segunda-feira, 21 de março de 2016

O inimigo de todos - Míriam Leitão

O Globo, Domingo, 20.3.2016

Há um ponto em comum dos dois lados dessa batalha final da conflagrada cena política brasileira: inimigos de morte compartilham o mesmo sonho de que a Operação Lava-Jato arrefeça e, se possível, desapareça. Que seja anulada por um erro processual qualquer; que seja desmoralizada. Esse é o desejo do governo, do líder do impeachment da Câmara e do que vai presidir o processo no Senado. Eis o centro da contradição do momento político.

É incontornável o fato de que no comando desta primeira etapa do impeachment está um réu da Lava-Jato. É também fato que o governo se sente diretamente ameaçado pela operação, e o evento da ida do ex-presidente Lula para o abrigo anti-Moro da Casa Civil é parte da estratégia de lutar contra a Lava-Jato. Até a oposição, depois da citação de Aécio Neves, tem restrições à operação. Na lista do impeachment há pessoas que não podem ser juízes de coisa alguma, como Paulo Maluf. Aliás, o mesmo personagem notório da tragédia brasileira, criminoso procurado em outros países, estava na longa lista de nomes que a presidente Dilma saudou na cerimônia-comício no Palácio do Planalto.

É bom que se lembre que a presidente Dilma não enfrenta o processo de impeachment pelas revelações da Lava-Jato, apesar de estar cada vez mais claro que houve dinheiro desviado da Petrobras na sustentação da base de apoio do governo, e no financiamento de campanha. Permanecem ainda inexplicados os depósitos da Odebrecht na conta de João Santana no exato momento em que ele prestava serviços à presidente Dilma na campanha. E há ainda os relatos dos parceiros de crime sobre pagamentos de propina aos políticos em cada negócio ou contrato da Petrobras. O governo fica cada vez mais tingido de sujeira no avanço das investigações.

É preciso renunciar à própria inteligência para acreditar que a presidente Dilma de nada soubesse, jamais tenha desconfiado do que se tramava para elegê-la e mantê-la no poder. Essa abstração da realidade já foi feita em relação a Lula no mensalão. E nos fez mal. O chefe passou a ser José Dirceu, que pode sim reivindicar o papel de chefe adjunto, mas não o do fim da cadeia de comando. Na hipótese irreal de que nem rumores tenham chegado aos ouvidos de Dilma, então ela deveria deixar o cargo, espontaneamente, por inépcia. É perigoso ter alguém tão alheio aos fatos no comando do país.

Mas a acusação central do impeachment é ter a presidente cometido crime fiscal. Quem viu nascer o arcabouço legal que garantiu a estabilização não consegue achar que é pouco o que foi feito por Dilma e sua equipe econômica. Houve manipulação de dados fiscais para escamotear a verdade das contas públicas e contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso foi a origem do colapso em que estamos, com inflação e recessão. Ela fez uma gestão temerária da política econômica. Isso é muito sério.

O impeachment ganhou força com o andar das investigações da Lava-Jato ainda que não tenha sido este o centro da denúncia dos juristas que apresentaram o pedido de impeachment. Mas a Lava-Jato esteve o tempo todo na mente dos que comandam este processo, principalmente o deputado Eduardo Cunha. O que alimentou o ódio de Cunha foi a convicção de que o governo teria usado a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e até o Supremo contra ele na investigação. A acusação é completamente falsa, porque tudo o que o governo gostaria, como se ouviu nos diálogos de Lula, era usar a PF, a PGR e o STF para se proteger. O governo de fato mandou enviados especiais para sondar ministros do Supremo. Um dos ministros chegou a ouvir a sugestão de que "controlasse Sérgio Moro", esse inconveniente juiz de primeira instância. E respondeu que Moro tem autonomia de decisão, e se não gostam dos seus julgamentos, recorram às instância superiores.

O caminho do TSE seria de fato o melhor para enfrentar as dúvidas sobre a relação da campanha de Dilma com os crimes investigados na Lava-Jato. No Congresso o processo tem um vício de origem. Para o país discutir de forma mais correta se deve ou não abreviar o tempo da chapa Dilma-Temer no poder, o melhor seria a Justiça. E a solução que mais atende às aspirações do país, neste momento, é a realização de novas eleições, sem os vícios que, se sabe agora, teve a eleição de 2014.

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