anos.

Nem vitrines do governo escapam de redução
Grande vitrine das gestões petistas, que alcança um quarto da população brasileira, o Bolsa Família não ficou imune às tesouradas. Em valores reais, corrigidos pela inflação, a verba do programa caiu 5,7% — de R$ 30,4 bilhões para R$ 28,7 bilhões. Os cortes atingiram também as políticas para a reforma agrária, que perderam cerca de 30% em verbas.

Para o doutor em Ciências Políticas José Matias-Pereira, da Universidade de Brasília, os programas sociais só teriam sido preservados, em meio à falta de recursos, se fossem submetidos a uma gestão séria, diligente e sem viés eleitoral:

— A grande falha dos governos do Brasil nas últimas décadas é a incapacidade de avaliar as políticas públicas. Os programas sociais foram alvo de uma verdadeira orgia de alocação de recursos que, em tese, tinha objetivos interessantes, mas com resultados limitados. Vimos então um salto num primeiro momento e, agora, com a situação de baixa arrecadação, os problemas começam a ficar evidentes.

Na avaliação de Matias-Pereira, o ideal é não anunciar “benesses”.

— A situação das finanças públicas é tão grave que um novo presidente não deveria começar prometendo benesses. Até porque não adianta dizer que vai ter um montante específico no Orçamento para determinada ação e, na hora de desembolsar, não haver recursos disponíveis.

Especialista em Orçamento e professora-associada do Coppead/UFRJ, Margarida Gutierrez aponta três fatores para a mudança no perfil dos gastos sociais: os novos decretos de despesas terem de passar por autorização após os problemas das pedaladas fiscais, queda brusca na arrecadação do governo e um engessamento dos gastos. Do total do Orçamento, só 8% são despesas livres para corte, sendo o restante de despesas obrigatórias, como gastos previdenciários.

— A queda brusca na arrecadação já ocorreu em cima de uma queda no ano anterior e tiveram que cortar as despesas discricionárias. Com isso, nem preservar os programas sociais de cortes o governo está conseguindo mais — disse Margarida.

Uma das áreas mais simbólicas do governo, que tem o slogan “Pátria Educadora”, a Educação também sofre cortes. Além da redução de recursos para a construção de creches e para o Pronatec, programas de apelo social, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), diminuíram. No caso do Fies, a queda foi menor, de 5%. O quadro aponta para um “equívoco na eleição de prioridades do governo”, segundo Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:

— Quando o governo federal restringe recursos para creches, além de atingir as crianças e as famílias, inclusive com impacto na empregabilidade das mães, sabe que a cobrança por esse serviço recai sobretudo em cima dos prefeitos. Por outro lado, preserva o Fies, em que o sucesso estará atrelado diretamente à esfera federal.

Combate ao crack também prejudicado
Na Saúde, a situação não é diferente. O programa Unidades Básicas de Saúde, estratégico para desafogar os hospitais, perdeu 23,7% dos recursos. Iniciado em 2011, o programa Crack, é possível vencer, está com orçamento de R$ 395,2 milhões, ante R$ 786 milhões de 2015, uma redução de 49,7%.

Lígia Bahia, médica sanitarista e doutora em Saúde Pública, considera que a crise econômica não justifica a redução de recursos em programas basilares da área. Ela propõe que os cortes ocorram em outras áreas e aponta a política de subsídios como mais uma falha do governo:

— No momento em que falta vacina, penicilina e antibiótico nos hospitais, não faz sentido continuar financiando hospitais filantrópicos que não atendem ninguém do SUS e todas as deduções fiscais concedidas hoje. Vamos cortar a Saúde ou o salário do Judiciário? A Saúde ou um grande número de cargos públicos? — questiona.

Os ministérios que executam os programas citados mencionam a necessidade de readequação das ações em virtude do ajuste fiscal. Sobre o Minha Casa Minha Vida, o Ministério das Cidades afirma que espera um aporte adicional de até R$ 4,8 bilhões de recursos do FAT. E minimiza a queda de 74% na verba, argumentando que o programa tem várias fases e que a necessidade de verbas em 2016 é menor do que em 2015. O Ministério da Saúde argumenta que a previsão de orçamento para unidades básicas, considerando investimento e custeio, chega a R$ 1,7 bilhão, 40% maior que o executado em 2015, mas com valores sem correção. Sobre a Rede Cegonha, a pasta reconhece reduções, mas afirma que, conforme os serviços são instalados, é natural que a demanda diminua, passando a pressionar uma outra fonte de repasse de recursos: o teto de alta e média complexidade.

O Incra destacou que vem buscando novas fontes de recursos para a política agrária, inclusive com o BNDES. Já a Educação informa que fez modificações no Fies e ProUni para economizar sem diminuir o acesso aos estudantes. As pastas de Desenvolvimento Social e da Justiça não se manifestaram.

Em meio à necessidade de ajuste fiscal, iniciativas na área social foram suspensas ou canceladas. O Ciência Sem Fronteiras é um deles. O último edital, que beneficiou 101 mil estudantes de graduação ou pós com bolsas fora do país, foi em 2014. Ainda estão suspensas novas bolsas no exterior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O outro braço de apoio da pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, suspendeu mais de 7 mil bolsas.

Para o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), os números destroem o discurso de Dilma de que protege os programas sociais:

— Eles estão falando na possibilidade de cortes de um novo governo, mas já estão fazendo os cortes. Isso deixa claro que o discurso é uma coisa e a prática, outra.

Presidente anuncia hoje reajuste no Bolsa Família

• Medida terá impacto de até R$ 1 bilhão no Orçamento; correção de faixas do IR é outra possibilidade

Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut – O Globo

A pouco mais de uma semana da votação da abertura do processo de impeachment no Senado, a presidente Dilma Rousseff anunciará hoje, em evento do Dia do Trabalho em São Paulo, um aumento escalonado do Bolsa Família. Segundo auxiliares da presidente, o reajuste será feito por faixas, sendo o maior percentual de cerca de 5%. Dilma se reuniu na sexta e no sábado, no Palácio da Alvorada, com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para discutir o assunto. A decisão de aumentar o benefício ocorre após o secretário do Tesouro, Otávio Ladeira, afirmar que não há espaço fiscal no Orçamento para a medida. É possível que também seja anunciada a correção das faixas do Imposto de Renda. O pacote de bondades será objeto do discurso que a presidente fará no palanque da Central Única dos Trabalhadores no Anhangabaú, onde estará ao lado do ex-presidente Lula e de ministros.

‘Não se está promovendo rombo’
Assessores da presidente reconhecem que o “dinheiro é curto”, e que, apesar disso, Dilma optou por um reajuste “significativo”. Segundo um auxiliar, a presidente tem ordenado aos ministros que reforcem marcas da área social do governo, sinalizando que não pode haver retrocessos. Fontes do Planalto afirmam que ela não promoverá, com o aumento, um rombo nas contas públicas, pois o impacto da medida será de no máximo R$ 1 bilhão. Com relação à correção do IR, ela só valeria para as declarações feitas em 2017.

— Não se está promovendo nenhum rombo, e sim uma reafirmação de prioridades — diz um auxiliar presidencial.

Na última sexta- feira, Barbosa foi perguntado sobre o Bolsa Família e disse que o aumento estava sendo estudado. Em março deste ano, 13,8 milhões de famílias receberam o Bolsa Família. O valor médio do benefício é de R$ 160,63 por família.

O grupo do vice-presidente Michel Temer temia que Dilma fizesse uma espécie de pacote-bomba, cuja conta tivesse de ser paga por um futuro governo. Segundo um interlocutor de Temer, essa preocupação era um dos motivos da pressa em votar no Senado a admissibilidade do processo de impeachment, o que levaria ao imediato afastamento da presidente.

Plano não prevê alteração de direitos básicos, afirma aliado

• Responsável por lista de propostas do PMDB, Moreira Franco nega retirada de direitos: ‘Temos DNA trabalhista’

Lu Aiko Otta - O Estado de S. Paulo

Responsável pelo programa de governo de um eventual governo de Michel Temer e presidente da Fundação Ulysses Guimarães, o ex-ministro Wellington Moreira Franco afirmou ao Estado que direitos trabalhistas como carteira assinada, férias e 13.º salário não estão em discussão. “Isso é uma coisa que, no nosso entendimento, está consolidada”, disse o peemedebista. “Não é questão.”

Há, porém, propostas que buscam “modernizar” a relação entre empresários e trabalhadores. O documento Uma Ponte para o Futuro, elaborado pela Ulysses Guimarães, diz que o objetivo na área trabalhista é “permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”.

Muitas dessas propostas de modernização, disse Moreira, foram defendidas pelas centrais. “A CUT foi que colocou primeiro que, sem agredir direitos sociais, possa haver negociações entre sindicatos e empresas. Isso é um caminho.”

Produtividade. De fato, em 2012 o governo da presidente Dilma Rousseff analisou uma proposta elaborada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à central, que defendia um modelo de flexibilização de regras usado na Alemanha. Por ele, as convenções coletivas poderiam prevalecer sobre a legislação. Na época, a medida fazia parte de uma agenda de aumento da competitividade da economia brasileira.

“O grande desafio que temos é garantir o emprego para que os direitos trabalhistas sejam praticados”, observou Moreira. “Com isso, queremos enfrentar essa crise, que é a mais grave crise econômica da nossa história, que tem gerado mais de 10 milhões de desempregados.”

Mas as conquistas trabalhistas básicas estão fora de discussão porque, na avaliação da equipe de Temer, têm funcionado adequadamente. “O PMDB tem tradição trabalhista e social”, disse Moreira Franco. “Isso está no nosso DNA.”

Centrais preparam atos pró e contra afastamento no 1º de Maio

• CUT destacará discurso de golpe; já a Força, que Temer manterá direitos

Dimitrius Dantas* - O Globo

SÃO PAULO - De um lado do campo, a participação da presidente Dilma Rousseff. Do outro, o deputado Bruno Araújo, responsável pelo 342º voto, o decisivo no processo do afastamento da mandatária, na Câmara. Na comemoração do 1º de Maio, hoje, as maiores centrais sindicais celebrarão o Dia do Trabalho tratando o impeachment com visões antagônicas: enquanto a Força Sindical prepara festa em oposição ao governo federal, a Central Única dos Trabalhadores ( CUT) afia o discurso contra o que chama de golpe.

A CUT anunciou sexta- feira a presença de Dilma. O expresidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou participação no evento da central. Já a direção da Força Sindical não tinha, até sexta-feira, nomes de peso. Líderes da oposição estariam evitando participar de um evento que deve tratar o processo de impeachment mais pelo viés político que jurídico.

6,4 milhões de trabalhadores
O evento da CUT reunirá outras bandeiras, como a da Central de Trabalhadores do Brasil ( CTB), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ( MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Já ao evento da Força se unirão União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e Nova Central. No total, em ambos os lados, são 6,4 milhões de trabalhadores sindicalizados, quase metade do total, segundo o Ministério do Trabalho.

Enquanto a turma pró-governo se reúne majoritariamente de uniforme vermelho, no Vale do Anhangabaú, no Centro de São Paulo, a menos de três quilômetros dali, na Praça Campo de Bagatelle, a Força Sindical organiza sua festa em clima de comemoração. Como de costume, os eventos da Força são pontuados por sorteios de automóveis. Este ano, serão distribuídos 19 carros.

Para Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, a divisão é retrato da polarização do país:

— A tendência é quem for discursar falar da crise, corrupção, desemprego, mas principalmente, de impeachment.

Alinhada a Michel Temer, a Força Sindical reuniu-se com o vice- presidente na última terça- feira. Juntamente com outras centrais, o grupo entregou um documento ao vice rejeitando a retirada de direitos na reforma da Previdência. O lema do ato do grupo será “Gerar empregos e garantir direitos”.

No documento, os sindicalistas afirmaram que as crises econômica e política são consequência da instabilidade institucional. Na agenda proposta por Força, UGT, CSB e Nova Central está o pedido pela correção da tabela do Imposto de Renda, a valorização da política do salário-mínimo e a manutenção e ampliação dos programas sociais.

No mesmo dia, a Frente Brasil Popular, que reúne CUT e CTB, encontrou- se com o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente Dilma. A Frente exigia do governo a composição de um Ministério com pessoas ligadas aos movimentos que estão nas ruas defendendo a presidente. O grupo também repudiou a ideia de novas eleições gerais.

— Temos que ir até o fim, lutar no Senado até o fim. Se eventualmente não conseguirmos a vitória, não vamos aceitar um governo derivado de um golpe — acusou Raimundo Bonfim, coordenador da Frente.

Na quarta-feira, o ex-ministro da Previdência Roberto Brant, encarregado por Temer de formular políticas para o setor, revelou ao GLOBO a ideia de enviar ao Congresso um plano que define a idade mínima para a aposentadoria em 65 anos para homens e mulheres. Paulinho refutou a hipótese e afirmou que a proposta não vem de Temer.

Em nota, a Força Sindical chamou a proposta de palpite infeliz e “ideia de jerico” do ex-ministro. A central afirmou acreditar que Temer tem toda a força para articular um governo de coalizão e seguir os caminhos acordados com trabalhadores e centrais sindicais.

Ameaça à CLT
Embora também contrário à proposta de mudança na Previdência, Douglas Izzo, presidente da CUT de SP, acredita que, diferentemente de Paulinho, Temer levará a proposta ao Congresso caso assuma o poder. Para hoje, Izzo prometeu críticas fortes ao programa de governo de Temer durante o ato:

— Ele (Temer) propõe o negociado sobre o legislado, rasgando a CLT. É o perigo de mudanças na legislação trabalhista, que vai fragilizar os direitos do trabalhador.

Embora aliado ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Paulinho disse que a festa da Força não deve contar com a presença do deputado, nem do presidente do PSDB, Aécio Neves. Ambos participaram do ato da Força Sindical no ano passado. O destaque deve ser a presença de Bruno Araújo, deputado pernambucano que deu o voto decisivo no prosseguimento do impeachment na Câmara dos Deputados.

Tirando o teor político, as centrais voltaram a convidar artistas numa estratégia para atrair o público. No ato da Força, as atrações incluem Paula Fernandes, Michel Teló e Gusttavo Lima. Já na CUT, o palanque terá Chico César, Beth Carvalho, Martinho da Vila e o grupo Detonautas. Uma feira gastronômica também foi prometida para o público.

Nos dois atos, são esperadas manifestações do público. Douglas Izzo acredita que bonecos infláveis do governador Geraldo Alckmin, chamados de “Merendão”, devem ser levados ao local, mas nenhum pela própria CUT. A data também será comemorada pela central em outros 22 estados. (* Estagiário, sob supervisão de Flávio Freire)

Planalto respira ares de fim de festa

• Na sede do governo, servidores já encaixotam seus pertences e muitos temem desemprego

Tânia Monteiro, Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A dez dias da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Senado, a rotina no Palácio do Planalto em nada se assemelha à resistência anunciada por movimentos sociais, sob gritos de “Não vai ter golpe!”. Em gabinetes da sede do governo, funcionários já encaixotam suas coisas e alguns tentam retornar para a repartição pública de onde foram transferidos, os chamados “órgãos de origem”.

O medo do desemprego agora ronda o Planalto, onde servidores já falam abertamente sobre a troca de comando e a passagem de bastão para o vice-presidente Michel Temer. A cena se repete na Esplanada.

Diante da certeza de que será afastada, presidente já combinou que fará demissão coletiva dos ministros Dos atuais 30 ministérios, 11 são controlados pelo PT. Atualmente, há em todo o governo cerca de 20 mil cargos em comissão, batizados de DAS (Direção e Assessoramento Superior). No fim do primeiro mandato de Dilma, somente a Presidência da República abrigava 3.279 servidores, incluindo os que trabalhavam em pastas como Casa Civil e Secretaria de Comunicação Social. Deste total, havia 1.020 DAS.

Os DAS representam o contingente mais suscetível a corte, pois são cargos de livre provimento. Na outra ponta, no comando dos ministérios, o entra e sai dos últimos dias reflete o abandono de Dilma por antigos aliados, que deixaram o governo atraídos pela expectativa de poder do PMDB.

Diante da certeza de que será afastada por até 180 dias, a presidente já combinou com a equipe a demissão coletiva. A ideia de Dilma é publicar uma edição extra do Diário Oficial da União, assim que o Senado aprovar o impeachment, com a dispensa de todos os ministros. Além disso, os secretários executivos também devem entregar os cargos.

Na prática, tudo está sendo preparado para que Temer, assumindo como interino, não tenha transição de governo. “E cada vez que houver tentativa de desconstruir o que construímos, vamos para o enfrentamento”, afirmou ao Estado o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, que ocupou a Casa Civil por 20 meses e mudou de posto com a reforma administrativa, no ano passado, após muitos atritos com o PMDB de Temer.

Mercadante disse que, confirmado o cenário de impedimento da presidente, ficará com ela até o julgamento final do Senado, previsto para setembro, mesmo sem cargo. Os petistas apostam no desgaste de Temer à frente da administração e muitos avaliam que, com o vice “emparedado”, Dilma poderá ser reconduzida ao Planalto mais à frente.

“Estamos há mais de treze anos no governo, mas se esquecem que temos pós-doutorado em oposição”, comentou Mercadante, contabilizando o período em que o PT ocupou a Presidência com Luiz Inácio Lula da Silva. “Imaginem o MST, a CUT e a UNE com liberdade para gritar e protestar. É o que eles mais gostam de fazer.”

Desagravo. Os ministros também planejam uma manifestação de solidariedade a Dilma no dia em que ela for deposta pelo Senado. “Não vamos reconhecer um governo que não teve origem democrática”, insistiu o titular da Educação.

A estratégia de Lula e do PT, de agora em diante, consiste em colar em Dilma o carimbo de “mulher injustiçada”, que foi apeada do poder por um “golpe”. É uma narrativa que pode até servir para a campanha deste ano, quando haverá disputas pelas Prefeituras, mas está sendo montada sob medida para se encaixar no figurino de 2018.

Pragmático, Lula se reaproximou dos movimentos sociais e com eles fará forte oposição a Temer. Agora, só depende do desfecho da Operação Lava Jato para lançar sua candidatura ao Planalto.

Tropa de choque de Dilma já faz planos para o futuro

• Wagner deve voltar para a Bahia, onde assumirá cargo no governo estadual; Edinho pensa em disputar prefeitura

Catarina Alencastro - O Globo

BRASÍLIA - Com o afastamento iminente de Dilma, Jaques Wagner já pensa em assumir cargo público na Bahia; Edinho Silva planeja disputar prefeitura em São Paulo. Abertamente, ninguém fala sobre o que vai fazer a partir do momento em que a presidente Dilma Rousseff for afastada do cargo, o que é dado como certo dentro do governo. Seus principais auxiliares, que têm se reunido diariamente com a petista, guardam a sete chaves seus destinos. Mas os ministros mais próximos já preparam seus projetos para a quarentena de seis meses, período em que estarão impossibilitados de assumir funções que conflitem com o serviço que prestaram no governo

Jaques Wagner (chefia de Gabinete) voltará para a Bahia, onde fez o sucessor no governo do estado, o petista Rui Costa. A avaliação de funcionários próximos a ele é que Wagner poderia vir a integrar formalmente o governo estadual, possivelmente com um cargo de secretário. Edinho Silva (Comunicação Social) voltará para Araraquara (SP), onde pretende se candidatar a prefeito, e quer ajudar a reorganizar o PT em São Paulo. Edinho já foi presidente estadual do partido e é muito próximo ao ex-presidente Lula. Tarefa semelhante no campo partidário deverá caber a Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), que deve focar na articulação junto aos sindicatos em São Paulo, sua origem política. Nos corredores do Planalto já se comenta que o presidente do PT, Rui Falcão, pode ser substituído por Jaques ou Berzoini.

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, bastião de defesa de Dilma, também passará por uma quarentena. No seu entorno, assessores manifestam dúvida sobre a possibilidade de ele permanecer advogando para Dilma. Caso a Comissão de Ética Pública considere essa atividade irregular, ele deverá ajudá-la informalmente, durante o período sabático. Depois, deverá voltar a advogar.

Os petistas sabem que o desafio será a reestruturação do PT, de olho nas eleições de 2018. Anteontem, Berzoini esteve com sindicalistas na capital paulista para sentir a disposição desses movimentos em se engajar no movimento por novas eleições presidenciais e em atos contra o governo Temer nos meses em que Dilma estiver afastada.

Presidente poderá manter equipe no Alvorada

• Petista contará com grupo de auxiliares na luta para salvar mandato

Catarina Alencastro - O Globo

BRASÍLIA - Se for afastada do cargo pelo Senado, Dilma fará de sua residência oficial, o Palácio da Alvorada, local de trabalho. E poderá contar com uma pequena estrutura e uma equipe enxuta de apoio. Devem continuar trabalhando com ela seu assessor especial Giles Azevedo; a chefe de gabinete adjunta de informações em apoio e decisão, Sandra Brandão, e o assessor pessoal Bruno Monteiro. Nos corredores, fala- se também na possibilidade de o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, integrar esse time.

No Alvorada, Dilma conta com duas telefonistas, cozinheira, garçom, seguranças e uma pequena equipe médica. Além dela, mora no palácio sua mãe, Dilma Jane Silva, de 92 anos. Embora possa utilizar a casa de campo da Presidência, a Granja do Torto, não há planos para que o local seja frequentado por Dilma.

Apesar do abatimento que esconde atrás do discurso de que irá lutar até o fim em defesa de seu mandato, a presidente tem se preparado para estruturar uma batalha. Nesse front, auxiliares nutrem a expectativa de que entidades e partidos da esquerda se unam em apoio à petista.

O agrupamento, chamado de Frente Única de Esquerda, é formado por agremiações como PT, PCdoB, PSOL, CUT, União Nacional dos Estudantes (UNE), Movimentos dos SemTerra (MST) e grupos de juristas e mulheres que adotaram o discurso de que o impeachment configura um golpe de Estado.

Somente depois que houver a confirmação de que terá de desocupar a cadeira presidencial é que Dilma terá mais clareza sobre a estratégia que adotará em sua resistência : encampar a tese das eleições diretas ou manter acesa a do golpe enquanto espera o julgamento final

Ocaso do governo Dilma instaura clima de fim de expediente em Brasília

Marina Dias, Gustavo Uribe, Daniela Lima, Ranier Bragon, Rubens Valente e Igor Gielow – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ocaso do governo de Dilma Rousseff (PT) instaurou um clima de fim de expediente em Brasília. A falta de perspectiva de poder para o grupo instalado há 13 anos no Planalto, fruto do processo de impeachment que deverá ver a presidente afastada na semana que vem, abriu uma parada de situações insólitas.

A começar pela própria mandatária. Cinco dias depois de a Câmara autorizar a abertura do processo que pode depô-la constitucionalmente, na sessão de 17 de abril, Dilma ordenou que as suas gavetas no Palácio do Planalto fossem todas limpas.

O destino da papelada é o bunker a ser instalado no Palácio da Alvorada durante os até 180 dias em que permanecerá afastada durante o julgamento pelo Senado, caso a tendência hoje majoritária de abrir o processo seja tomada pelo plenário no dia 11.

Há a previsão de um êxodo, uma vez que há um mar de funcionários comissionados por livre nomeação –22.118, uma elite entre 617.146 servidores civis.

O destino mais óbvio são as gestões petistas Brasil afora. Segundo a Folhaapurou, técnicos do PT na Saúde, Justiça e Desenvolvimento Agrário procuraram a Prefeitura de São Paulo. Os governos de Minas e da Bahia também são desejados. Outros sondaram discretamente os ministeriáveis de pastas com poder de influenciar nomeações.

Embora Dilma tenha dado a ordem à equipe para não desanimar, entre os titulares da Esplanada não se encontram mais otimistas sobre a permanência. Segundo auxiliares, Nelson Barbosa (Fazenda) deverá dar aulas na FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo. Aloizio Mercadante (Educação) disse a aliados que pretende voltar à vida acadêmica na Pontifícia Universidade Católica, também na capital paulista. Antonio Carlos Rodrigues (Transportes) deve reassumir uma cadeira de vereador em São Paulo.

Houve outros estranhamentos. Na sexta (29), os servidores da Previdência chegaram ao trabalho e descobriram que não tinham mais chefe: o secretário e ex-ministro da área Carlos Gabas era agora titular da Aviação Civil. Piloto nas caronas secretas de moto de Dilma no passado recente, ele não avisou a ninguém no ministério.

O folclore típico da cidade também deu as caras quando, na reta final de uma gestão recém-iniciada, o ministro Alessandro Teixeira (Turismo) teve fotos suas e de sua mulher, uma ex-Miss Bumbum EUA, celebrando algo insondável no gabinete divulgadas por ela na internet.

Na Câmara, durante a maior parte das votações desta semana, a primeira pós-impeachment, o governo não teve representantes orientando no microfone do plenário como sua base deveria votar.

O chamado centrão (PP, PR, PSD, PTB, PRB e nanicos) tripudiou e "elegeu" o dissidente Maurício Quintella Lessa (PR-AL) como "líder da maioria", cargo inexistente. "O governo acabou, não existe mais aqui", repetiu o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nêmesis de Dilma e do PT.

Nem a troca da bandeira do Planalto, que ocorre religiosamente todo domingo às 12h, escapou da observação de turistas na semana passada: ocorreu apenas às 13h15.

O deslocamento do magneto do poder para a figura do vice que assume em caso de julgamento, Michel Temer (PMDB), foi notado em primeiro lugar no Planalto.

Desde o começo de abril foi instalada uma nova catraca eletrônica no palácio, mas ela não chegou ainda a ser acionada. Seguranças invariavelmente fazem piada e associam isso à baixa frequência no Planalto: apenas militantes esquerdistas que frequentam as solenidades em que Dilma diz sofrer um "golpe".

Já no anexo do vice, um galpão retangular feioso após o barranco à esquerda do Planalto, o movimento é fervilhante, com políticos e empresários formando filas.

Ao chegar para uma reunião com o peemedebista, um ruralista comentou ao ver os repórteres aglomerados: "Vejo que estou no lugar certo".

No anedotário brasiliense, vive-se a hora do café frio, quando nem a bebida símbolo das mesuras burocráticas da capital é servida na temperatura correta. Por ora, não há relatos de literalidade do cenário na Esplanada.

Paulinho da Força faz ponte de Temer com grupos próximos ao PT

Thais Arbex – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Um dos principais articuladores do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara dos Deputados e mais fiel aliado do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado Paulinho da Força (SD-SP) assumiu o papel de interlocutor do provável governo Michel Temer (PMDB) com movimentos sociais tradicionalmente ligados ao PT.

Nas últimas semanas, o deputado, que também é presidente da Força Sindical, segunda maior central sindical do país, esteve com Guilherme Boulos, coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto); com José Rainha, ex-líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) e hoje à frente da FNL (Frente Nacional de Luta); e com João Paulo Rodrigues, da direção do MST.

Paulinho contou à Folha que recebeu carta branca de Temer para ouvir as demandas dos movimentos de moradia para o provável governo peemedebista.

Antes de assumir este papel, no entanto, o deputado afirmou ter colocado uma condição ao vice: "Falei para ele que não dá para mexer nos direitos trabalhistas".

"Se ele [Temer] coloca em prática uma medida que não agrada aos trabalhadores, junta todo mundo contra ele. Aí não vai ser só a CUT (Central Única dos Trabalhadores), não. Vai todo mundo para as ruas", diz o deputado.

"Nem vem"
Em outubro do ano passado, quando o PMDB lançou o programa "Uma Ponte para o Futuro", Paulinho da Força pediu um encontro com Temer. Disse ao vice que as propostas ali apresentadas eram "inaceitáveis" e que não teria "nenhuma condição" de apoiar seu eventual governo se elas fossem levadas adiante.

"Briguei com a Dilma no dia seguinte que ela assumiu a Presidência por causa dos R$ 15 que ela não queria dar para os aposentados. Se o seu governo for assim, estou fora", disse Paulinho a Temer.

Um dos trechos do documento do PMDB que mais contraria as centrais sindicais é o que defende a idade mínima para aposentadoria.

"O que Temer precisa agora é de tranquilidade, principalmente na área social", afirma o deputado.

Foi Paulinho quem articulou a reunião de Temer com dirigentes de quatro centrais sindicais –Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CSB (Central Sindical Brasileira) e Nova Central Sindical de Trabalhadores–, no início da semana, no Palácio do Jaburu.

"Para ele foi bom porque mostrou que tem interlocução com as centrais, e para nós interessava dizer 'nem vem'.Tínhamos que colocar o pé na porta em relação às reformas que eles imaginam fazer."

Toma lá, dá cá
Embora adote o discurso de intolerância em relação às reformas do provável governo Temer, Paulinho da Força também negocia sua participação na Esplanada.

O deputado quer abrigar seu partido, o Solidariedade, no Ministério do Trabalho. Ele também levou a Temer pedido de José Rainha para indicar a chefia do Incra na eventual gestão do PMDB. O nome apresentado foi o de Luiz Antônio Possas de Carvalho, que assumiu no fim de março a diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do órgão.

Veja bem
Procurado pela Folha, Guilerme Boulos confirmou a conversa com Paulinho da Força, mas disse que o MTST "não reconhece a legitimidade" de um provável governo Michel Temer.

"Além de um golpe à democracia, é um golpe aos direitos sociais", afirmou.

"Se colocar o tal de 'Uma Ponte para o Futuro' em prática, todos os programas sociais serão destruídos."

João Paulo Rodrigues, do MST, confirmou que esteve com Paulinho em fevereiro, mas disse ter se tratado de uma conversa "institucional entre uma central e um movimento" e que não houve qualquer discussão sobre um eventual governo Temer.

O deputado, segundo o dirigente, "queria informar que retornaria à presidência da Força e queria saber a avaliação do MST sobre a conjuntura política".

Por sobrevivência, Renan adere a Temer

• Presidente do Senado recua de confronto com vice e pensa em seu espaço no PMDB, quando deixar o cargo, e no governo do filho em Alagoas

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

/ BRASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fez uma rara confissão em uma pequena roda de senadores em dezembro, no concorrido jantar promovido pelo líder do PMDB da Casa, Eunício Oliveira (CE). “Melhor segurar ela (Dilma Rousseff)”, disse ele, mesmo reconhecendo a “fragilidade” da petista, que, na semana anterior ao encontro, teve aberto contra si um pedido de abertura de impeachment pelo presidente da Câmara.

Renan não admitia em privado a ascensão do vice-presidente Michel Temer ao Palácio do Planalto orquestrada por Cunha. Contudo, após atuar na resistência ao hoje iminente afastamento de Dilma, o peemedebista sucumbiu a Temer, desafeto histórico dele no PMDB, na quarta-feira, quando se reuniu com o provável presidente interino para discutir uma agenda legislativa a fim de superar a crise.

Essa fórmula de referendar o eventual governo Temer, ainda que de forma “institucional”, como sempre frisa em entrevistas, é a mesma que tentou para tentar manter Dilma na Presidência. Ele mira sua sobrevivência política pessoal e também da sua “cria”, o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB).

Indiretamente, Dilma contribuiu para Renan forjar seu novo discurso. Em abril do ano passado, pouco depois da abertura do primeiro dos nove inquéritos a que hoje responde na Operação Lava Jato, o presidente do Senado assistiu à troca do seu último aliado de peso na Esplanada: Vinícius Lages foi substituído por um apadrinhado de Temer, Henrique Eduardo Alves, no comando do Ministério do Turismo. O “último dilmista” passou a usar publicamente o discurso de independência em relação ao governo.

Mesmo reclamando a interlocutores de uma suposta falta de blindagem do governo ante o avanço da Lava Jato contra ele, Renan atuou para impedir que o afastamento da presidente venha a se consumar no Senado.

Entre os sete principais lances pró-Dilma do peemedebista, ele (1) ajudou na aprovação do impopular ajuste fiscal do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy; (2) criou a “Agenda Brasil”, uma espécie de boia anticrise econômica para a presidente; (3) agiu no PMDB para derrotar a ação de Temer que derrubara temporariamente o líder do PMDB da Câmara, Leonardo Picciani (RJ); (4) criticou a “precipitação” do PMDB em ter rompido com o governo e (5) não defendeu um “rito sumário” na tramitação do impeachment do Senado; (6 e 7) tentou embaralhar e dificultar o caminho do vice apoiando a adoção de um semiparlamentarismo com Dilma no cargo e, recentemente, com a defesa da antecipação das eleições gerais.

O presidente do Senado não teve êxito. Mas, por instinto de sobrevivência e para aplacar os ânimos após um bate-boca público com o vice, ele começou a articular em janeiro uma chapa única para o comando do PMDB. No mês seguinte, Temer foi mantido e Renan emplacou o senador Romero Jucá (PMDB-RR) na primeira vice-presidência da legenda. Aliado de ambos, Jucá – ungido agora a presidente em exercício do partido e futuro ministro do Planejamento de Temer – e Eunício Oliveira – reeleito tesoureiro da legenda – são os dois principais artífices da aproximação. “Ele vai vir para o nosso lado”, disse Jucá ao Estado, após a decisão.

No encontro da semana passada, Renan já acertou inaugurar a agenda de Temer no Congresso na próxima semana. Ele também se comprometeu com o vice a, tão logo ele assuma, convocar o Congresso para aprovar a revisão da meta fiscal para evitar a paralisia da máquina pública federal.

Renan discutiu ainda a votação de proposta que concede autonomia formal para escolha da diretoria do Banco Central.

Aliados do peemedebista dizem que a composição com Temer tem por objetivo garantir a Renan espaço na legenda após fevereiro de 2017, quando deixará a presidência do Senado.

Congresso já trabalha pauta para ajudar vice

• Medidas para flexibilizar Orçamento e teto de endividamento estão entre as prioridades

Ricardo Brito, Lindner - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Mesmo sem o Senado ter votado o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o Congresso começa a votar na próxima semana uma pauta de projetos alinhados a um eventual governo Michel Temer. Os senadores vão apreciar uma proposta para dar maior flexibilidade ao Executivo para movimentar o orçamento e a Câmara já decidiu filtrar medidas provisórias de Dilma e até a reavaliar acordos firmados pela petista que implicam impacto financeiro para os cofres públicos.

Após acerto do vice com o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), na quarta-feira, os senadores deverão votar na terça-feira uma proposta que amplia a DRU, que prevê a desvinculação das receitas da União, Estados e municípios. O texto é relatado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), que deverá assumir o Ministério do Planejamento de Temer e faz parte das articulações do grupo do vice para garantir maior liberdade orçamentária para a nova equipe econômica.

Outra proposta que consta da pauta do Senado é a de José Serra (PSDB-SP) que fixa um teto de limite de endividamento da União. A apreciação do projeto do senador tucano vem sendo adiado por apelos da atual equipe econômica, mas Serra quer votar logo o texto – ele é cotado para assumir o Ministério das Relações Exteriores na gestão Temer.

Renan, que também preside o Congresso, comprometeu-se com o vice a, tão logo ele assuma, convoque uma sessão conjunta das duas Casas Legislativas para aprovar a revisão da meta fiscal de 2016 a fim de evitar a paralisia da máquina pública federal até o fim do próximo mês.

Bombas. Na Câmara, os atuais oposicionistas também trabalham com as demandas de um eventual governo Temer. Em acordo com o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deputados do PMDB, PP, PR, PSD e DEM desistiram do discurso de obstrução e já possuem um desenho do que deve ser votado no plenário ao longo da semana.

Para o vice-líder do PR, Maurício Quintella (AL), escalado como o “líder informal do governo Temer”, a estratégia é não aprovar o que possui impacto imediato na economia, nem as chamadas “bombas fiscais”. Na prática, o objetivo é bloquear as tentativas de recuperação do Palácio do Planalto e agir de acordo com as sinalizações do vice.

Com o acordo firmado pelos parlamentares, a Medida Provisória 701/2015, que autoriza organismos internacionais a oferecer o Seguro de Crédito à Exportação (SCE), deve ser aprovada a partir da próxima terça-feira. A MP amplia o leque de agentes que oferecem o seguro, atualmente concentrado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), avaliou que a medida pode ter impactos na economia, levando risco ao Tesouro Nacional, mas que “se for essa a vontade do vice-presidente, tudo bem”. Ele admitiu que, na Câmara, “existe uma tendência de trabalhar para próximo governo”. “Nesse momento não é nossa intenção trabalhar com um vácuo de governo, com uma presidente que governa sem poderes para isso, sem representatividade.”

Também é discutida a aprovação da MP 707, que autoriza o BNDES a prorrogar o prazo para refinanciamento de empréstimos por caminhoneiros. O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) afirmou que é “natural” que esse tipo de acordo ocorra neste momento. Já Mendonça Filho (DEM-PE), que é líder da oposição na Câmara, foi mais cauteloso, dizendo que ainda é preciso “conhecer o novo governo”, mas admitiu que também votará com o bloco.

O líder do PSD, Rogério Rosso, que presidiu a comissão do impeachment na Casa, destacou que é preciso “evitar as pautas bombas independente do governo, mas que entende a importância de algumas pautas para manter a serenidade do piso salarial”. Ele se referia à votação que aprovou o regime de urgência para o reajuste dos servidores do Judiciário, fruto de um acordo firmado entre a cúpula daquele Poder e Dilma ano passado. Os deputados cogitam aprovar a urgência de projetos semelhantes para servidores do Ministério Público e para a Procuradoria-geral da União na próxima semana, mas dizem que a apreciação do mérito ficará para a gestão Temer.

O grupo de parlamentares planeja ainda derrubar a MP 704/2015, que permite ao governo federal usar o superávit financeiro das fontes de recursos decorrentes de vinculação legal existentes no Tesouro Nacional em 2014 para cobrir despesas correntes do exercício de 2015. Entre as despesas estão benefícios previdenciários e assistenciais, Bolsa Família e ações e serviços públicos de saúde. A ideia é não votá-la. A MP 704 foi enviada pelo governo federal para o Congresso em 2014 e perderá a validade em 31 de maio.

As responsabilidades políticas - Fernando Henrique Cardoso*

• No pós-impeachment, a maior urgência são as soluções que o País exige para sair da crise

- O Estado de S. Paulo

O pano de fundo da situação política atual é a tremenda crise econômico-financeira em que os governos do PT jogaram o País. Em resumo retórico e exagerado: o Tesouro quebrou. Há um endividamento acelerado pelo alto custo da dívida pública federal (mais de 14% de juros por ano, sobre uma dívida de mais ou menos R$ 3 trilhões) e pela expansão dos gastos correntes em todos os níveis. Esse fato levou os Estados a pleitear a renegociação de suas dívidas com a União em termos perigosos para o conjunto das finanças públicas do País. Além disso, só a Petrobrás deve mais de R$ 500 bilhões e precisará ser capitalizada. Fora as dívidas não reconhecidas, os “esqueletos”, da Caixa Econômica, do setor elétrico, etc. Frutos da péssima gestão e de irresponsabilidade fiscal.

É com esse pano de fundo que o Congresso está votando o impeachment da presidente. É constitucional derrubar uma presidente porque é má administradora e perdeu a popularidade? Não. Mas não é disso que se trata. Trata-se de que houve, sim ,“crime” de responsabilidade, seguido de um brutal enfraquecimento político do governo. No que consiste o crime de responsabilidade? Em a presidente ter utilizado os bancos públicos para mascarar a verdadeira situação fiscal da República e ter autorizado gastos sem aprovação pelo Congresso. Pôs em risco a credibilidade do governo perante o “mercado”e, pior, perante o povo, que está pagando as bravatas financeiras com o desemprego, a inflação e a falta de crédito.

O ministro do Supremo que presidiu o julgamento no Senado do ex-presidente Collor, o jurista Sydney Sanches, deu uma explicação cristalina sobre em que consistiu o “crime” de responsabilidade naquele caso. A alegação fundamental era de que o presidente recebera um automóvel de presente. O Senado considerou que houve “quebra de decoro”. O ministro Sanches concordou com a interpretação e disse mais: desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal e fazer gastos sem autorização do Congresso são formas de quebra de decoro. Entretanto, Collor foi absolvido pelo Supremo, na acusação de crime comum (corrupção), com o voto do próprio Sanches. Por quê? Porque não ficou provado que da quebra de decoro tivesse decorrido qualquer benefício para quem o presenteara com o carro.

Logo, o “crime” de responsabilidade não é um crime capitulado no Código Penal, mas na Constituição, com duplo aspecto: jurídico-administrativo e político. Do impeachment nada mais decorre senão a substituição de quem está no poder e a perda dos direitos políticos por oito anos. Não se trata de condenar alguém criminalmente, mas de afastar um dirigente político que desrespeitou a Constituição e perdeu sustentação política.

Alguns alegam que o impeachment atual é irregular porque as “pedaladas” fiscais se deram sobretudo no primeiro mandato de Dilma e também teriam sido praticadas por outros presidentes. No caso destes, houve apenas breves atrasos no repasse de pequena monta de recursos do Tesouro aos bancos. No caso do atual governo, os atrasos se acumularam ao longo de mais de um ano, alcançando quase R$ 60 bilhões. Quanto à questão dos atos em causa se referirem ao mandato anterior, tanto a Constituição como a lei de 1950 que regula o impeachment não poderiam fazer a distinção entre o primeiro e o segundo mandato porque inexistia a possibilidade de reeleição.

De um possível e mesmo provável afastamento da presidente decorre, pela Constituição, sua substituição pelo vice-presidente. Trata-se de uma determinação constitucional, não de uma escolha. Quanto à nulidade da eleição de 2014, sob o fundamento de que houve abuso do poder econômico ou mesmo corrupção, é matéria afeta ao Tribunal Superior Eleitoral. Dificilmente isso ocorrerá este ano; se for no próximo, o Congresso escolherá o novo presidente, com menor participação do eleitorado do que a simples assunção do vice, que teve o mesmo número de votos que a presidente. Fazer uma emenda constitucional para reduzir o mandato atual é procedimento que implica reduzir mandatos, tema altamente discutível do ponto de vista constitucional, por mais que possa ser melhor chamar eleições diretas e colocar no poder quem não esteve direta ou indiretamente envolvido com os “malfeitos” do governo atual. Demandará, de toda maneira, meses de discussão.

Havendo impeachment, espera-se que o vice-presidente assuma a responsabilidade histórica que lhe cabe: juntar o País ao redor de um programa de “emergência nacional” que dê possibilidades reais para a economia voltar a crescer. O novo Ministério precisa ter crédito perante a opinião pública, e não somente no Congresso. Cabe ao presidente escolher sua equipe, assim como cabe aos partidos, especialmente ao PSDB, que não participou da antiga base governamental, apresentar a agenda indispensável para o momento e, se for o caso, referendar a escolha de ministros que pertençam a seus quadros. É natural que cada partido avalie as consequências de suas decisões sobre a sucessão de 2018. Mas o essencial é que os partidos que vierem a apoiar o governo se preocupem com a viabilidade e a urgência das soluções que o País exige para sair da crise.

Para ingressar num governo que não é seu o PSDB deve fazê-lo com base em compromissos claros, a serem assumidos pelo novo presidente: não interferir na Lava Jato, dar passos inequívocos na reforma político-administrativa, recriar as condições do crescimento da renda e do emprego e não apenas manter, mas melhorar, as políticas sociais. Se os compromissos forem descumpridos, o PSDB deve deixar o governo da mesma maneira como eventualmente ingressar, explicando as razões de sua decisão. O governo pós-impeachment não é do PSDB e não deverá ser monopólio de nenhum partido, mas uma emergência nacional. Caso contrário haverá riscos de naufrágio. É hora de cada partido e cada líder assumir suas responsabilidades perante a Nação.
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*Socioólogo, foi presidente da República

O espírito do tempo e nós - Luiz Werneck Vianna*

• Avançamos assim em zigue-zague, mas desta vez sem o recurso da marcha à ré

- O Estado de S. Paulo

Estamos em trânsito, embora ninguém possa se atrever a apontar para qual destino. O mês de maio já se insinua no horizonte e, em meio aos escombros e à densa poeira que a ruína da política deixa em seus rastros depois dos infaustos acontecimentos que a puseram por terra, já podemos nos dar conta da imensidão da tarefa que temos pela frente a fim de devolver à vida o que nos sobrou. Durante um dia sem fim, diante da tela da TV, o País viu, ao vivo e em cores, o desfile da nossa representação política na votação do impeachment, certamente chocante para muitos dos nossos intelectuais que acordaram tarde para a participação na vida pública, confiados em que, sobre sua cabeça, os poderes mágicos da liderança a que se entregaram de corpo e alma bastariam para cuidar da realização das suas expectativas de uma sociedade mais justa.

Nua e crua, sem maquiagem, a nossa representação expôs sua rusticidade e, principalmente, a cultura do familismo imperante entre nós, tanto nos rincões quanto em setores ilustrados da vida social, para que não fique sem registro o comportamento das nossas elites. Por outro lado, em tantos chamava a atenção a retórica e os argumentos formalistas típicos dos tribunais, mesmo daqueles conhecidos por se manterem aferrados à tradição que nos vem de longe de conceder primazia à dimensão substantiva na avaliação de temas sociais em detrimento das formais.

Tudo contado entre os salvados e os perdidos, fica o inventário de que o sentimento das ruas, expresso desde junho de 2013 e reiterado desde aí em vigorosas manifestações, encontrou ressonância na vida parlamentar, não importando as motivações subalternas que ali também se fizeram presentes, porque foi o espírito do tempo, para falar na linguagem de Habermas em seus textos políticos, que encontrou, contra todas as probabilidades, sua oportunidade de afirmação naquela assembleia de fúrias desatinadas.

Nesse inventário não pode faltar o comportamento surpreendentemente civilizado das multidões que acorreram às ruas em favor ou contra o impeachment, contrariando as previsões, aliás, motivadas, de que aquele dia de cão culminaria em conflitos generalizados. Não foi assim, as grades que separavam os dois “partidos” no gramado em frente ao Congresso Nacional ficaram de pé – mais uma evidência de que o respeito às regras se tem entranhado na consciência popular – e todos se retiraram pacificamente da manifestação.

Igualmente ficará incompleto se não mencionar o papel das instituições legadas pelo constituinte da Carta de 88, que mais uma vez, em meio à tormenta, têm servido de âncora segura para que a sociedade não sucumba às paixões que venham ameaçá-la com os riscos de uma conflagração social. O texto da Constituição se tornou a língua geral de todos os envolvidos no processo de impeachment presidencial ainda em curso, importando, na cena política brasileira, um inédito protagonismo para o Direito, seus procedimentos e instituições. Aí, mais um marcador a sinalizar que a sociedade se rende ao espírito do tempo, ao confiar a resolução dos seus conflitos às vias da democracia política, recusando-se a aceitar uma saída por meio de uma ruptura constitucional.

O espírito do tempo que irrompe sem dono e com muitas vozes sem prévia concertação para se enunciar também se faz presente nas ações de instituições estatais, como nas da Polícia Federal, do Ministério Público e da magistratura, em particular na Justiça Federal de Curitiba. No caso, sua intervenção vai direto ao cerne da matéria ao identificar as raízes de muitos dos nossos males nas relações degradadas entre os partidos e o mundo do dinheiro, corrompendo nosso sistema de representação política e a esfera pública em geral. A recepção positiva de suas ações por parte da sociedade é mais um sinal de que o eixo do tempo está girando em seus gonzos em favor da democracia política.

Trata-se de uma mudança de época tramada em surdina pela modernização social e pelos efeitos imprevistos dela decorrentes. Essa mudança de época foi sinalizada com todas as tintas nas grandes manifestações de junho de 2013 – logo esquecidas depois das reverências de praxe –, que declararam em alto e bom som que a sociedade não admitia ser uma base passiva para o Estado e seus governantes. Ela queria participar e se envolver na administração das políticas públicas, encontrando ouvidos moucos no governo Dilma, que reiterou na sua campanha pela reeleição, em 2014, ser fiel às práticas e ao modelo contestado pelas ruas nas jornadas de junho.

Às costas dos atores políticos, o reino dos fatos operava em silêncio. Com o olhar fixo na empiria imediata – como alargar e proteger sua base de apoio governamental –, o governo e seus áulicos não repararam no movimento da terra, como dizia Joaquim Nabuco, que, fora de sua vista, tinha alterado a paisagem, antes percebida como acolhedora e que agora se apresentava como ameaçadora e hostil. O espírito do tempo que rondava os acontecimentos reconheceu no impeachment a hora da sua manifestação, mesmo que seu portador não contasse com uma história pessoal que o credenciasse ao feito, mesmo com aquele improvável Parlamento liliputiano.

É marca do tempo presente a capacidade da consciência de alterar e ativar as condições da existência, como anota Ulrich Beck em sua obra clássica. Na política também se vive sob o signo da reflexividade. Nossa sociedade, há décadas imersa na indiferença quanto à política, chega a ela aos trancos e barrancos, envolvendo multidões até há pouco apáticas. Em alta voltagem, ela está aí de volta, até mesmo entre os adolescentes, os quais, depois do seu batismo de fogo nas manifestações, já voltam a ocupar suas escolas em nome de uma reforma educacional.
O Brasil não é cartesiano, todos sabem, avançamos assim em zigue-zagues. Mas desta vez sem o recurso da marcha à ré.
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*Sociólogo, PUC-Rio

Ah, se não fosse a realidade! – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Devo admitir que, a cada dia, surpreendo-me com a reação de pessoas reconhecidamente inteligentes e bem informadas, em face da crise pela qual passa o país nesta fase do governo de Dilma Rousseff. Não é que não tolere suas opiniões contrárias à minha, e sim os tipos de argumentos que adotam, contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem a nossa vida política e social. A única explicação para tal atitude só pode ser a necessidade de, fora de toda lógica, insistir na defesa de determinada opção ideológica, seja ela razoável ou não.

Por que digo isso?

Porque o que tem ocorrido, no Brasil, de certo tempo para cá, não deixa dúvida quanto ao procedimento dos dirigentes petistas para, a qualquer custo, se manterem no poder. Tomemos como exemplo o escândalo do mensalão, que envolveu o Estado-maior lulista na compra de deputados do baixo clero. Pode alguém, em sã consciência, acreditar que tudo aquilo foi feito sem que Lula soubesse, quando os autores da falcatrua eram os principais auxiliares dele e no comando do governo?

Estes foram processados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal mas a tal esquerda lulista o ignora, como se acreditasse que são inocentes.

Mas tudo bem, o mensalão são águas passadas. E o Petrolão? Segundo os entendidos na matéria, nunca houve, na história brasileira, uma corrupção de tais proporções e, ainda por cima, envolvendo o governo do país e sua maior empresa.

E, veja bem, não foi a oposição ao governo petista que trouxe à tona esse escândalo; foi a Operação Lava Jato, de que participam a Polícia Federal, procuradores do Estado do Paraná e o juiz Sergio Moro, de primeira instância. Graças à sua competência e determinação, além das delações premiadas, o país tomou conhecimento, entre outros escândalos, do assalto à Petrobras, que quase a leva à falência.

O povo brasileiro todo sabe da compra da refinaria de Pasadena, por um preço várias vezes maior que seu valor real; sabe dos orçamentos superfaturados que resultaram em propinas de milhões e milhões de reais dadas aos petistas e seus aliados. Vários dos empresários dessas empreiteiras estão presos e outros já condenados. Todo mundo sabe disso, menos aqueles fiéis seguidores do lulismo e do esquerdismo sagrado.

Essa é a conclusão a que chego, quando os leio ou ouço suas declarações na televisão. Conforme o que dizem, é como se os fatos que todos conhecemos não tivessem acontecido, seriam mentiras inventadas pelos inimigos de Lula, o defensor dos pobres. Não é que o digam explicitamente, não o dizem; apenas os ignoram. É como se nada daquilo houvesse ocorrido, muito embora Marcelo Odebrecht esteja em cana e o mesmo tenha ocorrido com proprietários e ex-presidentes de outras empresas participantes daquelas mesmas falcatruas.

Isso está todos os dias nas páginas dos jornais e no noticiário da televisão, mas, ainda assim, esses nossos amigos fingem ignorá-los. Preferem afirmar, falsamente indignados, que Dilma Rousseff está sendo vítima de um golpe, muito embora saibam que é mentira e que até ministros do STF já se mostraram indignados com tamanho descaramento.

É então que me pergunto como é que pessoas honestas, inteligentes e informadas têm o desplante de ignorar a realidade para, com isso, justificar uma atitude indefensável; claro, não há argumento que justifique o assalto a uma empresa estatal nem o recebimento de propinas para financiar partidos e campanhas eleitorais. A alternativa que lhes resta, portanto, é fazer de contas que não sabem de nada.

Muito bem. No começo desta crônica, usei a expressão "opção ideológica" para definir tal atitude e é isso que distingue estes lulistas dos outros, menos sofisticados. É que, para estes, o PT, liderado por um operário, nasceu como a esperança da verdadeira revolução proletária, com que sonhavam. Sucedeu que, logo logo, o comunismo acabou no mundo inteiro.

Lula, esperto como sempre, optou pelo populismo e, em vez de lutar contra os capitalistas, aliou-se a eles –e daí o Petrolão. Dá para entender: quem acredita que petismo é socialismo não consegue encarar tanta realidade.

A reconstrução como foco - Fernando Gabeira

- O Globo

Neste momento em que palavras se liquidificam e argumentos tornam-se cusparadas, até por dever de ofício sempre me pergunto o que é importante e como não perder o foco. O processo de impeachment segue seu rumo no Congresso, é hora de apressar o processo de reconstrução econômica, buscar atrair investimentos mais rapidamente, atenuar a crise no mercado de trabalho.

Os diagnósticos já conhecidos parecem convergir para um objetivo de retomada do crescimento com proteção dos mais vulneráveis. Uma das críticas ao Bolsa Família era a ausência de foco nos mais vulneráveis, precisamente para alcançar o melhor efeito com o dinheiro. A dispersão do modelo petista traz mais votos, mas tem menos eficácia. Vamos esperar a dança dos nomes e a chegada do momento em que possamos reagir, saindo logo desse pesadelo nacional. Uma capa de revista com cartaz “help” na estátua de Cristo expressa esse sentimento.

A energia de reconstrução talvez seja mais leve do que dos embates políticos do momento. Um segundo e importante front é a transparência sobre o que se passou no governo. Só a Lava-Jato colheu 65 delações premiadas. Num único fim de semana, três importantes depoimentos apareceram. Um deles, da publicitária Danielle Fonteles, revela como o esquema de propina sustentou a propaganda do PT e a folha dos blogueiros chapa-branca. Em outro, Mônica Moura, mulher de João Santana, revela que recebeu dinheiro por interferência do ex-ministro Guido Mantega. Finalmente, o dono da Engevix, José Gomes Sobrinho, revelou seu esquema de propinas pagas ao PT e ao PMDB, citando Renan e Temer. Todo esse conjunto de dados vai estar à disposição para que todos se interessem, leiam e saibam como operou o governo, como se venceram as eleições. Depois de tudo isso digerido, será mais fácil conversar. De vez em quando chegam críticas pesadas. No mesmo tom raivoso das ruas. Para alguns deles, sou velho e amargurado. Minhas ideias são medidas pelos anos e não pela sua consistência.

Bobagem. Quando todas as cartas estiverem na mesa, será mais fácil mostrar como se enganam os que veem em 2016 uma repetição de 1964. Talvez pressintam isso, mas são prisioneiros da tese de que Dilma sofreu um golpe e não um impeachment. O próprio Lula parece não compreender a diferença entre um golpe militar e um impeachment. Afirma que não entende pessoas perseguidas e exiladas pela ditadura apoiarem o impeachment. Como se estivéssemos apoiando censura, prisões, exílios e banimentos. A tese de que isto é uma repetição de 64 iguala o pensamento da esquerda ao de Jair Bolsonaro, que, no seu discurso, disse “vencemos em 64, vencemos de novo”, como se os tanques do General Mourão marchassem contra o Planalto.

O Brasil mudou, vivemos um momento diferente. A própria Guerra Fria, a atmosfera envolvente da época, foi embora com a queda do Muro de Berlim. No entanto, existe um dado na experiência pós-64 que ainda me intriga. Depois da derrota do populismo de esquerda, os jovens fizeram uma pesada crítica aos líderes, uma grande renovação, a partir do movimento estudantil que buscou um outro caminho, equivocado, mas um outro caminho. Hoje, os populistas levam o país para o buraco e ainda convencem seus seguidores que a derrota é fruto da maldade do adversário. Um dos artifícios é fragmentar a realidade, fixar-se numa era de bonança internacional, escamoteando uma longa gestão perdulária que acabou resultando nisto: retrocesso econômico, desemprego. Assisti no século passado ao fim do socialismo real. Agora assisto aos últimos suspiros do chamado socialismo do século XXI, com as mesmas filas para comprar produtos essenciais. Minha rápida incursão na Venezuela, já na fronteira, indicava o fracasso boliavariano. Ainda no lado brasileiro, em Pacaraima, via pessoas com imensos maços de notas em busca de reais ou dólares. Os caminhões de carne brasileiros voltavam cheios porque já não conseguiam pagá-los.

Aceitar a realidade não significa amargura. Talvez por isso tanta gente se refugie na ilusão e persiga tantos moinhos. Aceitar a realidade abre caminho para novas ideias, reinvenções. No século passado, foi possível abrir novos caminhos para uma esquerda limitada pela luta de classes. Ao cooptar as lutas emergentes e colocá-la sob sua asa financeira no Estado, a esquerda conseguiu levar algumas dessas lutas à caricatura. De todos os princípios que tentei preservar do desastre do século passado, ao lado da preocupação com o meio ambiente, os direitos humanos, a redução da desigualdade social, um deles é básico: a democracia como objetivo. Por mais que fale em democracia, o governo do PT a utilizou para seus próprios fins, esgrimiu seu nome sempre que isto era bom para ele.

Quando passar toda essa emoção, pode estar aí um bom roteiro para descobrir o ovo da serpente. Não adianta brigar ou cuspir, mas tentar entender a ruína do próprio projeto político. O governo vai dizer que caiu por suas qualidades. O marketing exige assim. Uma sociedade malvada rejeitou seus salvadores. É uma canção de ninar. Sofremos na terra, mas será nosso o reino dos céus. Perdemos mais uma batalha, mas será nossa a vitória final. Se conseguir interessá-los por esse paradoxo, talvez tenha valido a pena ouvir os seus insultos.

Ponte para o passado - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Quanto mais se aproxima do precipício, mais velocidade o PT imprime à caminhada em direção à queda. Queima caravelas e parece querer construir uma ponte para o passado, comportando-se como o partido que perdeu três eleições presidenciais antes de vencer quatro vezes consecutivas a partir de uma reformulação de imagem.

Os movimentos do partido, do governo e respectivas áreas de influência nas últimas semanas indicam a preparação de uma retirada absolutamente em desacordo com as práticas mais corriqueiras nem se diga do manual republicano, mas da civilidade, do bom senso e, sobretudo da lógica na perspectiva de quem não pretende abdicar da atividade política.

Nada do que dizem ou fazem a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva e seus correligionários guarda relação com a sensatez. Ao contrário, mais parecem personagens dos episódios da História Mundial relatados pela escritora americana Bárbara Tuchman sobre atos insensatos que levaram seus autores a construírem a trajetória das próprias derrocadas.

Vejamos alguns dos mais recentes exemplos da marcha da insensatez petista. Os discursos cada vez mais agressivos da presidente da República a levaram a contratar desafetos quando necessitava de todo apoio que pudesse reunir.

O incentivo à guerra de militantes, cuja culminância (por enquanto) deu-se na quinta-feira quando apoiadores do governo armaram barricadas em várias cidades, interditando avenidas, agredindo o direito de ir e vir da população a título de atrair “visibilidade” aos protestos contra o impeachment. Certamente não conquistaram adeptos à causa entre os “engarrafados”.

A fim de aproveitar seus últimos momentos, a presidente estava decidida a aproveitar a passagem hoje do Dia do Trabalhador para anunciar o chamado pacote de bondades como aumento nos benefícios de programas sociais e correção na tabela do Imposto de Renda. Por que não fez antes? Porque não há dinheiro. Mas, como a conta tudo indica será transferida para o sucessor, às favas com o ajuste de despesas.

A ideia de não fazer a transição para a futura administração denota o quê? Completa irresponsabilidade para com o País, nota dez em ressentimento e grau abaixo de zero no quesito espírito público. Há ainda o plano de reeditar campanha de eleições já, inexequível pela falta de previsão constitucional e de apoio no Congresso para aprovar a realização de um pleito extraordinário.

Para concluir, nem falemos sobre um pretenso périplo internacional para denunciar “o golpe”, porque deste já cuidou o Itamaraty ao se recusar, com senso do ridículo e conduta de Estado, a aderir a uma cruzada brancaleone.

Baião de dois. É fato que os 54 milhões de eleitores que reelegeram a presidente Dilma Rousseff o fizeram majoritariamente em apoio à campanha do PT. Não é verdade, porém, que o candidato a vice não os tenha recebido também. Assim como podemos raciocinar que alguns desses eleitores não tenham votado em Dilma por discordarem da aliança com o PMDB.

Todos sabiam que elegiam uma dupla. Quem votou em Aécio Neves o fez consciente de que escolhia o senador Aloysio Nunes Ferreira como o primeiro na linha de sucessão. Tal informação foi dada ao eleitor, inclusive na urna eletrônica. Um dos motivos pelos quais não faz sentido a alegação de que Michel Temer não teria a legitimidade do voto para governar.

A outra razão está no empenho do próprio PT em reeditar a parceria oficial com o PMDB firmada em 2010. E qual a motivação dos petistas? Valer-se da influência, do peso no Congresso, da presença e organização do partido com maior capilaridade no País.

Causas da queda - Merval Pereira

- O Globo

A queda na qualidade da representação parlamentar é um fenômeno que se espalha por boa parte dos países da nossa região, avalia o sociólogo Bernardo Sorj, mas há razões específicas ao Brasil que são destacadas pelo historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras, e pelo cientista político Sérgio Abranches: os reflexos dos 21 anos da ditadura militar que o país viveu.

Para José Murilo de Carvalho, um dos fatores que afetaram a qualidade da elite política atual “é o fato de que a geração que está agora ocupando espaço no Executivo e no Legislativo teve, sim, uma escola ruim, mas uma escola política ruim. Ela amadureceu durante a ditadura quando o Congresso permaneceu aberto, mas castrado pelo regime. Esta geração de políticos guardou então da atuação política uma visão puramente utilitária, sem qualquer dimensão cívica”.

Já Abranches diz que a ditadura interrompeu o fluxo de formação de lideranças acostumadas aos embates democráticos desde o movimento estudantil. Este foi capturado e monopolizado por partidos que não têm cultura democrática. A disputa tolerante entre visões e correntes diversas e o pluralismo desapareceram da política estudantil, que foi um campo de formação de lideranças.

“Não criamos novos canais de formação de lideranças políticas. O fim da clandestinidade forçada não reabriu o processo democrático na política estudantil”. Bernardo Sorj vê múltiplas razões para a decadência política na América do Sul, onde excetua o Chile e o Uruguai, como o surgimento de partidos novos, com frágil conteúdo programático, basicamente máquinas eleitorais em contextos de profundas transformações sociais (em particular processos de urbanização) que desorganizaram os velhos sistemas de fidelização de voto.

A perda de qualidade parlamentar é causada por dois motivos fundamentais, segundo Sorj: 1) a carreira política passou a ser uma oportunidade para pessoas que vêem nela uma forma de ascensão social e enriquecimento pessoal. Se trata de indivíduos onde o público está a serviço do privado. 2) A nova geração das elites social e cultural se afastou da vida política — mas não da carreira pública, haja vista no Brasil, por exemplo, a nova geração de promotores.

A política é vista como um lugar de ineficiência e corrupção por uma geração com orientação cosmopolita e menos engajada nos problemas nacionais. Quando se engaja, o faz através de organizações de sociedade civil nas quais pode promover causas públicas sem ter que entrar em negociações e negociatas.

Eles consideram também o setor privado e o mundo empresarial mais atrativo e correto, com regras definidas de meritocracia e de ascensão econômica. Sergio Abranches concorda que houve perda de reputação e prestígio da atividade política, que desvia jovens com perfil para a política profissional para outras atividades de maior prestígio.

Ampliou-se também o acesso às candidaturas, principalmente pela democratização e eliminação de barreiras elitistas e pela fragmentação partidária, ressalta Abranches. Os movimentos organizados (CUT, sindicatos, organizações patronais, etc…) e igrejas evangélicas passaram a buscar representação parlamentar. “Esse processo de ampliação de acesso está relacionado à urbanização acelerada, ao aumento das comunicações, à penetração da TV e, sobretudo, à mobilidade social e econômica”.

O sociólogo Francisco Weffort acha que temos uma lei eleitoral inspirada em princípios que se adequaram, em alguma medida, ao Brasil pós 1945, mas que são inteiramente inadequados para o Brasil pós 1985. “Naquela época, nós estávamos ainda saindo dos limites de uma sociedade rural, hoje somos plenamente uma sociedade urbana de massas. Neste sentido, quanto mais se urbaniza (e, paradoxalmente, quanto mais se democratiza) a sociedade, mais decai a representação”.

O também sociólogo Simon Schwarzman vê uma grande ampliação de acesso na política, “não necessariamente aos mais pobres, mas aos detentores de ‘dinheiro novo’ obtido de forma mais ou menos ilegal, figuras de grande visibilidade como radialistas e jogadores de futebol, líderes religiosos e representantes de algumas categorias profissionais como policiais, e outras, sem falar de milicianos e outros personagens mais ou menos sinistros”. (Na terçafeira, propostas para reforma política).

Lançamento
O constitucionalista Gustavo Binembojm lança amanhã, na Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, o livro “Poder do Polícia — Ordenação/ Regulação”, tese que apresentou na Faculdade de Direito da UERJ, com a qual conquistou o 1º lugar no concurso público para professor titular.

O trenzinho do caipira - Luiz Carlos Azedo

• Ao contrário da Câmara, que tratou do impeachment a toque de caixa, o Senado vai mais devagar com o impeachment de Dilma

- Correio Braziliense

Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar, no ar

Pode ser uma viagem, mas as longas e repetitivas sessões da comissão especial do Senado para discutir a admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff dão vontade de fechar os olhos e ouvir O Trenzinho do Caipira, do maestro Heitor Villa-Lobos, um trecho da peça Bachiana Brasileiras nº2, na qual a orquestra imita os sons de uma locomotiva e tudo aquilo que vai encontrando pelo caminho. Com interpretações magistrais de alguns artistas brasileiros, entre os quais Adriana Calcanhoto, Edu Lobo, Egberto Gismonti e Maria Bethania, a viagem ganha outra dimensão com a letra de Ferreira Gullar, um trecho do Poema Sujo, na qual o espaço e tempo se misturam ao longo da viagem do menino.

O músico captura a transição do rural para o urbano, do tradicional para o moderno, enquanto o poeta tece as imagens desse processo — vida, ciranda, destino, noite, campo e cidade — com o linguajar característico dos brasileiros. Como seria bom se o parlamento fosse realmente uma tradução mais democratica da sociedade, não uma representação distorcida pela forte presença do transformismo partidário e do cretinismo parlamentar. Villa-Lobos abrasileirou as nomenclaturas da música na Bachianas brasileiras nº 2, divida em Prelúdio (O canto do Capadócio); Ária (O canto de nossa terra); Dança (Lembrança do sertão); e Tocata (O trenzinho do caipira). O último movimento deu origem à canção popular.

Por que as enfadonhas discussões da comissão especial do impeachment no Senado podem nos remeter à tocata brasileira? Compostas para piano, nas tocatas uma das mãos desliza de forma virtuosa pelo teclado enquanto a outra o acompanha com acordes. No Trenzinho do Caipira, Villa-Lobos e Gullar traduziram para a alma brasileira o barroco e o romântico, mas sobretudo Bach, cujas tocatas adquiriam a forma de fuga. Talvez esteja aí a chave: na composição musical, um tema é repetido por outras vozes que entram sucessivamente e continuam de maneira entrelaçada. Começa com um tema, declarado por uma das vozes isoladamente. Uma segunda voz entra, então, “cantando” o mesmo tema, mas noutro tom; enquanto a primeira voz continua, uma terceira faz o contraponto. As vozes restantes entram, uma a uma, cada uma iniciando com o mesmo tema.

É isso, uma fuga pra frente. O debate no Senado é uma tentativa de retirada organizada dos petistas e de seus aliados do poder, sem olhar para trás, brandindo a bandeira da defesa da democracia, supostamente ameaçada por um “golpe de Estado”. Tudo isso para cavar trincheiras nas eleições municipais e tentar chegar, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, às eleições de 2018 em condições de voltar ao poder.

Enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff ateia fogo às vestes no Palácio do Planalto. A propósito, Wolfgang Amadeus Mozart compôs uma dupla fuga barroca, o Kyrie Eleison, no Réquiem em Ré menor; e Ludwig van Beethoven, na Missa Solemnis, também compôs uma fuga magistral no final do “Credo”.

Ao contrário da Câmara, que tratou do impeachment a toque de caixa, com uma votação final num domingo, depois de uma maratona de sessões, o Senado vai mais devagar com o andor. Elegeu a comissão especial na segunda-feira, instalou-a na terça e estabeleceu seu cronograma na quarta; na quinta, ouviu os autores do pedido de impeachment, os juristas Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, e, na sexta, a defesa da presidente Dilma, representada pelos ministros José Eduardo Cardozo (Advocacia-geral da União), Nélson Barbosa (Fazenda) e Katia Abreu (Agricultura). Repete-se a ladainha da comissão especial da Câmara, uma exigência do novo rito de impeachment aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a diferença que houve uma trégua no fim de semana. Ao contrário dos deputados, a orquestra do Senado não quis trabalhar no fim de semana.

Viva o Primeiro de Maio! Pena que caiu no domingo.