domingo, 13 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Fernando Gabeira

Tudo se passa com um governo paralisado. Mesmo os que apoiam Dilma sabem que é fraca. E não é apenas fraca como é fraco um governo que não deu certo. É também vulnerável. Se o impeachment não vier com as pedaladas fiscais, outros fronts vão se abrir. No TSE serão julgadas suas contas, certamente entrelaçadas com os recursos do mensalão. Na Lava-Jato, Cerveró está revelando como se comprou Pasadena.
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Fernando Gabeira, jornalista, ‘Esperando o japonês’, O Globo, 13 de dezembro de 2015.

Temer promete mais poder para atrair partidos

• Siglas da base, como PR, PP e PSD, teriam mais espaço num futuro governo

• Planalto tenta reagrupar seus aliados e pressiona ministros e governadores para ampliar os votos favoráveis à presidente

O grupo político do vice-presidente Michel Temer lançou ofensiva junto a parlamentares da base aliada, como os de PR, PP e PSD, para aprovar o impeachment da presidente Dilma. Na linha de frente dessa equipe estão ex-ministros, como Eliseu Padilha, e ex-deputados do PMDB, como Sandro Mabel e Geddel Vieira Lima, informam Simone Iglesias e Júnia Gama. São oferecidos mais espaços no governo e a garantia de que emendas parlamentares serão incluídas nos programas dos ministérios. Já o governo tenta reagrupar sua base, valendo-se da influência de governadores aliados e ministros.

Ao pé do ouvido

• Aliados de Temer tentam conquistar votos pró-impedimento fazendo promessas para eventual governo

Simone Iglesias e Júnia Gama - O Globo

-BRASÍLIA- Mais do que cargos, deputados e presidentes de partidos da base aliada têm recebido acenos de que passarão a ter poder político real para influenciar diretamente decisões em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer. Em conversas que se intensificaram nas últimas semanas, parlamentares de partidos que compõem o “centrão” da base aliada, como PR, PP e PSD — aqueles que tradicionalmente apoiam todos os governos, à exceção de PT e PCdoB — se tornaram alvo de investidas do grupo do vice, que busca votos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na linha de frente da execução dessa estratégia estão os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e os ex-deputados peemedebistas Rodrigo Rocha Loures, Geddel Vieira Lima e Sandro Mabel, este último o mais ativo da equipe nas conversas dentro da Câmara.

Os principais argumentos usados são os estilos diferentes de Dilma e Temer na convivência política; a ampliação de espaços no governo, e a garantia de que os compromissos assumidos serão cumpridos. Sempre “muito discreto”, contam os políticos que tiveram encontros recentes com o vice, Temer fala em respeito ao Parlamento e cita que irá incorporar aos programas dos ministérios as emendas dos deputados, garantindo sua execução, e fazendo sair do papel a obrigação de o governo cumprir o orçamento que for aprovado pelo Congresso — levando ao que ele próprio chamou na sexta-feira de “semiparlamentarismo”.

— Não se fala em distribuição fria de cargos, “você vai ser ministro disso ou daquilo”. As conversas giram em torno da ideia do governo de coalizão e que espaço não é problema, haverá para os que chegarem e será ampliado aos que já estão — disse ao GLOBO um dos deputados participantes das reuniões.

Nos últimos 15 dias, o vice conversou com presidentes de partidos da base aliada, como Marcos Pereira, do PRB; dirigentes do PSB e até o presidente do oposicionista Solidariedade, Paulo Pereira da Silva. Além das sinalizações de compartilhamento do poder, integrantes da base relatam que interlocutores de Michel Temer já começaram a fazer acenos com cargos em um eventual governo do peemedebista.

Ministérios no centro das especulações
Ministérios hoje ocupados por defensores de Dilma Rousseff estão no centro dessas especulações, especialmente aqueles que alojam representantes de parcelas de bancadas que já não são maioria, como Saúde e Ciência e Tecnologia. Os respectivos ministros dessas duas pastas, os peemedebistas Marcelo Castro e Celso Pansera — ambos contrários ao impeachment —, foram indicados ao cargo por Leonardo Picciani (PMDB-RJ), destituído da liderança do partido na semana passada.

Governistas que tentam recompor o apoio no Congresso para barrar o processo de impeachment dizem que enfrentam hoje uma dupla dificuldade na disputa pelos votos dos deputados. Primeiro, a falta de credibilidade do Planalto pelo descumprimento de acordos firmados anteriormente com a base aliada. E, para completar, o ex-ministro Eliseu Padilha carrega consigo uma planilha do tempo em que ocupou a articulação política de Dilma com um amplo mapeamento sobre os pedidos dos parlamentares em diversas esferas, com respostas sobre o que foi ou não contemplado.

— O governo não tem dinheiro para liberar emendas, e muitas nomeações estão travadas. Em vez de jogar com transparência e dizer que alguns casos não podem ser resolvidos e oferecer uma alternativa, o governo quer continuar fazendo reuniões para marcar novas reuniões — resume um líder governista.

O que mais tem atraído a atenção dos parlamentares é a possibilidade de ter um presidente de postura menos hostil do que Dilma. Deputados relembram nas conversas a relação que tinham com Temer nas três vezes em que ele presidiu a Câmara e acreditam que seu estilo “educado”, “gentil” e “agradável” integrará os aliados.

— Ninguém aguenta mais ser escrachado em reunião com a presidente. Temer é um lorde, e este é o maior ponto fraco de Dilma dentro da Câmara — disse um líder aliado pedindo reserva ao GLOBO.

Por trás de tantas conversas e promessas de um governo de real coalizão está a busca por votos para derrubar Dilma. Na semana passada, a votação secreta para a escolha da chapa que iria compor a comissão do impeachment serviu como um termômetro: a oposição teve 272 e o governo, 199. Os líderes dos partidos da base identificaram imediatamente defecções nas bancadas, situação que irá se repetir em todas as votações sobre o tema. Faltam à oposição 70 votos para atingir os 342 necessários (dois terços) para aprovar a admissibilidade da ação contra Dilma. Representantes partidários que estiveram em conversas com Temer nos últimos dias dizem que o mais importante agora é ficar claro que será um governo de “união nacional”, e não apenas do PMDB.

Por apoio, Planalto pressiona ministros

• Estratégia inclui ainda conversas com governadores e líderes das bancadas

Catarina Alencastro, Washington Luiz, Simone Iglesias, Júnia Gama - O Globo

-BRASÍLIA- O esgarçamento da relação do governo com o PMDB, seu principal aliado, tomou contornos imprevistos: a presidente Dilma perdeu o ministro da Aviação Civil e teve que lidar com uma carta do vice Michel Temer, que foi interpretada como rompimento. Esses movimentos levaram a balança do PMDB, partido dividido, a pender pela 1ª vez contra o governo, aumentando a instabilidade no Planalto. Dilma, então, busca ampliar o leque de aproximação com os aliados, tentando convencê-los de que embarcar no impeachment é uma aventura perigosa, que abre precedentes que podem levar vários outros governos a serem afetados.

Com a união das oposições, agora publicamente favoráveis ao impeachment, a estratégia no Planalto é seguir fazendo defesa jurídica de que não há argumentos legais; lutar para não perder mais apoios dentro da base aliada; e se preparar para o embate com a opinião pública.

Desde que o pedido de impeachment foi aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Dilma passou a se expor quase diariamente em eventos públicos. O objetivo é ganhar espaço para o discurso contra o impeachment e tentar passar a imagem de que o governo continua ativo, com atos e projetos.

E a partir da união da oposição, o governo pretende agora associar os rivais a Cunha, que teria agido de forma vingativa.

— O PSDB volta a ficar de braços dados com Cunha. Essa união macula a imagem do PSDB, que se alia com uma pessoa notoriamente revanchista e chantagista — diz uma fonte palaciana.

Uma peça importante nesse xadrez é aferir o tamanho real da base de apoio no Legislativo. Com o aumento das traições e a queda do aliado Leonardo Picciani da liderança do PMDB, o governo mudou o formato das reuniões de líderes e agora opta por encontros reservados. E tem investido ainda em dois instrumentos para tentar reagrupar a base. Os governadores, que dependem da saúde financeira e da boa vontade do governo federal, e os ministros indicados pelas bancadas para a Esplanada.

No caso dos governadores, os resultados têm sido restritos. Em boa parte dos casos, os que prometem apoiar Dilma o fazem mais por uma questão institucional. No PSB, que tem três governadores, apenas um tem representação de seu estado na Câmara: Paulo Câmara, de Pernambuco. Apesar de ter assinado nota contrária ao impeachment, aliados dizem que ele não pretende trabalhar os deputados para que se realinhem ao governo.

No PMDB, Dilma tem cobrado dos ministros Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) engajamento para ampliar os votos pró-governo. Até o momento, os esforços não trouxeram resultado. Prova disso foi a destituição de Picciani, fiador das nomeações.

Semana terá protestos pelo país contra e a favor do impeachment

- O Globo

-RIO e SÃO PAULO- A semana começa movimentada, com grupos contrários e favoráveis ao afastamento de Dilma Rousseff protestando nas ruas do país. Hoje, grupos que lideram movimentos contra o governo pretendem realizar atos em pelo menos 89 cidades. O maior deles deve ser na Avenida Paulista. Os organizadores chamam o protesto de “esquenta para o impeachment”. Já na quarta-feira, sindicatos e movimentos sociais apoiarão a presidente em atos pelo país. Não há estimativa de quantas cidades deverão participar.

O protesto de hoje foi organizado por grupos como Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre. Segundo Marcello Reis, do movimento Revoltados Online, a Paulista será ocupada por dez trios elétricos, enquanto Copacabana, no Rio, terá quatro carros.

Ontem, a página do Vem Pra Rua no Facebook ficou fora do ar por cerca de quatro horas. Por volta das 16h, já com a página de volta, o Vem pra Rua classificou o ato como “censura”. À noite, o Facebook informou que a página saiu do ar por falha técnica e pediu desculpas pelo ocorrido.

Já os movimentos que estão com Dilma, como CUT e MST, marcaram para ir às ruas quarta-feira. Além de serem contra o impeachment, devem pregar contra o ajuste fiscal e pedir o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara.

No Centro do Rio, um protesto contra Cunha reuniu ontem cerca de 400 pessoas, segundo os organizadores. Os manifestantes picharam a frase “Fora Cunha” em lojas do edifício onde o deputado tem um escritório, no Largo da Carioca.

Protestos deste domingo prometem pressionar Congresso

• Atos anti-Dilma foram convocados por grupos como Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre em mais de 100 cidades

Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

Os movimentos que organizaram os três grandes protestos de rua para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff marcaram para hoje novos atos, desta vez com o objetivo de emparedar o Congresso. Se em abril, maio e agosto as manifestações eram a forma de pressão para que o pedido de impedimento fosse aceito, a partir do acolhimento, no dia 2, as ruas passaram a ser consideradas tanto pelo governo quanto pela oposição como o termômetro para a tramitação do processo no Parlamento.

O desafio extra para os organizadores é realizar, em um prazo de menos de duas semanas, um protesto que seja mais representativo que o ato de apoio a Dilma organizado como um contraponto aos movimentos sociais alinhados ao PT, como a CUT, MTST e UNE, que esperam levar 50 mil pessoas às ruas de São Paulo e Brasília na quarta-feira.

Pegos de surpresa com a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) após protelar por diversas vezes o acolhimento do pedido de impedimento da presidente, os organizadores dos atos pró-impeachment dizem que, em função do pouco tempo para mobilização, não têm a pretensão de achar que o ato de hoje será algo do porte que levou milhares de pessoas às ruas em 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto. Por isso, a manifestação de hoje é considerada um “esquenta” para um grande protesto que deve ser realizado em 2016, ainda sem data marcada.

Ainda assim, o feedback nestas duas semanas empolgou o empresário Rogério Chequer, porta-voz do Vem Pra Rua. “Vai ser um pouco acima de um esquenta”, disse ele. O empresário argumenta que, inicialmente, o plano era envolver apenas as capitais, mas houve demanda espontânea de outras cidades.

Para Renan Santos, um dos líderes do Movimento Brasil Livre, a interação nas redes é maior que nos atos anteriores. “Conversamos com as pessoas nas ruas e tem muita gente sabendo. Vamos ver como será.” Até sexta-feira à tarde, o Vem Pra Rua tinha confirmado atos em 85 municípios e o MBL, em 67. Em alguns deles, os grupos dividirão espaço entre si e com outros movimentos de menor expressão.

2016. Em São Paulo, cinco carros de som se concentrarão próximos ao Masp, na Avenida Paulista. O MBL vai levar balões gigantes com os rostos de Dilma, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin e dos deputados Celso Russomanno (PRB-SP) e Rogério Rosso (PSD-DF). “Estamos de olho em 2016”, disse Renan Santos.

No Rio, o diretório carioca do PSDB convidou Cunha para o protesto no Posto 5, em Copacabana. Por meio de sua assessoria, o presidente da Câmara informou que não comparecerá ao ato, organizado por cerca de dez movimentos anti-Dilma. / Colaborou Constança Rezende

Temer ignora apelo de Dilma e tenta unir PMDB em torno do impeachment

• Mesmo após terem selado um acordo de paz na quarta-feira, vice e a petista continuarão a trabalhar para dividir as bancadas peemedebistas no Congresso

Adriano Ceolin – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Numa “guerra fria” em que o rompimento se mostra iminente, a presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, definiram esta semana estratégias distintas para enfrentar o processo de impeachment. No roteiro do vice – que assumirá a Presidência num eventual afastamento de Dilma – o ponto principal é a unificação da bancada do PMDB da Câmara, dividida ao meio pelos vaivéns sobre a escolha do seu líder.

No campo oposto, o Palácio do Planalto aumenta a pressão sobre os deputados da bancada peemedebista que detêm cargos do governo federal, sobretudo nos Estados. As ameaças lado a lado serão cada vez mais frequentes.

Na conversa que tiveram na noite de quarta-feira, Temer e Dilma afirmaram que buscariam uma convivência “profícua”. No entanto, o vice deixou claro que vai se dedicar ao comando do PMDB. Segundo aliados do vice, se Dilma buscar fustigá-lo dentro da sigla, Temer vai promover uma convenção do partido para consolidar o rompimento com o governo.

Antes, porém, o vice almeja unificar a bancada do partido em torno do seu nome. Depois, pretende atrair para sua órbita outros partidos da base do governo, como PSD, PR, PTB e PP. O arremate da tática é forçar a saída dos ministros peemedebistas remanescentes na Esplanada.

Segundo relatou ao Estado um auxiliar do vice-presidente, a estratégia inicial é “consolidar” a força de Temer na Câmara. “Esse é o primeiro passo, pois temos certeza de que, se houvesse uma convenção nacional do partido agora, a tese do rompimento venceria de lavada”, disse. Hoje, no entanto, o Planalto ainda exerce muita influência na bancada. “A caneta ainda está com a Dilma”, afirma um deputado peemedebista da ala governista.

O mesmo se reproduz em outros partidos da base aliada. “É por isso que está todo mundo de olho no PMDB. Se de fato o partido se unir e romper em favor do impeachment, os demais partidos da base vão fazer o mesmo”, conta um dirigente do PP que tem participado das conversas com o grupo de Temer. “Podemos ir até o velório, mas ninguém vai querer ser enterrado com o governo.”

A divulgação da carta a Dilma em que reclama de falta de confiança foi o primeiro passo de Temer em favor do rompimento. Depois, os aliados mais próximos do vice articularam a troca do líder do PMDB na Câmara. Tachado como “demasiadamente governista”, Leonardo Picciani (RJ) foi trocado por Leonardo Quintão (MG). Agora, Picciani quer dar o troco em Quintão com alterações na bancada.

A decisão foi tomada após apresentação de uma lista à Mesa Diretora da Câmara com o apoio de 35 dos 66 deputados em favor de Quintão. O Palácio do Planalto vai tentar reverter essa decisão. Alguns deputados, que detêm cargos federais em seus Estados, começaram a ser pressionados a voltar atrás e assinar uma nova lista para Picciani reconquistar a liderança.

“Se fizerem isso, vamos reagir com a convocação da convenção nacional e promover o rompimento definitivo com o governo”, diz o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). “Não será tolerada nenhuma ação agressiva do Planalto sobre a bancada. Temos capacidade de pensar o que é melhor para o Brasil.”

Ministros. Após garantir a união dentro do PMDB, o próximo passo do grupo de Temer é pressionar a demissão dos ministros ligados à bancada do PMDB. Indicados por Picciani, Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) já adiantaram que vão tentar resistir. Castro chegou a dizer que se fosse preciso voltaria ao cargo de deputado para ajudar Picciani voltar à liderança.
Com origem na Câmara, mas garantido no cargo graças a Temer, o ministro Henrique Eduardo Alves (Turismo) tem dito publicamente que vai trabalhar para que não haja rompimento com Dilma. Contudo, a interlocutor próximo, já disse que fica no cargo “só até a hora que o Michel quiser”.

Uma guerra sem trégua no Planalto

Vera Rosa e Isadora Peron – O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff decidiu ignorar o pedido do vice Michel Temer, que não quer ver o governo interferindo no PMDB. Embora o discurso para consumo externo seja de que os dois acertaram os ponteiros, nos bastidores há uma guerra entre o Palácio do Planalto, Temer e a ala do PMDB comandada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ).

O PMDB virou um partido em disputa. Na batalha para salvar o mandato, Dilma tenta ampliar a rede de apoios em outras siglas, numa espécie de frente contra o impeachment. A operação inclui a distribuição de cargos e a oferta da Secretaria da Aviação Civil, antes ocupada por Eliseu Padilha – aliado de Temer – para outro grupo do PMDB.

O governo também investe todas as fichas para reconduzir Leonardo Picciani (RJ) à liderança do PMDB na Câmara. Ligado a Dilma, Picciani foi defenestrado pelo grupo de Cunha, com a bênção de Temer. “Não é só manobra. É golpe mesmo, sem disfarce”, provocou o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que na quinta-feira jantou com Dilma, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), no Alvorada.

Nessa briga em que as armas de cada lado estão postas, a estratégia final reside no Senado. É no presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que Dilma deposita a maior esperança para escapar da deposição. O problema é que há uma Operação Lava Jato no meio do caminho, o que contribui para tornar imprevisível o desfecho dessa história.

Crise trinca imagem do PMDB do Rio

• Operação Lava Jato, turbulência político-econômica e agressão doméstica enfraquecem diretório estadual que hoje se põe ao lado de Dilma

Luciana Nunes Leal – O Estado de S. Paulo

RIO - Em 19 de dezembro de 2014, um almoço no hotel Windsor Atlântica reuniu a cúpula do PMDB do Rio e parlamentares de vários partidos em apoio à candidatura do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara. O governador Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes e o deputado Leonardo Picciani (RJ) eram efusivos nos elogios a Cunha e comemoravam o fato de que o Rio voltaria ao comando da Câmara depois de 40 anos. O ano de 2015 começou com a vitória de Cunha no 1.º turno, a eleição de Picciani para a liderança do PMDB na Casa e Paes citado como possível candidato do partido à Presidência da República em 2018.

Passado um ano, o prestígio do PMDB-RJ está em baixa. Afastado dos líderes regionais desde que rompeu com o governo, em julho, Cunha é acusado de manter contas bancárias na Suíça não declaradas à Receita Federal, tenta evitar a abertura de processo de cassação de mandato no Conselho de Ética e é pressionado a deixar o comando da Câmara.

Picciani foi destituído da liderança em manobra que teve a participação de Cunha. Eduardo Paes se esforça para salvar a pré-candidatura do secretário de Coordenação de Governo, Pedro Paulo, à prefeitura da capital, depois que se tornaram públicas agressões físicas e ameaças feitas pelo afilhado do prefeito à ex-mulher. E Pezão não consegue fechar as contas do Estado.

Reflexo. As agruras do PMDB fluminense não são apenas um problema local. Elas tornam mais difícil a vida da presidente Dilma Rousseff. No PMDB, o diretório do Rio é o mais próximo da petista e o mais atuante no movimento contra o impeachment. Adversários de Dilma na disputa presidencial de 2014, Leonardo Picciani e o pai, Jorge Picciani, deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa e presidente do PMDB-RJ, se tornaram defensores incansáveis da permanência da presidente no cargo.

Como líder, Leonardo tentou garantir a presença somente de peemedebistas pró Dilma na Comissão Especial que analisará o impeachment e acabou caindo. Seu substituto na liderança do PMDB, Leonardo Quintão (MG), diz que respeitará a tendência da bancada.

Com apoio do governo, Picciani, Paes e Pezão tentam levar Leonardo de volta à liderança. O movimento irritou o vice-presidente Michel Temer, presidente nacional do PMDB, que já se ressentia da relação direta de Dilma com os Picciani, como ocorreu na reforma ministerial de outubro, quando a bancada da Câmara indicou os titulares da Saúde, Marcelo Castro (PI), e de Ciência e Tecnologia, Celso Pansera (RJ).

A tensão entre os peemedebistas continua. Na quinta-feira passada, Marcelo Castro cobrou de Quintão uma posição sobre o impeachment, que disse não ter lado nessa questão. O ministro respondeu que essa não era atitude de líder.

Pezão minimiza os percalços do PMDB do Rio e diz que sua grande preocupação é enfrentar a forte retração econômica. “Todo partido tem altos e baixos. Até essa questão do impeachment terminar, toda hora vai ter cotovelada para cá e para lá. Estou preocupado com os Estados em frangalhos e os municípios em situação pior ainda.

Movimentos pró-impeachment programam atos em mais de cem cidades

- Folha de S. Paulo

Movimentos que defendem o impeachment de Dilma Rousseff vão às ruas neste domingo (13) em ao menos 100 cidades do país para pedir a saída da presidente.

Além de São Paulo, onde a manifestação está marcada para as 13h na avenida Paulista, estão previstos atos em todas as capitais e mais de 75 cidades.

BELÉM - Com carros de som, manifestantes pró e contra o impeachment concentram-se na Praça da República, centro de Belém.

Discursos de manifestantes da CUT e da CTB, contra o impeachment, são recebidos com vaias e gritos de "ladrão" pelos manifestantes anti-Dilma.

Muitos policiais estão no local, mas não há registro de tumultos. Estimativa do Movimento Brasil Livre, pró impeachment, é de mil manifestantes no local. A Polícia Militar ainda não divulgou números.

RECIFE - Na manhã deste domingo, no Recife, manifestantes começaram a se concentrar na Praça do Março Zero, Bairro do Recife. A maioria está com camisas verdes e amarelas e bandeiras do Brasil.

Além dos 30 policiais militares que fazem a segurança do Bairro do Recife todos os domingos, chegaram mais 20 soldados do Batalhão de Choque para acompanhar o ato pró-impeachment.

SÃO PAULO (SP) - Manifestantes a favor do impeachment de Dilma começam a se reunir na av. Paulista. Um carro de som do grupo Movimento Endireita Brasil, contrário ao governo, põe para tocar paródias de músicas brasileiras em que as letras fazem críticas à presidente e ao governo do PT.

Em uma delas, o refrão da canção "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré ("Vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"), foi substituito por "Dilma vai embora, que o Brasil não quer você/E leve o Lula junto e os vagabundos do PT".

Alberto Aggio:O Gramsci que “conhecemos” e o que ele inspirou

Gramsci é, no Brasil, um autor bastante conhecido e com um número estável de leitores. A primeira edição dos Cadernos do Cárcere é da década de 1960 e foi reeditada no final a década seguinte, num contexto de luta contra a ditadura. Uma nova edição dos Cadernos, que mescla a edição temática dos anos sessenta com a edição crítica publicada na Itália a partir de 1975, veio à luz nos últimos anos do século passado, com vários dos seus volumes já reimpressos. Há tempos registra-se uma difusa assimilação do pensamento gramsciano. As teorias de Gramsci se tornaram de uso comum e identificáveis por meio de conceitos como “hegemonia”, “guerra de posições”, “revolução passiva”, “transformismo”, “americanismo” e outros. O pertencimento de Gramsci à história do marxismo e do comunismo é patente, ainda que ele seja reconhecido, mas não generalizadamente, como um pensador político original. 

Desde o final da década de 1970, a progressiva difusão do pensamento gramsciano contribuiu e alimentou um novo “programa de ação” para a esquerda brasileira: organizar a luta contra o autoritarismo. Além de Gramsci, outros pensadores animaram esse movimento, como Norberto Bobbio, Hannah Harendt e Jürgen Habermas. Mas foi com Gramsci que se instituiu no universo de reflexão da esquerda as temáticas e as visões críticas da história brasileira a partir de uma perspectiva de longa duração. Com a difusão e a assimilação de Gramsci se começa a pensar o Brasil tomando como referência a Alemanha e a Itália, países que não chegaram à ordem burguesa por meio do percurso revolucionário francês. 

Por meio das referências gramscianas, se passa a reconhecer que o país era “ocidental” e que se havia estruturado como um país moderno pela via autoritária, sobretudo a partir de 1964. Isso requeria da esquerda uma nova leitura da democracia. Sem ela, a esquerda não seria capaz de se tornar um ator relevante na luta contra o autoritarismo e lhe faltaria uma “grande política” que pudesse lhe guiar numa nova situação democrática.

Naquele contexto, o Gramsci que conheceríamos não seria aquele da luta operária, mas o Gramsci inspirador de uma luta política geral, cuja tradução política se exprimia na ideia de que, para combater o autoritarismo, era necessário “fazer política” e construir alianças que objetivassem a conquista da democracia. O Gramsci dos intelectuais, da hegemonia e da guerra de posição se encontrava então em campo aberto, em diálogo com outras correntes de pensamento, em particular as liberais, jogando a esquerda para dentro do debate público sobre as questões do pluralismo como horizonte político-cultural: um diálogo que nem a esquerda nem os liberais estavam acostumados. Em síntese, a difusão das ideias de Gramsci contribuiu para amadurecer na esquerda brasileira uma perspectiva crítica a respeito da sua história precedente, de forte matriz golpista e autoritária, pouco afeita aos temas decorrentes da política democrática.

No contexto de luta pela democracia no Brasil, o mais importante ensaio de corte gramsciano foi, sem dúvida, A democracia como valor universal, de Carlos Nelson Coutinho (1979), que representou um marco divisório na cultura política da esquerda brasileira, sobretudo no que diz respeito à revalorização da democracia. O ensaio tem muitos méritos e foi extremamente influente. Embora Carlos Nelson Coutinho valorizasse temáticas como a “ampliação do Estado”, ajudando a esquerda a compreender a natureza “ocidental” da sociedade brasileira, entendia que não se deveria cogitar nenhuma “leitura mais complexa” do conceito gramsciano de revolução passiva. No ensaio de 1979, as formulações a respeito da realidade brasileira aparecem inteiramente subordinadas ao enfoque leninista, assim sintetizada no subtítulo do seu segundo item: “o caso brasileiro: a renovação democrática como alternativa à via prussiana”. A ênfase não era irrelevante e nem foi esporádica. Em diversos textos posteriores, Carlos Nelson Coutinho se empenhou em definir a transição brasileira à modernidade capitalista identificando revolução passiva a uma “contrarrevolução prolongada” (a expressão é de Florestan Fernandes), por definição reativa à mudança social.

Este é um tema importante na discussão sobre Gramsci no Brasil: se admitirmos que o conceito de “via prussiana” descreve uma situação histórica na qual está anulada a possibilidade do ator da antítese ao capitalismo de assumir, pela política, um papel afirmativo no processo de modernização capitalista, a pergunta que emerge naturalmente é se a categoria de “revolução passiva”, elaborada por Gramsci, pode ser compreendida no sentido de se admitir um novo protagonismo do ator da antítese no interior do processo de modernização capitalista. Luiz Werneck Vianna, em seu livro Revolução passiva: americanismo e iberismo no Brasil (1997), responde afirmativamente a esta pergunta, esclarecendo que na revolução passiva se pode desenvolver a ação de um ator que represente uma “antítese vigorosa” e empenhe de maneira intransigente todas as suas potencialidades (p.78). 

A revolução passiva, como critério de interpretação de processos históricos, é útil ao ator que se invista da representação de portador das mudanças, “capacitando-o, a partir de uma adequada avaliação das circunstâncias que bloqueiam seu sucesso imediato e fulminante, a disputar a hegemonia numa longa ‘guerra de posições’, e a dirigir o seu empenho no sentido de um transformismo ‘de registro positivo’, assim desorganizando molecularmente a hegemonia dominante, ao tempo em que procura dar vida àquela que deve sucedê-la”. (...) “A exploração do transformismo de ‘registro positivo’ é indicada em processos societais novos na sociedade brasileira, muito especialmente depois da institucionalização da democracia política em meados dos anos 80” (p.09). 

A revolução passiva é, portanto, um critério de interpretação “que poderia servi-lo no sentido de mudar a chave da direção do transformismo: de negativo para positivo”. Graças a esse conceito, Gramsci cria “a possibilidade de uma tradução do marxismo como uma teoria da transformação sem revolução ‘explosiva’ de tipo francês”.

Como se sabe, a história brasileira nunca protagonizou uma revolução de tipo “jacobino”. As grandes transformações históricas do país foram moleculares ou caracterizadas por uma “dialética sem síntese”, no interior da qual os elementos de novidade e de modernidade foram introduzidos, no mais das vezes, por grupos sociais anteriormente contrários à modernização. Os ciclos da longa “revolução passiva á brasileira” (L. W. Vianna) vão da fundação do Estado Nacional até o recente processo de democratização vivido pelo país, passando pelo período Vargas, pela democracia de 1946 e pelo autoritarismo das décadas de 1960 e 1970. Neste longo período histórico, Estado assume o papel de agente modernizador e condutor das transformações históricas, em geral sem a participação da sociedade civil, estabelecendo a lógica de conservar-mudando. Essa lógica faz com que as transformações históricas no Brasil ocorram sem abalos violentos, o que ajuda a conservar a precedente hegemonia dos grupos sociais mais atrasados.

Nos dias que correm, contrariando as enormes esperanças, os governos do PT, desde 2002, não se constituíram numa alternativa ao longo processo da "revolução passiva à brasileira". Ao contrário, no governo, o PT conduziu a modernização associando-se às elites agrárias e industriais, abrigando-as no seio de um enorme Estado, inteiramente dependente do Poder Executivo. O alargamento do poder de consumo das classes populares fez parte dessa estratégia e a figura de Lula passou a ser essencial a esse tipo de transformismo. Manteve-se dirigismo estatal, o patrimonialismo e o corporativismo ao invés de se estabelecer um nexo renovador entre democracia, autonomia, mercado e bem-estar. Nascido do moderno parque industrial paulista, isto é, da face americanista mais visível do país, o PT no governo foi derivando progressivamente para a velha tradição ibérica de supremacia do Estado sobre a sociedade que havia marcado a história brasileira. O PT é, como já se disse, uma monografia particular do Brasil, articulada por uma síntese de americanismo e iberismo, na qual o Estado continua a contrapor-se à sociedade civil, controlando molecularmente as transformações, obedecendo à lógica do conservar-mudando, e impedindo consequentemente o desenvolvimento autônomo da sociedade civil.

Mudar as relações entre a sociedade civil e o Estado e fazer com que a mudança dirija a conservação, não significa adotar uma espécie de antirrevolução passiva, instalando um processo de rupturas de corte jacobino. Transformar o caráter recessivo da “revolução passiva à brasileira” demanda a construção de uma cultura política republicana, que contribua para a geração de uma sociedade civil autônoma, capaz de associar-se politicamente para a condução dos destinos do país. É esse o desafio que está colocado: buscar, com realismo, as balizas e os parâmetros de uma grande reforma da política, de caráter republicano, que reverta os termos da atual modalidade de “revolução passiva à brasileira” e ao mesmo tempo recomponha a confiança do país em continuar vivenciando e ampliando a democracia política.

O pensamento de Gramsci apresenta-se hoje no Brasil essencialmente por meio de uma disjuntiva. De um lado, o Gramsci da “política democrática”, ou seja, da política-hegemonia, enquanto “hegemonia civil”. De outro lado, temos o Gramsci como expressão da “política revolucionária”. Na primeira "leitura", a revolução não é mais o centro da elaboração política e a perspectiva se deslocou no sentido de exercitar o conceito de revolução passiva até seus limites, isto é, acionar permanente e intransigentemente a política democrática no interior da perspectiva de "rovesciare" a longa revolução passiva à brasileira, de marca autoritária e excludente, e lhe dar finalmente outro direcionamento. 

Essa perspectiva implica compreender que Gramsci se descolou da sua originária demarcação revolucionária, distanciando-se assim de um marxismo que ainda tem como referência uma época histórica de revoluções. De outro lado, a perspectiva de um "outro Gramsci" se desdobrou gradativamente em "outros Gramsci", mantendo-os, contudo, no universo diversificado da noção de "representação", agora num duplo sentido: representação de classe, com o fora anteriormente, e portanto numa perspectiva revolucionária, e, noutro sentido, representação como conservação e difusão de um imaginário revolucionário, no qual se quer resguardar os signos e significados de uma época revolucionária terminada há décadas.
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Alberto Aggio é historiador e professor da UNESP, presidente do Conselho Curador da FAP.

* Esse é a versão em português do artigo que apareceu no L’Unità em 7 de dezembro de 2015, com o título “Studiavamo Gramsci nel Brasile senza libertà” (http://www.unita.tv/opinioni/studiavamo-gramsci-nel-brasile-senza-liberta/) e que corresponde a uma súmula da palestra realizada na Fondazione Istituto Gramsci de Roma, em 25 de novembro de 2015.

Merval Pereira: O fortalecimento do Legislativo

- O Globo

O cientista político francês Maurice Duverger, grande teórico do tema, definiu o semipresidencialismo como o regime que reúne um presidente da República eleito por sufrágio universal e dotado de notáveis poderes, e um primeiro-ministro e um gabinete responsáveis perante o Parlamento. Esse aspecto do semipresidencialismo, o do aumento da responsabilidade do Legislativo no governo, parece fundamental aos estudiosos do assunto.

E faz com que o constitucionalista Marcelo Cerqueira lembre que o sistema francês foi adotado por Charles De Gaulle, que venceu um plebiscito contra o parlamentarismo até então vigente, como um contragolpe a uma tentativa de golpe de Estado. Para Cerqueira, não há motivos para adotarmos o modelo agora, mesmo na crise em que vivemos. Para o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, no Rio, o semipresidencialismo “fortaleceria os incentivos à coordenação política ao reduzir drasticamente as atribuições privativas do presidente, máxime no que se refere aos seus poderes legislativos”.

Para o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, “incrementa-se a responsabilidade política do Parlamento, que já não poderá se ocupar apenas da crítica, mas deverá participar também da construção do Governo”. Na visão de Barroso, o presidente da República “seria o garantidor da continuidade e da estabilidade institucional” e teria papel próximo ao do Poder Moderador, devendo agir como estadista e fiador das instituições.

Para Amorim Neto, uma proposta semipresidencialista deve reservar um papel fundamental ao presidente: símbolo supremo da unidade nacional, árbitro do governo, condutor da política externa e comandante em chefe das Forças Armadas. “Ao alçá-lo acima do jogo político, protegeria uma instância do Poder Executivo do descrédito que a opinião pública devota à classe política. Seu mandato fixo criaria uma referência de estabilidade em contraponto à ebulição inerente à administração do governo e às disputas no Congresso. A arbitragem presidencial se ampararia nas atribuições privativas de indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro e de dissolver a Câmara e convocar novas eleições”.

No arranjo institucional que Barroso propõe, o presidente, eleito por voto direto, conservaria uma série de poderes políticos importantes, embora limitados, incluindo: a indicação do primeiro-ministro, que dependeria de aprovação do Legislativo; a indicação de ministros dos tribunais superiores, comandantes das Forças Armadas e embaixadores; a condução das relações diplomáticas; a iniciativa de projetos de leis, em meio a outras competências.

O primeiro-ministro, por sua vez, seria o chefe de governo e da administração pública, atuando no varejo das disputas políticas e nos embates do avanço social. Na visão de Amorim Neto, a superioridade do governo semipresidencial sobre o presidencialismo está em aquele que “dissocia competência constitucional de influência política, enquanto este procura, por força de dispositivos legais, transformar ambas em uma identidade”. Ele diz que nossa História mostra que “essa identidade tem se mostrado falsa em várias ocasiões, como agora sob Dilma”. Como o semipresidencialismo dissocia competência constitucional de influência política? Em primeiro lugar, o semipresidencialismo não impede que o chefe de Estado faça sentir o peso de sua investidura democrática nas decisões do governo, se ele for o principal líder do maior partido na Câmara ou se tiver ascendência política sobre a coalizão.

Amorim Neto adverte que o semipresidencialismo não “cassa” o mandato do presidente, senão que cria um filtro partidário para sua influência sobre o governo, sob a condição de estar sintonizado com o maior partido e com os partidos que compõem a maioria parlamentar.” “Quando o perfil do presidente não se ajusta a essa condição, ele é ‘punido’ institucionalmente com um papel mínimo nas decisões governamentais e com sua influência circunscrita às competências constitucionais de chefe de Estado e de árbitro do governo”.

Ao presidente, além de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, só deveria ser dado o poder de veto total, a prerrogativa de solicitar ao Legislativo nova deliberação acerca de projetos de lei ou de algumas disposições, e a prerrogativa de requisitar ao STF a verificação da constitucionalidade das leis, como acontece em Portugal. Ao reduzir as prerrogativas presidenciais, analisa Amorim Neto, “reduzir-se-ia também a tendência a exorbitá-las, como é o caso, hoje, das medidas provisórias”. Mas como montar um Legislativo que possa assumir esse papel, em contraponto ao Congresso que temos, de Renans e Cunhas? As mudanças no sistema político-partidário serão analisadas em outras colunas.

Eliane Cantanhêde: STF no olho do furacão

- O Estado de S. Paulo

O ministro Joaquim Barbosa nem está mais no Supremo Tribunal Federal, mas o País pode ir se preparando para um clima de guerra na Corte a partir desta semana, quando o processo do impeachment de Dilma Rousseff bate as portas da Justiça.

Dilma levou um susto e perdeu triplamente na criação da Comissão Especial do impeachment: Eduardo Cunha manobrou para admitir a votação secreta e a apresentação de uma chapa anti-Dilma; a oposição venceu no final e emplacou os seus nomes; e Dilma só teve o voto de 199 dos 513 deputados. O governo concluiu que a coisa está feia e é preciso esvaziar o poder de Cunha e da Câmara.

Tirar da Câmara e levar para onde? Para o Supremo, onde o ministro Luiz Edson Fachin paralisou o processo por ao menos uma semana, e para o Senado, onde o presidente Renan Calheiros está a postos para embaralhar o processo de impeachment.

Se, na Câmara, o que se vê é quebra-quebra de urnas, troca de ofensas, safanões e manobras rasteiras, não se espere algo muito mais civilizado no Senado, principalmente agora que o PSDB decidiu se unir pelo afastamento de Dilma. Mas no Supremo?!

No mensalão, com as longas sessões transmitidas ao vivo, tivemos brilhantes aulas de Direito e pudemos assistir a um show de enfrentamento entre Joaquim Barbosa, relator e depois presidente do tribunal, e Ricardo Lewandowski, revisor e depois vice-presidente. Nem sempre dentro de padrões tradicionais, mas mesmo assim, ou até por isso mesmo, foram embates memoráveis.

E agora? Pelo que se ouve, vê e lê, os contendores da linha de frente tendem a ser, de um lado, o mesmo Lewandowski agora alçado à presidência e, de outro, um Gilmar Mendes armado até os dentes. E seja o que Deus, as pressões e a Constituição quiserem.

Na primeira batalha, destacou-se Fachin, que não apenas paralisou o processo como alardeou que vai apresentar na quarta-feira um “rito” para o impeachment. Como assim? Gilmar deu um pulo e não foi o único. Quem estabelece o rito nesse caso é o legislador, não o juiz.

A lei de 1950 que rege o processo por crime de responsabilidade é a mesma que serviu para apear Fernando Collor do poder. No caso dele, ninguém reclamou, o Supremo não foi acionado nem se manifestou. Aliás, manifestou-se anos depois para inocentar Collor, ou por falta de provas ou porque os crimes estavam prescritos. Agora, o Supremo não só é acionado como já está se manifestando abertamente e se jogando no olho do furacão político. A tendência, senhoras e senhores, é de que acabe rachando ao meio, como se casa política fosse.

Temendo a beligerância da Câmara, a Procuradoria-Geral da República requereu a anulação da primeira Comissão Especial do impeachment, enquanto Dilma pedia garantia de defesa prévia e já sustentava uma segunda questão: que a aprovação do impeachment pela Câmara não vinculará a decisão do Senado. Ou seja: o Planalto quer que o Senado ignore a decisão da Câmara, que tende a ser desfavorável a Dilma, e não instaure o processo.

Pelo artigo 86 da Constituição, porém, se a Câmara admitir a acusação contra a presidente por 2/3 de votos, o Senado terá que votá-lo, sem ter a opção de não instaurar o processo. E, instaurado o processo no Senado, a presidente será afastada por 180 dias, segundo o parágrafo primeiro do mesmo artigo. Exatamente como ocorreu com Collor.

Fachin quer mudar isso? O plenário do Supremo vai concordar? Com base em quê? E para quê? É isso que veremos ao longo desta nova semana de crise, descalabros e muita tensão. O foco estará dividido entre a Câmara, onde Cunha ultrapassa todos os limites, e o Supremo, onde todos e cada um dos ministros estarão em xeque.

Xô, crise. Emendo uma semana de férias com a folga de fim de ano. Volto à redação dia 28 e às páginas dia 30. Ótimo Natal!

Ferreira Gullar: No reino do faz de conta

- Folha de S. Paulo

A aceitação, pelo presidente da Câmara dos Deputados, do pedido de impeachment de Dilma Rousseff veio agravar a situação caótica em que já se encontrava o governo federal.

Em face disso, o PT, Lula, Dilma e seus aliados voltaram a falar de golpe, muito embora o impedimento do presidente da República seja um dispositivo da Constituição brasileira. Não se trata, portanto, de golpe.

E tanto isso é verdade que a própria Dilma, num de seus pronunciamentos, afirmou que irá lutar por seu mandato, lançando mão de todos os recursos que a Constituição lhe garante. Fora isso, como se sabe, a aceitação do pedido de impedimento é apenas o início de um longo processo que, além de uma comissão integrada por membros de todos os partidos, tem que ser aprovado por maioria de dois terços na Câmara Federal e depois no Senado. Chamar tal procedimento de golpe é querer, mais uma vez, enganar a opinião pública.

Aliás, os petistas são mestres nisso, a começar por Lula que, cada vez que fala, inventa uma versão nova dos fatos. O PT esteve à frente ou participou de pedidos de impeachment tanto de Itamar quanto de Fernando Henrique Cardoso e de Fernando Collor. Nesses casos, não era golpe, mas, contra Dilma, é. E os petistas afirmam isso com a maior desfaçatez.

Não sou a favor do impeachment da presidente Dilma, mas sou obrigado a admitir que não se pode confiar o governo da nação a pessoas que não têm qualquer compromisso com a verdade. E, agora, tendo que enfrentar o pedido de impedimento, as inverdades vão aumentar em número e tamanho: Lula já passou a dizer que se trata de um golpe contra o povo brasileiro e Dilma responsabiliza a oposição pelo agravamento da crise por que passa o país, pois ergue a bandeira do quanto pior, melhor.

Estão entendendo? A culpa da situação crítica que enfrentamos cabe à oposição, não ao governo. Se o déficit orçamentário atinge bilhões de reais, se o desemprego cresce assustadoramente e a inflação chega a 10%, a culpa é da oposição. Como faz isso, ninguém sabe, nem Dilma explica. Outra tese nova, que ela acrescenta a suas acusações é de que a oposição pretende tirá-la do governo para desfazer tudo de bom que ela e o Lula fizeram em favor dos pobres. Por coincidência, é a mesma acusação que fazia a seus opositores, o presidente Maduro da Venezuela, ao ver que ia perder as eleições de domingo passado, e perdeu. Aliás, Maduro é certamente o maior mentiroso da América Latina.

Já comentei, nesta coluna, a estranha atitude do PT diante da prisão de seu principal representante no Senado Federal, o senador Delcídio do Amaral. Causou surpresa a nota em que o presidente do partido negou solidariedade a ele. Foi uma atitude inesperada, uma vez que, em todos os casos anteriores envolvendo membros seus, a atitude do partido foi defendê-los e solidarizar-se com eles. Ninguém duvida do envolvimento de José Dirceu ou João Vaccari Neto nas falcatruas denunciadas pela Operação Lava Jato. Por que, então, tamanho repúdio a Delcídio?

É que, depois de tantos membros seus envolvidos em corrupção, o PT aproveitou a oportunidade para posar de defensor da moralidade. E se a tal nota causou surpresa, maior surpresa causariam as medidas posteriores, tomadas contra Delcídio do Amaral.

Com um rigor inusitado, nunca antes visto na história desse partido, sua direção decidiu expulsá-lo do quadro partidário, enquanto iniciava uma avaliação de seu comportamento antiético. Se a avaliação concluir pela gravidade dos delitos cometidos por ele, a sua expulsão será decididamente consumada. Isso para que ninguém pense que o PT tolera a corrupção. Ao ler tais notícias, fui obrigado a dizer a mim mesmo: nem parece o conhecido partido do rouba e deixa roubar.

Sucede, porém, que a expulsão de Delcídio não vai se consumar. Segundo soube, o ex-presidente Lula –que burro não é– se deu conta de que a direção do PT estava sendo ética demais e aconselhou o Rui Falcão a frear sua fúria moralizante. É que o defensor dos pobres não prega prego sem estopa –sabendo muito bem o que Delcídio poderia contar numa delação premiada, tirou o cutelo das mãos do Falcão.
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Ferreira Gullar, ensaísta, crítico de arte, poeta e membro da ABL

Luiz Carlos Azedo: O muro

• Para onde se olhe — a política externa, a nossa economia, as políticas sociais, o Congresso —, está evidente o colapso do presidencialismo de coalizão encabeçado pelo PT

- Correio Braziliense

No início dos anos 1980, a esquerda brasileira não havia se dado conta ainda de que o mundo que habitava deste a II Guerra Mundial, pautado pela “guerra fria”, havia deixado de ser bipolar. De certa forma, a onda neoliberal liderada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan, republicano, e pela primeira-ministra britânica Margaret Tatcher, conservadora, reforçava essa ideia. No Brasil, a luta contra o regime militar também corroborava essa visão, na qual o governo do presidente João Batista Figueiredo e o imperialismo ianque pareciam ser uma coisa só.

Não eram. A Guerra das Malvinas (1982), na qual os argentinos acreditavam que Washington, no mínimo, mediaria um acordo com a Inglaterra, já havia lançado por terra toda a doutrina de segurança nacional dos militares do continente. O aliado principal havia rasgado a Doutrina Monroe (1823) ao apoiar militarmente os ingleses. Os militares brasileiros começavam, então, uma retirada em ordem do poder, sob forte pressão das forças democráticas, que por muito pouco não conseguiram aprovar no Congresso a convocação de eleições diretas (1984).

A derrota do regime militar ocorreu, porém, no colégio eleitoral que havia sido montado para institucionalizá-lo, com a eleição de Tancredo Neves (1985), mas que faleceu antes de tomar posse. Quis o destino que a transição à democracia fosse comandada por seu vice, o presidente José Sarney. Quando as eleições diretas finalmente ocorreram, em 1989, o mundo passava por uma mudança que deixou a esquerda ainda mais perplexa: o colapso repentino da União Soviética e do chamado “socialismo real” no Leste europeu.

Nessa época, o líder soviético Mikhail Gorbachev tentava salvar o comunismo de seu esgotamento, com a perestroika (reestruturação) e a glasnost (transparência), uma tentativa frustrada de modernização e democratização do socialismo. O velho modelo leninista de economia estatal planificada e partido único havia sido ultrapassado pelas economias e democracias do Ocidente. Além disso, havia perdido legitimidade com as intervenções soviéticas na Hungria (1956), na Tchecoslováquia (1968) e na Polônia (1980).

Gorbachev tinha consciência da gravidade da crise do socialismo e acreditava que poderia salvá-lo do colapso, mas já era muito tarde. Recusou-se, porém, a reprimir as manifestações populares que resultaram na queda do Muro de Berlim, na unificação da Alemanha e no colapso dos regimes comunistas da Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e Iugoslávia.

Esse efeito dominó provocou uma reação conservadora. Na China, foi o massacre da Praça Celestial (1989); na URSS, o sequestro de Gorbachev, mas o golpe militar fracassou porque o povo se rebelou sob a liderança de Boris Yeltsin. De agosto a dezembro de 1991, o regime soviético deixou de existir sem que fosse dado um tiro.

O golpismo
Assim como uma parcela da esquerda acreditou que o golpe militar de 1964 teria sido derrotado se houvesse uma reação armada do governo João Goulart — bastaria bombardear as tropas do general Mourão Filho —, muitos ainda acreditam que o socialismo no Leste europeu sobreviveria se os comunistas soviéticos tivessem agido como seus colegas chineses.

Parte da esquerda brasileira, que se vangloria de ter recorrido à luta armada contra o regime militar, acredita que todos os meios são válidos para conquistar e manter o poder, como fizeram os comunistas russos na insurreição de 1917 e na posterior guerra civil, o que, aliás, acontece até hoje em Cuba. Um dos aspectos dessa concepção é a forma como se aparelha as instituições políticas e as organizações da sociedade civil, sem falar no que está sendo revelado pela Operação Lava-Jato.

Não precisamos olhar para os nossos vizinhos da Argentina e da Venezuela, essa concepção se fortalece entre nós em meio à crise atual. Para onde se olhe — a política externa, a nossa economia, as políticas sociais, o Congresso —, está evidente o colapso do presidencialismo de coalizão encabeçado pelo PT. Uma das maneiras de resolver a crise, já que o atual governo não é capaz de fazê-lo, é recorrer ao impeachment da presidente Dilma. Esse é o grande debate em curso na sociedade, em meio às crises ética, política, econômica e, agora, social. Quem deve decidir é o parlamento.

Trata-se de um mecanismo constitucional, já utilizado com êxito na deposição do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1992). O problema é que a esquerda no poder considera esse recurso golpista e está disposta a tudo para não permitir que seja utilizado. Para isso, utiliza a força do Estado contra a oposição e a sociedade, pressiona o Legislativo e o Judiciário. Na verdade, corremos o risco de bloquear a democracia brasileira e impedir qualquer mudança.

Bernardo Mello Franco: O vice avança

- Folha de S. Paulo

Numa semana que teve tapas, xingamentos e cabeçadas no Congresso, a principal notícia saiu do pacato Palácio do Jaburu. Seu morador ilustre, o peemedebista Michel Temer, reuniu a tropa e passou a avançar ostensivamente em direção à cadeira de Dilma Rousseff.

A máquina começou a andar, resume um aliado do vice-presidente. O alarme do Planalto soou na noite de segunda, com a divulgação da carta em que Temer sugere o rompimento com a companheira de chapa.

O correio elegante foi a senha para duas derrotas do governo na Câmara. O plenário aprovou uma chapa de oposição para a comissão do impeachment, em votação secreta e com os microfones desligados, e o governista Leonardo Picciani foi apeado da liderança do PMDB. Os dois movimentos bruscos levaram as digitais de Temer e Eduardo Cunha, velhos aliados que voltaram a jogar juntos contra Dilma.

Além de acelerar as reuniões políticas, o autor da carta ampliou os encontros com o setor privado. Na segunda, visitou a Fecomércio de São Paulo, onde foi aplaudido de pé ao apresentar o chamado Plano Temer. O novo programa do PMDB prevê, entre outras coisas, o fim dos gastos obrigatórios com saúde e educação, aprovados pela Constituinte do doutor Ulysses.

Na terça, o vice recebeu emissários do mercado imobiliário. Na quinta, como presidente em exercício, repetiu a pregação neoliberal a empresários gaúchos em Porto Alegre. Na sexta, voltou a encontrar o PIB paulista, na inauguração do instituto privado de Gilmar Mendes.

Diante do juiz do Supremo, Temer defendeu a adoção de um "semiparlamentarismo" e acenou com mais poderes e verbas para os parlamentares, que decidirão a batalha do impeachment. Gilmar, o ministro que não consegue disfarçar, saiu entusiasmado. "Temer é um excelente nome para as funções que exerce. Seria um ótimo presidente do Brasil", declarou.

Dora Kramer: Horizonte perdido

- O Estado de S. Paulo

Pouco a pouco, cada uma das condições das quais a presidente Dilma Rousseff dependeria para ver a possibilidade de impeachment definitivamente afastada vêm se mostrando desfavoráveis, contribuindo para nublar o horizonte que há menos de um mês o governo enxergava com esperança.

Na ocasião, meados de novembro, ministros com acesso ao gabinete presidencial avaliavam que o risco do impeachment havia se reduzido, embora não estivesse extinto. Para o respiro definitivo de alívio, a presidente dependeria de algumas variáveis: economia melhor, maioria suficiente para aprovar a CPMF, oposição atuando no bate cabeça, PMDB pacificado e Lava Jato sem novas surpresas.

Pois bem, de lá para cá, na velocidade dos cometas, todas elas se deterioraram. Na economia, o Brasil está à beira de receber a segunda redução do grau de investimento; no Congresso, a base de sustentação deu insuficientes 199 votos para garantir maioria na comissão especial do impeachment. A Lava Jato pôs na prisão um amigo do ex-presidente Lula e senador da estrita confiança da presidente, o PSDB uniu-se no fechamento de questão em favor da interrupção do mandato presidencial e o PMDB anda mais revolto e distante do que nunca. O horizonte previsto está se configurando perdido.

Deixa disso. O senador Delcídio Amaral sabe de muita coisa. Sabia, por exemplo, há alguns meses, quando a palavra de ordem da crise ainda não era impeachment e os presidentes da Câmara e do Senado fustigavam a presidente, que o governo esperava que os dois fossem tragados por ação da Justiça, mas não esperava sentado: contava poder tomar “as providências cabíveis” (palavras dele) para que Eduardo Cunha e Renan Calheiros perdessem os cargos.

De onde é de se olhar com pé atrás o desmentido da versão de que Delcídio cogitava fazer delação premiada 24 horas depois de o senador contratar um advogado especializado no tema.

Vida como ela é. Por mais verdadeiras que tenham sido as reclamações do vice-presidente, Michel Temer, na carta que enviou a Dilma Rousseff expondo a falsidade da “confiança” manifesta por ela em relação a ele, a queixa de que sempre foi tratado como um “vice decorativo” peca por um detalhe: o papel do substituto é mesmo meramente ornamental.

Volta e meia a utilidade do cargo é questionada, em face da inutilidade de o chefe da Nação ser formalmente substituído a cada vez que se ausenta do País nesses tempos de conexão direta e permanente, e da existência de uma linha sucessória claramente estabelecida para o caso de vacância.

Legalista, Temer aceitou as regras do contrato quando, contrariando parcela significativa de seu partido, advogou em prol da manutenção da aliança entre PT e PMDB com o objetivo de garantir sua permanência no cargo, mesmo ciente de todas as escaramuças do Planalto cometidas a mancheias desde o primeiro mandato de Dilma.

Reclama de barriga cheia, tendo em vista a recompensa que sua submissão pode estar prestes a lhe dar. Dilma, por sua vez, deu o azar ao subestimar um vice na posição de comandante de partido com acentuado apetite político.

Berço. A foto da neta de Lula, em rede social, ilustrando com gesto obsceno um texto contendo acusação falsa de ameaça por parte de uma repórter do jornal O Globo, é o retrato da educação em família.

Fernando Gabeira: Esperando o japonês

• Falar do Brasil e da crise tem prioridade para mim

- O Globo

Quando voltava da padaria, empurrando a bicicleta, fui abordado, de forma simpática, por um leitor. Por que escrevia apenas sobre Dilma e o governo? Não é um simpatizante do PT, muito menos de Dilma. Mas fixar-se nisto, de uma certa forma, reduz o vasto horizonte cultural, disse. Respondi que concordava com ele. Mas, no momento, não conseguia me esquecer da crise em que nos metemos. No caminho de casa, pensei: poderia estar escrevendo sobre Clarice Lispector, Frida Kahlo ou mesmo Simone de Beauvoir. Para ficar apenas nas que voltaram à evidência.

Clarice foi uma das admirações literárias da juventude, e agora seus contos são reconhecidos nos Estados Unidos. Frida Kahlo, cuja casa, transformada em museu, na Cidade do México, tornou-se um ícone popular. E a velha Simone reapareceu no vestibular do Enem. Hoje tenho algumas divergências. Mas seu livro “O segundo sexo” inspirou um artigo que publiquei no “JB”, na década dos 1960, com título “Amélia não era mulher de verdade”. Isso posso deixar para o próximo Enem.

Falar do Brasil e da crise tem prioridade para mim. Dilma, o leitor que me desculpe citá-la de novo, é presidente. É impossível ignorá-la, nesse momento. Felizmente, outros colunistas escrevem sobre a cultura mais ampla. Isso me enriquece como leitor. Pessoalmente, no entanto, não consegui achar a porta de saída da política.

É possível abandonar com gosto campanhas eleitorais, tramas partidárias, gravatas e mandatos. Difícil para mim é esquecer a política, sobretudo no momento em que o país, de uma certa forma, se desintegra. Escrevo artigos depois de trabalhar ao ar livre, filmando temas como o desastre de Mariana ou o surto de microcefalia. Isso faz sentido para mim. No entanto, à noite, diante da tela em branco, não resisto ao desejo de buscar um sentido maior, uma esperança. Sonho com o tempo de uma democracia madura, que me permita cuidar de todas as outras coisas, não diretamente ligadas à política.

Isso não virá tão cedo. Terá de ser conquistado. No momento, ainda há uma hesitação em encarar a realidade. A crise sanitária que vivemos é uma das mais sérias de nossa história. Houve outras, mas as pessoas ainda não viviam tão próximas e tão precariamente nas regiões metropolitanas. Estou pronto para esquecer divergências quando se trata de uma frente para encarar as novas ameaças que o vírus do zika revelou. Ou mesmo uma frente para encarar as ameaças ambientais que o desastre de Mariana dramatizou.

Tudo se passa com um governo paralisado. Mesmo os que apoiam Dilma sabem que é fraca. E não é apenas fraca como é fraco um governo que não deu certo. É também vulnerável. Se o impeachment não vier com as pedaladas fiscais, outros fronts vão se abrir. No TSE serão julgadas suas contas, certamente entrelaçadas com os recursos do mensalão. Na Lava-Jato, Cerveró está revelando como se comprou Pasadena.

Que tipo de arranjo o Brasil precisa encontrar para chegar a 2018 e inaugurar uma nova etapa, a partir das eleições presidenciais? Em Brasília, para sentir o clima do impeachment de Dilma e a cassação de Cunha, senti na verdade um clima de fim de mundo. Colhido por um tumulto e empurrões em pleno trabalho de documentar a tentativa de votação da deputada Mara Gabrilli. Ao vê-la indefesa na cabine, com meus óculos voando do bolso, compreendi que a crise chegou aqui de forma devastadora.

Minha hipótese é de que o vírus que reduz cérebros em Brasília nasce de uma doença fatal: distância do país, das pessoas que trabalham e sofrem.

Depois do quebra-pau, alguns diziam: mas na Coreia do Sul também brigam. No Estado Islâmico se fuzila, em alguns países da África amputam clitóris, se o cérebro continuar se estreitando, chegaremos lá. Tudo isso é o fruto da cultura dos últimos anos. A história passa a ser um álibi: no governo anterior também se roubava. Agora é a geografia: na Coreia do Sul também brigam.

Dia seguinte: chovia dinheiro no Recife, lançado das janelas da Hemobras. O que seria isso? Uma forma de combater o mosquito atropelando-o com maços de notas? Trabalham com o suprimento de sangue e acumulam fortunas. O que fazer? Está no DNA do aparelho petista. Saio de Brasília com a impressão de que, antes do carnaval, nada será decidido a respeito de Dilma e Cunha. Talvez tenha sido por isso que alguns deputados no plenário cantaram a marchinha do Japonês da Federal, aquele que aparece prendendo os corruptos em suas casas. “Aí meu Deus, me dei mal, bateu à minha porta o Japonês da Federal”.

Lama jorrando das barragens, mosquitos roubando a chance de plena vida a uma geração de brasileiros, rubro dinheiro do sangue jorrando pelas janelas de Recife. Apesar disso, não perdemos o humor. Mas, às vezes, bate uma tristeza. A experiência, no entanto, me consola. Na campanha das diretas também entramos num ritmo morto, fomos derrotados na votação parlamentar. Mas as diretas chegaram.

Como dizia Guimarães Rosa: “O que tem de ser tem muita força”. Bem que podia ser mais rápido.

Míriam Leitão: O país no labirinto

- O Globo

Esta é a pior crise da história democrática e supera inclusive a que levou à destituição de Fernando Collor. A queda livre do PIB continua, a inflação não tem âncora, os escândalos de corrupção se sucedem, os conflitos no parlamento escalam, os presidentes das duas Casas do Congresso estão sob investigação, e um deles usa descaradamente a instituição para se defender.

Alguns ingredientes se somam para dar um clima de calamidade ao momento em que vivemos. O pior deles é a onda de microcefalia e a falha do governo na luta contra o agente propagador da tragédia. O governo decreta estado de emergência, mas nem assim consegue entregar, em áreas mais vulneráveis, remédio suficiente para matar a larva do inseto. O risco é a doença continuar avançando, sem que se saiba como detê-la e proteger nascituros.

Diante da crise de confiança em sua capacidade de continuar administrando o país, que ocorre por sólidas razões, o PT reage de forma demagógica. A técnica é mais uma vez dizer que são ricos contra pobres, que há um golpe em marcha e que a democracia está em perigo. Foi o que disse esta semana o ex-presidente Lula. A presidente Dilma usou novamente um evento do governo para distorcer os fatos. Segundo disse, as pedaladas foram feitas porque ela queria distribuir casas populares. Todos sabem, inclusive ela mesma, que não foi isso que aconteceu.

O “Valor Econômico” trouxe na sexta-feira uma reveladora reportagem da repórter Leandra Peres que conta os alertas de funcionários do Tesouro contra as pedaladas fiscais. Eles previram em 2013 que as manobras poderiam levar o Brasil a perder o grau de investimento e o governo a acumular passivo de R$ 41 bilhões com os bancos públicos. E alertaram em documentos e em reuniões com o então secretário do Tesouro Arno Augustin. O que os funcionários previram aconteceu, mas o alerta foi tratado como rebelião do corpo técnico.

A crise econômica existiria mesmo se não houvesse esta convulsão política, porque a presidente Dilma tomou o caminho errado e perigoso na economia com a “Nova Matriz Macroeconômica”. Quando ela começou a fracassar e a minar as finanças públicas, o governo decidiu esconder a realidade. O erro não foi apenas baixar os decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso. Houve um ataque sistemático e deliberado aos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal por anos. Esta é a causa do quadro deplorável das contas públicas em 2015.

A crise política complica tudo e sua dimensão também não tem precedentes. O Brasil já viu confusões no Congresso como a CPI dos anões do Orçamento, do PC Farias, do Mensalão. Em todas elas houve políticos atingidos e cassados. Atualmente, no entanto, estão sob suspeição os dirigentes da Câmara e do Senado. A linha sucessória está com seus mandatos em discussão, com maior ou menor grau de envolvimento em irregularidades. Durante a crise de Collor de Mello, tinha-se o vice-presidente Itamar Franco que estava isolado do grupo no poder e nem partido tinha à época. Isso o preservou do conflito travado. Além disso, o movimento Ética na Política, liderado por Betinho, criou a esperança de um tempo melhor, e o grupo de ministros na defesa da governabilidade ajudou a transição.

A última semana foi particularmente ruim no Congresso e as cenas de ataques físicos entre deputados, de quebra do decoro e das cabines de votação, dos xingamentos recíprocos no Conselho de Ética foram em bases diárias. Era começar as sessões e a briga ser retomada. Parece um Congresso que perdeu a compostura e a sanidade.

A fusão das crises política, econômica e empresarial tornaram este momento um dos mais complicados da nossa história, e certamente o pior desde a redemocratização. O país neste momento não tem sequer a Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada. Não sabe, portanto, as bases do orçamento de 2016. O Orçamento que o governo enviou é deficitário e depois ele mandou novas medidas para garantir o superávit. Uma bagunça completa e que terá que tramitar num Congresso em pé de guerra. A presidente com sua inabilidade política e inépcia econômica improvisa tentativas de solução que não funcionam. Não há saídas fáceis para o labirinto em que o país entrou.

Rolf Kuntz: Até a recessão é de qualidade inferior

- O Estado de S. Paulo

Não se pode confiar nem na recessão, pelo menos naquela made in Brazil. Recessões decentes são em geral acompanhadas de inflação em queda e contas externas em recuperação. O caso brasileiro é especial. Os preços ao consumidor sobem 10%, enquanto o desemprego atinge 9% da força de trabalho, a renda real das famílias diminui, o crédito se torna mais difícil e o produto interno bruto (PIB) encolhe 3,5%, segundo as estimativas correntes. Só uma parte do script convencional parece estar sendo cumprida. O superávit comercial de US$ 14,21 bilhões acumulado no ano, até a primeira semana de dezembro, é o sinal mais vistoso da melhora do balanço de pagamentos.

No ano passado, no mesmo período, o saldo havia sido um déficit de US$ 3,95 bilhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Pelo menos as contas externas parecem refletir um efeito benigno da recessão. O mercado projeta para este ano um superávit de US$ 15 bilhões na conta de mercadorias. A última estimativa do Banco Central (BC), baseada em critério um pouco diferente, é de um saldo positivo de US$ 12 bilhões, com enorme recuperação, portanto, em relação ao resultado de 2014, quando o déficit chegou a US$ 6,53 bilhões.

Ainda pelas contas do BC, o déficit em conta corrente passará de US$ 104,08 bilhões no ano passado para um buraco muito menor, estimado em US$ 65 bilhões. A melhora, se confirmada, resultará tanto do superávit na conta de mercadorias quanto da redução do déficit em serviços e rendas. A tudo isso se acrescenta uma boa notícia: o investimento direto, o tipo mais seguro e mais produtivo de financiamento externo, será suficiente, de novo, para cobrir o rombo das transações correntes. Mas esse ajuste das contas externas será, de fato, um dado tão positivo?

Nem tanto. Recessões tendem a reduzir a demanda de bens importados e os gastos no exterior, até porque são frequentemente acompanhadas de uma desvalorização da moeda nacional. Mas também resultam, com frequência, em aumento de exportações. Diante da retração do mercado interno, empresários tendem a buscar negócios no exterior e nisso são ajudados, muitas vezes, pelo câmbio. A desvalorização de sua moeda barateia os produtos nacionais no mercado externo e encarece os importados. No caso brasileiro, só uma parte do roteiro se confirmou.

De janeiro até a primeira semana de dezembro, o valor exportado, US$ 177,39 bilhões, foi 14,9% menor que o de um ano antes. A conta só ficou superavitária porque o gasto com a importação de mercadorias diminuiu muito mais. A despesa com a importação, US$ 163,18 bilhões, foi 27,3% menor que a de igual período de 2014, pela média dos dias úteis. Como é normal, a recessão derrubou a procura de produtos estrangeiros, mas a exportação também diminuiu, embora em menor proporção.

A redução do valor exportado é explicável por dois fatores. O primeiro é a queda dos preços internacionais dos produtos básicos, em parte associada à diminuição do crescimento da economia chinesa. Apesar disso, as vendas de commodities ainda sustentaram o saldo comercial. O segundo fator é o mais preocupante. A indústria brasileira, mesmo em dificuldades no mercado interno, foi incapaz, de modo geral, de encontrar uma compensação nas vendas ao exterior.

Com algumas exceções, os produtores brasileiros de manufaturados vêm perdendo competitividade há anos. Os custos cresceram, a infraestrutura continua muito deficiente e a produtividade recuou. A alta do dólar pode ter trazido algum alento aos exportadores, mas insuficiente para compensar os entraves à competição. Industriais se queixaram, durante anos, do câmbio valorizado e, portanto, prejudicial a seus negócios. Mas pouco se fez, em termos políticos e empresariais, para cuidar de fatores muito mais importantes, a longo prazo, como a tributação irracional, a baixa qualidade da mão de obra, a burocracia excessiva, a insegurança jurídica e o acesso limitado a mercados externos e às cadeias internacionais de valor.

Este ponto, especialmente importante, remete à diplomacia comercial terceiro-mundista em vigor desde 2003 e ao revigoramento de uma política industrial abandonada, há muito, nas economias mais dinâmicas do mundo emergente. Muitos empresários se acomodaram facilmente, é claro, num ambiente marcado pelo protecionismo e pela pouca ambição quanto a acordos internacionais de comércio.

A incapacidade de aproveitar a depreciação cambial para competir no mercado externo é explicável, em parte, pela acomodação, durante tanto tempo, num ambiente de confortável mediocridade. Quem se aproveitou das políticas de conteúdo nacional teve ainda menos motivação para se mexer e investir em produtividade e inovação.

Recessões, em outros países, são com frequência o custo imediato de políticas de ajuste das contas fiscais e do balanço de pagamentos. Isso já ocorreu também no Brasil. Desta vez, a promessa de arrumação fiscal só apareceu quando a economia já estava em recessão e a base tributária, por causa da contração dos negócios, era insuficiente para alimentar um Tesouro depredado. Não se produz de um dia para outro um desastre como o brasileiro: uma combinação especial de contas públicas estropiadas, economia retraída, inflação muito alta e ajuste externo conseguido só à custa da redução da corrente de comércio. No País, até a recessão é desarranjada e de qualidade inferior.

A retração dos negócios deve continuar em 2016, os juros ainda podem subir e o compromisso de austeridade fiscal continua incerto. Outras agências podem seguir a Standard & Poor’s e rebaixar o crédito do Brasil ao nível especulativo. Mas a prioridade da presidente é evitar o impeachment – possível punição de apenas alguns dos desmandos fiscais. Com ela ou sem ela, o conserto será demorado e doloroso.

Elio Gaspari: Assustada, a oligarquia precisa da crise

• Vice-presidente de olho na cadeira do titular é coisa comum

- O Globo

Impeachment, Dilma Rousseff, Michel Temer e Eduardo Cunha são ingredientes secundários de um momento muito maior. Vice-presidente de olho na cadeira do titular é coisa comum. Oposição querendo derrubar o governo também é coisa que acontece. O que há de novo e saudável no Brasil de hoje é que pela primeira vez desde o desembarque de Tomé de Souza, em 1549, o braço do Estado está investigando, encarcerando e punindo personagens da oligarquia política e econômica da terra de Santa Cruz, hoje Brasil. Diante dessa novidade, Dilma, Temer e Eduardo Cunha são explosivos asteriscos. Em graus variáveis, estão mais próximos do problema do que de sua solução.

O Supremo Tribunal Federal investiga os presidentes da Câmara e do Senado. Estão na cadeia o dono da maior empreiteira do país, um poderoso banqueiro e o líder do governo no Senado. Dois ex-diretores da Petrobras colaboram com as investigações. Cinquenta e sete pessoas já foram condenadas a penas que somam 680 anos de prisão.

Neste momento inédito, foram para a prisão pessoas que se comportavam como se estivessem acima das leis. Empreiteiros que desqualificavam a Operação Lava-Jato deram-se conta de que a festa acabou e passaram a colaborar com o Ministério Público. Superestimando sua invulnerabilidade, o senador Delcídio do Amaral articulava a fuga de Nestor Cerveró com direito a mesada de R$ 50 mil. Está preso.

Uma parte do Ministério Público e do Judiciário dissociou-se da secular tradição que protegia os maus costumes das oligarquias política e econômica. A briga do Planalto com Eduardo Cunha é apenas um momento explosivo no curso dessa grande mudança. De um lado está a doutora Dilma (“não respeito delator”) eleita por um partido que teve dois presidentes e dois tesoureiros encarcerados. Do outro, o comandante de uma poderosa bancada pluripartidária, apanhado com uma fortuna escondida no banco Julius Baer.

Os petistas dizem-se perseguidos, mas, entre os 68 políticos investigados, seu partido está empatado com o PMDB (ambos com 12 notáveis). A taça ficou com o Partido Progressista, com 31 acusados. O PP tem uma peculiaridade: abriga um plantel de doutores cujas raízes remontam ao tempo da ditadura. Nunca se afastaram do poder. Símbolo dessa grei é Paulo Maluf. Olhando-se para as empreiteiras que tiveram executivos encarcerados chega-se a empresas poderosas desde a metade do século passado.

Ferida, a oligarquia está atemorizada. É comum ouvir-se a pergunta: “Onde é que isso vai parar?” Em geral, ela significa outra coisa: “Será que vai chegar a mim?” Também é frequente a advertência: na Itália, a Operação Mãos Limpas desaguou em nove anos de poder de Silvio Berlusconi com suas bandalheiras. Novamente, a frase tem outro significado: “É melhor deixar tudo como está.” A Mãos Limpas italiana obrigou a oligarquia italiana a mudar de modos. Berlusconi perdeu os direitos políticos e a batalha para não pagar na cadeia os 11 anos a que está condenado. Matteo Renzi, o atual primeiro-ministro da Itália, não tem as ligações perigosas dos cardeais da extinta democracia cristã, nem as traficâncias da última geração de políticos socialistas. A “Mani Pulite” não transformou a Itália numa Nova Zelândia, mas tornou mais arriscado o ofício de roubar.

O Brasil teve muitos sacolejos, mas nunca a oligarquia se viu ameaçada nos seus métodos. Passou por sustos, mas no conjunto sempre saiu invicta. A ameaça da Lava-Jato não é ideológica, muito menos política, é apenas a afirmação de um braço do Estado para que as leis sejam cumpridas. Corrupção passou a dar cadeia, o medo da cadeia gerou a colaboração, e a cada colaborador ampliou e fortaleceu as investigações.

Dilma pode ou não continuar na Presidência. Para a oligarquia ameaçada, isso não tem importância. O que se precisa é quebrar os ossos de parte do Ministério Público e de parte do Judiciário. Está cada vez mais difícil.

Os HDs de Delcídio
Se Delcídio do Amaral rodar sua memória para o Ministério Publico, a Lava-Jato chegará ainda mais perto de Lula.

Nosso Guia deve torcer para que o rancor de Delcídio para com ele seja menor do que aquele que exibiu em relação à doutora Dilma no último encontro que teve com o senador.

Dilma Debret
O fotógrafo Ueslei Marcelino captou a doutora Dilma num momento Debret ao caminhar nos jardins do Palácio da Alvorada a caminho de um helicóptero. Ela ia à frente de um grupo de quatro cidadãos, todos com roupas escuras e em fila indiana. O primeiro protegia-a com um guarda-chuva aberto. Já o quarto carregava um guarda-chuva fechado. O segundo tinha consigo uma pequena sacola de papel.

Na sua famosa gravura, o pintor Jean Baptiste Debret retratou um um fidalgo do Rio de Janeiro seguido por uma fila de dez pessoas. Provavelmente iam para alguma cerimônia.

No tempo em que o Brasil tinha imperador, era comum que D. Pedro II carregasse sua valise.

Dupla covardia
A Universidade Federal do Rio de Janeiro foi covarde pela segunda vez ao cassar o título de doutor honoris causa que deu ao general Emílio Médici. Foi covarde pela primeira vez quando concedeu-lhe o título.

Seria mais didático inaugurar uma placa na sala do seu Conselho Universitário dizendo o seguinte:

“Sendo reitor desta universidade o professor Djacir Menezes, nesta sala, em 1972, a UFRJ concedeu o título de doutor honoris causa ao presidente Emílio Médici, em cujo governo (1969-1974) foram assassinados 24 estudantes e dois professores da Casa.”

Cassar títulos e condecorações foi uma das primeira violências da ditadura, já em 1964.

Risco do Ebola
Se a doutora Dilma for deposta pelo Congresso, a Presidência do Brasil será um cargo tão arriscado como a sobrevivência das pessoas contaminadas pelo vírus Ebola.

A taxa de mortalidade do Ebola está em 53%. Desde 1990 o Brasil elegeu quatro presidentes (Collor, FHC, Lula e Dilma). Se Dilma for tirada do cargo, a sobrevivência da espécie ficará em 50%.

Para quem tem saudades dos governos militares, a taxa de letalidade institucional da ditadura foi de 60%. Dos cinco generais do período, três ficaram na cadeira subvertendo a ordem constitucional (Castello com o Ato Institucional nº 2; Costa e Silva com o AI-5, assinado há exatos 47 anos; e Geisel com o Pacote de Abril). Isso e mais a deposição do vice-presidente Pedro Aleixo em 1969, quando assumiu uma junta militar.

Generosidade
A carta de Michel Temer era endereçada a “Sua Excelência a Senhora Doutora Dilma Rousseff.”

O vice-presidente é um homem gentil, pouco dado a ironias. A concessão do título acadêmico foi o seu momento de maior generosidade.

Temer aliviou
Numa de suas últimas versões, o documento “Ponte para o futuro” sugeria o afastamento da doutora Dilma.

Temer abrandou o texto.

A vida do vice
Saudade de Stanislaw Ponte Preta, o genial colunista criado por Sérgio Porto.
Segundo ele, a função de um vice-presidente era a de acordar mais cedo para passar mais tempo sem fazer nada.

Tiririca errou
No início da tarde de terça-feira, o deputado Tiririca chegou à lanchonete da Câmara e proclamou:

“Eu já avisei, pior do que tá, não fica”.

Foi aplaudido, mas errou. Pouco depois começaram as pancadarias.