segunda-feira, 4 de abril de 2016

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

A paralisia da ação governamental e a marcha cruel da crise econômica, que desorganiza a sociedade, impõem que se comece logo a reconstruir o futuro. Haverá líderes capazes de tal proeza? Só o tempo dirá. Para isso precisaremos de um mínimo de consenso entre as forças e lideranças sociais e políticas, inclusive as até agora dominantes, afastados os que tenham comprometimento pessoal com os malfeitos que arruinaram o povo, as empresas e o Estado. Nenhum compromisso para o futuro que esteja baseado no “cala a boca” das investigações (seus eventuais abusos devem ser corrigidos por decisões do Supremo) será capaz de reacender o que é essencial para o nosso futuro: a competência na condução do Estado, a confiança e o apoio da sociedade. Sem maniqueísmo, sem salvacionismo e sem pretensões hegemônicas.

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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. ‘A Constituição é o caminho’, O Globo, 3/4/2016

Depois de oferecer cargos a deputados, Planalto estende negociação ao Senado

• Dilma tenta mostrar que ainda tem condições de formar bloco contra o impeachment à base do toma lá dá cá e, com isso, incentivar o que o governo chama de ‘voto útil’ na Câmara; espólio do PMDB é colocado à disposição de partidos menores

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo iniciará nesta semana uma ofensiva para distribuição de cargos também no Senado, com o objetivo de construir um “blocão” contra o impeachment naquela Casa. A ideia do Palácio do Planalto é mostrar principalmente aos deputados indecisos que a presidente Dilma Rousseff tem apoio no Senado, e, com isso, incentivar o “voto útil” contra o seu afastamento na Câmara.

A nova estratégia, combinada com a reforma ministerial, foi discutida ontem, durante reunião de Dilma com ministros do PT. Até agora, o Planalto concentrava suas energias na Câmara, mas a ordem é ampliar o “varejo” político para acomodar apadrinhados por senadores aliados em postos-chave, como ministérios e bancos públicos, aproveitando o espólio do PMDB, que anunciou o rompimento com o governo.

O movimento tentará convencer o “baixo clero” – formado por políticos pouco conhecidos – que Dilma possui todas as condições para enfrentar os adversários, mesmo porque tem a caneta na mão. Tudo será feito para criar uma “onda” anti-impeachment que leve ao “voto útil”, ainda que seja por temor de represálias em caso de permanência de Dilma. Cabe ao Senado referendar ou não, por maioria simples, eventual decisão da Câmara pela continuidade do processo, o que depende do apoio de 342 deputados.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chegou a dizer ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, se a deposição de Dilma receber sinal verde da Câmara, será difícil reverter o quadro. A percepção ainda é essa, mas o governo acredita que o “blocão” – montado por senadores do PT, PC do B e uma ala do PDT e do PRB, além de “pedaços” do PMDB e PSB – vai atrair o “baixo clero”.

Dilma se reuniu ontem com os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), Jaques Wagner (Gabinete Pessoal) e José Eduardo Cardozo (Advocacia Geral da União), no Palácio da Alvorada, para tratar da reforma no primeiro escalão. A nova composição da equipe ainda não foi anunciada por causa do impasse com o PMDB.

Dos sete ministros do partido comandado pelo vice-presidente Michel Temer, apenas Henrique Eduardo Alves (Turismo) entregou o cargo. Os demais disseram a Dilma que são solidários a ela e estão dispostos a se licenciar do PMDB para ficar a seu lado.

A tendência é que Dilma mantenha os titulares da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-PI), e da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera (PMDB-RJ), indicados pelo líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). Uma negociação feita por Lula também assegurou a permanência de Helder Barbalho à frente da Secretaria dos Portos. O ministro é filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

Com essa configuração, partidos aliados assediados pelo Planalto na luta contra o impeachment, como o PP – que reivindica Saúde – ganharão outras pastas. Nesse cenário, a expectativa é que o PT de Dilma e Lula perca espaço. A presidência da Caixa Econômica Federal, hoje com o PT, também deve ir para o PP, que controla Integração. Se o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga (PMDB), retornar ao Senado para engrossar o bloco de defesa de Dilma, a pasta pode ficar com o PR, que comanda Transportes.

Espaços vazios. Antes de anunciar a reforma ministerial, a presidente fará, ainda hoje, nova rodada de conversas com senadores e deputados. O Planalto não quer deixar insatisfeitos pelo caminho.

“Repactuar o governo é reorganizar a base de apoio. Isso não tem nada a ver com compra de votos. Trata-se de ocupar espaços vazios”, afirmou Jaques Wagner. “Chegou a vez dos pequenos partidos, sempre deixados para trás porque o PMDB tinha os melhores ministérios.”

Governo e oposição pressionam ‘indecisos’

• Culpa por ‘golpe’ ou por ignorar pressão das ruas é arma na reta final do impeachment

Bernardo Caram - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A previsão de que o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff seja votado em plenário daqui a duas semanas faz com que governo e oposição intensifiquem a busca por deputados “indecisos” ou “indefinidos”. Em comum, ambos os lados recorrem à “pressão das ruas” e ao “sentimento de culpa” para atrair parlamentares aos grupos favorável ou contrário ao afastamento da petista.

Segundo levantamento publicado ontem pelo Estado, o alvo prioritário são 55 deputados que se disseram indecisos, 9 que não quiseram declarar seu voto – mesmo com a opção de permanecerem sob anonimato – e 71 integrantes de 15 partidos diferentes que não foram localizados pela reportagem. A reportagem mostrou que, por ora, 261 deputados votariam a favor da abertura do procedimento e 117 se posicionaram contra o impeachment. Para o processo seguir para o Senado, são necessários 342 votos, o equivalente a dois terços dos 513 deputados da Câmara.

Tanto governistas quanto oposicionistas procuraram ver os números do levantamento do Estado com otimismo. No Planalto, a avaliação é de que a reforma ministerial a ser promovida nesta semana – pela qual Dilma trocará cargos e pastas pelo voto de deputados de partidos do chamado centrão, como PP, PR e PSD, contra o impeachment – será suficiente para conter o avanço da onda pelo afastamento da petista. Fora isso, o governo insistirá na tese de tachar o processo como “golpe”.

Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), os números mostram que o governo tem capacidade de barrar o impeachment. O parlamentar aposta na presença – mesmo que informal – do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na articulação do governo e na pressão dos movimento sociais de esquerda.

“Os deputados que votarem a favor do impeachment vão levar para a vida deles o legado de serem golpistas”, acusou Gass, que vê como fator positivo ao Planalto a decisão do PMDB de romper com Dilma. “O setor do PMDB que saiu fez um bem para o País. Eles estavam dentro do governo, mas operando contra o governo.”

Pressão das ruas. A oposição, por sua vez, conta com a pressão das ruas e dos movimentos organizados contra o PT para atingir o mínimo de 342 votos – pelo levantamento do Estado, faltariam 81 votos para tanto. O líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), lembra que parlamentares que foram contra o impeachment de Fernando Collor de Mello em 1992 “passaram maus bocados nos anos seguintes”. Segundo ele, políticos contrários ao governo Dilma são aplaudidos nas ruas, enquanto os favoráveis são hostilizados. “O cara tem que ter muita coragem para votar contra o impeachment, a pressão é muito grande”, disse o deputado.

O líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), acredita que os números a favor do impeachment revelados pelo Estado são elevados e a tendência é de ampliação. “O governo está tão fraco, sem perspectiva, que é muito difícil conseguir reverter isso”, disse, ressaltando que novos fatos da Operação Lava Jato também geram um ambiente favorável ao impeachment.

‘Opinião pública é mais forte contra Dilma do que foi contra Collor’, diz Benito Gama

• Presidente de CPI em 92 e hoje na comissão do impeachment, deputado avalia que governo petista ‘chegou no limite’

Luiz Maklouf Carvalho - O Estado de S. Paulo

Na falta de “eleição geral agora, que seria o ideal para zerar a política do Brasil”, o deputado Benito Gama (PTB-BA) vai votar a favor do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Integrante da comissão que avalia o pedido, Gama foi, em 1992, o presidente da CPI que investigou o presidente Fernando Collor – depois alvo de impeachment e hoje senador recém-saído do PTB, do qual o deputado é vice-presidente. “A presidente Dilma e o PT conseguiram envolver o País numa tempestade perfeita, como nunca se viu”, disse o deputado. “Sou a favor de que ela deixe o comando do País, para realmente buscarmos dias melhores.”

Gama voltou à Câmara na eleição de 2014, com 71 mil votos, e receita de R$ 5,9 milhões declarada ao TSE. É um dos 40 deputados da comissão que integra a lista de doações de empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato – “doações perfeitamente legais”, disse, em defesa dos R$ 211 mil relacionados. A Procuradoria Regional Eleitoral na Bahia (PRE-BA) denunciou Gama por abuso de poder econômico e irregularidades na campanha – processo que tramita no TRE baiano.

“Minhas contas foram aprovadas por 6 a 0, e os erros são formais.”

Como está o placar na comissão do impeachment?

No começo parecia de igual para igual. Hoje há uma posição claramente majoritária a favor do pedido de impeachment. Há um isolamento de PT e PC do B. Isso se confirmando, vai contaminar o plenário.

Os depoimentos da semana – dois a favor do pedido e dois pró-governo – podem mudar algo?

No meu caso, só confirmou a posição favorável. Mas os quatro são altamente qualificados, e podem ter acrescentado informações que cada deputado pode usar para formar sua opinião.

Por que o sr. é a favor do impeachment?

Vejo um agravamento grande da situação política, econômica, moral e social do Brasil. Os responsáveis devem ser afastados.

Os 342 votos a favor do pedido vão se materializar ou o governo tem como obstar o processo?

Faltam só duas semanas para a votação final. É um tempo muito curto para um convencimento, diante da situação crítica que estamos atravessando. Se em 12 meses o governo não conseguiu convencer alguém, só agravar, não seria agora que iria conseguir votos suficientes.

A ministra Kátia Abreu disse que não pode haver impeachment por má gestão ou por antipatia. O que o sr. acha?

Se fosse por má gestão ou antipatia, o impeachment teria acontecido muito antes. O que há agora é uma investigação profunda nos órgãos do governo Dilma, embora não diretamente contra ela, ainda. Mas ela é a líder do governo, é a responsável.

De que forma?

A Petrobrás, o BNDES, a máquina administrativa estão totalmente dilacerados ética e moralmente. Se isso não serve para o impedimento, só se for um tiro à queima-roupa da presidente em alguém. Em democracias mais modernas há o voto de desconfiança, no parlamentarismo, como o voto desconstituinte nas pessoas que foram eleitas. No Brasil há o impeachment, com sobejas razões, políticas sim, para se poder fazer realmente o repensar do Brasil.

O que importa, tecnicamente falando, é se houve ou não crime de responsabilidade. Há crime de responsabilidade no pedido apresentado, ou o voto será político?

O impeachment é um voto político. No caso específico, há uma lei, clara, que diz que o governo que não cumpre o orçamento e pratica ações contra o orçamento está sujeito a crimes de responsabilidade. É isso que está no pedido: o não cumprimento da lei orçamentária. A presidente governou o orçamento sem o Congresso autorizar. E está claro, na lei de impeachment, que isso é crime de responsabilidade.

Se 342 votos aceitarem o processo na Câmara, qual a expectativa em relação ao Senado?

Câmara e Senado não são aliados automáticos, mas não são adversários. O sentimento da Câmara será o da rua, como houve no Collor. A Câmara aprovando, o Senado não terá condições de barrar o início do processo. Até porque não é julgamento imediato de mérito. É abrir o processo para fazer as investigações.

Que comparações o sr. faz com o período Collor?

Ali começou, realmente, com a entrevista do irmão, Pedro Collor. Por ser irmão, deixou mais claro o que ocorria dentro do Palácio. Abriu-se o processo – e depois algumas coisas foram se comprovando. O que há hoje não é a família de sangue, mas a família política do partido, o PT. O ex-presidente e o ex-tesoureiros estão envolvidos na Lava Jato. A diferença é que a opinião pública está muito mais forte contra a presidente Dilma do que esteve contra Collor.

E as manifestações pró-Dilma?

São movimentos articulados com o governo, como sindicatos, entidades e movimentos sociais alinhados ao governo. Não vejo como mobilização nacional, e sim como máquina do PT.

A atuação de Lula como ministro ou assessor faz diferença?

Acabou, só no dia da votação. Mas penso que o capital político e de credibilidade do governo se esvaiu totalmente. Mesmo com a habilidade política do Lula, vis a vis à inabilidade da presidente, esse capital se exauriu.

Como o sr. vê a hipótese de Michel Temer assumir o poder?

O vice-presidente tem um projeto de País, uma agenda nacional que é palatável, com quatro ou cinco pontos em que o Congresso tem obrigação de apoiá-lo. Quem deu 342 votos para o impeachment dará os 308 necessários para aprovar emendas.

E se não houver os 342 votos?

É muito, muito voto. Qualquer resultado deve ser respeitado. O governo ganhando, a transição será com ela, que terá que mostrar o que quer fazer. Transição terá, com ou sem ela.

Dilma entrega nesta segunda defesa à Comissão de Impeachment

Defesa em Comissão terá linha semelhante à apresentada ao TCU

• Além de um documento com aproximadamente 100 páginas, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, fará uma sustentação oral para defender que a presidente não cometeu crime de responsabilidade

Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo apresenta nesta segunda-feira, 4, a defesa da presidente Dilma Rousseff à Comissão Especial de Impeachment na Câmara. Além de um documento com aproximadamente 100 páginas, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, fará uma sustentação oral para combater a tese do impeachment, baseada nos argumentos de que a presidente não cometeu crime de responsabilidade.

A essência da defesa e o arcabouço jurídico usado por Cardozo será muito semelhante ao que já foi apresentado à Comissão Mista de Orçamento e ao Tribunal de Contas da União (TCU), que analisaram as contas do governo de 2014 e as chamadas pedaladas ficais, argumentos que embasaram o pedido de impeachment em curso. Entretanto, a linguagem será atualizada para se adequar ao ambiente parlamentar e evitar jargões jurídicos. O objetivo é usar fala fácil e sensibilizar os deputados.

"O governo está seguro e vai apresentar uma defesa que desconstrói tecnicamente o pedido de impeachment", afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Ele aproveitou para criticar a exposição dos autores do processo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal, que participaram da comissão na semana passada. "Eles não discutiram o mérito da matéria. O papel deles era apresentar dados técnicos, o que fizeram foi uma agitação política", alegou.
Cardozo teria preparado uma sustentação oral de duas horas de duração para apresentar aos deputados. Entretanto, como tem feito durante as oitivas até hoje, a comissão deve conceder apenas 30 minutos para a apresentação da defesa da presidente. O advogado-geral pretende conceder entrevista coletiva e responder à imprensa logo após a audiência.

O relator do processo na comissão, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), confirmou que já conhece os documentos apresentados pela defesa no processo em curso na Comissão de Orçamento, bem como no âmbito do TCU, mas que deve levar em consideração apenas o que for entregue à comissão de impeachment hoje. Ele pretende adiantar o seu relatório e conceder o pedido de vistas ainda nesta semana, para que a votação seja realizada no máximo até a próxima segunda-feira.
Três argumentos

De acordo com Guimarães, a exposição de Cardozo deve se pautar nos mesmos argumentos usados pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que falou à comissão do impeachment na semana passada. Na ocasião, Barbosa concentrou sua fala nos três pontos principais acolhidos pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao aceitar o pedido de impeachment. O primeiro deles é que o processo deve se basear em fatos do atual mandato, ou seja, a partir de 2015.

Em seu despacho, Cunha também cita os decretos que autorizaram o aumento dos gastos públicos em R$ 2,5 bilhões mesmo o governo reconhecendo, à época, que a meta de superávit não seria alcançada. Barbosa rebateu o argumento de que a criação de crédito suplementar gera aumento de despesa. "Nenhum dos seis decretos mencionados modificou a programação financeira de 2015 e não modificou o limite global de gasto discricionário", destacou.

O último ponto acolhido por Cunha diz respeito às pedaladas fiscais e de que o governo estaria, reiteradamente, adotando as mesmas práticas das contas de 2014, condenadas pelo TCU, também em 2015. Em sua exposição, Barbosa disse que o governo não continuou com as práticas consideradas irregulares pelo TCU.

"Quando (as mudanças) se traduziram em decisões formais, apesar de não concordar com todas, o governo passou a aplicar o novo entendimento do TCU", defendeu o ministro, que também integrou a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff durante 2015.

Dilma usará Bolsa Família para se defender do impeachment

• Advogado- geral da União dará tom político à defesa da presidente

José Eduardo Cardozo dirá que governo não cometeu crime de responsabilidade

O advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, sustentará, aos parlamentares da comissão de impeachment, que a presidente Dilma não cometeu crime de responsabilidade, e que as estratégias orçamentárias que adotou garantiram a preservação de programas sociais como o Bolsa Família. Cardozo usará um tom político. A presidente dedicará hoje o dia à conclusão da reforma ministerial.

A política como defesa

• Estratégia do Planalto será dizer que não houve crime e programas sociais foram preservados

Cristiane Jungblut - O Globo

Desgaste da imagem do vice- presidente Michel Temer também será explorado hoje, diante da comissão especial da Câmara

- BRASÍLIA- O Palácio do Planalto decidiu ontem politizar a defesa formal da presidente Dilma Rousseff, a ser apresentada hoje na comissão especial da Câmara que analisa o processo de impeachment. O tom será dado pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, que poderá falar por duas horas. A estratégia será Cardozo explorar argumentos de que, além de não ter cometido crime de responsabilidade, a presidente Dilma tomou uma decisão que ajudou a preservar importantes programas sociais, como o Bolsa Família. O Planalto sustenta que a estratégia contábil, classificada de “pedalada” fiscal pelos acusadores da presidente, foi um mecanismo da relação entre o Tesouro e os bancos previsto em regras contratuais.

A avaliação é que o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi muito bem na explanação da semana passada, mas ela foi muito técnica.

— O Cardozo é um homem de tribuna. Ele vai misturar improvisos com o que está escrito na defesa — disse o deputado Wadih Damous (PT- RJ), aliado do ex- presidente Lula nas articulações.

O presidente da comissão especial, deputado Rogério Rosso ( PSD- DF), disse que abrirá a reunião desta segunda- feira, às 14h. Acrescentou que a defesa de Dilma deverá ser entregue às 16h30m, e Cardozo falará das 17h às 19h. A participação de Cardozo na comissão especial foi articulada pelo deputado Paulo Teixeira ( PT- SP).

Neste fim de semana, a presidente fez uma viagem- relâmpago a Porto Alegre, para visitar a família, e pedalou pelas ruas da capital gaúcha de manhã cedo. Depois, embarcou para Brasília. No fim da tarde, segundo interlocutores, a presidente se reuniu com ministros no Palácio da Alvorada, entre eles o ministro- chefe do Gabinete da Presidência, Jaques Wagner.

— A presidente Dilma nos pediu um voto de confiança para a condução que ela estava dando ao processo — disse um ministro muito ligado à presidente.

As negociações da reforma ministerial serão intensificas hoje, com encontros com dirigentes do PP e do PR. Dilma pediu a vários ministros, inclusive os do PMDB, que tenham confiança na condução da reforma que ela está promovendo.

O Planalto quer explorar o desgaste da imagem do vice- presidente Michel Temer. O próprio Lula criticou- o abertamente, em evento realizado em Fortaleza, no sábado. A presidente concluiu, em conversa com ministros mais próximos, que é necessário dar um tom mais prático à defesa contra as chamadas “pedaladas” fiscais e não apenas se resumir a aspectos jurídicos e legais de que não houve crime de responsabilidade. A presidente Dilma resolveu que dedicará o dia de hoje às mudanças nos ministérios. Ontem, ela informou aos líderes do governo na Câmara e no Senado que cancelado a reunião de coordenação política desta segunda-feira. O ex- presidente Lula também retomará as negociações, a partir de encontro na tarde de hoje.

No plano das negociações, o Planalto está colocando três das seis pastas do PMDB. Deve manter o ministro Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho ( PMDB- PA), que se reuniu com o próprio Lula na última quarta- feira. O ministros Celso Pansera ( Ciência e Tecnologia) e Marco Castro ( Saúde) devem ser mantidos. Até mesmo o PMDB do Senado, aliado de Dilma, acredita que isso garantiria alguns votos na Câmara de peemedebistas ligados ao líder do partido na Casa, deputado Leonardo Picciani (PMDB- RJ).

Amigo de Dilma, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga ( PMDB), já disse à presidente Dilma que pode dispor de seu cargo. Braga poderá voltar ao Senado, reassumindo o mandato de comum acordo, e cuidar de seus planos para concorrer ao governo do Amazonas. O Ministério de Minas e Energia é importante na negociação e na busca de votos. Petistas também querem que a presidente desaloje a amiga Katia Abreu, porque o Ministério da Agricultura é sempre cobiçado, e a ministra não tem votos. O PMDB já não contabiliza Kátia Abreu como ministra do partido, e ela já busca nova filiação.

Será uma semana decisiva para o Palácio do Planalto nas articulações contra a aprovação do impeachment da presidente. Como ministro, Eduardo Braga tem uma reunião com o colega da Fazenda, Nelson Barbosa. O PMDB do Senado, incluindo os ministros, ainda deve manter contato com o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), aliado de Dilma.

No campo político, os petistas vão explorar o que chamam de chapa Temer- Cunha. Os petistas vêm criticando a ligação do vice- presidente com o presidente da Câmara, e usarão a foto do encontro do PMDB do dia 29, na qual Cunha aparece ao lado do senador Romero Jucá (PMDB- RR), que comandou a sessão que aprovou o desembarque do governo.

— Aquela reunião do PMDB foi um erro. E os erros de outrem melhoraram a situação do governo — disse um ministro.

— O PMDB não desembarcou como um todo do governo, e o gesto deles n ão teve o efeito manada que esperavam — disse Paulo Teixeira.

— Temer é o capitão do golpe, porque ele assumiu o comando — disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães ( CE), que esteve com Lula em Fortaleza.

Ontem, em seu Facebook pessoal, a presidente publicou uma mensagem repetindo entrevista na qual afirmou que não renunciará ao cargo. Foi divulgada a seguinte mensagem: “Setores da sociedade favoráveis à saída de Dilma, antes apoiadores do impeachment, agora pedem sua renúncia. Evitam, assim, o constrangimento de respaldar uma ação ‘ indevida, ilegal e criminosa’. Fica a resposta da presidenta: ‘ Jamais renunciarei’”.

Em contrapartida, o vice- presidente Michel Temer está muito irritado com a ofensiva do Planalto. Temer deixou claro ao presidente do Senado, Renan Calheiros, que não gostou da crítica pública à realização da reunião do PMDB no último dia 29, quando, em três minutos, foi aprovado o desembarque do governo.


Uma patrulha incansável

Isabel Braga, Leticia Fernandes e Simone Iglesias - O Globo

BRASÍLIA – O ambiente pró- impeachment, festejado pela oposição, não se reflete no número de apoios necessários no plenário da Câmara para levar ao afastamento da presidente Dilma Rousseff. Com o mapa de parlamentares nas mãos, deputados que coordenam o “comitê” do impeachment partiram para um vale-tudo em busca dos 342 votos. Com carta branca oferecida pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), o clima no Legislativo é de intimidação e barganhas.

A oposição não descarta ações mais incisivas, como representar no Conselho de Ética contra deputados envolvidos na Lava- Jato, especialmente do PP, caso cedam à tentação de aceitar os cargos oferecidos pelo governo. A estratégia dos coordenadores do impeachment, entre eles os deputados Paulo Pereira da Silva (SD-SP), um dos mais próximos a Cunha; Carlos Sampaio (PSDB- SP) e Mendonça Filho ( DEM- PE) é de constranger deputados que ainda não tenham se posicionado publicamente, expondo fotos, números de telefones e e- mails para que sejam pressionados pelos eleitores. Outra estratégia já em curso é espalhar outdoors em algumas cidades com nomes e fotos dos deputados que votam contra o impeachment. Principalmente em regiões amplamente favoráveis à queda de Dilma.

Nos cálculos da oposição, a Bahia, por exemplo, governada por Rui Costa, tem uma situação mais difícil. Dos 39 deputados, a maioria estaria contra o impeachment:

— Ninguém quer brigar com o governador, mas tenho perguntado a eles: é melhor divergir do governador ou do povo? Se eu não tivesse votado contra o Collor, não estaria aqui hoje — afirma o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).

Dentro da Câmara, Cunha opera às claras para conseguir maioria de votos no plenário. Na semana passada, ele suspendeu todas as missões oficiais ao exterior entre os dias 15 e 25 de abril, período em que o processo deverá ser votado. Cunha também acertou com os líderes da oposição postergar ao máximo a formação das comissões permanentes, que deveriam ter sido montadas em fevereiro. Neste caso, as indicações serão dadas a deputados que se mostrarem leais ao projeto de derrubar a presidente. Para convencer Jovair Arantes ( PTB- GO) a aceitar a relatoria do processo de impeachment na comissão especial, Cunha teria sinalizado a ele apoio para a disputa da presidência da Casa no ano que vem.

Forças-tarefas foram montadas em várias frentes para cooptar votos: uma delas é rastrear atos de nomeação de cargos federais nos estados. Parlamentares contabilizam 32 titulares, que hoje ocupam cargos regionais, que poderão voltar à Câmara para engrossar os votos pró- impeachment. Só em Pernambuco são quatro. Também serão monitorados os deputados que optarem por faltar à votação em plenário.

— O deputado que se ausentar será visto pela população como alguém que vota na Dilma. A população está atenta a todos os passos: querer inventar uma licença, ninguém vai perdoar — afirmou o líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA).

Já prevendo abstenções e licenças médicas negociadas entre o Palácio do Planalto e parlamentares que não querem se expor defendendo o governo, Cunha cogita derrubar a sessão por falta de quorum, se na hora H perceber um número de ausências fora do padrão — cerca de 60 ou 70, nas contas de aliados — e retomar a votação em dois dias, para que os faltosos sofram pressão dos eleitores. Em caso de ausências, Dilma se beneficia. Para deixar bem claro quem é o deputado ausente, Cunha promete repetir três vezes ao microfone a chamada nominal.

— Se o deputado não estiver morto, ele tem que vir votar. Vamos fazer muita pressão — disse Mendonça Filho.

Oposição pede à câmara abertura dos dados

Vinicius Sassine - O Globo

BRASÍLIA - Dois deputados da oposição protocolam hoje na Câmara requerimentos de informação em que pedem a abertura dos dados das “pedaladas” com taxas devidas à Caixa Econômica Federal — as tarifas se referem à execução de programas como Bolsa Família, em que o banco precisa ser pago pelo governo por conta dos serviços prestados. Reportagem publicada ontem pelo GLOBO revelou a decisão do governo de manter em sigilo o tamanho exato da dívida e quem são os devedores dessas taxas à Caixa. O balanço contábil da instituição financeira registra apenas um crédito a receber de R$ 1,9 bilhão em 2015.

Os requerimentos serão apresentados pelo líder da minoria na Câmara, Miguel Haddad ( PSDB- SP), e pelo deputado Otávio Leite ( PSDB- RJ). Os pedidos serão direcionados ao Ministério da Fazenda, à AGU e à Caixa. Haddad estenderá o requerimento ao Banco do Brasil, que também é credor do governo devido a taxas não pagas na execução de programas sociais.

_— Os devedores são entes públicos, não cabe sigilo. Isso aumenta a suspeição nessa questão das “pedaladas”, que têm efeitos e consequências nefastas. Não temos ideia da dimensão das “pedaladas”. Qual é a parte do governo federal nesse R$ 1,9 bilhão de dívidas com taxas? —– questiona Haddad.

Temer pode herdar ações no TSE sobre eleições de 2014

• Em caso de impedimento de Dilma, vice assume cargo e denúncias de irregularidades na campanha

Carolina Brígido, Maria Lima - O Globo


- BRASÍLIA- Se a presidente Dilma Rousseff sofrer impeachment, o vice- presidente Michel Temer herdará não só o cargo, mas também as quatro ações que pedem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cassação da chapa vencedora nas eleições de 2014. Os ministros do tribunal já concordaram, nos bastidores, que os processos continuarão abertos. Isso acontecerá mesmo se o PSDB, partido autor das ações, pedir o arquivamento dos casos — hipótese que, no partido, é descartada. A única possibilidade de extinção dos processos seria uma recomendação expressa do Ministério Público Eleitoral, algo pouco provável de acontecer.

MP pode assumir autoria
Ainda que o autor pedisse a desistência das ações, a relatora dos processos, ministra Maria Thereza de Assis Moura, poderia enviar a questão para o Ministério Público Eleitoral emitir parecer. O órgão poderia assumir a autoria das ações. Outra possibilidade é a relatora simplesmente negar o pedido do partido, com o argumento de que não há possibilidade de engavetar um processo já em andamento. No entanto, a cúpula do PSDB descarta a possibilidade de pedir a desistência das ações, inclusive por saber das consequências jurídicas nulas dessa tentativa.

Portanto, se for alçado a presidente da República, Michel Temer não vai escapar de responder pelos supostos abusos cometidos na campanha eleitoral. Há duas semanas, o TSE decidiu unificar as quatro ações em uma só. A medida foi tomada para facilitar a tramitação do caso e evitar que o tribunal tome decisões diferentes em processos semelhantes.

As ações estão em diferentes fases de tramitações: três estão em estágio mais avançado, e uma continua na estaca zero. Em uma das ações mais adiantadas, foram incluídas provas da Operação Lava- Jato enviadas pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Os documentos, que chegaram ao tribunal em dezembro do ano passado, dão conta de que boa parte das doações eleitorais registradas correspondem a propina acertada no esquema de desvio de dinheiro da Petrobras.

Em outra ação, o PSDB pediu para incluir as acusações de que o marqueteiro João Santana recebeu dinheiro de empreiteiras da Lava- Jato por serviços prestados à campanha eleitoral petista. A terceira ação com andamento adiantado não trata de Operação LavaJato, mas de suposto uso indevido dos Correios na campanha petista. O Ministério Público Eleitoral pediu o arquivamento do caso, por inconsistência nas acusações. É a única ação que já está pronta para ser julgada, com poucas possibilidades de punição para Dilma Rousseff e Michel Temer.

No processo com as investigações ainda não iniciadas, os tucanos questionam as contas da campanha da presidente Dilma. Entre as supostas irregularidades, estão despesas acima do limite legal, financiamento irregular e falta de comprovantes idôneos para algumas despesas.

Série de irregularidades
A expectativa é que todas as investigações sejam concluídas no segundo semestre, quando deve ocorrer o julgamento conjunto delas. Para instruir as ações, serão realizados depoimentos, coleta de provas e perícias contábeis e tributárias. O PSDB acusa a chapa petista de ter cometido uma série de irregularidades na campanha presidencial — entre elas, desvio de finalidade na convocação de rede nacional de rádio e televisão; manipulação na divulgação de indicadores socioeconômicos e veiculação de publicidade institucional em período vedado.

STF vai julgar se emenda à Constituição pode criar parlamentarismo

• Discussão sobre mudança de sistema político foi proposta há 19 anos

Carolina Brígido O Globo

BRASÍLIA- As acirradas discussões sobre a crise política ganharão um novo elemento nesta semana. Está marcado para quarta- feira, no Supremo Tribunal Federal ( STF), o julgamento de uma ação que questiona se é possível migrar do sistema presidencialista para o parlamentarismo por meio de emenda à Constituição. A ação chegou ao tribunal em 1997, proposta pelo então deputado Jaques Wagner, que hoje é chefe de gabinete da Presidência da República.

Depois de 19 anos, o tema deve ser finalmente enfrentado pelo plenário da mais alta corte do país. Nos bastidores, ministros do STF comentam que a discussão sobre o parlamentarismo pode ajudar o Congresso Nacional a encontrar uma solução para a crise política do país.

Quando chegou ao STF, em 1997, a ação foi sorteada para a relatoria do ministro Néri da Silveira. No mesmo ano, ele negou a liminar. Em 2002, quando Silveira se aposentou, a relatoria passou para as mãos de Ilmar Galvão, que também já deixou a Corte. Em 2003, Carlos Ayres Britto recebeu o processo, que ficou parado, sem qualquer tramitação, até 2012, quando ele se aposentou. A relatoria foi novamente transferida, desta vez para o ministro Teori Zavascki, que atualmente conduz o caso. Ao longo das duas últimas décadas, o caso chegou a ser pautado várias vezes para julgamento, mas a burocracia do trâmite judicial provocou os adiamentos.

Alternativa para a crise
Quando a ação chegou ao STF, o Congresso Nacional discutia a emenda do parlamentarismo. Wagner entrou com a ação no STF para tentar impedir o debate, alegando que o sistema de governo só poderia ser mudado por meio de plebiscito. O petista não conseguiu a liminar, mas o Congresso nunca avançou nas discussões. Recentemente, a mudança de sistema de governo chegou a ser aventada por parlamentares como alternativa para a atual crise política. No entanto, a oposição no Senado conseguiu convencer o presidente da Casa, Renan Calheiros ( PMDBAL), a adiar a ideia, para evitar a acusação de oportunista.

Em manifestação enviada ao STF na semana passada, o Senado defendeu que o tema possa ser discutido no Congresso. O documento, que foi encaminhado por Renan Calheiros, tece elogios ao parlamentarismo.

“Não é que o parlamentarismo suprime a separação ou a independência entre os poderes. O que ocorre é que otimiza outro princípio igualmente importante que é o da harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciário”, diz o parecer, assinado pelo advogado- geral do Senado, Alberto Cascais.

“O sistema parlamentarista não é incompatível com o princípio republicano, nem o princípio da separação de poderes, como asseveram os impetrantes. Fosse o caso o Constituinte originário não o teria lançado como legítima opção ao presidencialismo. Ou seja, decorre da Constituição que o debate de eventual adoção do parlamentarismo é absolutamente compatível com o que ela tem de essencial”, complementa o texto.

Consulta popular
O parecer também tece críticas ao presidencialismo, atentando para os “efeitos deletérios à separação dos poderes e às liberdades públicas” das medidas provisórias. “O instituto (das medidas provisórias), importado da Itália, república parlamentarista, contribui decisivamente pela posição hegemônica do presidente em relação ao Congresso Nacional no Brasil, de forma a perpetuar nosso presidencialismo imperial”, diz o texto.

Segundo a ação proposta por Jaques Wagner, o Congresso não poderia analisar uma PEC sobre o tema, porque a Constituição estabelece a consulta popular para definição do sistema de governo. Em 1993, o parlamentarismo foi rejeitado nas urnas em um plebiscito. Mas a defesa do Senado afirma que o sistema presidencialista não está entre as cláusulas pétreas da Constituição — ou seja, aquelas que não podem ser modificadas. Portanto, a discussão poderia ser feita por meio de emenda constitucional no Congresso.

“Não há óbice constitucional para o debate da matéria, tendo em vista que o sistema presidencialista não integra o núcleo duro da Constituição da República”, diz o Senado. “O que não se admite, por imperativo do princípio democrático e do princípio do pluralismo, é que se abortem debates em torno dessas questões, como pretendem”, conclui o parecer. A posição do Senado poderá ser levada em consideração pelos ministros no julgamento de quarta- feira.

Contra impeachment, Lula avança sobre 'baixo clero'

Catia Seabra, Gustavo Uribe, Daniela Lima, Valdo Cruz, Débora Álvares, Gabriel Mascarenhas – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO e BRASÍLIA- Na luta para evitar o impeachment de Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula deflagrou uma ofensiva que traça como alvo parlamentares que compõem o chamado "baixo clero" ou que têm base eleitoral nos grotões do país, sobretudo em partes das regiões Norte e Nordeste.

A investida é sobre deputados menos suscetíveis às pressões das grandes cidades, onde ecoa o movimento pelo impeachment. Na avaliação do governo, a bancada evangélica também não é tão sensível aos apelos da rua.

No sábado (2), Lula se reuniu em Fortaleza com dez deputados do Ceará filiados a siglas como Pros, PDT e PTN. O ex-presidente também almoçou com governadores do Nordeste. Na semana passada, Lula reuniu parlamentares de Estados como Alagoas, Pernambuco e Pará.

Nas conversas, ele promete assumir as rédeas do governo assim que tomar posse na Casa Civil, o que acredita acontecer na próxima quinta (7).

Ele também delegou tarefas. Sob coordenação do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), foi escalado time de deputados de todos os partidos para lutar pelo arquivamento do impeachment.

Segundo relato de integrantes do "baixo clero", petistas têm procurado deputados de menor visibilidade para pedir sugestões para cargos do segundo e terceiro escalões dos seus Estados.

As indicações têm sido levadas ao ministro Ricardo Berzoini (Governo), responsável pelo chamado "varejão", a redistribuição para partidos aliados dos cargos que eram ocupados pelo PMDB, recém-saído do governo federal.

Pelas contas do Planalto, a cerca de quinze dias da votação do impeachment, o governo dispõe apenas de 136 dos 172 votos necessários para impedir sua aprovação.

O governo calcula que pelo menos 20 deputados federais se enquadram nesse perfil sob a mira de Lula. Os demais votos seriam conquistados em siglas como PP, PR e PSD, para as quais a presidente tem oferecido maior espaço na Esplanada.

'Centrão'
Dirigentes dos três partidos e do PRB vão se reunir nesta segunda (4) para decidir se os novos ministérios oferecidos pelo Planalto são suficientes para levá-los a anunciar a manutenção do apoio a Dilma.

Os quatro, que juntos somam 144 deputados, querem que qualquer decisão seja tomada em conjunto. A ideia deles é apresentar a iniciativa como a versão nacional do chamado "Centrão", bloco que por anos comandou a Câmara Municipal de São Paulo.

O governo ofereceu a essas quatro legendas ministérios que hoje estão sob o comando do PMDB. A única exceção é a Secretaria de Portos, comandada por Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Ele apoia Dilma e deverá ser mantido no cargo.

O PR, que tem 40 deputados, demonstrou interesse na Agricultura e o governo tenta articular com o partido a filiação da atual comandante da pasta, Kátia Abreu, que hoje está no PMDB. A cúpula, no entanto, resiste à ideia. Hoje, o PR já comanda o Ministério dos Transportes.

Na tentativa de conquistar os 49 deputados do PP, o governo ofereceu à sigla o comando do Ministério da Saúde, hoje nas mãos de Marcelo Castro (PMDB-PI).

A chance de Castro ser demitido, no entanto, acabou azedando a relação entre o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), que indicou o ministro, e o Planalto. O deputado fez chegar ao governo que, se Castro deixar a Saúde, ele não se esforçará para garantir até 25 votos de peemedebistas contra Dilma.

O PRB, com 22 deputados, que havia se distanciado do governo, deve retomar a chefia do Ministério do Esporte. O PSD, com 33 deputados, também deverá ganhar um segundo ministério.

Em resposta a editorial da Folha, Dilma diz que 'jamais renunciará'

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff respondeu ao editorial da Folha ("Nem Dilma nem Temer" ), dizendo que "jamais renunciará".

O texto foi colocado no perfil oficial da presidente no Facebook. "Setores favoráveis à saída de Dilma, antes apoiadores do impeachment, agora pedem a sua renúncia. Evitam, assim, o constrangimento de respaldar uma ação 'indevida, ilegal e criminosa'. Ao editorial da Folha de S.Paulo publicado neste domingo (3), fica a resposta da presidente: 'Jamais renunciarei'", diz a publicação, acompanhada de um vídeo com trechos de discursos anteriormente proferidos pela presidente.

O editorial "Nem Dilma nem Temer" afirma que a presidente perdeu as condições de governar o país e, por isso, deve renunciar. O texto defende ainda que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) renuncie para que possam ser convocadas novas eleições. A Folha nunca defendeu o impeachment de Dilma.

Repercussão
O ministro Edinho Silva (Comunicação Social) também criticou a posição defendida pelo jornal. Em nota, ele afirmou que "infelizmente, o editorial da Folha neste domingo, publicado semanas antes da deliberação da Câmara dos Deputados sobre o ilegal processo de impeachment da presidenta Dilma, engrossa o coro daqueles que não aceitam o resultado legítimo das urnas, daqueles que querem golpear a jovem democracia brasileira".

"O posicionamento do jornal contradiz todo o esforço que a Folha tem feito nas últimas décadas de ser um veículo que 'joga o jogo da democracia'", concluiu o ministro.

Procurada, a assessoria do vice-presidente Michel Temer disse que não comentaria o texto. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adotou a mesma posição.

Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Marco Aurélio Mello diz-se afinado com a posição do jornal.

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que há alguns meses defendeu publicamente que Dilma renunciasse, afirmou que "o editorial mostra o que quase todos veem: que o governo da presidente Roussef e do PT perdeu a capacidade de dirigir o país".

"Há algum tempo eu pedi a ela publicamente que, em um gesto de grandeza, propusesse ao Congresso algumas medidas básicas para o país e oferecesse sua renúncia. A resposta a este clamor, agora também da Folha, foi clara: 'não renunciarei!'"

O ex-presidente indagou: "Por que haveria de aceitar hoje o que ontem negou? Sem a renúncia da presidente, como pedir ao vice que faça o mesmo?". Nesse cenário, diz FHC, "só resta insistir no impeachment". "E, se por meios inescrupulosos a Câmara ceder ao governo, caberá ao TSE julgar se há provas para invalidar as eleições de 2014."

Defensor do impeachment, presidente nacional do DEM, senador Agripino Maia (RN), diz não acreditar na possibilidade de renúncia de Dilma e lembra que seu o apoio ao vice-presidente está condicionado ao compromisso do peemedebista de não vislumbrar a permanência no Palácio do Planalto após 2018.

"Dilma não renuncia, não há hipótese, a chance é nenhuma. O Brasil já vai mal diante da expectativa de impeachment, mas irá muito pior se houver a frustração da expectativa", afirmou.

Segundo Agripino, "Temer será um mero instrumento de um governo de coalizão. Já conversei com ele, e a condição de governabilidade é não ser candidato à reeleição. Se ele começar a falar nisso, partidos como PSDB, DEM e outros vão tirar o apoio, transformando-o numa nova Dilma".

Líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE) classificou a posição do jornal como "equivocada". "Não vejo a presidenta renunciar, assim como não vejo hipótese de tantos segmentos abrirem mão (de seus mandatos). E quem quiser interromper o processo democrático deve assumir a responsabilidade por isso, não dá é para querer que ela a assuma", criticou.

Ele questionou ainda a legitimidade de Temer para ocupar a Presidência. "Não tem base social para tocar o governo. E vai ter no Congresso? Quem sabe? Dilma pode voltar a contar com a maioria no Congresso, como já ocorreu."

Assim como a maior parte dos atores políticos, ele acredita, porém, que a possibilidade de todos deixarem seus postos é próxima de zero.

"Minha leitura é aquilo que está ali (no editorial), o Brasil não pode continuar sangrando. Mas isso é uma visão utópica, de quem sonha e de quem não se imagina no Brasil. Os ocupantes são muito apegados aos cargos, o interesse nacional não prevalece", atacou o magistrado.

Entre os petistas, a ordem é engrossar o discurso de que a queda de Dilma não prosperará. Líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) defende, inclusive, uma repactuação do governo com a participação da oposição.

"Pensaram que afastar a Dilma era tão fácil quanto afastar o Collor. Tem que sentar na mesa e repactuar o país, com a oposição. A condição de governabilidade se cria, se constrói. É só a oposição querer", propôs Guimarães.

Grupo anti-Dilma exibe em painel lista de deputados contra impeachment

Paula Reverbel – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Vem Pra Rua, um dos principais organizadores dos protestos antigoverno, inaugurou neste domingo (3) um painel para exibir os deputados federais contrários ou indecisos em relação à votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A ação faz parte da estratégia do grupo de fazer com que congressistas sintam-se pressionados por suas bases eleitorais. Para seguir ao Senado, o processo de impedimento precisa do apoio de ao menos 342 dos 513 deputados –o presidente da Casa não votaria, mas Eduardo Cunha decidiu romper a tradição.

O ato foi realizado na avenida Paulista, em São Paulo, em frente à sede da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que distribuiu balões aos presentes.

O Vem Pra Rua não divulgou estimativa de presentes, mas o público ocupou uma pista da avenida na altura da federação.

O Vem Pra Rua pretende voltar a erguer o painel nas eleições para exibir os políticos que o grupo não recomenda. Um banner foi estendido em frente à Fiesp com todos os deputados eleitos por São Paulo que estão na lista negra do Vem Pra Rua.

No banner, indecisos aparecem no alto, com a mensagem "vamos pressionar eles": Antonio Bulhões (PRB), Marcio Alvido (PR), Miguel Lombardi (PR), Milton Monti (PR), Nelson Marquezelli (PTB), Renata Abreu (PTN), Tiririca (PR) e Vinicius Carvalho (PRB).

Os contrários ao impeachment aparecem abaixo, com a mensagem "nomes para nunca mais votar". São 14 parlamentares: Ana Perugini (PT), Vicente Candido (PT), Nilto Tatto (PT), Paulo Teixeira (PT), Luiza Erundina (PSOL), Carlos Zarattini (PT), Paulo Maluf (PP), Orlando Silva (PC do B), Arlindo Chinaglia (PT), José Mentor (PT), Vincentinho (PT), Ivan Valente (PSOL), Valmir Prascidelli (PT) e Andres Sanchez (PT).

De acordo com Rogério Chequer, líder do Vem Pra Rua, a intenção é pressionar aqueles que estão se fazendo de indecisos para barganhar cargos com o governo.

"O número de votos a favor [do impeachment] está muito apertado e o nome de votos contra está muito distante, então esse jogo não acabou e a gente precisa que a população esteja totalmente empenhada", declarou.

"É fundamental que a população saiba quem são os parlamentares que estão a favor da maioria e quais são os que estão barganhando sua posição", acrescentou.

Dilma concordou em aumentar no governo o espaço de aliados como PP e PR, considerados essenciais para brecar o impeachment.

O Mapa do Impeachment, outra iniciativa do Vem Pra Rua, publica a posição dos congressistas na internet.

Também com o objetivo de fazer pressão MBL (Movimento Brasil Livre), outro influente grupo antigoverno divulgou na internet o celular de três deputados que pretendem negociar cargos.

Peso regional é crucial para impeachment

Por Fernando Taquari, Cristiane Agostine, César Felício e Marcos de Moura e Souza - Valor Econômico

SÃO PAULO, BRASÍLIA e BELO HORIZONTE - A atuação do Planalto ao longo da semana no varejo foi determinante para mover o PR contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff e dividir a bancada do PP. Nos dois casos, a migração ao governismo se dá em Estados governados pelo PT e PCdoB e nas regiões Norte e Nordeste, onde a pressão da opinião pública sobre os parlamentares é menor. Nestes Estados, a maioria dos deputados destas siglas favoráveis ao impeachment pertencem a bancadas setoriais como a chamada "bancada da bala" ou são candidatos às prefeituras.

No PP, o partido contabilizava 32 parlamentares pelo afastamento de Dilma e 17 contrários, há 15 dias. Agora, a estimativa é de que 25 votem contra o impeachment e 24 a favor.

Peso regional é crucial para impeachment
A atuação do Planalto ao longo da semana no varejo foi determinante para mover o PR contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff e dividir a bancada do PP. Nos dois casos, a migração ao governismo se dá em Estados governados pelo PT e PCdoB e nas regiões Norte e Nordeste, onde a pressão da opinião pública sobre os parlamentares é menor. Nestes Estados, a maioria dos deputados destas siglas favoráveis ao impeachment pertencem a bancadas setoriais como a chamada "bancada da bala", como é por exemplo o caso do Cabo Sabino (PR-CE), ou candidatos às prefeituras.

No caso do PP, com 49 deputados, o partido contabilizava 32 parlamentares pelo afastamento de Dilma e 17 contrários, há 15 dias. Agora, a estimativa é de que 25 parlamentares votem contra o impeachment e 24 a favor. Em relação ao PR, o escore antes estava dividido meio a meio entre os 40 deputados. Agora, a ala a favor do impeachment pode ter caído a menos de uma dezena.

"Até pouco tempo atrás o impeachment era dado como certo, inclusive, com apoio majoritário do PP. A situação mudou nestes últimos dias", reconheceu o deputado Guilherme Mussi (SP), que deve se reunir com três dos outros quatro parlamentares do PP paulista para fechar a questão. A tendência é que votem a favor do impeachment, ao contrário do deputado Paulo Maluf (SP), que já declarou apoio ao governo.

"A direção nacional reúne o partido no dia 11. Acho difícil chegar a um consenso. Há muitos interesses em jogo. Deputados de Estados governados por petistas, por exemplo, devem sofrer pressões para votar com o governo", afirmou Mussi. O deputado observou que a pressão da população nas regiões Sul e Sudeste pelo impeachment deve influenciar no voto dos correligionários, sobretudo dos parlamentares que pretendem concorrer a prefeito.

É uma circunstância que tira poder do PP. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o PP reúne 29 deputados, em maioria contrários à presidente. Os outros 20 estão no Norte e Nordeste. No PR, 18 dos 40 deputados são nortistas ou nordestinos

Nos Estados comandados pelo PT e PCdoB - que fecharam voto contra o impeachment -, o PP tem 16 parlamentares. No caso do PSD, partido que está inclinado a votar a favor do afastamento, estão nesta situação 13 dos 33 deputados.

O partido do ministro das Cidades Gilberto Kassab pende para o impeachment, entre outros fatores, por estar sob influência do poder dos governadores oposicionistas. A sigla conta com oito deputados licenciados, sendo cinco em estados governados pelo PSDB e PSB, que podem tirar o lugar de seus suplentes na Câmara a qualquer instante.

Sob reserva, um parlamentar nordestino do PR afirmou que o Planalto avança nestes partidos com a divisão do espólio do PMDB e do PRB, que romperam com o governo no mês passado.

Em Minas Gerais, existem 37 cargos federais, sendo que o PMDB controla 9, incluindo o caso do ministro da Aviação Civil, Mauro Lopes, que deve deixar o cargo. Integrantes de partidos como o PSD, PR, PP, PTB e PTN estavam distantes de Dilma em Minas Gerais exatamente pela falta de espaço no governo. No foco estão postos no Departamento Nacional de Infraestrutura (DNIT), Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Correios, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), entre outros.

Mesmo após a ruptura com o governo, ainda subsiste no PMDB cerca de 20 votos contrários ao impeachment, ligados ao líder da bancada na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). É um núcleo que leva um dilema aos articuladores do governo: se o ministro da Saúde, Marcelo de Castro, for afastado para dar lugar a um integrante de outro partido, o governo se arrisca a ficar em um jogo de soma zero, já que o total de adesões à base pode ser equivalente ao de defecções.

O que pode mudar novamente a equação é o ritmo da Operação Lava-Jato. O PP conta com 17 investigados na Câmara, sendo 6 já denunciados pela Procuradoria Geral da República. De acordo com um especialista que está monitorando o andamento do impeachment na Câmara, é razoável supor que a prioridade destes parlamentares será votar em relação ao impeachment da forma que melhor os preserve politicamente. Ou seja: o voto iria para a força política mais capacitada para neutralizar o efeito das investigações derivadas do escândalo de corrupção na Petrobras.

Esta situação não ocorre com o PR, mas os recentes desdobramentos da Lava-Jato, que tendem a estabelecer um vínculo entre o escândalo do "mensalão" e o da Petrobras jogam uma sombra sobre o partido. Seu principal líder, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), foi condenado no escândalo que abalou o primeiro mandato de Lula.

O governo dispõe de um núcleo duro contra o impeachment de 89 deputados governistas do PT, PDT e PCdoB, além dos 6 integrantes da bancada do PSOL. Precisa de 172 para barrar o afastamento. Se mantiver a seu lado os 20 pemedebistas com que conta e conseguir 30 deputados no PR e 25 no PP, garantiria o fim do impeachment, sem sequer necessitar negociar com outras siglas, como o PSD e o PTN, com quem o Planalto também conversa.

À frente do governo do Rio, Dornelles confirma 'centrão' para defender Dilma

Por Cristian Klein e Heloisa Magalhães - Valor Econômico

RIO - Em 1950, o líder da oposição Carlos Lacerda, da UDN, afirmou, em declaração que entrou para a história como símbolo de golpismo radical, que "O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar".

Aos 81 anos, o governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles, tem a experiência de quem viveu épocas turbulentas como as que culminaram em 1954 no suicídio de Getúlio - primo de seu tio, Ernesto Dorneles, ex-governador do Rio Grande do Sul - e na quebra do regime democrático em 1964.

Presidente de honra do PP, um dos partidos da base aliada de Dilma Rousseff, Dornelles analisa o cenário atual da política brasileira com uma visão quase antilacerdista. A tendência, diz, é que a presidente não será apeada do poder pelo impeachment. Se for, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá derrubar a decisão do Congresso. E se o STF não derrubar, o próximo governo será inviabilizado por um Partido dos Trabalhadores 'mordido'. "O PT não sabe governar, mas sabe fazer oposição. Tem esses movimentos todos de sem casa, sem roupa, sem mulher... Para mobilizar esse pessoal todo, eles param o país", afirma.

Dornelles ocupa o lugar de Luiz Fernando Pezão (PMDB), que está licenciado para tratamento de um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que atingiu duas vértebras. Pezão é um dos governadores aliados mais fiéis a Dilma. Às voltas com a crise financeira do Estado, Dornelles mantém a política do titular de solidariedade à petista. Em sua opinião, o impeachment não passará pois, apesar do rompimento do PMDB, o governo está costurando bem a colcha de retalhos de apoios dos partidos médios e pequenos. "Estão dando para eles o que era do PMDB, e isso tem um efeito muito grande", diz.

Dornelles conta que tem conversado muito com Ciro Nogueira, que o sucedeu na presidência do PP, e com o deputado Ricardo Barros, do Paraná. E confirma que está em curso a montagem de um "centrão" para defender o governo, no vácuo deixado pelos pemedebistas. "Esses partidos pequenos estão procurando o Ciro para fazer uma frente anti-impeachment", diz.

Para o PP, Dilma está oferecendo a presidência da Caixa Econômica Federal e o ministério da Saúde, além da Integração Nacional, já ocupada pela sigla. O governador em exercício afirma que os votos necessários na Câmara contra o impeachment podem ser obtidos com muita oferta e pressão.

Lembra que o momento atual assemelha-se à operação bem-sucedida feita pelo ex-presidente José Sarney para impedir a redução de seu mandato para quatro anos. Dornelles, que defendia o mandato mais curto, diz que nunca sofreu tanta pressão em sua vida como aquela. Na véspera, chegou a dormir num hotel, para não receber telefonemas. Acordou, foi para o Congresso e surpreendeu-se. "Mais de dez pessoas que iam votar contra o Sarney já tinham mudado de posição", relata. A operação contou com farta distribuição de cargos e concessões de rádio e TV. Sarney acabou ficando cinco anos.

No caso do PP, o político afirma que, "com essa história de ficar na base", a sigla se tornou a terceira maior bancada da Câmara. Por suas contas e por causa da recente janela de um mês que permitiu a troca de partido, a legenda tem hoje mais deputados que o PSDB.

"O governo atuou muito para mandar esses deputados para o PP. Há um grupo, sobretudo um pessoal do Sul, que vai votar [a favor do impeachment]. Mas entrou um pessoal do Norte e Nordeste [que votará contra]", diz. Calcula que dos 51 deputados, incluindo licenciados, apenas 22 votarão pelo afastamento de Dilma. "A não ser que a pressão de rua seja muito grande, ela consegue os 172 votos de que precisa", afirma.

Sobre a saída do PMDB, Dornelles diz que, apesar do rompimento, parte da legenda ainda fica com o governo. "Os ministros não saíram", destaca.

O governador em exercício ressalta que embora o impeachment seja um ato político, o julgamento tem que ter uma base jurídica. Até agora, diz que não viu crime de responsabilidade praticado por Dilma e prevê: "Se [a oposição] fizer impeachment apenas na força do número de deputados, acho que o Supremo pode derrubar".

Dornelles acredita que a linha a ser adotada pelo STF será a antecipada pelo ministro Marco Aurélio Mello, a de que é cabível recurso à Corte. Neste cenário, a polarização e a incerteza política e econômica se arrastariam com a judicialização. "O impeachment, sem argumentos muito fortes, iguala o Brasil a republiquetas latino-americanas. A melhor saída é manter dogmas do presidencialismo, o mandato de quatro anos. O fato de ela fazer um mau governo ou ineficiente não justifica o afastamento", defende.

Resolvida a batalha contra o impedimento, Dornelles prevê um fortalecimento de Dilma, porque "o receio que eles [governo] têm - a preocupação com a Lava-Jato - é que possa ser um instrumento para o impeachment". "No momento em que cai o impeachment, ela tem capacidade de administrar a Lava-Jato com menos tensão, o efeito na administração é muito menor", diz.

O governador especula sobre o potencial de estrago incerto de delações premiadas, como as de Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, e de Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia. Afirma que a do ex-deputado Pedro Corrêa "não tem prova de nada, é mais contação de história". E que a do senador Delcídio do Amaral "já deu o que tinha que dar". "Não falou muita mentira não, mas fantasiou muito", diz.

Dornelles diz acreditar que os procuradores da Lava-Jato buscam, acima de tudo, "chegar" ao ex-presidente Lula: "Disso eu não tenho dúvida". Mas considera que a divulgação da lista da Odebrecht, com mais de 200 nomes que teriam recebido doações da empreiteira, tem efeito favorável ao PT. Em sua opinião, a lista tem como objetivo mostrar que muitos políticos e partidos, que votarão o impeachment, também são suspeitos de corrupção.

Com tantos atores do sistema político envolvidos na Lava-Jato, Dornelles brinca: "O único que não quer acabar com a Lava-Jato é o [juiz Sérgio] Moro. Por ele, isso fica até o ano 3000. Dá uma projeção tremenda", diz. O governador o compara ao senador Nelson Carneiro (1910-1996), cuja carreira foi marcada pela bandeira do divórcio: "Ele defendia o divórcio de forma obstinada, mas torcia para não passar. No dia que passou, ele perdeu a eleição".

Francisco Dornelles crê que, se Dilma for afastada, um novo governo terá que adotar medidas que aumentarão sua impopularidade. "E aí o Lula cresce e fica em condição de mobilizar a massa. A hora do Brasil é a da oposição, daqueles que não estão com a responsabilidade de governar", diz o político, que critica os tucanos. "O PSDB é a UDN de hoje. Faz uma oposição de qualquer jeito, com base ou sem base", afirma, evitando estender a pecha de 'udenista' ao presidente do partido Aécio Neves, como fez recentemente. Dornelles é sobrinho de Tancredo Neves (1910-1985), avô de Aécio.

A crítica, porém, alcança a atuação de entidades como a Fiesp e a Firjan, que publicaram listas com fotos e nomes de deputados que participam da comissão do impeachment. "Não sei como o PT não fez um pedido para ver quem pagou aquilo, se saiu do imposto sindical. Muito agressivo, nunca vi isso na história do país". Em sua opinião, no entanto, o empresariado pode ficar a favor de Dilma, caso ela não seja afastada. "Quem assumir deve fazer um grande movimento de conciliação nacional, de união. Temos que pacificar o país. Com esse clima de ódio, de violência, fica difícil retomar o processo de desenvolvimento", diz.

Com Temer no alvo, PMDB cita ministros do STF como defesa

• Eliseu Padilha disse que o partido vai reagir às acusações do PT, que classifica o impeachment como 'golpe'

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

O rompimento do PMDB com o governo abriu caminho para a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva partirem para o confronto direto com o vice-presidente Michel Temer. A estratégia visa transformá-lo em vidraça, desqualificando sua autoridade, sua liderança política e suas propostas nas áreas econômica e, sobretudo, social.

Na semana passada, lideranças do PT já haviam criticado algumas propostas do ajuste fiscal defendido pelo PMDB. Os petistas querem colar a versão de que um eventual governo Temer colocará em risco programas como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família.

Antes do rompimento formal do PMDB, na terça-feira, 29, Lula procurou Temer para uma conversa. O ex-presidente pediu para que ele adiasse a reunião do diretório nacional do PMDB que oficializou a entrega dos ministérios da sigla à presidente. Menos de uma semana depois, Lula passou a chamar o vice de “golpista”. Em evento em defesa de Dilma no Ceará no sábado, 2, o ex-presidente disse que Temer “como constitucionalista” sabe que o impeachment “é golpe”. O vice respondeu lembrando que é professor de Direito e sabe que o processo é legítimo.

Integrante da Executiva Nacional do PMDB, Eliseu Padilha afirmou que o partido vai reagir aos ataques contra Temer. “Nós seguimos o Supremo Tribunal Federal, que disse que o impeachment é legal e estabeleceu um rito para o processo”, disse ao Estado. Sem citar Lula, Padilha ressaltou que há pessoas que não respeitam as instituições. “Na verdade, estamos prestigiando as instituições brasileiras que se encontram no pleno exercício de suas atribuições. Quem se coloca contra elas é que poderá vir a ser tratado como golpista.”

Falsa narrativa – Aécio Neves

- Folha de S. Paulo

Na medida em que as tensões aumentam e os conflitos ganham peso com a instalação da Comissão Especial de Impeachment, cresce o esforço do governo para gerar a percepção de que a crise no país é uma mera disputa política.

Interessa aos governistas, e ao PT em especial, esvaziar o sentido real do impasse instalado e alimentar a impressão de que, ao final, tudo se resume a um enfrentamento, reacendendo o desgastado discurso do "nós contra eles".

Restou o vergonhoso "salve-se quem puder" para cabalar votos no Parlamento e, nas ruas, a narrativa do golpe, para confundir a opinião pública e tocar os incautos de boa-fé. Estive em Portugal na última semana proferindo palestra na Universidade de Lisboa sobre o momento porque passa o Brasil e devo reconhecer o quanto avançou essa tentativa.

É como se, de repente, não se houvesse derramado sobre a mesa dos brasileiros, nos últimos meses, uma realidade incontestável de flagrantes delitos cometidos nos porões do governismo, ou um verdadeiro desastre promovido pela crônica má gestão pública, comprometendo a estabilidade econômica e política e gerando uma crise social sem precedentes. É como se não existisse uma nação viva além das paredes do Congresso, indignada, e cobrando providências legais, constitucionais, contra o rosário de crimes cometidos contra o Brasil e os brasileiros.

Não há mais argumentos de defesa razoáveis sobre tudo o que aconteceu. Nem mesmo os discursos incendiários têm sido capazes de encobrir o fracasso do projeto atual, para além de uma militância orgânica, que quebra o silêncio obsequioso para defender o quinhão de benefícios próprios e intocados.

Caíram por terra todas as tentativas reincidentes de tentar culpar o mundo, a oposição, a imprensa e apontar golpistas imaginários. Estamos diante de um governo que mentiu à nação, prometendo o que jamais seria capaz de cumprir. E que atropelou as leis em nome de um projeto de poder de suas necessidades e conveniências.

Este é o retrato nu e cru desta hora.

A verdade é que precisamos ficar atentos ao que é essencial: defender o estado de Direito, a democracia e, respeitando a Constituição, virar essa deplorável página da nossa história. O debate em torno de opções possíveis, como impeachment, renúncia e julgamento do TSE, não pode servir à estratégia governista de transformá-los em uma revanche eleitoral. Não é isso que está em jogo. Mais do que nunca é a unidade das oposições e sua conexão com os setores majoritários da sociedade que precisam ser preservados, para nos dar uma saída.

É hora de convergir para o principal: dar a todos os brasileiros condições de recomeçar.

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Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB

Cicatrizes ou feridas? - Alberto Aggio

- O Estado de S. Paulo

Em meio a uma conjuntura turbulenta, a presidente Dilma Rousseff, em entrevista à imprensa estrangeira, referiu-se à possível aprovação do impeachment como um fato que deixaria “cicatrizes profundas na história política do País”. A afirmação é plena de significados. Em vez de se manter na narrativa do golpe como núcleo do seu discurso, sem se reportar ao que pudesse vir depois, Dilma avançou. Pela primeira vez especulou a respeito do day after. Mencionou “cicatrizes”, mas não “feridas”.

A fala da presidente é, portanto, lacunar. Antes das supostas “cicatrizes profundas”, pós-impeachment, melhor seria identificar a situação brasileira como um corpo marcado por “feridas profundas”. E, ao que tudo indica, não se vai sair dessa situação sem levar essas marcas por um bom tempo. Há fortes suspeitas a respeito da sua origem, sabendo-se que elas não resultam de fabulações acerca de supostos golpes.

Essas feridas começaram a ser abertas na campanha eleitoral de 2014, que garantiu o segundo mandato a Dilma. A violência discursiva contra seus adversários não encontra paralelo na história política do País. Além dessa chaga ainda aberta, entramos no segundo mandato num quadro de crise fiscal, com sérios desdobramentos. Um ajuste a meias, não assumido integralmente pelo governo e com oposição do PT, impediu que prosperasse qualquer mudança real. E pior: aprofundou a crise. A economia foi para a UTI, com sangramento crônico. À recessão seguiu-se a depressão, com suas consequências nefastas: fechamento de plantas industriais (mais de 4 mil em 2015 só no Estado de São Paulo), desemprego, inflação, queda da renda e do consumo, o retorno da desigualdade e a extensão da crise fiscal a Estados e municípios, que hoje, em alguns casos, não têm mais condições de pagar sequer os salários de seus funcionários, iniciando demissões em áreas como saúde e educação.

Por fim, desnecessário dizer que o governo Dilma Rousseff pouca coisa fez para sustar a destruição anteriormente promovida na Petrobrás, que só no ano passado totalizou um prejuízo monstro de perto de R$ 35 bilhões.

As chagas promovidas pelo governo Dilma no corpo da Nação não são, portanto, de pouca monta. E vale insistir: não são resultado de crise internacional e tampouco das operações da Lava Jato. Os sinais do desastre são impactantes e extensivos a diversos segmentos da população, mas há uma “cegueira ideológica” que vaga e insiste em insolitamente vocalizar a sua “leitura”.

As ruas rugem, o Brasil sangra e alguns intelectuais parecem ter perdido o senso de orientação. Com raríssimas exceções, a intelligentsia parece esvair-se. O que vivenciamos hoje é um cenário de horrores no qual alguns intelectuais, com ares filosofais, se regozijam a fazer bravatas ao estilo lulista. Por empreguismo ou opção ideológica, com o petismo no poder foi-se criando uma área cinzenta de incomunicabilidade entre os intelectuais, especialmente nas universidades públicas.

No campo da discussão política, intelectuais públicos, petistas ou filopetistas, derivaram assustadoramente para uma espécie de simbiose de vitimismo mesclado a uma retórica escatológica ao procurarem embasar o “discurso único” da fabulação golpista. O vitimismo vem sendo empregado pelo petismo como uma estratégia discursiva há algum tempo, sempre e quando sente a ameaça, real ou não, de ser empurrado para uma situação de flagrante minoria, como é o caso agora, quando cerca de 4 milhões de pessoas foram às ruas gritar “fora PT”. Ele tenta impedir a exposição dessa realidade.

Surpreendentemente, contudo, o vitimismo transformou-se em critério metodológico para se pensar a história recente do País. Segundo essa fabulação, o suposto “cerco golpista” a Dilma seria equivalente, ou pior, ao de 1964 e logo em seguida ao impeachment viria uma ditadura sans phrase. Nessas falas se assevera que um impeachment realizado pelo atual Congresso instauraria a ilegitimidade e o País entraria numa espiral de violência ou mesmo na guerra civil. Aqui o vitimismo, além de desqualificar a soberania do voto popular, carrega no discurso do medo, combinando-o com uma retórica de matriz escatológica: “Depois de nós, o dilúvio”, sem remissão. Seria o “nós contra eles” em situação apocalíptica.

Como se não bastasse 1964, lança-se mão, por um espelho retorcido, de uma comparação com o golpe de 1973 no Chile. Aqui a comparação entre Dilma e Salvador Allende é caricata e não fazer jus ao líder chileno. Allende é hoje resgatado exatamente por seu perfil mais republicano do que propriamente socialista. Quanto a Dilma, não cabem comentários em nenhum dos termos. Além disso, aquele era um tempo de revolução e, especialmente, de guevarismo; hoje, os “intelectuais revolucionários” são uma fraude grotesca e a juventude à “coração valente”, uma imagem simplesmente anacrônica. Ambos se imolaram pela revolução nas décadas de 1960 e 1970. Quando, na década de 1980, os Engenheiros do Hawaii cantaram “a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”, a transformação estava selada. A juventude não teve dúvida em dar apoio ao “Lula lá”, mas hoje não suporta mais ver o seu país sangrar dia após dia.

Mas, como muitas vezes se disse em relação ao Brasil, eppur si muove. O movimento de saída do PMDB da base do governo Dilma, empurrado pelas ruas, alterou o eixo da conjuntura, abrindo a possibilidade de recomposição do centro político, uma vez que a era petista se encarregou de esgarçá-lo.

A recomposição do centro não é garantia do nascimento de uma nova política, mas ele não poderá reproduzir os termos pelos quais o lulopetismo levou o País à beira do colapso. Igualmente, a esquerda precisará recompor-se, afastando as visões anacrônicas que ainda habitam seu coração e deformam sua mente. Com sorte, as feridas expostas terão alguma chance de ser cicatrizadas.

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*Historiador, é professor titular da Unesp

Dilma acena com governo pior - Ricardo Noblat

- O Globo

“Jamais renunciarei”. Dilma

Nem o governo comemorará uma eventual vitória. Em meados de agosto de 1992, o empresário alagoano Paulo Cesar Farias, conhecido como PC Farias, ex- tesoureiro da campanha do então presidente da República Fernando Collor e eminência parda do governo, procurou em Brasília o também empresário Luiz Estevão de Oliveira, seu amigo e parceiro em negócios, e pediu- lhe um favor especial: que guardasse no cofre de sua casa uma alta soma em dinheiro vivo.

O DINHEIRO serviria para aliciar votos de deputados e senadores dispostos a derrotar um eventual impeachment de Collor. O governo fracassara no combate à inflação. E fora atingido por denúncias de corrupção que estavam sendo investigadas por uma CPI do Congresso. As ruas exigiam a queda de Collor. Só lhe restava comprar apoios com dinheiro, cargos e promessas.

A CADA telefonema de PC Farias, Luiz Estevão sacava dinheiro do cofre e providenciava sua entrega ao parlamentar indicado. A 10 dias da votação do processo na Câmara, PC parou de telefonar. Havia dinheiro de sobra no cofre, mas já não havia deputados à venda. Em 29 de setembro, o impeachment foi aprovado por 441 de um total de 509 deputados. O Senado cassou o mandato de Collor em 29 de dezembro.

O DESFECHO,agora, do segundo pedido de impeachment da história recente do país passará pela decisão a ser tomada por um grupo de 40 deputados que se diz indeciso. Se, ao fim e ao cabo, 342 deputados de um total de 513 disserem “sim” ao impeachment, caberá ao Senado julgar Dilma por crime de responsabilidade. Se apenas 172 deputados disseram “não” ou se abstiverem de votar, o processo estancará na Câmara.

PARA SALVAR Dilma, não se descarte a compra de votos mediante dinheiro em espécie. Outras moedas começaram a ser usadas — oferta de ministérios e cargos em diversos escalões do governo, liberação de emendas ao Orçamento para a realização de obras em redutos eleitorais de deputados, e promessas de ajuda em tribunais superiores para os encrencados com a Lava- Jato ( Alô, alô, Renan Calheiros!).

ACOSTUME-SE com a insignificância das siglas destinadas a conduzir áreas estratégicas da administração pública: PTN, PHS, PSL, PEN e PT do B. Elas têm 32 deputados. PP, PR, PSD e PRB são considerados partidos da segunda divisão, mas reúnem 146 deputados. O PRB do mensaleiro Valdemar Costa Neto, condenado a sete anos de prisão, será agraciado com o Ministério de Minas e Energia.

NA BOLSAinformal de valores do Clube da Falsa Felicidade, o outro nome pelo qual o Congresso é chamado em Brasília, pagou- se R$ 400 mil na semana passada para o deputado que se abstivesse de votar o impeachment. Ao que votasse contra, R$ 1 milhão. O mercado está com viés de alta. A oposição parece mais perto de atrair 342 votos a favor do impeachment do que o governo 171 contra.

UMA POSSÍVEL vitória do governo não será comemorada nem mesmo por ele. Há pedidos de impeachment na fila da Câmara. A Justiça examina a impugnação da chapa Dilma- Temer por uso de dinheiro sujo. E se agrava a maior recessão econômica que o país já conheceu desde o início do século passado. Como Dilma enfrentará tudo isso com um governo muito pior do que o atual?

ISOLADA NO Palácio do Planalto, transformado em aparelho político, Dilma recusa saídas que poderiam deixá- la menos mal com a História — a renúncia ou a convocação de novas eleições gerais. Tenta controlar os nervos à base de calmantes.