quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

É preciso coragem para restaurar a responsabilidade fiscal – Editorial/O Globo

• Somente num universo à parte fazem sentido decisões como a da Câmara dos Deputados, ou ainda dos vereadores de São Paulo que se deram de presente um aumento de 26%

Ao aprovar nesta semana um pacote de socorro aos estados falidos sem contrapartidas de responsabilidade fiscal, a Câmara dos Deputados mandou uma mensagem simples, clara e objetiva à sociedade, que pode ser traduzida com três palavras: “Pague a conta!”

A fatura é alta. Supera R$ 100 bilhões, nos cálculos do Senado Federal. Isso porque, segundo dados do Tesouro Nacional, a situação fiscal dos estados é muito mais crítica do que os governadores vinham divulgando.

O Tesouro Nacional, por exemplo, acaba de confirmar que o rombo da Previdência dos estados é R$ 18 bilhões maior do que havia sido informado no ano passado. Os governos estaduais registraram um déficit previdenciário de R$ 59,1 bilhões em 2015, mas o Tesouro, examinando a execução orçamentária, chegou a conclusão diferente: os estados fecharam 2015 com um buraco contábil de R$ 77 bilhões. Ou seja, a realidade financeira foi maquiada pelos governantes — muitos deles, hoje, no Legislativo.

Parte substancial desse déficit tem origem no Rio, informa a Fazenda. Como se sabe, entre 2009 e 2015, o governo fluminense aumentou em 70% as despesas com pessoal, principalmente com servidores inativos. Não foi caso isolado. Governantes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás e mais uma dezena de estados desconheceram a legislação vigente sobre responsabilidade fiscal — em harmonia com que ocorria à época no governo federal.

Essa sintonia levou ao desastre que aí está, para o qual só há uma saída, a do ajuste urgente nas contas públicas.

Na delicada situação atual, implica ter coragem política para aumentar a contribuição previdenciária dos servidores, disciplinar a gestão do Regime Próprio de Previdência Social, suspender reajustes salariais, reduzir incentivos tributários decorrentes de renúncias de receitas e vender ativos estaduais. Em resumo, restaurar a governança com responsabilidade fiscal.

O aval da Câmara ao socorro financeiro sem compromissos sugere que parlamentares convivem em realidade própria, na companhia de governadores, prefeitos, líderes do Judiciário e do Ministério Público, todos resilientes à adequação da despesa à receita efetiva.

Trata-se de universo à parte, distante do Brasil que abriga mais de 20 milhões de desempregados e subempregados, que está imerso na mais longa e profunda recessão da história recente, que sustenta uma carga tributária recorde e se assenta numa Federação depauperada, com serviços públicos de alto custo, e por isso ineficientes.

Somente nesse mundo fazem sentido decisões como a da Câmara dos Deputados, ou ainda da Câmara Municipal de São Paulo onde vereadores deram-se um presente de Natal: aumento de 26%, a partir de janeiro.

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