sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Celso Lafer

Os nômades hoje são de dois tipos: os integrados e os excluídos do mundo comum. Dos integrados participam, para o bem ou para o mal, tanto os ostensivos ligados às finanças, à economia, ao direito, às profissões, à pesquisa, às universidades quanto os ocultos das redes da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro, do terrorismo, do tráfico de drogas. Os excluídos são a crescente massa de refugiados que fogem sem encontrar destino e acolhida, das perseguições, das guerras civis, dos conflitos religiosos, da falta de oportunidades. Compõem a trágica categoria dos deslocados no mundo que padecem da globalização da indiferença de que fala o papa Francisco. Os sedentários reagem aos nômades no âmbito interno dos Estados pelos populismos excludentes.
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Celso Lafer é professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, ‘Um olhar sobre o mundo atual’, O Estado de S. Paulo, 20.12.15.

Dilma concede indulto que pode livrar Dirceu de pena

• Defesa do ex-ministro irá ao Supremo com base em decreto publicado no Diário Oficial; outros condenados avaliam

- O Estado de S. Paulo

A defesa do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado no processo do mensalão e preso preventivamente há cinco meses na Operação Lava Jato, vai pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a concessão do indulto de Natal a ele. Ontem, como tradicionalmente ocorre todos os anos, a presidente Dilma Rousseff publicou no Diário Oficial da União um decreto concedendo indulto natalino e comutação de penas.

A liberação precisa obedecer a vários critérios, como tempo da condenação do preso, prazo de pena já cumprido, se o crime é considerado de “grave ameaça ou violência a pessoa”, entre outros critérios. Previsto na Constituição, o benefício é uma atribuição exclusiva a ser concedida pelo presidente da República.

O advogado José Luís de Oliveira Lima, que defende Dirceu, disse que o ex-ministro se encaixa nos pré-requisitos do decreto assinado pela presidente para ficar livre de cumprir o restante da pena sem qualquer tipo de restrição.

Mensalão. A defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, outro condenado pelo STF no mensalão, também esperava a edição do decreto de indulto para avaliar se vai requerer a concessão do benefício. O criminalista Marcelo Bessa, que defende o ex-deputado Valdemar Costa Neto (PR), disse que está em férias e só no seu retorno vai avaliar se o seu cliente pode ser beneficiado.

Os ex-deputados Roberto Jefferson (PTB) e João Paulo Cunha (PT), também condenados no mensalão, poderiam se encaixar nas regras do indulto, cujo texto é igual ao editado no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. O Estado não localizou os advogados dos dois.

Em março deste ano, o ex-presidente do PT José Genoino conseguiu ter a sua pena extinta com base no decreto de 2014. Em agosto, antes de ser preso na Lava Jato, Dirceu cumpria pena em regime aberto pela sua condenação de sete anos e 11 meses no processo do mensalão. Ele fora detido pelo escândalo anterior em novembro de 2013.

A defesa do ex-ministro pretende alegar que Dirceu se incluiu nas regras previstas no decreto para receber o perdão da pena. “Entendo que ele tem direito e vou requerer no momento oportuno”, disse o advogado José Luís de Oliveira Lima.

O ex-ministro, contudo, pode não garantir direito ao benefício por causa dos desdobramentos da Lava Jato. No mês seguinte à sua prisão, Dirceu virou réu após o Ministério Público Federal tê-lo denunciado à Justiça Federal de Curitiba (PR). Em outubro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF a suspensão do direito de Dirceu de cumprir a pena em regime domiciliar pelo mensalão e que voltasse ao regime fechado.

Se Dirceu for condenado pela Lava Jato, o ex-ministro corre o risco de ser questionado uma eventual concessão de indulto.

Regras. Pelo texto do decreto publicado ontem, poderá se enquadrar “um condenado a pena privativa de liberdade não superior a oito anos, não substituída por restritivas de direitos ou por multa, e não beneficiadas com a suspensão condicional da pena que, até 25 de dezembro de 2015, tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes”. A pessoa poderá ter direito a perdão da pena mesmo se a condenada responder a outro processo criminal.

Governo remaneja recursos para quitar pedaladas com FGTS e BNDES

• Medida Provisória e portaria vão pôr em dia dívidas de R$ 10,9 bilhões com o Fundo e de R$ 15,1 bilhões com o banco de fomento

Murilo Rodrigues Alves, Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

No apagar das luzes de 2015, o governo federal fez uma engenharia financeira para quitar quase a metade das chamadas pedaladas fiscais, condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Foram editadas ontem uma Medida Provisória e uma portaria para colocar em dia as dívidas de R$ 10,9 bilhões da União com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e R$ 15,1 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O total pago corresponde a 47% do total de R$ 57 bilhões de dívidas reconhecidos pela própria equipe econômica.

A dívida com o FGTS se refere à multa adicional de 10% paga pelas empresas quando demitem sem justa causa os funcionários. O dinheiro deveria ter repassado ao fundo dos trabalhadores mas estava sendo usado para cobrir as perdas de arrecadação desde 2012. O passivo com o BNDES são de subsídios que o Tesouro deveria bancar nos empréstimos que o banco concede ao setor produtivo. Além dessas dívidas, as pedaladas também envolvem atrasos de repasses à Caixa Econômica Federal para os pagamentos de benefícios sociais, como o Bolsa Família, e ao Banco do Brasil, nos financiamentos aos produtores agrícolas com juros mais baixos.

O governo prometeu apresentar um cronograma de pagamento das pedaladas ainda este ano ao TCU. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que a regularização dessas dívidas era prioridade de sua gestão, mas não deu garantias de que seriam quitadas em sua totalidade.

Nesta semana, o relator das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), recomendou a aprovação das contas da petista com ressalvas, contrariando a decisão da corte de contas. O argumento dele é de que as manobras não se constituem crimes de responsabilidade fiscal. O pedido de impeachment da presidente Dilma, aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se baseia, entre outros pontos, na prática das pedaladas, que teriam continuado neste ano.

O governo ainda remanejou R$ 9 bilhões para o Ministério das Cidades com o intuito de quitar outra dívida do Tesouro com o FGTS referente ao Minha Casa Minha Vida. Pelas regras, nos financiamentos das faixas 2 e 3 do programa de habitação popular, o FGTS arca com 82,5% dos subsídios e o Tesouro com os outros 17,5%. Nos últimos anos, porém, o fundo pagou a totalidade dos subsídios para cobrar da União depois. A conta devida pelo governo foi acertada agora em uma parcela única.

BNDES. Na outra mão, a Medida Provisória publicada ontem também determina que as receitas que o BNDES pagar ao Tesouro ao longo dos próximos anos serão usadas para abatimento da dívida pública. O banco tem dívida com o Tesouro por causa da emissão de títulos desde 2008 usada para a capitalização da instituição financeira. "Como as concessões de crédito ao BNDES foram feitas a partir da emissão de títulos públicos, a medida assegura que o retorno dessas concessões seja destinado à amortização dessa dívida", informou o Ministério da Fazenda.

Governo federal regulamenta acerto de ‘pedaladas fiscais’

Por Edna Simão | Valor Econômico

BRASÍLIA - O governo federal vai utilizar o superávit financeiro do exercício de 2014 e a remuneração de disponibilidades do Tesouro Nacional para pagar neste ano dívidas atrasadas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que ganhou o nome de “pedaladas fiscais”.

A possibilidade do uso de superávit financeiro verificado no exercício de 2014 para pagamento de despesas obrigatórias consta da Medida Provisória nº 704, publicada nesta quinta-feira no Diário Oficial da União. A MP prevê ainda que os valores pagos pelo BNDES à União, referentes às concessões de crédito realizadas por força de lei ou medida provisória, serão destinados exclusivamente ao pagamento da Dívida Pública Federal.

Já uma portaria publicada nesta quinta-feira, também no Diário Oficial da União, pela Secretaria do Orçamento do Ministério do Planejamento, a qual atende à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 alterada neste mês, define que serão destinados até R$ 10,990 bilhões para pagar dívida com FGTS por retenção da multa adicional de 10% cobrada do empregador quando o trabalhador é demitido sem justa causa.

Pela redação da LDO, a meta de resultado primário poderia ser reduzida em R$ 57,013 bilhões para a realização dos pagamentos das chamadas “pedaladas” — o adiamento de pagamento de despesas a bancos públicos para melhorar o resultado fiscal. A prática foi condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Desses R$ 57,013 bilhões, R$ 10,990 bilhões referem-se à dívida com o FGTS, que está sendo acertada agora.

De acordo com a portaria publicada hoje, o FGTS ainda receberá outros R$ 8,939 bilhões referentes aos subsídios pagos integralmente pelo fundo no âmbito do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Segundo a LDO deste ano, esse pagamento estava limitado a R$ 9,747 bilhões. Pelas regras do MCMV, o governo teria que pagar 17,5% do subsídio. Mas o FGTS estava fazendo a quitação integral, o que se tornou uma dívida do Tesouro com o fundo dos trabalhadores.

A portaria prevê também a destinação de R$ 15,1 bilhões ao BNDES referentes à equalização de juros. Pela LDO, esse valor de pagamento seria limitado a R$ 22,438 bilhões.

BC espera retração do PIB de 3,6% em 2015 e de 1,9% em 2016

Por Ana Conceição | Valor Econômico

SÃO PAULO - O Banco Central revisou suas projeções para a economia neste ano e agora espera uma contração muito mais intensa da atividade, puxada por uma piora expressiva nos investimentos. A estimativa para o Produto Interno Bruto (PIB) do país saiu de queda de 2,7% para recuo de 3,6%, de acordo com dados divulgados hoje no Relatório de Inflação do BC.

Pelo lado da oferta agregada, a projeção para o PIB da indústria saiu de queda de 5,6% para recuo de 6,3% em 2015, refletindo as revisões nas projeções para a indústria de transformação (de -8,2% para -9,1%), construção civil (de -7,8% para -8,8%) e indústria extrativa (de +6,1% para +4,5%), esta repercutindo efeitos da greve dos petroleiros e da paralisação da atividade da Samarco após o acidente em Mariana (MG).

O setor de serviços deverá recuar 2,4%, ante queda de 1,6% prevista no relatório anterior, de setembro, acompanhando as revisões nas atividades imobiliária e aluguel, comércio e outros serviços.

O único setor com atividade positiva, a agropecuária, teve sua estimativa de crescimento rebaixada, de 2,6% para 1,7% em 2015 por causa da revisão para baixo na safra de grãos, diz o BC.

No lado da demanda, a autoridade vê uma queda ainda maior no consumo das famílias, de 3,8%, ante 2,4% previstos antes e também na formação bruta de capital fixo, para 14,5%, de 12,3% estimados anteriormente. A contribuição da demanda interna para a variação do PIB deste ano foi estimada pelo BC em menos 6,2 pontos percentuais.

Já o consumo do governo foi revisado para cima, embora ainda permaneça negativo. Em vez da queda de 1,4% estimada anteriormente, o resultado deverá ser de recuo de 0,3%.

Em relação ao componente externo da demanda agregada, o crescimento anual das exportações foi revisto de 8,0% para 5,1%. A variação das importações foi revisada para -14,4% (-10,7% no Relatório anterior). A contribuição do setor externo para a variação do PIB em 2015 deverá atingir 2,6 pontos percenuais, a maior desde 2003, diz o BC.

PIB de 2016 deve cair 1,9%
Para 2016, o Banco Central prevê uma retração econômica de 1,9%. “O resultado, que incorpora cenário de incertezas associadas a eventos não econômicos, se aproxima do carregamento estatístico estimado para o ano”, afirma a autoridade monetária no relatório divulgado hoje. A estimativa do BC é mais “otimista” que a dos analistas de mercado, que preveem recuo de 2,8% para a economia no próximo ano, segundo o boletim Focus.

No ano que vem, a produção agropecuária deverá aumentar 0,5%, depois de um crescimento estimado em 1,7% para 2015. A indústria deve cair 3,9%, terceira retração anual consecutiva, após despencar 6,3% neste ano. A indústria extrativa deverá cair 4%, após aumentar 4,5% em 2015, estimativa, segundo o BC, compatível com as metas de produção de petróleo e de minério de ferro anunciadas pelas principais empresas do setor e, em especial, com o impacto negativo do acidente da Samarco em Minas Gerais. A indústria de transformação deve recuar 3,8%, diante da reduzida confiança dos empresários e nível de estoques ainda elevado, “que poderá ser mitigado por eventuais ganhos de competitividade decorrentes da depreciação cambial”, segundo o BC. Na construção civil a queda deverá chegar a 5,0%. Essa estimativa, diz o BC, “evidencia a dinâmica ainda negativa do segmento residencial, afetado por elevados estoques de imóveis e restrições de financiamento”.

O setor de serviços deverá ter novo recuo em 2016, de 1,2%, após queda de 2,4% neste ano, afetado pela queda da indústria e do consumo das famílias. Comércio, transportes, outros serviços e serviços de informação devem se contrair 3,3%, 3,0%, 1,7% e 0,5%, respectivamente, segundo estimativas do BC.

Sob a ótica da demanda, o consumo das famílias deverá cair 2%, após recuo de 3,8% em 2015, e a formação bruta de capital fixo, indicativo dos investimentos produtivos, deverá cair 9,5%, após recuo de 14,5% neste ano. No caso das famílias, o BC considera que haverá uma evolução mais favorável da massa ampliada de rendimentos (massa salarial e benefícios sociais recebidos pelas famílias), que deverá repercutir o aumento significativo esperado para o salário mínimo, e a trajetória mais benigna da inflação. O consumo do governo deverá sair de queda de 0,3% para aumento de 0,4%.

Quanto aos investimentos, a queda menor em relação a este ano reflete, em parte, a perspectiva de que os choques que afetaram a formação bruta neste ano não ocorram com a mesma intensidade em 2016. A retração anual repercute, em especial, o cenário negativo para a construção civil e o recuo acentuado na absorção de bens de capital, em ambiente de encarecimento do crédito e níveis historicamente reduzidos da utilização da capacidade instalada. A demanda interna deverá contribuir com menos 3,7 pontos percentuais para a variação do PIB em 2016, segundo cálculos do BC.

Por fim, o menor dinamismo da economia brasileira seguirá reduzindo as importações de bens e serviços, que deverão recuar 11,0% em 2016, contrastando com a projeção de crescimento de 2,0% para as exportações. Assim, a contribuição do setor externo para a variação anual do PIB em 2016 está estimada em 1,8 ponto percentual.

Em 4 anos, proporção de jovens no PT cai mais do que em outras siglas

Bruno Fávero – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ligado desde sua fundação a movimentos estudantis e da juventude, o PT está envelhecendo. E mais rápido que a maioria dos outros partidos. Desde 2011, a proporção de jovens (16 a 34 anos) na sigla caiu de 25,7% do total da militância para 19,2%. Foi a maior redução entre as cinco siglas com mais filiados (as outras quatro são PMDB, PP, PSDB e PDT), segundo dados da Justiça Eleitoral.

O envelhecimento reflete uma tendência da política brasileira. No mesmo período, a proporção de jovens em relação ao total de filiados caiu em 27 dos 34 partidos brasileiros. E o número absoluto de filiados nessa faixa etária decresceu em 23 deles.

A queda no partido governista, porém, é mais acentuada. Em números absolutos, os jovens petistas foram de cerca de 390 mil em outubro de 2011 para 305 mil em outubro deste ano. A redução, de 21,7%, está acima da média dos partidos (15,4%) e é a segunda maior entre as cinco maiores legendas, atrás apenas do PP (24,2%).

"Antes, a motivação para se filiar ao PT era um ato de rebeldia. Agora, passa por uma expectativa de carreira, de obter um cargo. Essa tendência, que é algo visto em todos partidos sociais democratas que chegam ao poder: atrai um número restrito de pessoas porque fica limitado à capacidade de oferecer cargos", afirma o historiador Lincoln Secco, vinculado à USP, autor de "A História do PT" (Atêlie Editorial, 2011) e ex-militante da sigla.

A história da relação da advogada Isadora Penna, 24 anos, com a sigla é um exemplo do que Secco afirma.

Ela diz que atuou pela reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e pensou "muitas e muitas vezes" em se filiar ao PT. Mas mudou de ideia após frequentar as reuniões de campanha.

"Me desanimei ao ver que o partido existia para ganhar as eleições. No pós-campanha não havia nenhuma ideia de seguir atuante com movimento de juventude ou popular", disse. "E mesmo a juventude que ainda estava lá pensava muito nos cargos que teriam quando assumissem."

Quatro anos depois, filiou-se ao PSOL, sigla pela qual concorreu a deputada federal em 2014. O partido, fundado em 2005 por dissidências petistas, é o que tem maior proporção de jovens, 40,3%.

Tecla F5
"A juventude não se organiza mais nos partidos, tende a ir para movimentos autonomistas em torno de pautas específicas. O MPL [Movimento Passe Livre, que liderou os protestos de 2013 contra o reajuste no transporte] foi uma evidência disso, assim como as ocupações de escolas", afirma Secco.

O próprio PT dá sinais de que enxerga o problema. Em 2011, o partido criou uma regra interna segundo a qual ao menos 20% dos dirigentes do partido têm que ter até 29 anos. Também deu mais autonomia à JPT (Juventude do Partido dos Trabalhadores).

"O PT envelheceu, precisa renovar suas ideias, apresentar candidaturas jovens e candidatos que defendam as pautas da juventude", diz Jefferson Lima, secretário nacional da JPT. "Precisamos dar um F5 [tecla do computador que atualiza a página do navegador] tanto no partido quanto no governo que estamos há 13 anos", resume.

O estudante de direito Alexandre Pupo, 22, é um caso cada vez mais raro de jovem recém-filiado ao PT. Ele afirma que a sigla cometeu erros e tem contradições importantes. "O governo e a elite do PT se escondem atrás de um discurso de governabilidade que se mostrou falido." Mas sustenta que ainda é o melhor partido para quem quer promover mudanças.

O engenheiro Gabriel Freitas, 27, do diretório de Perus, zona norte de São Paulo, concorda: "Às vezes nós, jovens, discordamos dos métodos do partido, que podem ser muito pragmáticos."

Esse tipo de crítica é uma das mais comuns na juventude petista. Em novembro, milhares de militantes de todo o país se reuniram em Brasília para o Congresso da JPT.

Nos documentos produzidos no evento, os pedidos mais repetidos eram por mudanças na política econômica do governo e pelo retorno do PT "às origens".

"Precisamos voltar a dialogar com as nossas bases e com os movimentos sociais", afirma a estudante de Ciências Sociais da USP Luna Zarattini, 22, sobrinha do deputado petista Carlos Zarattini.

Denise Coutinho, 27, moradora do Jaçanã, São Paulo, e militante do PT desde os 14 anos, diz que não acha os jovens de hoje despolitizados.

"Pelo menos não vejo ninguém da minha quebrada indo para a Paulista de camiseta do Brasil", diz, ironizando o "uniforme" dos que foram à avenida pedir impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Á míngua: PT também faz seu ajuste fiscal

Com os maiores empreiteiros do país presos, o caixa secou, e o PT se vê obrigado a devolver dois andares alugados em Brasília, reduzir despesas e cobrar de seus filiados as contribuições atrasadas.

Sem doações, PT fará o seu ajuste fiscal

• Partido vai devolver salas e reduzir gastos, e lançou campanha de arrecadação na internet

Fernanda Krakovics - O Globo

Não foi só a imagem do PT que a Operação Lava-Jato afetou. Com representantes das principais empreiteiras do país na cadeia, o caixa do partido secou. Enquanto toma medidas para fechar as contas e aumentar a arrecadação, a direção petista tenta dar um verniz positivo ao sumiço dos financiadores. Após os escândalos do mensalão e da Petrobras, o comando do PT adotou como bandeira ética o fim do financiamento empresarial. O partido se antecipou ao Supremo Tribunal Federal e decidiu, em abril, que não aceitaria mais doação de empresas.

Entre as medidas do ajuste petista está a rescisão do contrato de aluguel de dois dos três andares da sede nacional em Brasília. O partido vai desocupar o subsolo, onde há um auditório com 140 lugares, e o andar térreo, onde funcionam a recepção e uma loja que vende camisetas, livros e broches do PT. A decisão foi tomada pelo então tesoureiro João Vaccari, que está preso, condenado por corrupção passiva e lavagem na Lava-Jato.

Inadimplência de filiados
O PT não informou de quanto será a economia, apenas que a medida faz parte de um conjunto de ações para diminuir os gastos com custeio, que já teria resultado em uma redução de custos de 30%. Segundo a assessoria do partido, todos os contratos foram renegociados.

Essa não é a primeira vez que um escândalo de corrupção desaloja o PT. Na esteira do mensalão, o partido deixou um prédio luxuoso em Brasília, onde tinha algumas salas, e mudou-se para a atual sede, em uma região degradada da capital.

Na tentativa de reduzir a inadimplência de seus filiados, o partido diminuiu o valor da contribuição cobrada dos que ocupam cargos de confiança no governo federal. Foram alteradas as faixas de renda e os valores das parcelas a deduzir. Assim, um filiado com salário líquido de R$ 5 mil teve sua contribuição reduzida de R$ 448 para R$ 252. Já quem tem renda de R$ 1.500 passou de R$ 57 para R$ 30.

Ainda como parte desse esforço, o PT concedeu desconto de 70% no valor das dívidas de filiados, além de redução de 10% no valor da contribuição mensal para quem optou por pagamento em débito automático.

Tesoureiro da campanha derrotada do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha ao governo de São Paulo, no ano passado, Jorge Coelho disse achar viável manter o partido e fazer campanha sem doação empresarial:

— O PT se criou sem doação empresarial. As campanhas vão ter que ser mais baratas, com mais militância, mais mobilização e organização.

Fundo partidário
Em setembro, o Supremo proibiu que partidos e candidatos recebam doações de empresas. Contrários à decisão, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e líderes partidos da oposição apostam na confirmação, pelo Senado, de proposta de emenda constitucional, já aprovada na Câmara, que volta a autorizar as doações.

Sem o dinheiro de empresas, as campanhas e os partidos serão custeados com recursos do Fundo Partidário e contribuições de filiados e simpatizantes. O 5º Congresso do PT, em julho, lançou uma campanha de arrecadação pela internet.

Parte da queda de receita será compensada com o aumento do Fundo Partidário. O Congresso triplicou, em março, os recursos destinados para este fim no Orçamento. A verba total passou de R$ 289 milhões para R$ 867 milhões. O PT deve receber cerca de R$ 110 milhões este ano. Em 2014, o PT declarou à Justiça Eleitoral ter recebido R$ 193 milhões em doações de empresas e pessoas físicas. Em 2013, foram R$ 79 milhões.

A resolução interna proibindo a doação de empresas, antes da decisão do STF, não agradou a todos. O presidente do diretório do Rio, Washington Quaquá, queria liberar a doação de empresas para os diretórios regionais, deixando a proibição restrita ao diretório nacional.

O diretório do Rio tem dívida de quase R$ 12 milhões da campanha do senador Lindbergh Farias para o governo do estado; o de São Paulo, de R$ 25 milhões, da campanha de Padilha.

Apesar dos acenos, PMDB do Rio mantém distância de Temer

Daniela Lima / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As declarações da cúpula do PMDB do Rio de Janeiro de apoio à manutenção do vice-presidente, Michel Temer, no comando nacional da legenda não devem ser vistas como um aceno definitivo, afirmam dirigentes da sigla.

A ala fluminense do partido se comprometeu, no último domingo (20), a participar de uma espécie de "cessar-fogo" e contribuir para baixar a temperatura dentro da legenda, dando um fim às críticas públicas a Temer.

O acerto foi feito em um jantar oferecido pelo vice aos principais nomes do PMDB no Rio: o governador Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o ex-governador Sérgio Cabral.

No dia seguinte, porém, aliados desses peemedebistas informaram à ala que faz oposição a Temer dentro do PMDB que a cúpula da sigla no Rio poderá dar suporte a uma chapa alternativa ao vice na convenção nacional da sigla, em março.

A oposição interna a Temer é capitaneada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Nas últimas semanas, ele passou a conversar com outros líderes da sigla sobre a possibilidade de apear o vice –presidente do PMDB desde 2005– do controle da sigla.

A articulação poderia resultar numa troca que levasse o próprio Renan ao comando do PMDB, embora, nos bastidores, ele diga que vai trabalhar pela construção de uma chapa encabeçada por um nome como o ex-presidente José Sarney.

Outra opção que surge nas conversas é o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ele tem se portado como aliado do grupo de Temer, mas já manifestou a colegas o desejo de comandar a legenda.

A ofensiva de Renan passou a preocupar aliados do vice quando o senador se alinhou ao PMDB do Rio. O peso do diretório fluminense pode ser determinante para uma derrota de Temer.

Por isso, o vice se apressou em tentar acalmar os ânimos de caciques no Estado. O PMDB do Rio é hoje aliado da presidente Dilma Rousseff contra a ameaça de impeachment e contou com o apoio de Renan para coordenar o retorno do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) –aliado do Planalto– à liderança da sigla na Câmara.

A queda de Picciani havia sido articulada semanas atrás com o aval de Temer. O deputado, no entanto, conseguiu retomar o posto.

Aliados de Pezão, Paes e Cabral dizem que eles "não poderão deixar de retribuir" o gesto de Renan, caso o senador leve a cabo a decisão de travar uma disputa contra Temer na convenção da sigla.

Nos bastidores, os defensores da saída de Temer dizem que o vice esgarçou as relações no partido na tentativa de dar fôlego ao impeachment e se apresentar como a alternativa a Dilma.

Afirmam ainda que Temer abandonou o estilo "cordato e moderado" que o sustentou no controle do PMDB, passando a apresentar um comportamento mais "agressivo e intervencionista".

Para justificar a resistência, dizem ainda que o vice tem atuado à sombra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está em guerra aberta com o Planalto para tentar manter-se no cargo e fustigar Dilma.

Aliados de Temer rebatem as acusações e dizem que é ridículo vincular as atitudes do vice a Cunha e que, ao longo de todos esses anos, os adversários de Temer tentaram mas não tiveram sucesso nas tentativas de derrubá-lo.

A estratégia é reforçar as ligações históricas do vice com nomes de influência no PMDB, recorrendo, inclusive, a nomes que poderiam se aliar a Renan, como o senador Jader Barbalho (PA).

Moreira Franco / O articulador do PMDB anti-Dilma

O ex-ministro é apontado por adversários como “conspirador” contra Dilma, mentor do grupo do PMDB que defende a saída do governo, e responsável pela carta repleta de queixas enviada pelo vice Temer à presidente.

De ‘anjo mau’ no governo FH a ‘conspirador’ contra Dilma

• Com longo histórico na política fluminense, peemedebista é apontado por adversários como responsável pela carta de Michel Temer para a presidente. “Temer é má companhia”, rebate ele, em tom de brincadeira

Fernanda Krakovics - O Globo

Ele já foi chamado de “gato angorá” por Leonel Brizola, e recebeu o apelido de “anjo mau” no governo Fernando Henrique Cardoso. Agora o ex-ministro Moreira Franco é apontado pela ala anti-impeachment do PMDB como o mentor de cada ameaça de desembarque do partido do governo Dilma Rousseff ou subida de tom do vice-presidente Michel Temer, de quem é próximo.

Os peemedebistas fiéis ao Palácio do Planalto viram a digital de Moreira na carta enviada por Temer à presidente Dilma, com queixas sobre o tratamento dispensado a ele e sobre a ocupação de cargos no governo.

Presidente da Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, Moreira foi o responsável pela elaboração do documento “Uma Ponte para o Futuro”, apelidado de “Plano Temer”, com críticas à política econômica do governo. O ex-ministro é um dos principais defensores do impeachment.

Desde que foi destituído da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República no final do ano passado, após ter se empenhado na campanha à reeleição de Dilma, a afinidade entre Moreira e a presidente se resume à dieta Ravenna. O ex-ministro costuma falar cobras e lagartos da presidente e de seu governo em conversas reservadas.

Presidente do PMDB do Rio, o deputado estadual Jorge Picciani já disse a Dilma que, em sua avaliação, ela errou ao tirar Moreira do governo depois de ele ter se empenhado na reeleição. Picciani fez campanha para o candidato do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e depois se tornou aliado de Dilma.

Surpresos com o tom da carta de Temer endereçada a Dilma, recheada de queixas pessoais, senadores do PMDB alinhados com o governo afirmaram que o estilo do texto era de Moreira, com exceção da citação em latim que abria o documento: “Verba volant, scripta manent”(As palavras voam, mas o escrito fica). O vice-presidente é conhecido pela moderação e pela serenidade.

A exoneração de Moreira da Secretaria de Aviação Civil foi citada na carta de Temer a Dilma. “Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone”, escreveu o vice-presidente.

A carta desagradou à ala governista do partido, liderada pelo PMDB do Rio e pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A crise interna se agravou com a articulação comandada por Temer para destituir o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) da liderança da bancada. Para os peemedebistas antiimpeachment, o vice-presidente está sendo envenenado por Moreira.

Procurado, o ex-ministro reagiu com bom-humor:

— Ele (Temer) é que é má companhia para mim.

Irritados com a atuação de Moreira, lideranças do PMDB do Rio questionam a legitimidade do ex-ministro, afirmando que ele não tem votos. A cúpula carioca lembra que, nas eleições de 2004, Moreira jogou a toalha e desistiu de disputar o segundo turno da eleição para a prefeitura de Niterói.

Na ocasião, ele alegou que a diferença tinha sido de apenas cinco mil votos e que preferia “respeitar o sinal das urnas e sair da disputa”.

Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou o rito do impeachment, dando fôlego ao governo, as duas alas do PMDB iniciaram uma reaproximação. A avaliação é que a divisão interna enfraquece o partido. Mesmo no auge da guerra interna, com a destituição temporária de Leonardo Picciani, Moreira manteve conversas com Jorge Picciani, seu pai.

A relação entre Temer e Dilma é definida como “gélida”, segundo pessoas próximas do vice. A primeira subida de tom do peemedebista foi em agosto, quando ele afirmou que a crise era grave e que “alguém” precisava unir o país. A declaração desagradou a ministros petistas, que, nos bastidores, passaram a acusar Temer de conspiração.

Em meio a esse processo de distanciamento, Moreira apareceu em comercial de TV do partido, no final de agosto, dizendo: “A nação quer mudar, a nação deve mudar, a nação vai mudar”.

No governo Dilma, antes de ocupar a Secretaria de Aviação Civil, Moreira foi titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que também tinha status de ministério. No segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva, ele foi vice-presidente de Fundos e Loterias da Caixa.

Em 1976, quando era deputado federal pelo MDB, Moreira foi eleito prefeito de Niterói, o que o credenciou para ser governador dez anos depois. À frente do governo do estado, ele enfrentou uma série de dificuldades, como a paralisação das obras do metrô por falta de verbas. Um dos pontos mais criticados pelos adversários foi o fato de ele ter prometido, durante a campanha, acabar com a violência em seis meses. Três anos depois de terminar seu mandato de governador, foi eleito deputado federal, em 1994. Amigo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi convidado em 1999 para ser assessor especial da Presidência.

A luta pelo comando do PMDB

Ilimar Franco - O Globo

O vice Michel Temer terá adversário, em março, na disputa pela presidência do PMDB. Os senadores, liderados por Renan Calheiros, já estão montando uma chapa. O provável candidato é o senador Romero Jucá. Para esvaziar esse movimento, aliados de Temer, como Moreira Franco, adversário do governo Dilma, correm atrás de uma mão do “velho da montanha”, o ex-presidente Sarney.

A correlação de forças
A convenção do PMDB, em março, vai proclamar que o partido terá candidato à Presidência em 2018, mas não o levará, obrigatoriamente, para a oposição. Hoje, a legenda é aliada do PT em 13 estados (RJ, MG, PR, PA, AM, AL, SE, PI, DF, MA, RO, TO e MT). Há ainda aqueles que convivem, como: RN (ministro Henrique Alves); CE (líder Eunício Oliveira); GO (Iris Resende); e AP (José Sarney). Estão na oposição 10 estados (SP, ES, RS, SC, BA, MS, PE, PB, RR e AC). Sempre há dissidentes em todos os estados, nos dirigidos por aliados do governo Dilma e nos de oposição. Mas, na sigla, os líderes e os interesses regionais pesam mais que as posições quanto à política nacional.

'Sistema eleitoral deixa País ingovernável’, diz presidente do TSE

Entrevista. José Antonio Dias Toffoli, presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal

• Presidente do TSE defende a instituição de uma cláusula de desempenho para as legendas e a adoção do voto proporcional misto para eleição de parlamentares

'Sistema eleitoral e partidário leva o País à ingovernabilidade'

Marcelo de Moraes e Adriano Ceolin / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, afirma que “o País continuará ingovernável” se os sistemas eleitoral e partidário não forem alterados. Em entrevista ao Estado, ele defende a instituição de uma cláusula de desempenho para os partidos e o estabelecimento do voto proporcional misto para eleição de parlamentares.

“Hoje, o atual sistema - de base proporcional, sem cláusula de barreira com acesso de maneira muito igualitária ao direito de antena (aparição em rede de rádio e TV) e ao fundo partidário - leva à ingovernabilidade”, disse.

Ainda na entrevista, Toffoli fala sobre as expectativas para eleições municipais de 2016, em que doações empresariais serão proibidas. O ministro do STF faz também uma análise sobre a Operação Lava Jato e a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS).

“O que mais chocou no caso do Delcídio não foi citar o ministro A, B ou C. O que verificamos foi uma interferência no processo, oferecendo ajuda material para que um colaborador protegesse A ou B na sua delação. Alguém que tente interferir no processo investigatório está atentando contra o Estado”, afirmou Toffoli.

Qual foi a principal marca do Judiciário neste ano de 2015?

Cada vez mais fica claro que o Poder Judiciário, principalmente o Supremo Tribunal Federal, vai ocupando o espaço de Poder Moderador. Aliás, para o qual ele foi criado com a República. Sua função, portanto, é mediar as grandes crises da sociedade sob a guarda da Constituição e das leis.

Que avaliação o senhor faz da Operação Lava Jato? Quais são os pontos positivos e os pontos negativos?

Minha avaliação é que as instituições estão funcionando. O Poder Judiciário, o Ministério Público e Polícia Judiciária estão em plena atividade. Não é uma questão de balanço positivo ou negativo. Porém, fora do trabalho normal, o que ela pode gerar de positivo é mostrar que o atual sistema eleitoral partidário tem de ser modificado, pois leva uma relação promíscua entre Estado e setor privado.

E o uso da colaboração premiada?

É fundamental para o esclarecimento de crimes que sejam praticados em situações mais complexas, que envolvam pessoas muito poderosas. Nesses casos, sem a ajuda de alguém de dentro do esquema, fica muito difícil desvendar esses crimes. Pois quase sempre tais crimes possuem uma roupagem lícita. O instituto da colaboração premiada ainda é muito novo no Brasil e talvez precise de alguns ajustes.

Quais ajustes, ministro? Houve algum exagero?

Até agora, o Supremo não anulou nenhum acordo de colaboração. Parece que os resultados são bons. O que não podemos deixar de observar é que um colaborador não deixa de ser um criminoso. Tem que se apurar se não está fazendo um despiste, desviando a atenção. Mas há coisas a melhorar. Eu penso que um mesmo advogado não pode atuar em várias colaborações. Porque isso pode ser um mecanismo de combinação. E esse é um tema que a lei não previu.

Como foi o momento de decidir sobre a prisão do senador Delcídio Amaral, sobretudo depois que o senhor e outros ministros ouviram aquela gravação em que são citados por ele?

Em primeiro lugar, um ministro tem de estar acostumado a receber pedidos. Quando alguém entra com uma ação, ele está pedindo algo ao juiz. O que o juiz não pode é se deixar seduzir. Precisa seguir as leis e a Constituição. O que mais chocou no caso do Delcídio não foi citar o ministro A, B ou C. O que verificamos foi uma interferência no processo, oferecendo ajuda material para que um colaborador protegesse A ou B na sua delação. Alguém que tente interferir no processo investigatório está atentando contra o Estado. Por isso houve unanimidade na decretação da prisão.

Como o senhor avalia o TSE ainda analisando questões das eleições presidenciais de 2014?

Cada vez mais vamos conviver com isso, que não é algo específico do Brasil. No mundo democrático ocidental, cada vez mais a ebulição pela disputa do poder é mais constante e aguerrida. Tem sido assim na França, nos Estados Unidos. Os resultados eleitorais também estão ficando cada vez mais parelhos. Vimos isso agora mesmo na eleição na Argentina.

No Brasil, essas disputas acirradas deixaram as campanhas mais caras e a cada eleição aparecem financiamentos com recursos de origem ilícita. Como evitar?

Em 2012, 75% das doações vieram de empresas. E, em 2014, 93% dos candidatos foram financiados por pessoas jurídicas. Nas eleições municipais de 2016, faremos um teste importante, que é a vedação de doações de empresas - decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, o Congresso aprovou um limite. O máximo que poderá ser gasto é 70% daquilo que foi a maior despesa na campanha respectiva nas últimas eleições.

Mesmo com a vedação das doações de empresas, haverá problemas?

O fim da doação das empresas traz uma equidade. Porém traz uma segunda preocupação: que o dinheiro venha de áreas ilícitas, como o crime organizado e o narcotráfico. Acho que a Ordem dos Advogados do Brasil junto com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa e outras entidades da sociedade civil deveriam se unir e montar comitês de acompanhamento das eleições, inclusive para denunciar irregularidades. A Justiça não age de ofício. Ela precisa ser provocada.

O senhor acha que há muitos partidos no País?

Um dos nossos problemas é o sistema proporcional para escolha de deputados. O sociólogo francês Maurice Duverger (1917-2014) já dizia, nos anos 1940, que países que adotam esse sistema proporcional aumentam o número de partidos a cada eleição. No Brasil, foi assim até 1964, quando a ditadura criou o bipartidarismo. Em 1981, quando isso acabou, foram criados cinco partidos. Hoje, em 2015, já temos 35 siglas. No Congresso, temos parlamentares de 28 partidos. Cada deputado quer ter seu próprio partido, para ter acesso à rádio, ao fundo partidário. Sem cláusula de barreira, isso não muda. Eu propus fazer uma coisa progressiva. Começando com 1,5% dos votos conquistados e depois ir a 3%. Nos EUA e na França, são 5%.

Qual sistema poderíamos adotar?

Poderíamos adotar o sistema alemão em que o cidadão vota duas vezes. Primeiro no candidato do seu distrito, da região ou localidade e depois na lista de um partido. E esse voto em lista é que deve ser proporcional. Metade das vagas é escolhida pelo voto em lista e outra metade pelo voto distrital. Hoje, o atual sistema - de base proporcional, sem cláusula de barreira com acesso de maneira muito igualitária ao direito de antena (aparição em rede de rádio e TV) e ao fundo partidário - leva à ingovernabilidade. Em 2014, o partido que fez mais deputados obteve 12% das cadeiras do Parlamento. Então, esse sistema eleitoral, se não for atacado, continuará ingovernável. O sistema atual fragiliza os governos.

A penúria do estado: Nova liminar pressiona Pezão, agora, a liberar salários do MP

• ‘A Justiça pode mandar também um carro-forte com o recurso junto’, ironizou o governador

• Com insumos recebidos de hospitais federais e o pagamento de funcionários, atendimento a pacientes é retomado gradualmente na rede estadual de saúde

Em plena crise, mais uma decisão judicial obriga o governo do Estado do Rio a liberar recursos. Desta vez, o Ministério Público obteve liminar para receber os salários de dezembro até o dia 30, apesar de o novo calendário prever o pagamento até o sétimo dia útil de janeiro. Também o Tribunal de Justiça já tinha obtido a mesma vitória no STF. O governo sofreu ainda outras duas derrotas: uma que manda o estado investir R$ 635,1 milhões na saúde para cumprir a meta constitucional de 12%, e outra que determina o pagamento dos salários dos funcionários terceirizados de seis unidades de saúde.

Ao garantir que vai recorrer de todas as decisões, o governador Luiz Fernando Pezão foi irônico: “A Justiça pode mandar também um carro-forte com o recurso junto. Porque eu não tenho o recurso para pagar.” Ontem, alguns hospitais estaduais, como o Albert Schweitzer, em Realengo, começaram a ter o atendimento a pacientes normalizado após o estado obter recursos para pagar aos funcionários. O governo recebeu ontem medicamentos e outros insumos doados pela União para hospitais estaduais. Serão 300 mil itens.

Aumenta a pressão

• MP também consegue liminar para que governo pague salários até o fim deste mês

Rafael Galdo e Luiz Ernesto Magalhães - O Globo

Enquanto a rede estadual de saúde vive uma situação de emergência, decretada anteontem, mais uma decisão judicial pressiona o governo. Desta vez, o Ministério Público conseguiu uma liminar para receber os salários de dezembro até o dia 30, como antecipou a coluna de Ancelmo Gois no site do GLOBO. Agora, já são quatro determinações da Justiça que mandam o governador Luiz Fernando Pezão fazer gastos neste fim de ano turbulento. Ontem, Pezão disse que recorrerá das liminares e ironizou a situação.

— (A Justiça) Pode mandar também um carro-forte com o recurso junto. Porque eu não tenho o recurso para pagar — disse, ao receber, no Hospital Federal da Lagoa, medicamentos e insumos doados pela União para abastecer a rede estadual.

Na terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha ordenado que o estado pagasse, também até o dia 30, os salários de dezembro do Judiciário (cerca de R$ 250 milhões). Na quarta-feira, uma liminar obrigou o estado a pagar, em 24 horas, todos os recursos destinados por lei à saúde, cumprindo o percentual de 12% da receita fluminense (R$ 635,1 milhões, segundo o Sindicato dos Médicos do Rio). E, no mesmo dia, a Justiça do Trabalho determinou que fossem quitados, em no máximo 48 horas, os salários de contratados pela organização social (OS) que administra o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, e mais cinco unidades.

O MP entrou com a ação no TJ depois de o estado não repassar os recursos de dezembro para a instituição. De acordo com a Constituição Federal, o chamado duodécimo deveria ter sido depositado até o último dia 20. As ações do TJ e do MP foram uma reação a um decreto do governador, alterando o calendário de pagamentos dos servidores: agora, os depósitos podem ser feitos até o sétimo dia útil de cada mês.

MP precisaria de R$ 89,4 mensais
A decisão favorável ao MP saiu na quarta-feira, por iniciativa do desembargador Celso Ferreira Filho, terceiro-vice-presidente do TJ. Ele citou o artigo 168 da Constituição Federal, que estabelece o dia 20 como a data para repassar os recursos. O MP não divulgou o total a ser recebido. Em média, no entanto, esse valor é de R$ 89,4 milhões mensais.

O procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, não atendeu aos pedidos de entrevista feitos pelo GLOBO. Sua assessoria informou apenas que a decisão de recorrer à Justiça contra o estado teve o objetivo de assegurar uma garantia constitucional. O presidente do TJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, não comentou as novas críticas do governador.

Na terça-feira, Pezão já havia dito que, ao recorrer ao STF, faltara sensibilidade da Justiça do Rio com a situação da saúde estadual. Em resposta, o TJ manifestou, em nota, “estranheza acerca das declarações” do governador. Disse ainda que seu objetivo foi assegurar o cumprimento da Constituição Federal. “O Poder Judiciário estadual tem colaborado, na medida de suas atribuições constitucionais, com o Poder Executivo e continuará adotando a mesma postura”, afirmou no texto.

Na visita ao Hospital da Lagoa ontem, o governador voltou a se reunir com o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, com o secretário estadual de Saúde, Felipe Peixoto, e com o futuro titular da pasta, Luiz Antônio Teixeira Júnior. Os insumos hospitalares doados foram levados para os hospitais Getúlio Vargas, na Penha, Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, e Alberto Torres, em São Gonçalo.

Segundo explicou Beltrame, nos próximos dias serão entregues cerca de 300 mil itens hospitalares do governo federal às unidades de saúde do estado, incluindo luvas cirúrgicas, próteses ortopédicas e medicamentos — como dipirona e antibióticos —, que somarão R$ 20 milhões. Além disso, 25 pacientes de unidades estaduais já foram transferidos para hospitais federais, como parte do esforço para regularizar o atendimento.

Boletins diários sobre hospitais
Na instauração de um gabinete de crise para tentar resolver a situação, Pezão já tinha anunciado esta semana ter conseguido R$ 297 milhões (incluídos R$ 100 milhões da prefeitura do Rio) para sanar as dívidas na saúde. Segundo ele, o valor é quase o dobro do mínimo necessário para o funcionamento da rede. Com esse dinheiro, Pezão afirmou que, anteontem, começaram a ser enviados repasses às organizações sociais. Ele espera que, a partir de segunda-feira, os pagamentos de médicos e enfermeiros dessas instituições sejam normalizados.

— Tudo que entrar (no caixa do estado) vamos direcionar para a saúde — disse Pezão, prevendo um 2016 também complicado. — Vou cortar mais onde precisar, para nos dedicarmos principalmente às políticas básicas, como saúde, educação, segurança e assistência social. O Estado do Rio vive a maior crise entre os 27 estados da nação. Temos o maior déficit do país.

Pezão também afirmou que, este ano, o estado teve pouco mais de 12% da receita empenhados à saúde. Em 2016, segundo ele, o governo vai priorizar os atendimentos de média e alta complexidade.

O futuro secretário de Saúde, Luiz Antônio Teixeira, acrescentou que, a partir da semana que vem, serão divulgados boletins diários sobre o funcionamento dos hospitais.

Hospitais voltam a receber pacientes após pagamento de funcionários

• No Getúlio Vargas, no entanto, restrição no atendimento continua

Célia Costa e Rafael Nascimento – O Globo

A mobilização das autoridades, anunciada anteontem, começa a amenizar o sofrimento de pacientes que procuram a rede estadual de saúde. Havia pelo menos 11 hospitais e 17 UPAs com problemas até ontem, mas, com o pagamento de médicos e funcionários e a chegada de material, algumas unidades começaram a receber doentes sem restrição.

Os hospitais Albert Schweitzer, em Realengo, e Rocha Faria, em Campo Grande, que receberam recursos da prefeitura, retomaram ontem a rotina de atendimentos. A procura, no entanto, foi baixa. Funcionários informaram que os salários teriam sido normalizados.

A emergência do Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, uma das mais movimentadas da Zona Norte, no entanto, continuava com atendimento restrito ontem. Cartazes informavam que apenas pacientes com risco iminente de morte seriam admitidos. O movimento foi muito menor do que o habitual. Segundo funcionários, diante das informações sobre a crise, as pessoas evitam procurar a unidade. Durante a madrugada, uma mulher com hemorragia externa foi uma das poucas a conseguir atendimento. Por volta das 3h45m, parentes dela aguardavam do lado de fora do hospital.

— A minha tia perdeu muito sangue. Ela veio de ambulância até aqui — contou o sobrinho da paciente, o bombeiro civil Bergson Pereira. — Agora vamos esperar o que acontecerá com ela.

Já na UPA de Realengo, a dona de casa Michelle Carvalho não conseguiu atendimento para a filha Lissandra, de 14 anos, que estava com febre e dores abdominais. A jovem passou pelo setor de triagem e foi orientada a procurar uma Clínica da Família, porque a UPA só está aceitando casos mais graves.

— É um absurdo. Disseram que só poderiam atender se ela estivesse em estado crítico. E se a menina piorar? — perguntou Michelle, revoltada.

Na última segunda-feira, como mostrou ontem o “Bom dia, Rio”, da Rede Globo, uma mulher deu à luz na calçada em frente ao Hospital da Mãe, em Mesquita. Ela contou que foi atendida, mas liberada para voltar no domingo. Logo após sair, ainda com dores, deu à luz uma menina. A médica alegou que tinha deixado a gestante sair apenas para fazer um lanche. O estado informou que a unidade voltou a funcionar sem restrição ontem à tarde.

Doação alivia crise na saúde; Rio diz que ainda falta verba

Após repasses, Pezão espera atendimento normalizado em hospitais do Rio

• Governador obteve quase R$ 300 milhões com governo federal e prefeitura, mas diz que recursos serão suficientes para garantir atendimento até o dia 10 ou, no máximo, 15 de janeiro

- O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Após conseguir levantar R$ 297 milhões para aliviar temporariamente a crise no sistema de sáude fluminense, o governador do Estado do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão (PMDB) disse que espera que o atendimento seja normalizado nos hospitais a partir desta quinta-feira, 24. Ele disse ainda que os médicos e enfermeiros dos hospitais estaduais "já começaram a ser pagos". O governo decretou hoje situação de emergência por 180 dias.

"Estamos atendendo com muita dificuldade, mas estamos com as unidades abertas. com esses recursos que nós conseguimos, o esforço que a gente está fazendo de arrecadação, ajuda do governo federal, da prefeitura, a gente espera a partir de hoje normalizar todo esse atendimento", disse ele, em entrevista à Rádio Estadão.

O Ministério da Saúde já depositou R$ 45 milhões na conta do Estado, que obteve ainda R$ 100 milhões em empréstido da prefeitura do Rio e outros R$ 152 milhões com a entrade de pagamento de ICMS. Os recursos, no entanto, segundo o governador, serão suficientes apenas até o dia 10 ou, no máximo, 15 de janeiro.

Até então os hospitais estaduais estavam atendendo. apenas os casos mais graves. "Estamos funcionando com muita dificuldade, mas não estamos deixando de atender a pacientes que chegam com gravidade. Ninguém está morrendo por causa disso", disse o governador.

Pezão disse que vai se encontrar nesta quinta com o secretário de atenção à saúde do Ministério da Saúde Alberto Beltrame, com o secretário estadual de saúde Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior e seu antecessor, Felipe Peixoto, para fazer um "balanço" da crise. "Estamos mandando insumos, remédios, uma série de transferências que os hospitais federais estão agora destinando às nossas unidades".

O governador atribui a crise à queda de arrecadação no Estado e à crise econômica no País. "O Estado tem uma dependência muito forte no petróleo e a gente teve, com a paralisia da Petrobras, queda da produção de petróleo". Ele diz ainda que a segunda e terceira atividades mais produtivas no Estado, siderurgia e indústria automobilística, sofreram com a crise. "Enquanto o país não crescer, enquanto a atividade econômica não crescer, vamos ter muita dificuldade sempre".

Ele afirmou ainda à Rádio que tem tentado, junto aos empresários, facilitar o recolhimento dos mais de R$ 7 bilhões de reais em impostos inadimplentes e que "entende" o momento de dificuldade que as empresas vivem. Garante ainda que em 2016 haverá mais cortes no orçamento. "Estamos cortando mais, estou cortando em outras pastas para privilegiar a saúde, a segurança. Vamos enxugar mais ainda. Já fizemos um corte drástico nesse ano de 2015, mas não foi suficiente. Vamos ter de cortar mais ainde para o ano de 2016".

Míriam Leitão: Presente para Dilma

- O Globo

O senador Acir Gurgacz decidiu dar um super presente de Natal à presidente Dilma. Para isso precisou mais do que a fábrica de brinquedos de Papai Noel, porque nem ela tem os equipamentos necessários para criar tanto ilusionismo. Para aprovar as contas da presidente em 2014 é preciso criar uma cortina que esconda o que está acontecendo diante de nossos olhos.

Neste momento, o governo está calculando formas de pagar a dívida das pedaladas. Se vai pagar é porque a dívida existe. Se existe, é porque fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é explícita em proibir que bancos públicos emprestem para o Tesouro. No seu ilusionismo de Natal, o Papai Noel da presidente Dilma argumentou o mesmo que o advogado-geral da União dissera, inutilmente, diante dos ministros do TCU: que todos fazem o mesmo que Dilma fez e que as pedaladas não existiram.

Não é verdade. No dia do julgamento das contas no TCU foi mostrado um gráfico que não deixa margem a dúvidas. Ele mostra a relação com a Caixa através dos saldos, positivo e negativo, na conta de suprimento, através da qual são pagos benefícios sociais. Todos os anos a conta oscilava, ficando às vezes com pequenos déficits, logo cobertos pelo governo. Isso justifica a explicação de relação contratual.

O contrato de fato permite pequenos saldos negativos. Em 2013, no entanto, a conta ficou em forte déficit e o TCU alertou a presidente Dilma de que aquilo não deveria acontecer. Em 2014, ano eleitoral, ela chegou ao rombo de R$ 6 bilhões. E aí evidentemente não há contrato que explique. Veja abaixo o trabalho que teve esse senador, vestido de Papai Noel. Fazer desaparecer essa evidência não é fácil.

Mas o presente que se prepara para a presidente Dilma na fábrica de ilusões que está virando a Comissão Mista de Orçamento é a fantasia de que as pedaladas não existiram, que o TCU pode ser ignorado e que as contas da presidente Dilma devem ser aprovadas mesmo com a recomendação de rejeição.

Para fabricar o presente, o senador terá que desmoralizar o TCU. O órgão ganhou credibilidade quando decidiu encarar os absurdos que foram feitos na Secretaria do Tesouro sob o comando de Arno Augustin e obedecendo ordens de Dilma porque, como dizia o secretário, “quem tem voto, manda”. E, na visão dele, pode mandar inclusive desrespeitar a lei.

Aliás, para criar tão caprichado presente para a presidente, o Congresso terá que fazer mais. Terá que fazer tábula rasa de lei tão incômoda, essa da Responsabilidade Fiscal. Só assim será possível esquecer que neste fim de ano o governo está pagando R$ 57 bilhões de dívida aos bancos e ao FGTS. A conta gigante é a prova de que, sim, o governo tomou empréstimo a entes estatais, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas o senador, vestido de mágico, fará com que tudo desapareça, a lei, a conta, as provas do crime, para bem presentear a presidente neste Natal. E assim, Dilma, livre do fantasma da rejeição das contas, viverá uma noite feliz, uma noite de paz.

É o presente perfeito porque consegue atender à cartinha branca pedida pela presenteada e dar fama ao presenteador. O senador foi alçado às manchetes dos jornais, mesmo sendo pouco conhecido, pela dimensão do mimo que faz descer pela chaminé do Palácio do Planalto, onde o forno de pizza esperava exatamente por alguma massa como essa para servir na ceia. Claro que para que tudo dê certo será preciso que o Congresso concorde. Mas isso ficou para março. E isso em si só já é um bom presente.

Hélio Schwartsman: Feios, sujos e malvados

- Folha de S. Paulo

Gregorio Duvivier queixou-se em sua coluna da falta de representatividade do Congresso. Para ele, o Legislativo está longe de representar a população. Faltam mulheres, negros e homossexuais e sobram homens, brancos e empresários. A principal razão disso, diz o ator, é o alto custo embutido na eleição de um deputado, que estaria na casa dos R$ 6 milhões.

Concordo com a conclusão de Duvivier, de que o alto custo das campanhas é um problema grave para as democracias, mas tenho algumas observações quanto aos arrazoados utilizados para chegar a ela. Para começar, o argumento é muito forte. Se o aplicarmos à Presidência, o paradoxo fica evidente. Dilma é mulher, branca, e tem alta escolaridade. Ora, a maioria da população brasileira não se encaixa nessas características, mas nem por isso dizemos que a presidente não representa a nação.

O conceito de democracia representativa não implica que as instituições devam refletir a demografia do país como um espelho, mas apenas que os cidadãos escolhem livremente seus representantes. Quando vai às urnas, em geral o eleitor não vai com o objetivo de eleger alguém que seja parecido consigo, mas sim um candidato que, a seu ver, defenderá seus interesses e os do país. Como ele faz essa escolha é um vespeiro no qual não pretendo mexer hoje.

O curioso aqui é que, apesar disso tudo, a Câmara é mais "representativa" da população do que a Presidência. As razões para isso são matemáticas. Quando eu voto para presidente e meu candidato ganha, estou "representado" (nesse sentido mais fraco que é diferente do de "espelhar"), mas os sufrágios dados a quem perdeu viram fumaça. Na Câmara isso não ocorre, já que a maior parte dos votos válidos é aproveitada, contribuindo para eleger alguém. Aí, minorias encontram alguma expressão.

Renans, Cunhas e Dilmas não surgem por abiogênese. Estão onde estão porque a população os escolhe.

Nelson Motta: Preferências nacionais

• Como predileções da nacionalidade e da identidade cultural, futebol, música e política sempre andam juntos no Brasil, se integram e se complementam para expressar o momento do país

- O Globo

O futebol, a música e a política sempre andam juntos no Brasil. Como preferências da nacionalidade e da identidade cultural, se integram e se complementam para expressar o momento do país.

A conquista da Copa de 1958 não só nos livrou do complexo de vira-latas rodrigueano como deu solidez política ao otimismo visionário de JK, enquanto o samba-canção
_ melancólico dava lugar à bossa nova leve, no Brasil com Lulu Santos, Lobão, Blitz e elegante e moderna. Paralamas. Assim como a campanha das Diretas,

Nos anos Collor, uma das piores seleções a seleção empolgou e fez bonito, mas acabou de todos os tempos foi eliminada nas oitavas derrotada. justamente pela Argentina, vivíamos o confisco A vitória em 2002, com o espetacular time de do Plano Collor, a inflação explodindo e Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, celebrava o domínio absoluto do sertanejo mais vulgar. a passagem de Fernando Henrique para Deu no que deu. Lula em paz e democracia, movida a esperança

Em 1970, a melhor seleção de todos os tempos de novas conquistas, com o samba vivendo foi tricampeã no México, o governo Médici era campeão de repressão e tirania, mas a economia bombava, e a MPB de Chico, Gil e Caetano vivia momentos de glória e fazia história.

A seleção de 1982, de Zico, Sócrates e Falcão, uma das melhores de todos os tempos, representou a vibração da campanha das Diretas Já e os estertores da ditadura, enquanto o rock explodia grande momento e nossos ritmos se misturando à eletrônica e ganhando o mundo.

O 7 x 1 na “Copa das Copas" já prenunciava um ano turbulento para o governo Dilma, com o ambiente político degradado por uma campanha selvagem e um estelionato eleitoral que derrubou a popularidade e a credibilidade da presidente. Enquanto o furacão da Lava-Jato devastava o mundo político, a música brasileira vivia um dos piores anos da sua história.

O que está pior hoje? O campeonato brasileiro, a CBF ou a seleção de Dunga? O governo Dilma, a Câmara de Cunha ou o Senado de Renan? O pagode romântico, o sertanejo universitário ou o funk popozudo?

Desejar um feliz ano novo pode parecer ironia, mas é sincero.

Governo de uma nota só – Editorial /O Estado de S. Paulo

O desavisado que ouvisse o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, fazendo o balanço do governo de Dilma Rousseff em 2015, na terça-feira passada, poderia até acreditar que ele falava de uma gestão muito bem-sucedida, com muitas realizações. Mas o principal feito de Dilma no primeiro ano de seu segundo mandato, celebrado pelo ministro com incontida felicidade, não foi a aprovação de alguma reforma estrutural importante, nem a realização das obras de infraestrutura tão necessárias ao País, tampouco a melhoria da saúde e da educação, muito menos a superação da terrível crise econômica. Ele festejou unicamente o fato de que o rolo compressor do Planalto conseguiu, ao menos por enquanto, dificultar o andamento do processo de impeachment.

Nisso, de fato, Dilma teve premiado seu descomunal esforço – afinal, a presidente não fez mais nada em 2015 a não ser pensar, “diuturna e noturnamente”, segundo uma de suas inesquecíveis expressões, em como se safar do impeachment. E não se diga que ela foi obrigada a isso porque a oposição não a deixou governar e tudo fez para apeá-la do poder, conforme alegam os petistas.

Quem trouxe o tema do impeachment para o coração do Planalto, em primeiro lugar, foi a própria Dilma – que no começo do ano levou a sério a campanha de grupos radicais que defendiam seu afastamento, pleito que naquele momento não tinha nenhum apoio dos partidos de oposição. Em março, quando crescia a hostilidade popular à presidente, capitaneada por esses grupos, Dilma, em vez de colocar água na fervura, chamou a imprensa para citar a palavra maldita – impeachment – numa tentativa de desqualificar os protestos, totalmente legítimos. Foi a petista, portanto, quem deu corpo à discussão sobre seu afastamento, especialmente quando ela viu nos manifestantes a intenção de promover uma “ruptura democrática”.

Desde então, Dilma só pensa nisso e só trabalha em função disso. É tão grande o ímpeto da presidente em defender seu mandato dessa ameaça – que, no início do ano, somente ela enxergava – que um observador mais maldoso poderia concluir que se trata de estratégia deliberada. Afinal, sem ter o que mostrar como governante, incompetente para resolver os problemas básicos da administração e incapaz de dar um rumo a seu desgoverno, Dilma escolheu encarnar a vítima de “forças golpistas”. Em vez de ser presidente, função para a qual ela não tem o menor traquejo, a petista quer ser vista como uma espécie de mártir da democracia – papel para o qual ela julga ser talhada, graças a seu passado de presa política no regime militar.

Com esse script na ponta da língua, Dilma aproveita todo evento público para dizer que foi eleita por 54 milhões de votos e que vai “enfrentar todos aqueles que acham que o melhor jeito para chegar à Presidência da República é atropelar a democracia”, como declarou no dia 22 passado em mais uma cerimônia de entrega de casas do Minha Casa, Minha Vida. Seus ministros e os principais dirigentes petistas também martelam essa mensagem a todo momento. Até no programa obrigatório A Voz do Brasil, que o governo deveria usar exclusivamente para falar de suas realizações, o tema do impeachment é pauta diária.

Não surpreende, assim, que o ministro Jaques Wagner, ao fazer um resumo do que foi o ano de 2015 para Dilma, tenha praticamente se limitado a falar das vitórias do Planalto em relação ao impeachment. Para Wagner, esse assunto foi o “elemento desagregador”, mas o governo deu a volta por cima – e agora, jactou-se, “é só botar para votar na Câmara dos Deputados que a gente enterra”. Wagner festejou o “renascimento do governo” e disse que Dilma daqui em diante terá “liberdade para poder atuar”.

Nem é preciso lembrar que, quando teve “liberdade para atuar”, no primeiro mandato, Dilma criou as condições para a maior recessão da história recente do País. Em cinco anos, a petista demonstrou ser competente apenas para, por ora, escapar do impeachment, à base de surrentos conchavos que abastardam a Presidência, o Congresso e a própria democracia.

Marina Silva: O enigma de Paris

• Consenso pode revelar a impotência das lideranças políticas para mudar o modelo de consumo e produção

- Valor Econômico

Com palavras nos comunicamos: expomos ideias, narramos acontecimentos, analisamos situações. Com palavras também nos iludimos e nos enganamos. Mas na escolha das palavras revela-se exatamente o que - com elas - queríamos ocultar ou recalcar, o que causa mal-estar em nós e na civilização, como diria Freud. Tal é o paradoxo na escolha da palavra "ambição", com a qual se articulou o discurso e a mobilização da CoP-21, em Paris.

Está nos dicionários e no senso comum: ambição é "desejo desmedido pelo poder, dinheiro, bens materiais, glórias". Mesmo que se tente dar à palavra um significado positivo, é quase impossível retirar sua pesada carga simbólica. Ambição é igual a inveja, mata. Inclusive o sentido das coisas.

"Se por ambição quase destruímos o planeta, podemos agora inverter o sentido e ter a ambição de salvá-lo". Foi esse apelo quase ingênuo que os operadores da CoP-21 fizeram aos seus líderes políticos.

Por que não usaram palavras como compromisso, cuidado, respeito à vida? Talvez porque assim revelassem a ausência destes valores nas decisões até aqui tomadas e na trajetória da ambição que foi percorrida, em que uma parcela da população do planeta foi levada ao cume do progresso econômico e tecnológico, mas agora está ameaçada de cair no abismo da crise ambiental e social que afeta a humanidade inteira. Para escapar, será necessário desprender-se do que nos arrasta para baixo. A propósito, a palavra desprendimento é exatamente o oposto de ambição.

Sem dúvidas, reduzir o limite "seguro" de aumento na temperatura média da Terra, de 2°C para 1,5°C é uma mudança digna de celebração. Esse feito se deve, sobretudo, ao contundente alerta da comunidade científica sobre a gravidade da situação, ao trabalho da diplomacia francesa, às articulações do grupo que se auto-intitulou "coalizão de alta ambição" e, também, à persistente cobrança dos movimentos sociais.

Mas será real esse resultado? Em artigo recente, o professor Eduardo Viola e a consultora Ana Cristina Fraga ressaltam a "profunda dissonância entre esse objetivo ambicioso e os caminhos genéricos e difusos que são formulados para atingi-lo". Nesta avaliação, com a qual concordo, são apontadas como principais razões da insuficiência do acordo: 1) metas nacionais não obrigatórias que, somadas, caso fossem plenamente implementadas, levariam a um aumento de quase 3°C na temperatura média da Terra; 2) o conceito de descarbonização foi eliminado e não há referência ao fim do subsídio aos combustíveis fósseis (que em 2013 somavam US$ 5 trilhões, 7% do PIB mundial) nem à criação de impostos nacionais de carbono, o que mudaria o eixo central da economia; 3) As propostas anteriores de reduzir emissões de gases estufa entre 70% e 90% até 2050 foram substituídas por um difuso "o antes possível".

É interessante atentar ainda para outros pontos que Viola e Fraga levantam, a exemplo da recusa, por parte dos países de renda média - exceto a China - de transferir recursos para os mais pobres. Por outro lado, os US$ 100 bilhões anuais de transferência dos países ricos para os pobres, prometidos em Copenhague em 2009, voltaram ao acordo, mas sem ficar claro o montante de recursos públicos, os únicos que poderiam ser realmente garantidos. Ademais, esse total, de apenas 0,4% do PIB dos países ricos, está longe do necessário.

Para completar, o sistema de monitoramento de implementação das metas nacionais estabelecido é fraco, pois países como China e Índia o consideram uma intrusão na soberania nacional. E o sistema de revisão das metas a cada cinco anos, começando em 2023, desestimula os países a aprofundarem suas ações porque cria um prazo infindável, ou uma falta de prazo real.

Além dessas insuficiências, acrescento outra igualmente grave: a inclinação de algumas lideranças políticas a submeter os acordos internacionais aos intrincados interesses (confessos e inconfessos) de seus países. Querem liderar nos eventos, onde é glamouroso perfilar-se com países tidos como avançados nas agendas ambientais, mas não lideram dando exemplo em seus próprios ambientes, cumprindo as decisões que ajudaram a aprovar. O Brasil dos últimos anos está à frente desse bloco do "façam o que eu digo, mas não faço".

Relembrando:
- o compromisso de um bilhão para as ações de mitigação e adaptação, assumido pelo Brasil em Copenhague, sumiu em Paris, caiu no vazio da falta de contribuição dos emergentes para compor o fundo, salvo a honrosa exceção chinesa;

- mesmo com todo o empenho da diplomacia brasileira para viabilizar o protocolo de Nagoya, até hoje o governo, atendendo as pressões dos grupos contrários à proteção ambiental, não o encaminhou para ratificação no Congresso;
- a marquetagem governamental aproveitou-se da ousada ideia de desmatamento zero, levantada por organizações civis, para regularizar terras ocupadas pela grilagem e mudar o código florestal. Só conseguiu zerar a continuidade da queda no desmatamento que, após dez anos, voltou a crescer em 16%.

O "acordo de alta ambição" alcançado em Paris corre, portanto, o risco de não se realizar na prática. O consenso pode revelar, ao final, a impotência das lideranças políticas para efetuarem mudanças no modelo de consumo e produção. A autorização para estabilizar as emissões em 1,5°C pode ser eloquente, porém ainda vazia. Não seria a primeira vez que a humanidade estabelece um padrão elevado sem criar condições de alcançá-lo.

Lembro o escritor Mia Couto e seu artigo "Os sete sapatos sujos". Um deles é a crença de que as declarações se cumprem só por estarmos de acordo com elas. Foi assim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada na Assembleia Geral das Nações em 1948: avançou, nas mais diversas regiões do mundo, mas tão lentamente, com tanta descontinuidade, que milhões de pessoas ainda suportam sofrimentos inaceitáveis.

Temos agora um novo enigma, enunciado em Paris. Ele desafia governos, empresas, movimentos sociais, cientistas, cidadãos e cidadãs do mesmo modo que o enigma proposto ao Édipo Rei, de Sófocles: decifrem-me em metas, prazos, recursos e decisões práticas, ou vos devorarei no abismo da crise ambiental planetária. Afinal, não nos faltam ambições, fartamente realizadas, nem declarações, aplaudidas e celebradas. Só precisamos agora de compromisso com a urgência de ação.
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Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da República em 2010 e em 2014.

Fernando Pessoa: A Novela Inacabada

A novela inacabada,
Que o meu sonho completou,
Não era de rei ou fada
Mas era de quem não sou.

Para além do que dizia
Dizia eu quem não era...
A primavera floria
Sem que houvesse primavera.

Lenda do sonho que vivo,
Perdida por a salvar...
Mas quem me arrancou o livro
Que eu quis ter sem acabar?

Paulinho da Viola: Novos Rumos