sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Marina Silva

"No meu entendimento, o melhor caminho para o Brasil é o processo que está no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porque teria a cassação da chapa com a comprovação de que o dinheiro da corrupção foi usado para a campanha do vice e da presidente.

Impeachment não é golpe. Está previsto na Constituição, foi feito contra (o ex-presidente da República e atual senador, Fernando) Collor, foi pedido pelo PT várias vezes e eles achavam que não era golpe. "
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Marina Silva, ex-senadora e candidata a presidente da República em 2014, O Estado de S. Paulo, 8.1.2016.

Merval Pereira: Guinada, mas para onde?

- O Globo

O estupor com que as declarações de ontem da presidente Dilma foram recebidas pelos movimentos de esquerda e pelos blogueiros chapas-brancas não tem preço. A presidente que chegou para o café da manhã com jornalistas parecia outra pessoa: defendeu o equilíbrio fiscal, a inflação dentro da meta, a reforma da Previdência e uma série de pontos que são opostos ao que PT e o ex-presidente Lula pretendem. E negou que tenha, em algum momento, tratado de uma “guinada à esquerda” na economia.

Está ficando cada vez mais clara essa distância entre os dois. O que é surpreendente é que a presidente Dilma esteja defendendo pontos de vista corretos, mas fica a pergunta: Por que nunca fez isso? Por que passou todo o primeiro mandato fazendo o contrário? Por que colocou o país nessa situação, a troco de quê, se está convencida de que o equilíbrio fiscal é fundamental?

Pelo jeito fez uma experiência que deu errado, e agora tenta consertar retomando o rumo de uma política econômica que seus parceiros classificam de “neoliberal”, a mesma que ela tanto criticou durante a campanha eleitoral. Antes tarde do que nunca, mas o problema vai ser ter apoio no Congresso.

O PT e as centrais sindicais vão recusar apoio à reforma da Previdência nos termos anunciados por Dilma, a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria. Ontem mesmo João Pedro Stédile, do MST, já se levantou contra Dilma, prometendo manifestações pelo país se os direitos dos trabalhadores do campo forem afetados. Também Boulos, do movimento dos Sem Teto, ameaçou um levante popular contra o governo. E a CUT já havia anunciado que não aceitará mudanças na aposentadoria dos trabalhadores.

A presidente vai ter que buscar apoio no PMDB e na oposição, e não creio que tenha condições para refazer sua base partidária assim, de repente. No limite, ela teria que fazer um movimento brusco seguindo o conselho de Cid Gomes: sair do PT. Não creio que possa fazer isso. Mas quando Dilma fala que o governo não responde a um partido apenas, mas à sociedade, está dizendo que o que o PT exige não se coaduna com o que a sociedade pretende.

Um recado claro da presidente, que enfatizou que nunca discutiu com o PT uma “guinada à esquerda”. Essas declarações foram feitas no dia seguinte a uma reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu mais crédito e menos juros para retomada rápida do crescimento econômico.

A presidente repetiu seu ministro Jaques Wagner, dizendo que não há coelho na cartola, que não se resolve com mágica a situação econômica, e o ex-presidente Lula deve ter entendido que já não tem condições de ditar as regras como antigamente. Os tempos mudaram, e nada mais exemplar dessa mudança do que as cinco horas em que Lula passou depondo na quarta-feira na Polícia Federal sobre a Operação Zelotes.

A presidente Dilma não parece preocupada com os arroubos de sua base social, mas em tentar fazer a coisa certa, finalmente. Mas vai ser muito difícil essa mudança de rumo, e não se vislumbra o que a fez ser tão assertiva quando era óbvio que as reações viriam de todos os lados que ainda a apoiam.

O dilema da presidente é que esse apoio, inclusive o de Lula, exige dela uma subserviência que ela parece não estar disposta a dar. E, diante do quadro de instabilidade política que a cerca, com o impeachment que, bem lembrou Lula, “ainda não está enterrado”, é difícil entender a guinada de Dilma, um salto sem rede de proteção.

Ela acabará dando motivos ao PT para se afastar de seu governo, romper politicamente a pretexto de defender os “interesses do povo”. Ir para o PDT, voltando às suas raízes brizolistas, conforme diversos sinais que surgiram nos últimos dias, não seria uma saída política brilhante, pois o brizolismo não é exatamente uma força política que possa sustentar um governo tão fragilizado quanto o de Dilma.

E a fixação de uma idade mínima é importante, sem dúvida, para a saúde financeira da própria Previdência e, por conseguinte, para o país, mas não é nem de longe um tema popular que dê respaldo político a um governante.

Eliane Cantanhêde: Muito mel, muita lambança

- O Estado de S. Paulo

Alguém no governo e no PT precisa responder a uma perguntinha que não quer calar: por que raios o governador da Bahia, o prefeito da principal capital do País e o presidente do Banco do Brasil tinham tal proximidade com o mandachuva de uma grande empreiteira que viria a ser condenado a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa?!

O tal sujeito é Léo Pinheiro, que foi presidente da OAS, chamava o então presidente Lula carinhosamente de “Brahma” e, conforme mensagens capturadas pela Operação Lava Jato e divulgadas ontem pelo Estado, parecia onipresente. Da Bahia a São Paulo, passando por Brasília, ele estava em todas. Um troféu vivo, e ambulante, à promiscuidade entre público e privado.

Governador da Bahia e hoje chefe da Casa Civil, Jaques Wagner esforçava-se para ser solícito com Léo Pinheiro e dar uma forcinha para seus pleitos na capital da República. Isso sem falar no trânsito intenso de funcionários que ora são da OAS, ora são do governo da Bahia – e decidem sobre obras que a própria OAS toca ou irá tocar.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, deu uma boa resposta para a atuação de Léo Pinheiro junto ao deputado Eduardo Cunha pela aprovação da rolagem da dívida da capital paulista: “Falei com mais de cem pessoas”. Mas o que um empreiteiro tem a ver com negociação no Congresso? Logo um empreiteiro que viria a ser condenado a 16 anos de prisão? Que interesse Léo Pinheiro teria na rolagem da dívida de São Paulo? Só se for puro amor à cidade, ou singela amizade ao prefeito.

E lá está o presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, citado de forma nada inocente num suposto esquema de compra de títulos da dívida da... OAS! E exatamente quando ele presidia o Banco do Brasil, ali pela mesma época do tal empréstimo curioso à socialite Val Marchiori. É preciso esclarecer muitas coisas nessa história, particularmente por que o presidente do BB diz que queria falar com o empreiteiro da OAS, “mas só se estivesse num telefone fixo”. Que segredos havia entre os dois?

As mensagens, por ora, não provam nada, mas levantam muitas lebres saltitantes em torno de altas figuras do PT, do homem-chave do governo Dilma Rousseff e de um executivo que presidiu o maior banco público e preside a maior empresa estatal do Brasil. Confortável não pode ser.

Já seria ruim em condições normais de temperatura e pressão, imaginem no meio de uma tempestade política, com ventos fortes levando a economia não se sabe para onde e com o ex-presidente Lula depondo, mês sim, mês não, na Polícia Federal. Aliás, não apenas depondo, mas depondo por intermináveis cinco horas! A PF tinha muitas perguntas a fazer...

Somando-se as duas pontas – as enormes dúvidas da polícia quanto à Operação Zelotes, que chega a Lula, e as mensagens em mãos da Procuradoria-Geral da República, que atingem Wagner – tem-se que o passado e o futuro do PT estão em xeque ou, pelo menos, na berlinda. Lula é o presidente da República do mensalão, do petrolão, da Zelotes. Wagner, o ministro forte do governo que tenta amenizar o tom beligerante dos governistas e reaproximar o PT da opinião pública. Lula é apontado como candidato do PT em 2018. Wagner fala e age como tal.

Como alardeiam os governistas e admitem os oposicionistas, o impeachment subiu no telhado e parece estar decolando para longe de Dilma e do Planalto, mas isso não resolve tudo. Talvez não seja exagero dizer que não resolve nada. O processo de impeachment, certamente, não é o único e nem mesmo o maior problema de Dilma, de Lula e do PT. Pior é ela ficar, não conseguir estancar a sangria da economia nos próximos três anos (uma eternidade...) e o partido não conseguir explicar, hoje, nas eleições municipais e em 2018, tanto melado e tanta gente lambuzada.

Renato Andrade: Nem pacotinho, nem pacotão

- Folha de S. Paulo

O Planalto resolveu adotar uma postura mais cautelosa em relação às medidas que a equipe do ministro Nelson Barbosa discute para fazer o país sair do fundo do poço. E isso não é uma má ideia.

Administrar expectativas é uma tarefa fundamental para o bom andamento da política econômica.

Veja o caso da inflação. Se o Banco Central não consegue fazer com que as pessoas acreditem que os preços estarão em patamar adequado no futuro, o efeito das ações tomadas no curto prazo para atingir esse objetivo acaba tendo pouco efeito e os indicadores seguem sua escalada.

Diante da baixíssima taxa de credibilidade que ainda tem na praça, o governo Dilma Rousseff parece ter entendido que é preciso avisar, de antemão, que desta vez não vai ter pacote, pacotinho ou pacotão.

As medidas terão figurino mais austero, em consonância com os tempos magros que vivemos por aqui. O lema é baixar a bola agora para evitar desilusões futuras.

Como resumiu o ministro Jaques Wagner, o país não está mais em condições de oferecer pacotes bombásticos ou tirar coelhos da cartola, apesar de muita gente no PT ainda acreditar que boas intenções são suficientes para gerar dinheiro no caixa.

Vale lembrar que delírio não é uma exclusividade petista. Alguns segmentos da iniciativa privada ainda sonham com uma esticada na festa do dinheiro público bom, barato e direcionado ao cofre dos amigos.

Apesar do surto de sensatez, a pauta de medidas que a presidente pretende tocar ao longo dos próximos meses conta com dois itens que, por si só, garantem muita encrenca.

O mais simples é nada menos do que o renascimento da CPMF, o odiado imposto do cheque. Mas a bomba mesmo é a reforma da Previdência, tema mais impopular do que a própria presidente petista, como mostrou recente pesquisa da CUT.

Não teremos pacotão até o Carnaval, mas o barulho está garantido.

Nelson Rojas de Carvalho: Dois cenários para o governo Dilma

• 2016 promete dias difíceis na política e na economia

- Valor Econômico

Dilma Rousseff inicia o seu segundo ano de mandato com graves avarias na nau presidencial: seu vice-presidente Michel Temer não só abandonou o barco governista, como se alistou no grupo seleto dos que pretendem desde já - seja pelo caminho do impeachment, seja pela via da renúncia da presidente - assumir o timão principal da chefia do Executivo. Embora Temer tenha fracassado em sua tentativa de unificar as hostes pemedebistas e se mostrado incapaz de empolgar tanto a opinião esclarecida dos juízes da egrégia Corte Suprema como a opinião não tão esclarecida dos eleitores das ruas, levou parte da tripulação para o campo da oposição e promete tornar ainda mais imprevisível a vida do Executivo nos corredores e, sobretudo, no plenário da Câmara ao longo do ano.

Dilma reinicia seu governo com outro desfalque, fundamental em regimes democráticos: o apoio da opinião pública. Na última pesquisa Datafolha de 2015, com resultados divulgados em fins de dezembro, o governo Dilma continua a distinguir-se por taxas estratosféricas de reprovação - únicas na história dos chefes de governo em regimes presidencialistas. A reprovação recorde da presidente - com mais de 60% dos entrevistados considerando seu governo ruim ou péssimo - confirma-se junto aos segmentos mais caros ao sucesso eleitoral pretérito do PT, como os Estados do Nordeste e a população de baixa renda, onde os índices de reprovação ao governo convergem com a média nacional.

Cabe aqui lembrar que, em ano eleitoral, o ônus da impopularidade presidencial deverá recair sobre a fortuna dos mais de 600 prefeitos do PT eleitos em 2012, sobretudo aqueles com domicílio eleitoral nos Estados do Sudeste e no comando de grandes municípios ou de capitais dos estados. Embora não se assemelhem às eleições intermediárias americanas - onde o desempenho do presidente é julgado de forma categórica no meio do mandato nas eleições para Câmara -, nossas eleições municipais podem se afigurar como canal de mobilização das forças descontentes com os rumos do governo, descontentamento que irá respingar não só sobre os candidatos do PT, como também sobre os candidatos dos partidos da base. Certamente, faltarão palanques à presidente nos pleitos municipais deste ano.

Se o cenário político de 2016 promete dias difíceis para a presidente, os sinais da economia não serão menos alentadores: um segundo ano de contração do PIB, o desemprego em alta, novas rodadas de elevação da taxa de juros, queda na arrecadação, deixarão à presidente estreita margem de manobra para o anúncio de medidas palatáveis no campo econômico, capazes de produzir dividendos eleitorais. Certamente, a margem exígua de manobra da presidente pode ver-se ainda mais reduzida com os desdobramentos da Operação Lava-Jato e do julgamento das contas de campanha e de governo, além da gestão do processo de impeachment.

Ensina a história que, em conjunturas de crise - como a que agora atravessa Dilma Rousseff - os atores políticos optam ora pela radicalização de suas teses - à esquerda ou à direita -, ora pelo caminho da moderação de suas posições - na tentativa de ocupação do centro do campo político. Derrotado em 1986 pelo gaullista Jacques Chirac, no que consistiria a primeira experiência de coabitação da V República francesa, François Mitterrand estimulou a rápida implementação da agenda liberal e privatizadora de Chirac, com a finalidade estratégica de esgotar o projeto adversário. Cumprido - e esgotado - o programa de Chirac, Mitterrand inaugurou pauta alternativa e centrista - nova e vitoriosa - batizada com o slogan "ni nacionalisation, ni privatisation". Venceu Chirac em 1988. Em movimento semelhante, na esteira da perda em 1994, pela primeira vez em quatro décadas, do controle da Câmara para os Republicanos, os democratas liderados pelo presidente Bill Clinton capturaram e implementaram o item central da agenda da oposição - o orçamento equilibrado - e retornaram ao poder em 1996. Em sentido oposto, os trabalhistas ingleses, durante os anos Thatcher, responderam à impossibilidade da vitória político-eleitoral com a radicalização programática, a qual, se os distanciou ainda mais do êxito nas urnas, aglutinou as bases do partido, sobretudo os sindicatos.

Com a mudança no comando da equipe econômica, a presidente Dilma Rousseff inicia 2016 com dois cenários à vista, ambos factíveis, como alternativas de governo. Embora os constrangimentos fiscais tornem pouco exequível a implementação de medidas anticíclicas e a opção por uma política econômica marcadamente de esquerda, a presidente e sua equipe podem trilhar o atalho fácil de um keynesianismo de animação, com a emissão de créditos seletivos, afrouxamento no corte dos gastos, ênfase na arrecadação e a introdução de medidas com forte apelo simbólico, como a tributação das grandes fortunas. Certamente, Dilma acenaria com essas medidas para o núcleo duro de sustentação do seu governo - a esquerda do PT e os movimentos sociais, - segmento que, embora minoritário, pode mostrar-se indispensável, no congresso e nas ruas, como fiador do mandato da presidente, cuja legalidade e legitimidade serão postas em questão nos próximos meses. Caminho oposto seria a convergência centrista do PT - com pontes lançadas na direção do PSDB - em torno das reformas estruturais anunciadas por Nelson Barbosa: a reforma da previdência e a reforma trabalhista.

Egresso da esquerda, com habilidade política e simpatia nas fileiras do PT, Barbosa apresenta maiores chances do que seu predecessor Joaquim Levy de conduzir o governo na direção do centro, capturando bandeiras caras ao PSDB e cortejando a confiança dos agentes econômicos. Se o bom senso, a razão política - e a história - parecem recomendar a opção pelo centro, elementos da conjuntura, como a Operação Lava-Jato, a instabilidade política e os indicadores econômicos críticos podem jogar, no entanto, o governo na direção de agenda e coalizão minoritárias, com as quais, se não governa, pode ter a esperança de alguma sobrevida.
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Nelson Rojas de Carvalho é professor da UFRRJ, pesquisador do Observatório das Metrópoles/Ippur/UFRJ

Nicolau da Rocha Cavalcanti*: Compreender bem a democracia e a República

- O Estado de S. Paulo

Os tempos são de crise. Não apenas política e econômica, mas também argumentativa. Não raro o debate público é dominado pela polarização ideológica, na qual os argumentos, despidos de seu contexto e transformados em lugar-comum, servem apenas para atacar o suposto adversário.

Nesse ambiente de pouca reflexão e raso diálogo, o novo livro de Luiz Werneck Vianna, Ensaios sobre Política, Direito e Sociedade (Hucitec Editora, 2015), é um oásis. Reunião de textos escritos ao longo das últimas três décadas, a obra analisa com serenidade e profundidade, num contínuo diálogo com autores clássicos e contemporâneos, a realidade institucional e social brasileira.

Para Werneck Vianna, a sociedade brasileira está de tal modo configurada pelo Estado que a análise do fenômeno social passa necessariamente pelo estudo das relações entre o seu direito e a sua política. Daí brotará o eixo temático do livro – a judicialização da política. Consciente de que o fenômeno desafia as teorias clássicas republicanas centradas na regra da maioria e de que “na democracia não cabe um governo de juízes”, o autor adverte para a necessidade de compreender bem o protagonismo contemporâneo do Poder Judiciário. Não vê incompatibilidade entre o abandono da neutralidade judicial e a representação. No entanto, desvelar essa harmonia exigirá um novo pensar, com a ampliação do conceito de soberania popular e o reconhecimento de novos lugares de representação popular.

Nem todos os elementos do fenômeno da judicialização da política são novos, lembra o autor. Por exemplo, a legislação trabalhista dos anos 1930, num movimento de publicização da esfera privada. Ao proteger o economicamente vulnerável, introduz-se um elemento de justiça na política, com uma tendência de predominância do legislado sobre o negociado. Ocorre, assim, a judicialização do mercado de trabalho.

Semelhante movimento se fará notar na Constituição de 1988; agora, no entanto, com outra dinâmica na relação entre Estado e sociedade. A tutela autoritária será substituída por uma nova modalidade de interação. O constituinte buscará na judicialização da política uma forma de realizar as mudanças substantivas na e com a sociedade, convocando-a a participar da defesa e aperfeiçoamento do direito.

Em contraste ao ocorrido em 1891, 1934 e 1946, a Constituição de 1988 não é resultado de um processo político concluso, mas se insere na transição do autoritarismo para a democracia política. Tal circunstância impõe soluções de compromisso entre forças díspares. A estratégia será deslocar para o futuro a implementação da mudança social, por meio de uma ampla e compreensiva declaração dos direitos fundamentais. Ao enunciar programaticamente os direitos sociais, “o constituinte demanda a mediação da sociedade a fim de impedir (...) que as normas e garantias dispostas na Carta fossem interpretadas como de caráter simbólico”.

Luiz Werneck Vianna frisa que a judicialização da política não é fruto de um ativismo judicial, mas resultado da vontade expressa do legislador. Não há usurpação de poder, fato comprovado pela jurisprudência dos anos imediatamente seguintes a 1988, quando os magistrados se mostram um tanto reticentes com o novo papel que a Constituição lhes atribui. Aos céticos do caráter democrático dessa nova relação entre os três Poderes, o autor faz importante observação: “Não há registro de nenhum exemplo de judicialização em um contexto não democrático”.

A Constituição é, portanto, um continuar-descontinuando. Há o velho e há o novo. Com um diagnóstico cético do Brasil – “país socialmente desigual, sem história de auto-organização e carente de sedimentação das virtudes cívicas” –, o constituinte opta por preservar papéis fortes para a dimensão do público na regulação da vida social, ao mesmo tempo que, numa perspectiva comunitarista, redefine o papel democrático do Poder Judiciário. Apesar de não estar submetido ao controle dos eleitores, isto é, não originário da representação, o terceiro Poder exercerá representação dos princípios constitutivos do corpo político. “De poder isolado em sua autonomia institucional, o Judiciário passa a ser incorporado como novo ator na expressão da vontade soberana”, reconhece o autor.

Além de conter certo pessimismo com a representação parlamentar, essa nova perspectiva é também reflexo de uma descrença nas revoluções políticas como meio de mudança social. O futuro deixa de ser concebido em ruptura com o presente. É nas “sucessivas transformações moleculares” que agora se depositam as esperanças de uma transformação social. É a “revolução sem revolução”, mas já não como mero teatro para o triunfo das forças de conservação, e sim como o fiat da dialética como “tranquila teoria” de Gramsci.

Há um novo direito e, portanto, uma nova noção de Estado. Já não existem respostas prontas. Substituiu-se o direito do pretérito, com sua pretensa segurança, por um direito do futuro, ainda a ser concretizado, contaminado pelo provisório e configurado mais como rede do que como código. Um sistema aberto, mas nem por isso “alternativo” ou com menor juridicidade. Sua realização não é uma utopia, mas exige a participação da sociedade.

Esse movimento, no entanto, não é isento de riscos. O autor nota que, de uma inicial reticência, o Judiciário brasileiro parece ter abraçado com entusiasmo desmedido seu novo papel, com ingerências não de todo justificáveis na esfera dos outros Poderes. “Forçando as tintas, pode-se sustentar que o Brasil tornou-se (...) a capital mundial da judicialização da política”. É preciso compreender bem a democracia e a república. Tanto para reconhecer os méritos democráticos da nova arena pública em torno do Judiciário, quanto para advertir seus claros limites republicanos.
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* Nicolau da Rocha Cavalcanti é advogado e jornalista

Nelson Motta: A melhor série do momento

• Que time de grandes ficcionistas criaria uma história melhor e mais cheia de emoção, surpresas e mistérios?

- O Globo

Janeiro é o terror dos cronistas (menos os de turismo), o país está em férias, todo mundo viajando, tudo fica adiado para depois do carnaval, nada acontece. Escrevi durante oito anos uma coluna diária no GLOBO e nunca reclamei de falta de assunto, mas o principal motivo para jogar a toalha foram tantos janeiros abrasadores atravessando desertos de notícias.

Este não seria menos modorrento, mas, com a volta do juiz Sérgio Moro às atividades, mais cinco procuradores especiais trabalhando nas investigações do núcleo político do petrolão, e fortes indicações da iminente prisão de eminentes parlamentares, a Lava-Jato volta a pleno vapor e garante que no Brasil raros janeiros terão tanto assunto. O público aguarda diariamente um novo capítulo do melhor reality show do momento.

Certamente, em um futuro próximo a Lava-Jato será transformada em uma série de televisão, com a realidade superando a ficção na sensacional história de uma operação policial que mudou um pais, comandada por um juiz justo e corajoso e uma brigada de jovens e bravos procuradores unidos a uma Polícia Federal honesta e eficiente, mas com seus traidores e corruptos, desvendando a trajetória de heróis e vilões, de chefões e delatores, de empresários poderosos e suas famílias, o drama de cada um, a trama de uma organização criminosa no coração do Estado, a teia de interesses que une políticos, partidos e corruptos profissionais para saquear um país e se eternizar no poder. Que time de ficcionistas criaria uma história melhor e mais cheia de emoção, surpresas e mistérios?

Quando janeiro passar, a novela da crise seguirá com novas medidas para reanimar a economia. O mistério é como um governo que não tem dinheiro para pagar suas contas, suas dívidas crescentes e um colossal déficit público, e gasta mais do que arrecada, vai investir em crescimento. Só aumentando impostos, ou se endividando ainda mais, e a juros mais altos, depois de perder grau de investimento, ou até torrando reservas internacionais duramente conquistadas nos tempos da “velha matriz econômica”. Para jogar tudo numa receita que não deu certo?

Enquanto isso, em Curitiba...

Vinicius Torres Freire: Passarela para o amanhã

- Folha de S. Paulo

Nos dias animados do impeachment, lá por outubro, o PMDB mandou fazer roupa nova no alfaiate. O banho de loja era uma tentativa do partido de se candidatar a líder confiável de uma nova coalizão antipetista. Era um programa liberal de governo, a "Ponte para o Futuro", também um obituário da política econômica de Dilma 1 e das ideias do PT, às quais atribuía a ruína do país.

Pois então. O pessoal do PMDB diz agora que Dilma Rousseff ofereceu uma gambiarra para o presente, um acordo de paz com o partido. Nos termos do armistício, está a adoção de partes da "Ponte para o Futuro", o "Plano Temer". Segundo o pessoal do PMDB, foi o que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) ofereceu na reunião de quarta-feira com o vice-presidente, Michel Temer, que havia se tornado um dos líderes da destituição da presidente.

Há versões conflitantes sobre o que teria sido proposto e do que já foi conversado, por outras vias, com o PMDB. De menos incerto, seria o seguinte.

Primeiro, pode se discutir um limite para o crescimento das despesas de custeio do governo, que aumentariam a uma velocidade menor que a da economia, da expansão do PIB.

O que quer dizer "despesas de custeio" ninguém soube explicar direito (em tese, são todos os gastos que não os de investimento "em obras"). Várias despesas crescem mais do que o PIB (Previdência) ou tendem a crescer, em anos bons (tais como saúde e educação), pois são vinculadas ao tamanho da receita (se a arrecadação de impostos aumenta mais que o PIB, tais gastos vão junto). Qual gasto seria limitado?

Segundo, o governo se comprometeu com a fixação de uma idade mínima para o direito à aposentadoria, como disse ontem também a presidente em entrevista, em termos igualmente vagos.

Terceiro, o governo apresentaria um plano "amplo" de simplificação de impostos (menos variedade de impostos, menos alíquotas diferentes, menos exceções).

Quarto, haveria menos burocracia para a criação de empresas e para licenciamentos vários, ambientais inclusive.

Quinto, seriam criados programas de avaliação da eficiência de políticas públicas.

Gente do governo diz que a oferta não foi assim tão longe. Em especial, "não haveria hipótese" de acabar com a vinculação de recursos para saúde e educação ou com o reajuste automático, indexado, do salário mínimo e do piso dos benefícios do INSS.

Difícil acreditar que o PMDB vá se comover tanto assim com concessões programáticas, ainda mais tão vagas. Mas, caso o impeachment vá mesmo para o vinagre, pode ser um modo de o partido dourar a pílula da paz, de passar um verniz na reaproximação com o governo. Temer gostou da ideia.

Mais difícil ainda é acreditar que boa parte desse plano vá andar. Pode se tratar apenas de uma daquelas histórias dos recessos de verão (em anos mais amenos, por exemplo, a ideia de "reforma política" sempre aparecia em janeiro). Quando volta a briga de facas da política, tudo isso tende a virar picadinho.

Por enquanto, porém, o governo precisa de uma passarela para o amanhã, um caminho de vaca até abril, que seja, pois Dilma Rousseff ainda vive da mão para a boca, atolada na ruína econômica que criou e ameaçada ainda de deposição. Precisa de paz com Temer.

Miriam Leitão: Balanço dos riscos

- O Globo

O mercado está com medo da desaceleração global. Essa é a tese do economista Ilan Goldfajn, ao comentar mais um dia de queda na bolsa chinesa, que foi acompanhada por outros índices mundo afora. A China saiu de 12% de crescimento em 2010 para algo em torno de 6% agora, mas ainda é o que segura o crescimento mundial. Os Estados Unidos estão com uma taxa de 2%, sendo considerada boa recuperação.

A dúvida, segundo Ilan, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, é o quanto mais a China vai desacelerar: — O medo é que, na descida da ladeira, a China leve um escorregão e caia muito mais do que está previsto. A dúvida nos últimos dias é por que o Banco Central está depreciando tanto a moeda? O temor é de que o crescimento vá para 4% ou menos — disse.

Quanto mais a China desacelerar, mais o crescimento mundial será afetado e mais incerta fica a recuperação americana. Isso também tem reflexos no ritmo de elevação da taxa de juros nos Estados Unidos. O que faz com que 2016 tenha começado com duas grandes incógnitas, exatamente sobre as duas maiores economias do mundo. Isso torna mais difícil a vida de um país com as fragilidades do Brasil.

— O problema é a fragilidade, porque choques no mundo sempre há. O país navega e passa. Mas com uma fragilidade de recessão de 4%, será muito difícil administrar um novo choque — explicou.

A mudança no quadro internacional faz sair dólares do Brasil, e isso eleva o câmbio, afetando a inflação. Uma boa notícia é que o dólar mais alto reduziu o déficit em transações correntes. Pelas projeções do banco, que ele mostrou em entrevista que me concedeu na Globonews, vai chegar a US$ 50 bilhões no fim do ano, e isso é metade do que era em 2014. Com essa redução e o alto nível de reservas, há menos riscos de uma crise cambial, como as que o Brasil teve no passado. Alguns velhos riscos, contudo, reapareceram. O pior deles é a elevação da dívida interna, que subiu para 66% do PIB agora e cuja projeção é de que chegue a 80% em 2018 (veja o gráfico da dívida bruta).

— Uma dívida que está indo para 80% é uma dívida fora de controle. Não é à toa que o Brasil perdeu o grau de investimento, por causa dessa trajetória. O país não voltará a crescer enquanto não resolver este problema — disse.

Ilan preparou um gráfico sobre o PIB brasileiro que, em vez de mostrar a taxa de crescimento, mostra um índice com o tamanho do PIB. O Brasil cresceu até 2013 e depois começou a cair. Se confirmada a recessão de 2,8% que o Itaú Unibanco projeta para este ano, o país chegará ao fim de 2016 com o mesmo tamanho que tinha em 2010. Todo o ganho foi perdido:

— O crescimento só volta com a volta da confiança e isso só acontecerá quando se perceber que a dinâmica da dívida está estabilizada porque o fiscal está resolvido. Ninguém investe sem saber quem vai pagar a conta desse déficit. Medidas de estímulo só resolvem quando não se tem um problema fiscal tão grave.

Apesar de o ministro Jaques Wagner ter falado em não tirar coelho da cartola, o “Valor Econômico” disse ontem que o governo quer usar o dinheiro que foi pago aos bancos públicos e ao FGTS nas pedaladas para expandir o gasto sem impactar as contas públicas. Ilan Goldfajn acha que isso é um novo erro do governo.

— O dinheiro que o FGTS usa e os bancos públicos emprestam é subsidiado a uma taxa que é preciso que o governo banque. Se o governo não quiser pôr isso no gasto primário, em algum momento vai aparecer, como aprendemos. Não tem milagre. Tem que pôr tudo no Orçamento — afirmou.

Claudia Safatle: A guinada silenciosa

• Riscos para a inflação só pioraram de dezembro para cá

- Valor Econômico

A ordem no governo é estabilizar o crescimento. Fazê-lo parar de cair para, em um segundo momento, conseguir que a atividade econômica volte a crescer. Simultaneamente a essa tarefa, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, precisa se livrar da marca de "pai da nova matriz econômica" e conquistar credibilidade junto ao mercado. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, nessa nova etapa do governo Dilma Rousseff, também não pode perder a margem de credibilidade que conquistou nos últimos tempos.

É assim, trilhando caminhos pantanosos que ambos, Barbosa e Tombini, vão buscar tirar a economia brasileira do fundo do poço em que se encontra.

A troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa significa mudança, mas esta deverá ser uma "guinada silenciosa", na visão de um atento observador da política econômica. Silenciosa porque nada será feito de forma escancarada nem o governo vai se aventurar em medidas tresloucadas.

A engenharia montada para o pagamento das "pedaladas", que levou o Tesouro Nacional a irrigar com R$ 55,8 bilhões o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa e o FGTS é um modelo que pode inspirar novas decisões. Algo que não seja nem tanto ao mar nem tanto à terra.

A operação de "despedalada" aparentemente não tem impacto fiscal futuro. Mas se os recursos forem usados para reforçar a carteira de empréstimos dos bancos públicos, como indica o governo, significará uma conta de subsídios à frente. O BNDES, por exemplo, emprestará com base na TJLP, taxa de juros de longo prazo de 7,5% ao ano.

Levy não queria pagar os R$ 22 bilhões ao FGTS de uma só vez, como fez Barbosa. E queria que o BNDES devolvesse os R$ 30 bilhões de aporte do Tesouro que não foram emprestados. Na operação feita, porém, o BNDES só pagou R$ 15 bilhões à União. O que o FGTS fará com os recursos recebidos não precisa ser decidido de imediato, porque o fundo tem orçamento para a primeira metade do ano.

O Comitê de Política Monetária, no entanto, pode ser um entrave na estratégia de estabilizar o crescimento. O Banco Central sentiu, nos últimos dias, a pressão que vem do PT e de ministros do partido com gabinete no Palácio do Planalto para parar de elevar a taxa básica de juros e, de preferência, começar a cortar a Selic, hoje em 14,25% ao ano.

A próxima reunião do Copom, nos dias 19 e 20, será a primeira após a troca de comando da Fazenda. No dia do anúncio da substituição de Levy por Barbosa, o BC divulgou nota adiantando que a mudança "não representa qualquer mudança na política monetária em curso". Desde a ata da reunião do comitê de novembro o BC vinha afirmando que faria o necessário para levar a inflação para o intervalo da meta em 2016 e para a meta de 4,5% em 2017. O mercado entendeu que a retomada do ciclo de aperto monetário ocorreria na reunião deste mês.

Nos últimos dias, porém, restabeleceu-se a dúvida sobre se o Copom vai aumentar a Selic. Diante das notícias de que o Palácio do Planalto não gostaria de ver os juros em alta e de temores relativos à nova posição de Barbosa no governo, a presidente Dilma Rousseff foi perguntada e respondeu a jornalistas ontem, durante café da manhã, que "ninguém no governo, a não ser o presidente do BC, está autorizado a falar sobre juros". Resposta semelhante foi dada no dia anterior pelo ministro da Fazenda.

No BC, a informação é de que sobre esse assunto vale o que está escrito na última página da apresentação do relatório de inflação, dia 23 de dezembro: "Independentemente do contorno das demais políticas, o Banco Central adotará as medidas necessárias de forma a assegurar o cumprimento dos objetivos do regime de metas, ou seja, circunscrever a inflação aos limites estabelecidos pelo CMN, em 2016, e fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%, em 2017".

Do dia 23 para cá a taxa de câmbio teve mais uma rodada de desvalorização, indo para a casa dos R$ 4, os preços dos alimentos estão em alta e os transportes urbanos de dez capitais tiveram aumento, decisão que o BC não esperava para um ano de eleições municipais. Pioraram, assim, as fontes de pressão sobre uma inflação que deve ter encerrado o ano de 2015 em 10,8%. Hoje o IBGE divulga o IPCA do ano passado e, a partir daí, a qualquer momento o Copom divulgará carta aberta ao ministro da Fazenda para explicar as razões do não cumprimento da meta (cujo teto é de 6,5%) em 2015. Descreverá, também, a estratégia para forçar a convergência da inflação para o intervalo da meta em 2016 e para a meta de 4,5% em 2017. A carta será publicada antes da reunião do comitê.

Se a decisão for de não subir os juros este mês, a comunicação do Copom terá que ser bem construída para não alimentar a ideia de que a mudança do comando da Fazenda representou, também, a flexibilização da política monetária. Uma interpretação que não melhoraria a credibilidade de Barbosa e minaria a de Tombini.

Nos prognósticos de grandes bancos, a variação do IPCA será de 0,95% em janeiro e de 0,80% em fevereiro. A taxa de 12 meses deve ficar acima de 9% até abril para então começar a cair.

Economistas do setor privado se dividem, hoje, em relação ao juros. Não será necessariamente um erro o Copom não elevar a Selic mesmo com pressões adicionais sobre a inflação, dado o tamanho da recessão e da crise política que se arrasta desde o ano passado. O erro maior, na visão desses profissionais, é estar com uma política fiscal flexível e a monetária restritiva, enquanto a situação do país requer exatamente o contrário.

A hora da verdade para Barbosa será em meados de fevereiro, quando ele terá que apresentar o decreto de contingenciamento do orçamento tendo como objetivo o superávit primário de 0,5% do PIB. Essa decisão vai preceder o desfecho do processo de impeachment, cuja votação no plenário da Câmara é prevista para abril. Isso obrigará o governo a assumir compromissos sem saber com que forças políticas poderá contar. Se o primeiro sinal da política fiscal, em fevereiro, for crível, com a demonstração de receitas compatíveis com as despesas, o ministro terá vencido bem a primeira etapa.

Toda a estratégia está sendo traçada sem que se considere novas turbulências vindas de fora. O agravamento da situação da China, com o desaquecimento da economia sendo mais forte do que imaginado, não é parte do cenário. Mas, se ocorrer, muda tudo, a começar da taxa de câmbio.

Dilma e as amarras do passado – Editorial / O Estado de S. Paulo

Nem guinada à esquerda, nem à direita, nem conversão ao bom senso: o governo da presidente Dilma Rousseff continuará tão incompetente quanto sempre foi, incapaz de autocrítica e de aprender com os próprios erros, a julgar por suas declarações durante café da manhã com jornalistas, em Brasília. Ela prometeu fazer “o possível” para alcançar o resultado fiscal prometido para o ano, um superávit primário – sem a despesa de juros – equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para atingir essa meta ela só mencionou aumento de impostos, com a recriação da CPMF, e maior liberdade para gastar, a ser obtida com a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Nada foi dito sobre corte de gastos nem se prometeu gestão mais austera ou mais eficiente. Falou-se a respeito da reforma da Previdência – necessária, sem dúvida, mas com efeito de longo prazo e nenhuma relevância para a melhora das contas públicas em 2016. Não ficou claro se a presidente percebe esses detalhes.

Parte da receita da CPMF, prometeu a presidente, irá para Estados e municípios e deverá servir para a solução de problemas da saúde, principalmente no Rio de Janeiro. Ela parece atribuir a crise da saúde no Rio, portanto, à escassez de dinheiro. Também isso é típico de sua concepção de governo. A crise nos hospitais fluminenses é evidente consequência de uma péssima gestão, denunciada, em primeiro lugar, pela incapacidade do governo de fixar uma lista razoável e decente de prioridades.

Qualquer administrador com alguma competência – e um mínimo de pudor – ficaria corado só de pensar na hipótese de subordinar a educação e a saúde à existência da CPMF, uma aberração tributária, ou a royalties do petróleo. Não parece o caso, no entanto, de governantes e gestores petistas e de seus aliados.

A presidente negou qualquer conversa com dirigentes do PT sobre uma “guinada à esquerda”. Limitou-se a reconhecer, sem dar importância ao fato, as manifestações petistas a favor de uma reorientação da política econômica. Ao falar sobre o rumo da política, mostrou, de forma um tanto surpreendente, haver aprendido pelo menos uma lição: insistiu na promessa de ajuste das finanças públicas – embora sem se referir a austeridade e revisão dos gastos – e evitou mencionar qualquer novo pacote. Não se vai tirar coelho da cartola, disse a presidente, repetindo palavras do chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, pronunciadas no dia anterior.

Mas é insuficiente insistir nas promessas de arrumação das contas e de combate à inflação. Durante um ano a presidente freou as iniciativas do ministro Joaquim Levy e preferiu as opiniões do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, escolhido, afinal, como novo ministro da Fazenda. Ao preferir as ideias de Barbosa, a presidente motivou o rebaixamento do País por duas agências de avaliação. Como se nada disso houvesse ocorrido, ela anuncia, agora, a disposição de lutar “com unhas e dentes” para “criar outro ambiente no Brasil, com outras expectativas”.

Para isso bastarão, a curto prazo, aumentar impostos e desvincular receitas?

Também demonstrando alguma cautela, a presidente evitou comentar a política de juros, assunto da competência exclusiva, segundo ela, do Banco Central (BC). Ela nunca teve esse cuidado no primeiro mandato e será necessário mais que esse discurso bem comportado para convencer o mercado. A política de juros tem sido discutida tanto na cúpula do PT quanto em áreas do Executivo federal. A evolução recente da curva de juros, no mercado, é um reflexo desse fato bem conhecido.

Para tornar convincente seu discurso a respeito do ajuste fiscal e do combate à inflação, a presidente precisa dar sinais muito claros de ajuste das próprias ideias e inclinações. Sua política em 2015 foi uma reafirmação gradual de fidelidade às ideias do mandato anterior. Tudo isso culminou na substituição do ministro da Fazenda. É necessário muito mais que a entrevista de ontem para indicar uma efetiva mudança de ideias e de rumos.

Janot vê indícios de repasse de propina a PT e PMDB em fundos de pensão

Graciliano Rocha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Mensagens apreendidas no celular do empreiteiro e ex-presidente da OAS Léo Pinheiro acenderam sinal de alerta na Operação Lava Jato sobre indícios de reprodução do esquema de corrupção das fornecedoras da Petrobras em fundos de pensão e no FGTS, com pagamento de propina ao PT e PMDB.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, as mensagens indicam que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o tesoureiro afastado do PT, João Vaccari Neto, cobraram "vantagens indevidas" por operações de capitalização das empresas do grupo OAS.

O foco das suspeitas são emissões de debêntures (títulos de dívida) que tiveram adesão de bancos estatais, fundos de pensão e o FI-FGTS (Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

Empresas do grupo emitiram quase R$ 3 bilhões em títulos desde 2010.

"Pelo que se pode inferir das mensagens, há aquisição de debêntures emitidas pelas empresas, que são adquiridas ou por bancos –Caixa Econômica Federal, por meio do FI-FGTS, ou BNDES –ou por fundos de pensão onde há ingerência política", escreveu o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nos autos da Operação Catilinárias, que é uma espécie de desdobramento da Lava Jato.

"Tudo mediante pagamento de vantagem indevida aos responsáveis por indicações políticas, inclusive doações oficiais", concluiu.

Pinheiro foi preso em 2014 e condenado a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e integrar organização criminosa. A OAS está em recuperação judicial.

Vaccari e amigo JW
Em abril de 2013, segundo a Procuradoria, Pinheiro informou a um dirigente da empresa que havia recebido uma ligação de Carlos Augusto Borges, então diretor do Funcef (fundo de pensão da Caixa), dizendo-se preocupado com um aporte para a empresa.

Segundo Borges, indicado pelo PT, o dinheiro do Funcef não saía por oposição dentro do próprio banco.

Pinheiro disse que no mesmo dia recebeu uma ligação de Vaccari para marcar encontro pessoal.

Na interpretação da PGR, o então tesoureiro do PT, "já mencionado em outros esquemas envolvendo desvios de fundos de pensão", queria receber "parte da propina" pela operação.

Na mesma mensagem que cita o impasse, o empreiteiro cita "o nosso amigo JW" –que seria o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. Mas não há detalhamento se o ministro foi procurado.

A abertura de um novo front na Lava Jato da suposta corrupção na captação de recursos no mercado de capitais é alimentada também por citações de Pinheiro à Previ e ao Banco do Brasil.

Outras mensagens, de 2012, fazem menção a uma pessoa identificada como RF. Para a investigação, trata-se de Ricardo Flores, presidente da Previ (fundo de pensão do BB), também ligado ao PT.

Na época, Flores e Bendine travavam disputa em torno dos investimentos do fundo. A Previ era sócia da OAS na Invepar e o lançamento de ações da empresa estava sendo tratado com o BB.

Cunha
No caso de Cunha, a Procuradoria diz ter indício de que ele teria cobrado a OAS por intermediar uma operação de venda de R$ 250 milhões em debêntures para o Fundo de Investimento do FGTS.

Em diálogo no dia 9 de dezembro de 2012, Pinheiro informou a Cunha, por meio do aplicativo Whatsapp, que a OAS ainda não havia recebido R$ 250 milhões da venda de debêntures da Caixa e que o dinheiro só estaria liberado em fevereiro de 2013.

Um aliado de Cunha, Fábio Cleto, era o responsável no banco por realizar esse tipo de operação.

Em 15 de março de 2013, Pinheiro envia mensagem para Alexandre Tourinho, diretor financeiro da OAS, questionando se os R$ 250 milhões já haviam sido liberados. "Oi Alexandre, nós já recebemos aquela debenture ($250MM)? O nosso EC tá me cobrando. Abs. Leo". Para a Procuradoria, EC é Eduardo Cunha.

Outro lado
O advogado Edward Carvalho, que defende Léo Pinheiro, disse que não comentaria as mensagens citadas pela Procuradoria-Geral da República. A OAS diz não ter tido acesso ao material e só se manifestará no processo.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, negou as acusações: "Não recebi qualquer vantagem indevida e desafio a apresentarem provas disso. Sou vítima de perseguição política, e as ilações da Procuradoria serão respondidas no fórum e no momento apropriados".

O advogado de João Vaccari Neto, Luiz Flávio D'Urso, não foi localizado.

Por meio de assessoria de imprensa, a Caixa Econômica Federal e o vice-presidente de ativos do banco, Marcos Roberto Vasconcelos, rejeitaram as alegações de suspeitas de pagamento de propina por intermediação de recursos do fundo do FGTS.

"Todos os investimentos realizados pelo FI-FGTS foram e estão integralmente regulares, sendo que seu processo de estruturação e aprovação observou rigorosamente todos os preceitos normativos e de conformidade do banco e do fundo", diz a nota do banco.

Procurada, a Invepar informou que não houve qualquer irregularidade e que o lançamento de ações da empresa não ocorreu por questões mercadológicas.

A Folha não localizou Ricardo Flores, ex-presidente da Previ, Carlos Augusto Borges, do Funcef, e Fábio Cleto, ex-vice presidente da Caixa.

O negócio das debêntures
Esquema de corrupção da Petrobras se repetiu na compra de títulos da OAS

O que é uma debênture?
Título de renda fixa emitido por uma empresa para captar recursos

O esquema
Segundo a Procuradoria, OAS emitia debêntures no mercado financeiro, compradas por bancos estatais e fundos, mediante propina a políticos. Esquema foi revelado em mensagens apreendidas do celular de? Léo Pinheiro, da OAS

Os negociadores
FI-FGTS
Eduardo Cunha, presidente da Câmara
FI-FGTS comprou R$ 250 milhões em debêntures da OAS. Cunha mantinha um aliado, Fábio Cleto, no conselho do fundo de investimento

Exemplo de mensagem:
15.mar.13
De Léo Pinheiro ao diretor financeiro da OAS, Alexandre Tourinho
"Oi Alexandre, nós já recebemos aquela debe- nture ($250MM)? O nosso EC [Eduardo Cunha] está me cobrando. Abs. Leo"

FUNCEF
João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT
Compra foi concretizada e há menção de propina ao PT

Exemplo de mensagem:
16.mai.2013
De Léo Pinheiro para diretor da OAS
"Acabei de receber uma ligação de JV [João Vaccari Neto], querendo um encontro pessoalmente. Pode ser impute de CB [Carlos Borges, diretor do Funcef]. Como nosso amigo JW [Jaques Wagner] está próximo posso pedir para ele falar com H [não identificado]"

Oposição pedirá que STF investigue Wagner

• Líder do PPS na Câmara apresentará representação à Procuradoria-Geral da República pedindo investigação de atuação do ministro da Casa Civil e sua relação com a empreiteira OAS, envolvida no esquema de corrupção da Petrobrás

Daniel Carvalho e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A liderança do PPS na Câmara dos Deputados apresentará nesta sexta-feira, 8, uma representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo a abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a atuação do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e sua relação com a OAS, envolvida no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.

"Todos os escândalos do PT passam pela Casa Civil", disse mais cedo o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), citando José Dirceu, Antonio Palocci, Erenice Guerra e a própria presidente Dilma Rousseff, todos nomes que já comandaram a Pasta. "É o principal cargo do governo e é preciso ter alguém com relações com o mundo empresarial, da propina, do negócio", afirmou o parlamentar.

Interceptações de mensagens de celular ao qual o Estado teve acesso indicam que Wagner teria ajudado o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro a negociar com liberação de pagamento com o Ministério dos Transportes em 2014. Pinheiro foi condenado a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no esquema desenvolvido dentro da Petrobrás.

As mensagens também apontam para supostas tratativas envolvendo Wagner, então governador da Bahia, de financiamento de campanhas da eleição municipal de Salvador em 2012.

Defesa. Em nota encaminhada ao Estado no início desta tarde, Wagner disse estar "absolutamente tranquilo" quanto à sua "atividade política institucional, exclusivamente baseada na defesa dos interesses do Estado da Bahia e do Brasil". A assessoria do ministro foi contatada no fim da tarde dessa quarta para manifestações sobre a reportagem.

Além de se declarar à disposição das autoridades competentes pela investigação, o ministro Jaques Wagner afirmou que "repudia" vazamentos de informações. Os diálogos com o empreiteiro da OAS obtidos pelo Estado são mantidos em sigilo pela Justiça. "Manifesto meu repúdio à reiterada prática de vazamentos de informações preliminares e inconsistentes, que não contribuem para andamento das apurações e do devido processo legal", escreveu o ministro.

Marina defende processo contra Dilma no TSE


  • Para ex-senadora,ação na Justiça Eleitoral é ‘o melhor caminho para o Brasil’

Por O Globo

RIO — A ex-senadora Marina Silva afirmou, nesta quinta-feira, que a análise da ação que pede a impugnação do mandato da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer, pelo Tribunal Superior Eleitoral, é o “melhor caminho para o Brasil”. Marina disse, em entrevista à Rádio Gaúcha, que a ação teria mais sentido porque Dilma e Temer seriam cassados, caso o tribunal comprovasse que a chapa recebeu dinheiro da corrupção na Petrobras durante a campanha eleitoral de 2014.

— No meu entendimento, o melhor caminho para o Brasil é o processo que está no TSE, porque no TSE você teria a cassação da chapa, se forem comprovadas as graves denúncias de que o dinheiro da corrupção foi utilizado para a campanha do vice-presidente e da presidente da República — afirmou Marina.

Impetrada pelo PSDB em 2 janeiro de 2015, a ação pede a impugnação dos mandatos de Dilma e Temer. O partido argumenta que houve abuso de poder político e de poder econômico na campanha eleitoral de 2014, com uso indevido da cadeia nacional de rádio e televisão, manipulação de indicadores socioeconômicos pelo Ipea, uso indevido de prédios e equipamentos públicos para atos de campanha; realização de gastos superiores ao limite informado à Justiça Eleitoral; e uso de dinheiro desviado da Petrobras para abastecer o caixa da campanha.

— Os dois (Dilma e Temer) são faces da mesma moeda e claro que defendemos que (os ministros) deem encaminhamento urgentemente ao processo que está tramitando no TSE — disse.

A ex-senadora afirmou também que impeachment “não é golpe”, já que está previsto na Constituição. Ela disse que Dilma "não disse a verdade" durante a campanha e responsabilizou o PT e o PMDB, além da presidente e do vice, pela crise, “inclusive na Petrobras”.

Marina diz que Dilma não tem mais liderança no país e defende cassação pelo TSE

• Para a ex-ministra, o 'melhor caminho para o Brasil' seria o processo de cassação da chapa que reelegeu a presidente que corre na Justiça Eleitoral

Gustavo Porto - O Estado de S. Paulo

RIBEIRÃO PRETO - A ex-senadora e ex-candidata a presidente da República Marina Silva (Rede) retomou as críticas à presidente Dilma Rousseff (PT) e afirmou, em entrevista à Rádio Gaúcha, que a adversária "não tem mais a liderança política no País nem maioria no Congresso". Marina disse que Dilma e o vice-presidente Michel Temer (PMDB) são os responsáveis pelos desmandos geradores, na avaliação dela, da crise brasileira e defendeu o processo de cassação da chapa vitoriosa das eleições de 2014 como forma de afastá-los do cargo.

"No meu entendimento, o melhor caminho para o Brasil é o processo que está no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porque teria a cassação da chapa com a comprovação de que o dinheiro da corrupção foi usado para a campanha do vice e da presidente", afirmou Marina. Como já tinha feito, a ex-senadora procurou não defender o processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados, mas discordou da tese do governo de que o procedimento aberto pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é golpe.

"Impeachment não é golpe. Está previsto na Constituição, foi feito contra (o ex-presidente da República e atual senador, Fernando) Collor, foi pedido pelo PT várias vezes e eles achavam que não era golpe", afirmou.

Marina disse que a Dilma "não disse a verdade" durante a campanha a presidente em 2014 sobre a economia brasileira, o que apenas agravou a situação do País no ano passado, o primeiro do segundo mandato dela. "Se (Dilma) tivesse trabalhado com a verdade, assumiria que corríamos grave risco em relação aos inúmeros problemas que tivemos desde 2008. É engraçado porque (enquanto) países do mundo correram atrás para resolver a crise, disseram que era apenas uma marolinha e chegaram a dar lição de moral até para a Alemanha", afirmou a ex-senadora, em uma crítica também ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma das favoritas à eleição presidencial em 2018, segundo as mais recentes pesquisas de intenção, Marina disse que ainda não tem clareza se será novamente candidata. No entanto, ela voltou a criticar os ataques sofridos por ela durante o pleito de 2014, principalmente pelo PT, seu ex-partido político, e pela presidente Dilma.

"Diziam que, se eu ganhasse, o governo não teria maioria no Congresso e hoje a presidente não tem maioria. Diziam que, se eu ganhasse, eu iria tirar alimentos das pessoas pobres e isso ocorre com a inflação que atinge a mesa dos brasileiros. Diziam que, se eu ganhasse, iria acabar com Pronatec e Prouni e isso o atual governo está fazendo. As pessoas projetam em você o que vão fazer", concluiu.

Cerveró delata propina a Jaques Wagner

André Guilherme Vieira – Valor Econômico

SÃO PAULO - O ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou que o atual ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, Jaques Wagner (PT), teria recebido "um grande aporte de recursos" para sua campanha ao governo do Estado da Bahia, em 2006, com valores supostamente desviados da petrolífera. Cerveró disse que os recursos teriam sido "dirigidos" pelo então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

As declarações de Cerveró a que o Valor teve acesso constam de um conjunto de documentos apreendidos pela Polícia Federal (PF) no gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MS) no dia 25 de novembro, que foram usados para compor a delação premiada de Cerveró firmada com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Delcídio está preso preventivamente e é acusado de tentar interferir na delação premiada do ex-diretor de Internacional da petrolífera.

Cerveró esclareceu em um dos anexos que o suposto caixa dois para a campanha de Wagner teria origem em uma operação atribuída a Gabrielli, de realocação do setor financeiro da Petrobras, então localizado no Rio, para Salvador. Wagner foi eleito no segundo turno.

"Nessa época, o presidente Gabrielli decidiu realocar a parte operacional da parte financeira para Salvador, sem haver nenhuma justificativa, pois havia espaço para referida área no Rio de Janeiro", afirmou Cerveró.

O ex-diretor disse ainda que "grande quantidade de recursos" supostamente destinada à campanha eleitoral de Wagner em 2006 "veio de operações de trading que Gabrielli e [José Eduardo] Dutra controlavam". Morto em outubro de 2015, Dutra antecedeu Gabrielli na presidência da Petrobras, que ocupou de 2003 a 2005, durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Cerveró, "as informações sobre o dinheiro enviado para a campanha de Jaques Wagner em 2006 foram da ouvidora-geral [da Petrobras] Maria Augusta (falecida) e de Armando Tripodi (Bacalhau - Sindicato dos Petroleiros da Bahia) que foi chefe de gabinete de Gabrielli e do qual me tornei amigo". Maria Augusta Carneiro Ribeiro morreu em maio de 2009 em decorrência de um acidente de carro. Tripodi entrou na Petrobras em 1978 e em 1987 criou o Departamento Nacional dos Petroleiros da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidade sindical ligada ao PT.

O documento da delação de Cerveró apreendido no gabinete de Delcídio traz ainda um destaque intitulado "conhecimento do fato" com a afirmação de que o suposto desvio de recursos para financiar o que seria um caixa dois da campanha de Wagner "era de conhecimento notório de todos os diretores da Petrobras".

A obra do edifício da Petrobras em Salvador ficou a cargo do Petros - fundo de pensão da petrolífera alvo de investigação da Lava-Jato por suspeita de desvios. O Petros contratou a Odebrecht e a OAS para a construção. O prédio de 22 andares e 22 elevadores tem capacidade para receber 6,5 mil funcionários e conta também com 2,6 mil vagas de garagem. A Petrobras paga aluguel mensal ao Petros pelo uso da edificação. A estatal não informou o valor do empreendimento, concluído em julho de 2015. Estimativas de mercado apontam para cerca de R$ 600 milhões.

Segundo investigação da PF, João Carlos Ferraz, então gerente financeiro da Petrobras, foi designado por Gabrielli para realizar a transferência de pessoal da área financeira para a sede baiana. Ferraz é alvo da Lava-Jato por suspeita de receber US$ 1 milhão em propina em 2011, quando era presidente da Sete Brasil - empresa constituída fora do balanço da Petrobras com recursos de fundos de pensão (como o Petros) e de bancos como o BTG Pactual, o Bradesco e o Santander, para a construção de 28 navios-sonda para exploração da camada pré-sal.

Contatada pela reportagem por telefone e por e-mail, a assessoria de imprensa do ministro Jaques Wagner não se posicionou até o fechamento desta edição.

Em nota, Gabrielli diz repudiar "mais uma vez, o método utilizado para obtenção e o conteúdo das acusações levantadas através de vazamentos seletivos de delações premiadas".

"O trecho citado no vazamento da delação, de posse do jornal e sem que eu tenha tido acesso a ela, fala de pessoas já falecidas, como a ex-ouvidora geral da Petrobras e do meu ex-chefe de gabinete, que nega a informação veiculada", diz Gabrielli. "Nem há uma acusação explícita, até pelo próprio delator, segundo a parte do material a que o jornal se refere, sobre minha participação direta nos pretensos fatos delatados", disse o ex-presidente da Petrobras em nota.

No comunicado, Gabrielli afirma que "nunca soube de utilização de recursos ilegais dos fornecedores da Petrobras para a campanha do governador Jaques Wagner em 2006 ou em 2010". O ex-presidente nega que as operações de trading citadas por Cerveró seriam de competência da Petrobras. "Nunca foram e não são. Desta forma, a pretensa origem dos recursos é absolutamente falsa", afirma.

Gabrielli diz também que é "incoerente" a informação sobre "a realocação de parte das atividades financeiras e de tributos da Petrobras para Salvador". Ele diz que a operação reduziu custos da empresa e que o órgão responsável por essas atividades iniciou suas operações em julho de 2008. "Portanto dois anos depois das eleições de 2006", justifica.

Em outra frente da Lava-Jato, relatório da PF mostra que no celular de José Aldemário Pinheiro, empreiteiro da OAS condenado por corrupção na Petrobras, foram encontradas mais de 80 mil mensagens, envolvendo 11 pessoas com foro privilegiado, entre as quais Jaques Wagner, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), e o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo.

Segundo fonte com acesso às investigações, há ainda um trecho de mensagens trocadas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), diretamente com Pinheiro e também com secretários dele - entre as quais há marcação de encontros em sua residência oficial, em Brasília. Há também mensagens com menções a "Brahma" - apelido usado pelo empreiteiro para se referir ao ex-presidente Lula - e relacionadas ao agendamento de viagens ao exterior. Os demais nomes ainda estão sob sigilo.

Wagner se disse "tranquilo" e à disposição para prestar esclarecimentos. A assessoria do Instituto Lula informou que não teve acesso ao relatório da PF e não vai se manifestar sobre vazamento "seletivo e ilegal de informações".

Edinho Silva, disse que, enquanto foi deputado estadual, manteve relações políticas com empresários "de forma transparente e dentro da legalidade". A defesa de Gleisi e Paulo Bernardo informou que "tanto Paulo Bernardo quanto Gleisi Hoffmann conhecem e têm boas relações com Leo Pinheiro. São relações profissionais e também pessoais. Gleisi não trocou mensagens com o empresário. Paulo Bernardo acredita que já tenha trocado mensagens com Léo Pinheiro". (Colaboraram Thiago Resende, Maíra Magro e Letícia Casado, de Brasília)

Procuradoria avalia pedido de inquérito para investigar ministro da Casa Civil

• Além de Jaques Wagner, Edinho Silva (Comunicação) e Henrique Eduardo Alves (Turismo) são citados em diálogos do empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, condenado a 16 anos de prisão; parlamentares também deverão compor nova lista de Rodrigo Janot

Beatriz Bulla e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As mensagens obtidas pela Operação Lava Jato com a apreensão do celular do ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido nos meios empresarial e político como Léo Pinheiro, devem servir de base para gerar uma nova lista de investigados a ser encaminhada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal.

Ao menos três ministros da presidente Dilma Rousseff aparecem nos diálogos obtidos na investigação: o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner (PT); o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva (PT); e o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB).

Nesta quinta-feira, 7, o Estado revelou mensagens de Pinheiro em que Jaques Wagner fala sobre a liberação de recursos do governo federal. Os diálogos, segundo os investigadores, também indicam que Wagner intermediou negociações para o financiamento de campanhas eleitorais em Salvador, em 2012, no período em que esteve à frente do governo da Bahia (2007-2014). Em uma primeira análise, o diálogo é considerado “grave” por investigadores.

A avaliação preliminar é de que as conversas de Léo Pinheiro escancaram os “intestinos de Brasília” e relações “pouco republicanas” de políticos com empresários na capital federal. Léo Pinheiro tinha acesso a praticamente toda a classe política, de acordo com a investigação. Caberá ao grupo que auxilia Janot decifrar, nas próximas semanas, os supostos esquemas mencionados nos diálogos obtidos e identificar o que pode ser enquadrado como indício de crime – casos em que devem ser feitos pedidos de abertura de inquérito.

As mensagens do celular de Pinheiro foram transcritas pela Polícia Federal e Ministério Público Federal no Paraná, onde correm as investigações da Lava Jato na 1.ª instância. No fim de 2015, a PF encaminhou à Procuradoria os casos em que há menção a políticos com foro privilegiado. O celular de Léo Pinheiro levou ao conhecimento de investigadores tanto conversas diretas com os políticos, como contatos com intermediários e menções aos parlamentares e ministros.

Nomes. A lista de políticos mencionados nas conversas registradas no celular de Léo Pinheiro inclui, além dos três ministros de Estado, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Também fazem parte das conversas, de acordo com fontes com acesso às investigações, os senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Lindbergh Farias (PT-RJ); e os deputados federais Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Osmar Terra (PMDB-RS). Léo Pinheiro usava apelidos para se referir aos políticos, como “Brahma” sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso de Lindbergh, a referência identificada pelos investigadores é a alcunha “lindinho”. Não há identificação, até o momento, de trocas de mensagens diretas entre Lula e o ex-presidente da OAS.

O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-deputado federal e ex-líder do partido na Câmara Cândido Vaccarezza (PT-SP), já investigados na Lava Jato, também surgem nas mensagens. Ainda há conversas sobre o ex-tesoureiro do PT condenado no mensalão, Delúbio Soares, e sobre o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz.

A expectativa é de que na volta do recesso do STF, em fevereiro, parte das decisões da Procuradoria seja revelada. No total, o material com mensagens de Léo Pinheiro tem quase 600 páginas. O envolvimento do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, está entrelaçado às ações de Eduardo Cunha. Há relatos de combinação de encontro entre Cunha e o ex-presidente da OAS, por exemplo, com intermediação de Henrique Eduardo Alves, segundo fontes com acesso ao material.

Inquérito vai apurar vazamento

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mandou a PF apurar vazamento de mensagens entre Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS preso na Lava-Jato, e os ministros Jaques Wagner e Edinho Silva. Conversas com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também vazaram.

Cardozo manda apurar vazamentos de mensagens de ministros

• Jaques Wagner e Edinho Silva tratam de doações com empreiteiro

Eduardo Bresciani – O Globo

-BRASÍLIA- O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, divulgou nota ontem informando que a Polícia Federal (PF) investigará o vazamento de mensagens trocadas entre Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e os ministros Jaques Wagner (Casa Civil) e Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social). As conversas tratam de doações eleitorais. Cardozo disse que determinou “a abertura imediata de inquérito policial”, pois as mensagens, “em princípio, estão protegidas por sigilo legal”.

Reportagem da edição de ontem do jornal “O Estado de S. Paulo” mostrou que Wagner, em 2014, prometeu ajuda ao empreiteiro para liberar recursos de um convênio do Ministério dos Transportes.

Ontem, a "GloboNews" também divulgou uma série de mensagens trocadas entre 2012 e 2014 por Leo Pinheiro e Edinho Silva. As mensagens tratam do cronograma de doações para a campanha de reeleição de Dilma Rousseff, da qual Edinho era o tesoureiro.

No caso de Jaques Wagner, Pinheiro também é flagrado tratando com executivos da OAS sobre pedidos de doações de Wagner relativos à campanha eleitoral para a prefeitura de Salvador. O ministro afirmou que sua atuação foi institucional A oposição pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) a abertura de inquérito contra o ministro-chefe da Casa Civil para apurar eventual prática de crime com base na troca de mensagens:

— Pedimos ao procurador que abra inquérito para examinar isso. Não pode ficar assim. O país não pode deixar com que denúncias dessa gravidade cheguem à sociedade e ninguém tome providência — disse Rubens Bueno, líder do PPS.

Convênio de R$ 41,7 milhões
A conversa sobre a ajuda para a liberação de recursos ocorreu em 21 de outubro de 2014, cinco dias antes do segundo turno da eleição presidencial, quando Wagner ainda era governador da Bahia. Na mensagem, o empreiteiro envia a Wagner texto recebido de um subordinado e pede que o então governador fale com o ministro dos Transportes (Paulo Sérgio Passos, à época), para a liberação de R$ 41,7 milhões, referente a convênio assinado em 2013. “Governador, se for possível, peço seu apoio, Abs (sic)”, escreveu o empreiteiro.

O ministro respondeu prometendo a ajuda: “Ok, vou fazê-lo. Abs domingo vamos ganhar com certeza (sic)”. Após receber a resposta, Pinheiro enviou mensagem a César Mata Pires Filho, executivo da OAS, afirmando que o governador ligaria para o ministro dos Transportes.

O trecho faz parte de interceptações de mensagens da Operação Lava-Jato. Os diálogos foram remetidos pelos investigadores de Curitiba à Procuradoria-Geral da República, porque Wagner tem foro privilegiado.

Além da conversa com o empreiteiro, há menções ao ministro em mensagens de Pinheiro com outros executivos da OAS, tratando de recursos para a campanha eleitoral para a prefeitura de Salvador em 2012. Nessas conversas, Wagner é citado pelo codinome “compositor”, segundo os investigadores. As conversas tratam tanto de repasses a Nelson Pellegrino, candidato petista à prefeitura, quanto a Márcio Kertész, candidato do PMDB. Eles foram derrotados por ACM Neto (DEM).

Segundo as prestações de contas de campanha entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a OAS doou R$ 1,35 milhão para os dois candidatos à prefeitura de Salvador. A construtora realizou dois repasses a Pellegrino, um no valor de R$ 500 mil em 26 de julho de 2012, e outro de R$ 350 mil em 1º de agosto. Para Kertész foram transferidos R$ 500 mil em 8 de agosto.

As conversas, porém, ocorreram em outubro. Nas mensagens, os executivos reclamam que os pedidos de dinheiro seriam muito altos. As conversas não deixam claro se os repasses citados foram concretizados e se foram contabilizados.

O ministro informou que “repudia a reiterada prática de vazamentos de informações preliminares e inconsistentes, que não contribuem para andamento das apurações e do devido processo legal”. Wagner afirmou que não responde ao processo da Lava-Jato, no qual constam as mensagens. A ação tem Leo Pinheiro, que está preso, como um dos réus.

Edinho é alvo de inquérito
No caso de Edinho, a doação para a campanha de Dilma é mencionada em quatro mensagens enviadas por Léo Pinheiro, em 8 de agosto de 2014. Edinho é alvo de um inquérito no STF que investiga a doação de R$ 7,5 milhões da construtora UTC para a campanha presidencial do PT de 2014. À GloboNews, o ministro disse que esteve algumas vezes com Leo Pinheiro para tratar de doações legais. (Colaborou Geralda Doca).

IPCA encerra 2015 com elevação de 10,67%, o maior em 13 anos

Robson Sales - Valor Econômico

RIO - O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 10,67% em 2015, a maior taxa desde 2002, quando subiu 12,53%. A leitura foi superior àquela registrada um ano antes, de 6,41% de aumento, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O resultado ficou acima do teto da meta estipulado pelo governo, de 6,5%. Por causa disso, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem que divulgar carta aberta ao Ministério da Fazenda justificando o não cumprimento da meta.

Somente em dezembro de 2015, o IPCA apresentou alta de 0,96%, depois de subir 1,01% um mês antes. Apesar da desaceleração, a taxa foi a mais expressiva para um último mês de ano desde 2002. Em dezembro de 2014, a inflação tinha se situado em 0,78%.

As estimativas das 23 consultorias e instituições financeiras consultadas pelo Valor Data eram de 10,78% de aumento para o ano completo e de 1,05% de avanço para dezembro.

Dos nove grupos avaliados pelo IBGE, os destaques em dezembro ficaram com Alimentação e bebidas (1,50% de alta) e Transportes (1,36% de aumento). Juntos, responderam por 66% do IPCA do mês. Em novembro, essas classes de despesa tiveram incremento de 1,83% e 1,08%, na ordem.

No acumulado de 2015, o item que mais pressionou a inflação foi a energia elétrica (1,50 ponto percentual) que, junto com os combustíveis (1,04 ponto percentual), representou 24% da alta do IPCA em 2015. As contas de energia elétrica aumentaram, em média, 51%, cabendo a São Paulo (70,97%) e a Curitiba (69,22%) as maiores variações, destacou o organismo.

Nos combustíveis (alta de 21,43%), o litro da gasolina subiu 20,10% em média, chegando a 27,13% na região metropolitana de Recife. O etanol teve um aumento médio de 29,63%, atingindo 33,75% na região metropolitana de Curitiba, próximo dos 33,65% de São Paulo.

Luiz Sérgio Henriques: Chico Buarque de Holanda e a nossa canção do exílio

Chico Buarque de Holanda é um artista fundamental do Brasil contemporâneo. Um compositor talentoso, na trilha aberta por Tom Jobim, o maestro soberano; um poeta/letrista múltiplo, conectado à tradição de Noel e Geraldo Pereira, bem como à arte moderna “alta”, a mostrar, assim, que vivemos num tempo de misturas e contaminações, em que popular e erudito se cruzam, se fertilizam e se enriquecem. Villa-Lobos que o diga. E o programa moderno consistia, no fundo, em distribuir biscoito fino para as massas.

Chico Buarque é, também, um homem de esquerda, alguém que quase involuntariamente associamos a ícones como Niemeyer ou Saramago — cujo generoso impulso igualitário se misturou, até por razões geracionais, a arcaicas concepções stalinistas. Durante o regime militar, Chico foi referência. Não só suas metáforas políticas nos ajudavam a “ir levando”, como também seu talento dramático e sua cabeça dialógica nos ensinavam a compreender o cotidiano dos pedros pedreiros, a agonia de quem despencava dos andaimes, o pudor das moças carolinas e januárias que nós, marmanjos, não nos cansávamos de esperar que aparecessem em alguma inalcançável janela. Para não falar das paixões de verdade, lancinantes, agora conjugadas no feminino.

Chico é de esquerda e é petista. É amigo de Lula. Seu pai, um notável estudioso do nosso país, veio de outra geração, mas ainda a tempo de estar entre os fundadores do PT, certamente com outras expectativas e outros horizontes. Ser petista, ou ter qualquer outra filiação, ou não ter nenhuma, é direito insofismável de cada indivíduo na nova democracia brasileira. Nós, por exemplo, desta página Esquerda democrática (e muitos colaboradores de Gramsci e o Brasil) não somos petistas nem nos inscrevemos entre os admiradores incondicionais de Luiz Inácio Lula da Silva. Permitimo-nos até ter sérias cautelas, ainda que estas cautelas se expressem de modo variado. Mesmo entre nós, a democracia tem muitas vozes, uma infinidade de vozes, e justamente por isso a queremos tanto.

Chico, homem publicamente reservado, raramente se expressa em termos diretamente políticos. Aliás, como artista, não lhe pedimos e muito menos exigimos que se expresse nesses termos. Quando o fez, como na última campanha, pareceu-nos agir de modo um tanto... simplista. Tão sofisticado na arte, Chico mostra-se previsível politicamente. Em 2014, avalizou o mito Dilma, quer na condição de gerente invulgar (óbvia criação marqueteira), quer na dimensão ainda mais profunda de “coração valente”, que remete à luta armada contra a ditadura. Ambas as dimensões podem ser contestadas racionalmente do ponto de vista da esquerda. De uma outra esquerda, naturalmente. E isso não tem nada demais nem precisa ser manifestado aos gritos ou aos tapas, no “melhor” estilo da boçalidade que não escolhe lado político para se fazer notar.

Um episódio da vida cultural sob a ditadura, com dimensão de massa: Festival Internacional da Canção, Maracanãzinho, 1968. Tempo de exaltação muitas vezes insensata, uma parcela da classe média radicalizada apoiava a luta armada contra o regime, constituía o caldo de cultura que favorecia este tipo de ação. Pretendia “fazer a hora”, sem “esperar acontecer”. Tom e Chico, Cynara e Cybele sobem ao palco, muito mais sob vaias do que sob aplausos, para cantar a suave “Sabiá”. Música e letra belíssimas, que se encadeiam imediatamente à dolente “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, tantas vezes glosada na nossa literatura (Oswald de Andrade e Cacaso, entre muitos outros, reescreveram o “poema do lá”). Na canção, sob o lirismo pungente da “palmeira que já não há” e da “flor que já não dá”, a ideia forte dos que definham no exílio, longe da pátria — em qualquer exílio de qualquer pátria, pois, pedimos licença para lembrar, ditaduras de esquerda também exilaram seus oponentes, assim como as ferozes ditaduras latino-americanas da segunda metade do século passado.

Prestamos a Chico Buarque a homenagem da nossa divergência na avaliação de muitas situações em que, a nosso juízo, esquerda e liberdade não se conjugam nem rimam. Não gostamos de nenhuma situação em que uma só voz se sobreponha à mencionada pluralidade de vozes ou monopolize o espaço público, mesmo que imagine falar em nome da justiça social. Com Chico Buarque, lamentamos que este seja o país da delicadeza perdida, ainda que por certo atribuamos diferente peso específico aos atores que contribuíram para estropiar a delicadeza e dilapidar o espaço público. Mas contamos com Chico — com as canções e os romances de Chico — para nos refinarmos espiritualmente e, quem sabe, nos regenerarmos coletivamente, ressalvada para sempre a bem-vinda diversidade.
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Luiz Sérgio Henriques é o editor de Gramsci e o Brasil.