domingo, 1 de novembro de 2015

Opinião do dia – Arnaldo Jordy

As denúncias são gravíssimas. Devem e merecem ser investigadas. Comprovadas essas denúncias, elas confirmam a afirmação do ex-ministro Joaquim Barbosa, de que o país foi assaltado por uma quadrilha, organização criminosa, revelando a podridão que o Partido dos Trabalhadores e esse governo proporcionaram a 200 milhões de brasileiros,

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Arnaldo Jordy, deputado federal (PPS-PA), no Valor Econômico, 31 de outubro de outubro de 2015.

BNDES dribla norma para emprestar R$ 102 mi a empresa de amigo de Lula

Mario Cesar Carvalho, Felipe Bächtold – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O BNDES contornou uma norma interna que o proíbe de conceder empréstimos a empresas cuja falência tenha sido requerida na Justiça e concedeu crédito de R$ 101,5 milhões ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se tornou um dos alvos da Operação Lava Jato.

O empresário conseguiu o apoio do BNDES em julho de 2012, num momento em que seus negócios enfrentavam sérias dificuldades financeiras. Nove meses depois da operação, a empresa de Bumlai entrou na Justiça com pedido de recuperação judicial por não conseguir pagar as dívidas que tinha no mercado.

Na época em que conseguiu o crédito do BNDES, o empresário já tinha sido alvo de um pedido de falência, apresentado à Justiça em novembro de 2011 por um fornecedor que levara calote numa dívida de R$ 523,2 mil.

As normas do BNDES proíbem empréstimos a empresas nessas condições, para evitar que o banco dê crédito a quem não tem capacidade de pagar.

A empresa de Bumlai que recebeu os R$ 101,5 milhões é a São Fernando Energia 1, criada para produzir eletricidade a partir de bagaço de cana. Ela integra um grupo de cinco empresas de Bumlai que vive situação pré-falimentar.

Com dívidas de R$ 1,2 bilhão, o grupo São Fernando, cujo principal negócio é uma usina de etanol em Mato Grosso do Sul, teve a falência requerida na Justiça pelo próprio BNDES e pelo Banco do Brasil mais tarde, porque não tem conseguido honrar os pagamentos que se comprometeu a fazer no processo de recuperação judicial.

O grupo deve R$ 330 milhões ao BNDES, incluindo empréstimos recebidos antes da operação feita em 2012. Parcelas da dívida de Bumlai com o banco estão atrasadas desde o fim do ano passado. Os pedidos de falência feitos pelo BB e pelo BNDES foram apresentados à Justiça em julho e agosto deste ano.

Lava Jato
Bumlai, que já foi um dos maiores criadores de gado do país, tornou-se alvo das investigações da Lava Jato depois que dois delatores relataram que ele teria repassado recursos para uma nora de Lula e ajudado a quitar dívidas do PT, o que ele nega ter feito.

O balanço da São Fernando Energia em 2011 mostra a empresa em situação dramática. As dívidas da companhia eram 9,5 vezes maiores do que o patrimônio líquido. Seria como um cidadão ter R$ 100 mil em sua conta e, ao mesmo tempo, uma dívida R$ 950 mil.

Após a autorização do BNDES, os R$ 101,5 milhões foram repassados à empresa de Bumlai pelo Banco do Brasil e pelo BTG, que atuaram na operação como agentes intermediários do banco público e assumiram parte dos riscos.

Uma auditoria independente feita no balanço de 2011 da São Fernando Açúcar e Álcool afirmou que o "alto grau de endividamento" da companhia levantava dúvidas sobre a "capacidade de continuidade" da empresa.

A São Fernando Energia está em nome de filhos de Bumlai. A família hoje vê o grupo São Fernando imerso em um patrimônio negativo bilionário e às voltas com cobranças de centenas de credores.

Estímulo
Quando entrou com pedido de recuperação judicial, em 2013, a empresa culpou a política de preços da Petrobras, que desestimulou a produção de álcool combustível, a demora para obter crédito e até prejuízos com geada.

De 2008 a 2009, época de euforia no setor, a São Fernando Açúcar e Álcool era parceira do grupo Bertin e obteve R$ 395,2 milhões de empréstimos do BNDES, sem intermediação de outros bancos.

Bumlai, à época integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo Lula, defendeu publicamente em 2008, durante reunião do órgão, a necessidade de apoio do BNDES para estimular a indústria.

Hoje, o grupo São Fernando é gerido por uma administradora judicial nomeada pela Justiça do Mato Grosso do Sul. Os administradores preparam um relatório sobre a situação financeira do grupo, que será concluído ainda neste mês e deve servir de fonte para a Justiça decidir a respeito do pedido de falência.

Segundo os administradores, o grupo, que já teve 3.000 funcionários, viu seu quadro de pessoal encolher para 2.000 nos últimos dois anos.

Outro lado
Tanto o BNDES quanto o empresário José Carlos Bumlai negam que tenha havido favorecimento nos empréstimos que foram concedidos a ele.

O BNDES confirma que adota uma norma que veta a concessão de empréstimos a empresas que tenham pedido de falência na Justiça, mas essa regra é flexível pelo princípio da razoabilidade, de acordo com a instituição.

"Cabe ao BNDES avaliar se a simples existência de um pedido de falência é ou não um impeditivo para a contratação de financiamento", diz nota do banco. "Se não fosse assim, qualquer credor de uma empresa que protocolasse um pedido de falência poderia impedir a contratação do crédito, com ou sem um motivo razoável para isso."

Um exemplo hipotético: se um credor pedir a falência da Vale por uma dívida de R$ 1 mil, o BNDES não irá brecar a concessão do empréstimo porque sabe que esse valor é insignificante para o tamanho da companhia.

No caso da São Fernando Energia, no entanto, a instituição de fomento sustenta que, por se tratar de uma operação indireta, nas quais outros bancos fizeram o repasse e assumiram o risco do crédito, caberia ao Banco do Brasil e ao BTG "proceder a análise cadastral e exame das certidões das beneficiárias finais, conforme as regras do BNDES".

Em nota, o Banco do Brasil nega que tenha sido omisso na análise financeira da São Fernando Energia: "A operação de julho de 2012 foi efetuada exclusivamente para liquidar crédito contratado junto ao BB em 2010. Não houve qualquer liberação de recursos novos para a Usina São Fernando em 2012".

Na oportunidade, segue o texto, "foram analisadas, entre outros fatores econômico-financeiros, todas as restrições existentes, além de terem sido agregadas novas garantias à operação, melhorando seu posicionamento como credor".

Ainda de acordo com o banco, nenhuma das normas que regulam as boas práticas bancárias foram desrespeitadas. O BB diz ainda que não pode fornecer outras informações sobre a operação com a São Fernando Energia porque elas estão protegidas por sigilo bancário.

Procurado pela Folha, o BTG não quis comentar a operação que intermediou entre o BNDES e a empresa de energia de Bumlai.

Em maio de 2013, um mês após ingressar na Justiça com o pedido de recuperação judicial, o grupo São Fernando entregou ao BTG para quitar dívidas a fazenda predileta de Bumlai, chamada Cristo Rei, de 116 mil hectares e avaliada em R$ 580 milhões.

O advogado de José Carlos Bumlai, Arnaldo Malheiros Filho, diz que não houve favorecimento nos empréstimos que o BNDES concedeu ao empresário, e que as operações não seriam aprovadas por bancos privados.

"Banco público e de fomento existe justamente para conceder crédito para quem não consegue tomar recursos no mercado", afirma.

Malheiros diz que seria um equívoco supor que o corpo técnico do BNDES, "de alto nível", segundo ele, aprovaria um "crédito temerário".

Ele afirma ainda que a prova maior de que o empresário não se beneficiou da amizade com o ex-presidente Lula é o fato de seu grupo estar em recuperação judicial, com dois pedidos de falência porque não tem conseguido cumprir os pagamentos que acertou com os credores.

"A amizade com o Lula não trouxe benefício algum a Bumlai", diz.

Bumlai e o BNDES
Banco público financiou amigo de Lula mesmo em crise

Dez.2008 a fev.2009
BNDES empresta diretamente um valor total de R$ 395,2 milhões à usina São Fernando Açúcar e Álcool
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Nov.2011
Credor da São Fernando Açúcar e Álcool pede falência da empresa por calote de R$ 523 mil
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Jun.2012
Auditoria aponta que o alto endividamento da São Fernando gerava dúvidas sobre sua "capacidade de continuidade". Um mês depois, empresa do mesmo grupo contrai empréstimos de R$ 101,5 mi do BNDES
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Abr.2013
Grupo São Fernando pede recuperação judicial. Em setembro, plano de reestruturação é aprovado. Dívida da São Fernando Açúcar e Álcool com o BNDES é estimada em R$ 33,2 milhões
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Ago.2015
BNDES pede a falência do grupo argumentando que o plano de recuperação não foi cumprido

Dinheiro suspeito


• Relatório do Coaf mostra movimentações milionárias nas contas de Lula, Palocci, Pimentel e Erenice

Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana

Um relatório da agência do governo de combate à lavagem de dinheiro revela que os quatro, entre outros petistas, movimentaram quase meio bilhão de reais em transações com indício de irregularidades

Por: Thiago Bronzatto - Revista Época

Há duas semanas, analistas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, mais conhecido pela sigla Coaf, terminaram o trabalho mais difícil que já fizeram. O Coaf, subordinado oficialmente ao Ministério da Fazenda, é a agência do governo responsável por combater a lavagem de dinheiro no Brasil. Reúne, analisa e compartilha com o Ministério Público e a Polícia Federal informações sobre operações financeiras com suspeita de irregularidades. Naquela sexta-feira, dia 23 de outubro, os analistas do Coaf entregavam à chefia o Relatório de Inteligência Financeira 18.340. Em 32 páginas, eles apresentaram o que lhes foi pedido: todas as transações bancárias, com indícios de irregularidades, envolvendo, entre outros, os quatro principais chefes petistas sob investigação da PF, do Ministério Público e do Congresso.

Eis o quarteto que estrela o relatório: Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República, líder máximo do PT e hoje lobista; Antonio Palocci, ministro da Casa Civil no primeiro mandato de Dilma Rousseff, operador da campanha presidencial de 2010 e hoje lobista; Erenice Guerra, ministra da Casa Civil no segundo mandato de Lula, amiga de Dilma e hoje lobista; e, por fim, Fernando Pimentel, ministro na primeira gestão Dilma, também operador da campanha presidencial de 2010, hoje governador de Minas Gerais. O Relatório 18.340, ao qual ÉPOCA teve acesso, foi enviado à CPI do BNDES. As informações contidas nele ajudarão, também, investigadores da Receita, da PF e do MP a avançar nas apurações dos esquemas multimilionários descobertos nas três operações que sacodem o Brasil: Lava Jato, Acrônimo e Zelotes. Essas investigações, aparentemente díspares entre si, têm muito em comum. Envolvem políticos da aliança que governa o país e grandes empresários. No caso da CPI do BNDES, os parlamentares investigam as suspeitas de que os líderes petistas tenham se locupletado com as operações de financiamento do banco, sobretudo as que beneficiaram o cartel de empreiteiras do petrolão.

Ao todo, foram examinadas as contas bancárias e as aplicações financeiras de 103 pessoas e 188 empresas ligadas ao quarteto petista. As operações somam – prepare-se – quase meio bilhão de reais. Somente as transações envolvendo os quatro petistas representam cerca de R$ 300 milhões. Palocci, por exemplo, movimentou na conta-corrente de sua empresa de consultoria a quantia de R$ 185 milhões. Trata-se da maior devassa já realizada nas contas de pessoas que passaram pelo governo do PT. Há indícios de diversas irregularidades. Vão de transações financeiras incompatíveis com o patrimônio a saques em espécie, passando pela resistência em informar o motivo de uma grande operação e a incapacidade de comprovar a origem legal dos recursos.

O Coaf não faz juízo sobre as operações. Somente relata movimentações financeiras suspeitas de acordo com a lei e regras do mercado, como saques de dinheiro vivo na boca do caixa ou depósitos de larga monta que não tenham explicação aparente. O Coaf recebe essas informações diretamente dos bancos e corretoras. Eles são obrigados, também nos casos previstos em lei, a alertar o Coaf de operações “atípicas” envolvendo seus clientes. É obrigação do Coaf avisar as autoridades sobre operações suspeitas de crimes. A lavagem de dinheiro existe para esquentar recursos que tenham origem ou finalidade criminosa, como pagamentos de propina. Não cabe ao Coaf estipular se determinada transação é ilegal ou não. Cabe a ele somente informar a existência dessa transação às autoridades competentes, caso essa transação contenha características de uma operação de lavagem de dinheiro. Foi isso que o Coaf fez no caso do quarteto petista. Cabe agora à PF, ao MP e ao Congresso trabalhar detidamente sobre as informações reveladas pelo Coaf.

Lula e ex-ministros movimentaram R$ 300 mi, diz Coaf

• Reportagem da revista 'Época' afirma que relatório do órgão apontou transações atípicas de ex-presidente, Palocci, Pimentel e Erenice Guerra

Gustavo Aguiar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, encontrou movimentações financeiras suspeitas ao analisar as transações bancárias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de três ex-ministros petistas - Fernando Pimentel (Desenvolvimento), Antônio Palocci (Fazenda) e Erenice Guerra (Casa Civil) -, de acordo com informações da revista Época.

Os petistas movimentaram quase R$ 300 milhões nos últimos anos sem que houvesse justificativa para a entrada do dinheiro, conforme a reportagem.

Os dados foram remetidos à CPI do BNDES na Câmara que investiga irregularidades em contratos assinados com o banco entre 2003 e 2015. Os parlamentares querem saber se membros do PT receberam recursos desviados desses contratos, que concediam empréstimos subsidiados a grupos econômicos.

Lula teria movimentado R$ 52,3 milhões entre abril de 2011 e maio de 2015. Uma das movimentações que chamaram a atenção do Coaf foi a aquisição do ex-presidente, então com 69 anos, de um título de previdência privada no valor de R$ 1 milhão. Já a empresa de palestras do ex-presidente recebeu R$ 27 milhões e transferiu R$ 25,3 milhões.

As operações bancárias de Palocci são as mais vultosas e somam R$ 216 milhões entre 2008 e 2015. Segundo a Época, o relatório da Coaf comunica que o ex-ministro da Fazenda fez pelo menos 11 depósitos de valores elevados à empresa Projeto Consultoria, da qual é dono. Depois de deixar o governo Dilma, em junho de 2011, até maio de 2015, a empresa recebeu cerca de R$ 53 milhões, conforme a publicação.

Nas contas de Pimentel, atual governador de Minas, as operações financeiras alcançam R$ 3,1 milhões entre 2009 e 2014.

Já Erenice teria movimentado R$ 26,3 milhões de 2008 a 2015 em contas no nome dela e de terceiros. De acordo com a Época, o escritório da ex-ministra recebeu R$ 12 milhões nos últimos quatro anos. A revista cita um trecho do relatório da Coaf que menciona o repasse de R$ 209 mil a Saulo Guerra, filho de Erenice, pagos por Fábio Baracat, suspeito de corrupção e tráfico de influência em contratos com o governo.

Operações. Ao todo, o Coaf examinou as contas bancárias e as aplicações financeiras de 103 pessoas e 188 empresas, em operações que somam aproximadamente R$ 500 milhões. Segundo o documento, há indícios de irregularidades como transações financeiras incompatíveis, saques em espécie e incapacidade de comprovação da origem legal dos recursos.

As informações devem ajudar a Receita Federal, a Polícia Federal e o Ministério Público nas investigações da Lava Jato, sobre desvios nos contratos da Petrobrás, da Acrônimo, relacionada a suspeitas de lavagem de dinheiro e corrupção no BNDES, e da Zelotes, que apura fraudes em decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Em nota divulgada ontem, o Instituto Lula disse que a revista “criminaliza os fatos” e que os dados foram “vazados criminosamente”. “Não há nada de ilegal na movimentação financeira do ex-presidente. Os recursos são oriundos de atividades profissionais, legais e legitimas de quem não ocupa nenhum cargo público”, diz a nota. No site, o instituto postou uma imagem com a capa da revista sobre um carimbo com a palavra “mentira”.

A assessoria de Pimentel informou, também em nota, que o governador “apresentará todos os esclarecimentos assim que as informações mencionadas” forem disponibilizadas. “A defesa desconhece a origem e o conteúdo dos documentos, ainda mantidos sob sigilo para as partes”, diz a nota.

Convocação. Integrantes da CPI do BNDES, os deputados Arnaldo Jordy (PPS-PA) e Betinho Gomes (PSDB-PE) defenderam neste sábado, 31, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ex-ministros Antonio Palocci, Fernando Pimentel e Erenice Guerra sejam ouvidos "imediatamente" pela comissão da Câmara.

Os deputados classificaram como "estarrecedora" a informação publicada pela revista Época deste fim de semana de que, segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), chegou a quase R$ 300 milhões as movimentações sob suspeita dos quatro petistas nos últimos anos.

O Coaf, órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, encontrou movimentações financeiras suspeitas ao analisar as transações bancárias dos quatro petistas. Os dados foram remetidos à CPI do BNDES na Câmara que investiga irregularidades em contratos assinados com o banco entre 2003 e 2015.

Lula e os ex-ministros são alvo de pedidos de convocação ou de quebra de sigilos bancários, fiscal e telefônicos na CPI. Segundo os integrantes da comissão, pesa contra eles a suspeita de terem usado a instituição financeira para beneficiar grupos econômicos com financiamentos subsidiados.
Para o presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), o conteúdo do relatório do Coaf "é grave". "Esta é uma situação inconcebível, pois se trata de mais uma denúncia que se acumula sobre o governo de Lula", disse.

Fazenda detecta movimentação milionária de Lula e Palocci

• Relatório detalha movimentação nas contas de Lula, Palocci e Erenice

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Um novo relatório do órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ex-ministros petistas Antonio Palocci e Erenice Guerra movimentaram recursos milionários após deixar o governo, de forma incompatível com suas atividades no setor privado, de acordo com reportagem publicada pela revista "Época" na edição que chega às bancas neste sábado (31).

Segundo o relatório obtido pela revista, produzido pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), as empresas de Lula, Palocci e Erenice movimentaram R$ 294,6 milhões em suas contas desde 2008. O valor representa a soma de entradas e saídas, ou seja, o que faturaram com seus clientes, mais o que repassaram a outras contas para realizar despesas, investimentos e aplicações financeiras, por exemplo.

De acordo com o Coaf, a empresa criada por Lula em 2011 para contratar suas palestras faturou R$ 27 milhões até maio deste ano e transferiu R$ 25,3 milhões para outras contas, movimentando ao todo R$ 52,3 milhões. O faturamento da empresa foi revelado em agosto por reportagem da revista "Veja" baseada em outro relatório produzido pelo Coaf.

Palocci foi ministro da Fazenda de Lula e abriu sua empresa de consultoria, a Projeto, em 2006, ano em que deixou o governo e se elegeu deputado federal. Ele movimentou R$ 216,2 milhões até abril deste ano, segundo o relatório do Coaf divulgado pela revista "Época". Desde junho de 2011, quando deixou o posto de ministro da Casa Civil do governo da presidente Dilma Rousseff, a consultoria de Palocci faturou R$ 52,8 milhões, segundo o Coaf.

Palocci deixou o governo Dilma após a Folha ter revelado a existência de seus negócios como consultor e a multiplicação de seu patrimônio pessoal. Ele sempre defendeu suas atividades como legítimas e se recusou a revelar a identidade de seus clientes. Entre 2007 e 2010, quando Palocci era deputado, a Projeto faturou R$ 35 milhões, de acordo com informações repassadas pela Receita Federal ao Ministério Público Federal.

Segundo a reportagem da revista "Época", o relatório do Coaf mostra que Lula repassou recursos a seus filhos e investiu no ano passado R$ 6,2 milhões num plano de previdência privada.

Em nota, o Instituto Lula informou que os valores se referem a 70 palestras ministradas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contratadas por 41 empresas, "todas realizadas, contabilizadas e com os devidos impostos pagos". A nota enfatiza que "não há nada de ilegal na movimentação financeira do ex-presidente" e que "os recursos são oriundos de atividades profissionais, legais e legítimas de quem não ocupa nenhum cargo público".

No caso de Palocci, o relatório diz que sua consultoria faturou R$ 4,7 milhões com a Caoa, montadora e revendedora de veículos investigada na Operação Zelotes suspeita de envolvimento com suposto esquema de compra de medidas provisórias. Investigadores investigam suspeitas de que houve pagamento de propina para garantir incentivos fiscais para as montadoras na MP 471, aprovada pelo Congresso no fim de 2009.

A relação de Palocci com a Caoa já era conhecida. Em maio, a empresa afirmou à Folha que o ex-ministro prestou consultoria em dois períodos, de 2008 a 2010 e de 2012 a 2013, "nas áreas de planejamento estratégico, econômico, financeiro e de relações internacionais". A empresa disse que "não comenta detalhes sobre contratos".

A assessoria de imprensa do ex-ministro Antonio Palocci afirmou que seus ganhos e os de sua empresa "estão clara e transparentemente registrados e sempre informados às autoridades competentes".

Em nota, chama de "caluniosas e mentirosas as ilações" e que buscam relacionar os serviços da Projeto Consultoria à aprovação de benefícios ao setor automotivo. Afirma ainda que Palocci está afastado da vida pública há mais de quatro anos e que retomou as atividades empresariais nesse período.

Erenice
Erenice Guerra foi secretária-executiva da Casa Civil quando Dilma era a ministra, no governo Lula, e sucedeu a chefe quando ela deixou o posto para concorrer à Presidência nas eleições de 2010. Erenice deixou o cargo após acusações de tráfico de influência envolvendo sua família no âmbito do ministério.

Segundo a revista "Época", o escritório de advocacia da ex-ministra recebeu R$ 12 milhões entre agosto de 2011 e abril deste ano e transferiu R$ 11,3 milhões a outras contas, movimentando um total de R$ 23,3 milhões no período. Procurada pela Folha, a ex-ministra não foi localizada.

Pimentel
Ainda de acordo com a revista, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), chamou atenção do Coaf ao fazer um saque de R$ 150 mil dois meses após vencer as eleições. Na análise das movimentações, diz a revista, os investigadores apontaram um "comportamento atípico" do governador, já que ele teria apresentado informações incorretas sobre a operação ou evitado esclarecê-la.

A Polícia Federal investiga se o comitê do PT em Minas recebeu recursos ilícitos de contratos assinados entre órgãos públicos e empresas de Benedito Rodrigues de Oliveira, amigo de Pimentel, preso com R$ 113 mil em dinheiro vivo dentro de um avião. A Operação Acrônimo averigua supostos desvios de recursos para a campanha de Pimentel ao governo de Minas, em 2014, e suspeitas de tráfico de influência.

Em nota, os advogados de Pimentel disseram que desconhecem a origem e o conteúdo dos documentos e que o governador "apresentará todos os esclarecimentos assim que as informações mencionadas na mensagem forem disponibilizadas nos autos do inquérito".

"O governador reafirma jamais ter participado de qualquer ato ilícito, colocando-se, como sempre o fez, à disposição para todo e qualquer esclarecimento, sempre que apresentados os documentos nos quais se fundam as supostas acusações", continua a nota.

Coaf vê movimentação atípica de Lula e Palocci

• Segundo ‘Época’, órgão da Fazenda registrou operações financeiras incompatíveis com patrimônio e atividade econômica

- O Globo

O ex-presidente Lula, o ex-ministro da Casa Civil e da Fazenda Antonio Palocci, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra foram identificados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) por transações bancárias que, segundo reportagem da revista “Época”, continham indícios de movimentações suspeitas.

O Coaf é um órgão do Ministério da Fazenda que atua no combate à lavagem de dinheiro. Recebe informações de bancos e demais instituições financeiras sobre movimentações atípicas. A partir daí, faz relatórios por iniciativa própria ou a pedido de órgãos de controle. Os relatórios do Coaf não indicam a existência de crimes, mas apontam operações suspeitas. Eles são enviados aos órgãos de controle, como Polícia Federal e Ministério Público, que podem usá-los em investigações.

No relatório do Coaf, são detalhadas movimentações financeiras de 103 pessoas e 188 empresas ligadas aos quatro petistas. As operações somam quase R$ 500 milhões, sendo R$ 300 milhões envolvendo os quatro. Haveria indícios de irregularidades, como transações financeiras incompatíveis com o patrimônio, saques em espécie, resistência em informar o motivo das transações e a incapacidade de comprovar a origem legal dos recursos. O relatório foi enviado à CPI do BNDES.

Segundo a reportagem, de 29 de maio a 6 de junho de 2014, Lula aplicou R$ 6,2 milhões em um plano de previdência privada da seguradora BrasilPrev. Por se tratar de uma operação de mais de R$ 1 milhão no mercado segurador, entrou no radar do Coaf.

A maioria da movimentação financeira de Lula tem como origem a empresa LILS Palestras, Eventos e Publicações, que de abril de 2011 a 31 de maio de 2015, recebeu R$ 27 milhões, segundo “Época”. Um dos maiores clientes da empresa que Lula criou para oferecer suas palestras é a construtora Odebrecht — que pagou R$ 4 milhões pela contratação para eventos e despesas adicionais das viagens de Lula.

Entradas e saídas de dinheiro na LILS foram apontadas como suspeitas pelo Coaf. Segundo o relatório, há “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente”.

Já Palocci, diz o relatório, movimentou de janeiro de 2008 a abril de 2015, por meio de sua empresa Projeto Consultoria Empresarial, R$ 216 milhões. Segundo a revista, o Coaf fez ao menos 11 relatórios de inteligência financeira nas contas de Palocci e, como no caso de Lula, registrou movimentação incompatível.

Nas contas de Pimentel, chamou a atenção do Coaf um saque de R$ 150 mil em dezembro de 2014. Segundo o conselho, “o titular apresentou resistência na apresentação ou fornecimento de informações incorretas relativas à operação ou a identificação” dessa transação. No caso de Erenice, seu escritório de advocacia registrou movimentações financeiras de R$ 23,2 milhões de agosto de 2011 a abril de 2015.

Oposição cobra Lula e ex-ministros por operações apontadas pelo Coaf

Por Bruno Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - Integrantes oposicionistas na comissão de deputados que investiga operações envolvendo o BNDES defenderam neste sábado a convocação imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos ex-ministros petistas Antonio Palocci, Fernando Pimentel e Erenice Guerra para prestar esclarecimentos sobre movimentações milionárias consideradas suspeitas identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em relatório divulgado neste fim de semana pela revista "Época". De acordo com a revista, foram examinadas contas bancárias e aplicações financeiras de 103 pessoas e 188 empresas ligadas aos petistas, somando quase meio bilhão de reais.

Ao mesmo tempo, a oposição vai reforçar os pedidos de acesso da CPI do BNDES a informações fiscais, bancárias e telefônicas relacionadas aos quatro petistas alvos do relatório do Coaf, órgão responsável por combater a lavagem de dinheiro no país. “São graves as denúncias. Isso merece atenção especial da Câmara, em particular da CPI do BNDES”, disse o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE). “Precisamos avançar e apurar de fato o que tem acontecido nessa relação que vêm se mostrando cada vez mais nebulosa entre lideranças petistas e as empresas brasileiras que financiam esse suposto esquema de corrupção”, acrescentou o tucano, em referência às acusações de uso do BNDES para beneficiar grupos econômicos com financiamentos subsidiados.

A publicação mostra que o relatório do Coaf, produzido a partir de solicitação da CPI do BNDES, apontou comunicações ao órgão de indícios de irregularidades que vão de transações financeiras incompatíveis com o patrimônio a saques em espécie e resistência em informar o motivo de uma grande operação e a incapacidade de comprovar a origem legal dos recursos. A CPI do BNDES investiga suspeitas de que os petistas alvos do relatório tenham se beneficiado em operações de financiamento do banco.

“As denúncias são gravíssimas. Devem e merecem ser investigadas”, disse o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), um dos integrantes da CPI do BNDES. “Comprovadas essas denúncias, elas confirmam a afirmação do ex-ministro Joaquim Barbosa, de que o país foi assaltado por uma quadrilha, organização criminosa, revelando a podridão que o Partido dos Trabalhadores e esse governo proporcionaram a 200 milhões de brasileiros”, completou o deputado, em referência ao ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) que relatou o caso do chamado mensalão do PT.

Instituto Lula
O Instituto Lula, que não respondeu objetivamente aos questionamentos apresentados pela publicação, divulgou nota neste sábado procurando desqualificar a reportagem. O Instituto Lula aponta ainda que o relatório divulgado pela revista neste fim de semana remete à publicação da revista "Veja" de agosto relacionada aos valores recebidos por Lula com palestras, também feita a partir de relatório do Coaf cujo vazamento foi alvo de pedido de investigação pela Polícia Federal (PF).

"A revista não tem interesse em entender ou reportar os fatos de forma fiel, quer apenas construir ilações. Não tem o que se chama de jornalistas investigativos: são apenas redatores sensacionalistas, operando documentos vazados ilegalmente. Não apresenta fatos, quer apenas especular e fazer barulho em cima de tais documentos", disse o Instituto em nota.

Petistas dizem que ganhos são legais e transparentes

• Instituto Lula afirma que recursos são oriundos de atividades regulares

- O Globo

O Instituto Lula divulgou ontem nota em resposta à reportagem da “Época” sobre as movimentações financeiras do ex-presidente. Segundo a entidade, o tratamento dado ao relatório do Coaf pela reportagem não passa de uma construção de “ilações” e nada há de ilegal nas movimentações financeiras do ex-presidente. A nota não contesta os números do relatório.

“Os recursos são oriundos de atividades profissionais, legais e legítimas de quem não ocupa nenhum cargo público: os valores mencionados no vazamento ilegal se referem a 70 palestras contratadas por 41 empresas diferentes (...). Todas palestras realizadas, contabilizadas e com os devidos impostos pagos. Tem palestra até para a Infoglobo, do mesmo grupo de comunicação que edita a revista Época. (...) Fazer palestras para uma empresa não implica em nenhuma outra relação e é uma prestação de serviço pontual que mantém a total independência do ex-presidente em relação ao contratante”, diz a nota.

A Infoglobo, empresa que publica os jornais O GLOBO, “Extra” e “Expresso”, participa de iniciativas que contribuem para o desenvolvimento e a promoção do Rio de Janeiro. Em 2013, com esse objetivo, a empresa apoiou a Fecomércio-RJ na realização de um seminário sobre o mapa do comércio no Estado do Rio. Além de divulgar o evento em seus jornais, a Infoglobo arcou com os custos dos palestrantes, inclusive do ex-presidente Lula. A informação foi inclusive citada na nota divulgada ontem pelo Instituto Lula.

Palocci: dados caluniosos
Segundo a assessoria de imprensa de Antonio Palocci, a reportagem de “Época” traz informações mentirosas e caluniosas. O tema, diz a assessoria, já foi tratado pela revista em outras ocasiões, e os ganhos da Projeto Consultoria e de Antonio Palocci estão “clara e transparentemente registrados e sempre informados às autoridades competentes.”

Os advogados do governador Fernando Pimentel, Antônio Carlos de Almeida Castro e Pierpaolo Cruz Bottini, informaram que ele “apresentará todos os esclarecimentos assim que as informações mencionadas na mensagem forem disponibilizadas nos autos do inquérito”. A defesa disse desconhecer “a origem e o conteúdo dos documentos, ainda mantidos sob sigilo para as partes”. O GLOBO tentou contato ontem com o escritório de Erenice Guerra, mas as ligações não foram atendidas.

Com MPs, País deixa de recolher R$ 13 bi

• Normas editadas nos governos Lula e Dilma concederam incentivos a montadoras de veículos e as livraram de dívidas com a Receita

Fábio Fabrini e Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Brasil deixará de arrecadar R$ 13,2 bilhões em tributos até 2020 por conta dos incentivos concedidos pelas três medidas provisórias que estão sob suspeita de terem sido “compradas” por um esquema de lobby e corrupção para favorecer montadoras de veículos. Desse montante, R$ 7,6 bilhões é a estimativa do que os cofres públicos terão deixado de recolher apenas entre 2011 - quando a primeira norma entrou em vigor - e o fim deste ano, marcado por forte crise econômica e frustração de receitas.

Os dados, levantados pela Receita Federal a pedido do Estado, mensuram o impacto da renúncia fiscal referente ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Graças às MPs 471/09, 512/2010 e 627/2013, indústrias - principalmente fábricas de veículos - do Norte, Nordeste e Centro-Oeste conseguiram prorrogar por dez anos a política de redução do valor do tributo a ser recolhido. Os três textos foram editados e aprovados nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

O valor não recolhido até 2020 bancaria, por exemplo, até 245 mil imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida. Corresponde, ainda, à metade do corte no orçamento de programas sociais para 2016.
Além de reduzir o IPI, as montadoras conseguiram se livrar de mais de R$ 2 bilhões em dívidas tributárias, já que trechos incluídos pelo Congresso na MP 512 durante a votação que a converteu em lei, deram nova interpretação a uma antiga controvérsia das empresas com a Receita. Com isso, como mostrou o portal estadao.com.br, foram anuladas cobranças em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), espécie de tribunal que julga débitos de grandes contribuintes com o Fisco.

Esquema. Segundo investigações da Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal, empresas do setor automotivo teriam pago ao menos R$ 32 milhões pelos “serviços” de lobistas que atuaram no suposto esquema de corrupção para viabilizar as MPs. O esquema foi revelado pelo Estado em série de reportagens publicada em outubro. O valor é bem aquém dos benefícios bilionários obtidos até agora.

Por conta das suspeitas, a PF prendeu, na última segunda-feira, em nova fase da Operação Zelotes, seis acusados de intermediar os interesses das montadoras. Eles teriam corrompido autoridades do governo e do Congresso para conseguir a edição e a aprovação dos incentivos fiscais. Além disso, atuariam para fraudar os julgamentos no Carf.

A ação também fez buscas numa empresa de Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula. Luís Cláudio é investigado por receber, por meio de uma de suas empresas, pagamentos de Mauro Marcondes Machado, um dos lobistas presos.

Crise joga 3 milhões de famílias da Classe C de volta à base da pirâmide

• Entre 2006 e 2012, 3,3 milhões de famílias da Classe D/E subiram um degrau na escala social, mas agora um número quase igual deve fazer o caminho inverso, segundo a consultoria Tendências

Márcia de Chiara e Anna Carolina Papp - O Estado de S. Paulo

A recessão derrubou parte da nova classe média, a população da classe C, para a base da pirâmide social. Entre 2006 e 2012, no boom do consumo, 3,3 milhões de famílias subiram um degrau, das classes D/E para a classe C, segundo um estudo da Tendências Consultoria Integrada. Eles começaram a ter acesso a produtos e serviços que antes não cabiam no seu bolso, como plano de saúde, ensino superior e carro zero. Agora, afetadas pelo aumento do desemprego e da inflação, essas famílias começam a fazer o caminho de volta.

De 2015 a 2017, 3,1 milhões de famílias da classe C, ou cerca de 10 milhões de pessoas, devem cair e engordar a classe D/E, aponta o estudo. “A mobilidade que houve em sete anos (de 2006 a 2012) deve ser praticamente anulada em três (de 2015 a 2017). Estamos vivendo, infelizmente, o advento da ex-nova classe C”, diz o economista Adriano Pitoli, sócio da consultoria e responsável pelo estudo.

Para projetar esse número, Pitoli considerou que, entre 2015 e 2017, a economia deve recuar 0,7% ao ano; a massa real de rendimentos, que inclui renda do trabalho, Previdência e Bolsa Família, vai cair 1,2% ao ano, e o desemprego deve dar um salto, atingindo 9,3% da população em idade de trabalhar em dezembro de 2017 – o maior nível em 13 anos. Segundo o estudo, a classe C é formada por famílias com renda mensal entre R$ 1.958 e R$ 4.720 e a classe D/E por aquelas com rendimento mensal de até R$1.957.

“É a primeira queda da classe C em número de famílias desde 2003 e o primeiro ano de crescimento expressivo da classe D/E”, diz Pitoli. Só neste ano, a classe D/E vai ser ampliada em cerca de 1,5 milhão de famílias; em 1,1 milhão em 2016 e em 454 mil em 2017. “Grande parte dessas famílias está fazendo o caminho de volta, vieram da classe C”, diz Pitoli. Mas ele pondera que outra parcela é de novas famílias formadas dentro da própria classe D/E.

O economista diz que as pesquisas do IBGE, base da projeção, não permitem saber quanto é cada parcela, uma vez que a instituição não acompanha família a família. “Mas, naturalmente, a mudança de composição tem a ver com as migrações (de uma classe para outra).”

Para o economista Mauro Rochlin, professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os fatores que estariam levando parte das famílias de classe C a retornar ao estrato de origem são a alta impressionante no número de desempregados, o fechamento de vagas, o salário médio real que parou de subir e o crédito mais caro e restrito. “Tudo isso conspira a favor da ideia de que estaria havendo essa migração.”

Maurício de Almeida Prado, sócio-diretor do Plano CDE, consultoria com foco na baixa renda, aponta que a faixa mais vulnerável à recessão é a baixa classe C, uma vez que 50% dela estão na informalidade. “A classe média baixa tem maior risco de voltar atrás. Ela tem pouca escolaridade, sente muito a queda da economia pelo emprego informal, quase nenhuma poupança e uma rede de contatos limitada para obter emprego.”

Na prática. Myrian Lund, professora da FGV e planejadora financeira, que orienta por meio de um site famílias que precisam reestruturar as finanças, diz que a perda de poder aquisitivo da classe C afeta tanto empregados como desempregados. No caso dos empregados, ela diz que estão muito endividados, pois pegaram empréstimo com desconto em folha (consignado). Apesar de o juro dessa linha de crédito ser menor, hoje a prestação do financiamento está pesando mais no bolso dessas famílias, já que, em meio à recessão, o salário não terá aumento acima da inflação.

Para Prado, da Plano CDE, ainda que essas famílias tenham queda de renda, elas configuram uma classe baixa diferente, pela experiência adquirida com a ascensão. “É um novo tipo de classe baixa: mais conectada, escolarizada e de certa forma até mais preparada.”

Obras cortarão cem mil vagas

Com ajuste fiscal e crise na Petrobras, a indústria da construção prevê que, até o fim do ano, mais de cem mil trabalhadores serão demitidos de obras de infraestrutura, revela Cássia Almeida.

Menos cem mil empregos em grandes obras

• Construção sofre efeitos de ajuste e crise da Petrobras. Belo Monte demitirá 12 mil até 2016

Cássia Almeida - O Globo

Mais de cem mil trabalhadores devem ser demitidos das obras de infraestrutura daqui até o fim do ano, estima a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), somando 180 mil em 2015. Somente de janeiro a setembro, foram 79.131 demissões. Quando se inclui nessa conta a construção de edifícios, o total chega a 222.711. O setor está em crise, e todos os impulsos para a atividade avançar foram anulados, dizem especialistas. As demissões normalmente são concentradas no último trimestre. No início do ano, costumam acontecer as contratações, mas não foi o que ocorreu desta vez, diz José Carlos Martins, presidente da Cbic. Sem novos ciclos de investimento à vista e com grandes obras no fim ou em ritmo mais lento, a crise no setor se agravou. Operários da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, estão sendo demitidos em razão da conclusão de etapas da obra. 

Em Pernambuco, cerca de 40 mil perderam o emprego em 2014 com a paralisação dos trabalhos da refinaria de Abreu e Lima e não houve como absorver essa mão de obra. No Rio, o Comperj praticamente parou.

— A restrição fiscal nos estados e municípios fez parar tudo. Não tem um centavo para aplicar. Não temos expectativa de quando isso vai mudar — diz Martins, que calcula um total de 530 mil empregos cortados na construção civil este ano, incluindo obras de infraestrutura, construção de edifícios e serviços especializados.

O ajuste fiscal no governo federal e nos estados e municípios abateu a indústria da construção pesada, já afetada pelo corte de mais de 30% nos investimentos da Petrobras e pela Operação Lava-Jato, que paralisou ou fez andar mais devagar obras de grandes empreiteiras do país e seus fornecedores.

— É um quadro bastante ruim e, particularmente ruim na infraestrutura, por um conjunto de fatores. Na Região Norte, o emprego caiu 19,06% este ano (até setembro) já por causa das demissões em Belo Monte. E vai piorar quando essa desmobilização for completa. Como não houve licitação para as obras para o complexo hidrelétrico do Rio Tapajós, o impacto vai ser forte na região — afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Em Altamira, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção Pesada do do Pará já não dá conta das homologações das dispensas no canteiro de Belo Monte. Acertou com o consórcio construtor a demissão de 50 trabalhadores por dia, mas o número vem crescendo. Em agosto, foram 1.749 demissões. De acordo com cronograma enviado ao Ministério Público do Trabalho (MPT) pelo consórcio construtor da usina de Belo Monte, formado por Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez, serão demitidos 12 mil trabalhadores de outubro a fevereiro do ano que vem. Em abril, o canteiro abrigava 31.800 trabalhadores. Em fevereiro, serão 13.100.

O temor dos procuradores do Trabalho é que esses trabalhadores, sem conseguir outra obra, fiquem na cidade sem condições de voltar para seus locais de origem. Muitos, para conseguir a vaga na construção da hidrelétrica, disseram que moravam em cidades próximas — os contratantes preferiam trabalhadores da região — e ficaram sem receber a “baixada” (direito a transporte e tempo para ver a família).

— A cidade de Altamira poderia receber milhares de trabalhadores de uma só vez, o que poderia gerar uma situação de confusão na cidade. Por esta razão, o consórcio comprometeu-se a garantir o transporte dos trabalhadores partindo diretamente dos canteiros de obras, sem a necessidade de passarem pelo terminal rodoviário, com vistas a garantir a tranquilidade neste momento — afirma o procurador Erik de Oliveira.

O vice-presidente do sindicato dos trabalhadores, Roginel Gobbo, diz que os operários voltam para suas cidades por conta própria, com raras exceções.

Região não conseguirá absorver operários
Ele diz ainda que as medidas recomendadas pelo MPT consideram que não haverá, a princípio, como absorver esse pessoal na região de Belo Monte (Altamira e Vitória do Xingu), pela própria singularidade de tais locais, nem mesmo para a operação de Belo Monte, que exigirá pessoal especializado e de formação diversa desses trabalhadores.

Grande parte dos trabalhadores de Belo Monte veio de Rondônia, depois que acabaram as obras nas duas hidrelétricas do Rio Madeira — Jirau e Santo Antônio — também nas mãos das construtoras que hoje sobem as barreiras no Rio Xingu. A construção do complexo no Rio Tapajós não saiu do papel e, portanto, não vai absorver essa mão de obra desligada dos canteiros de Belo Monte.

— Vieram equipes inteiras para Belo Monte. Há alguma obra no Pará que pode absorver, mas a expectativa era que eles fossem deslocados para Itaituba (Tapajós) — diz Roginel Gobbo, vice-presidente do sindicato dos trabalhadores .

Alguns estão sendo aproveitados na próxima etapa da obra, a montagem dos equipamentos. Mas a demanda é bem menor: 4.500 na obra inteira. O Consórcio Construtor Belo Monte afirmou que não faria comentários sobre as demissões.

Também no Pará, as obras em Canaã do Carajás, o maior projeto de mineração da Vale, já estão no auge, com 32 mil operários trabalhando na construção da ferrovia (13 mil), do porto (4 mil) e da mina e da usina (15 mil). Segundo a empresa, a mina começa a operar no segundo semestre do ano que vem, mas as obras da ferrovia vão até 2018. Essas obras não vão abrir mais vagas na construção civil. Gobbo, do sindicato, diz porém que, no caso da Vale, sempre tem obra em Parauapebas, mas não o suficiente para absorver toda a mão de obra que deixará Belo Monte.

Outra grande obra de infraestrutura foi atingida duramente pela Operação Lava-Jato: a da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Somente no ano passado foram 30 mil demitidos. A desmobilização era esperada, segundo a procuradora do Trabalho do estado Débora Tito. Eles criaram um fórum juntamente com o governo do estado para tentar realocar esses operários que, em sua maioria (58%), eram de Pernambuco. Mas a Operação Lava-Jato, com o bloqueio dos recursos da Petrobras para determinados fornecedores, obrigou os procuradores a mudarem a direção dos trabalhos: passaram a lutar pelo pagamento de indenizações.

— Mais de 10 mil trabalhadores ficaram sem receber salário. Foram 42 mil contratações para a construção de Abreu Lima e foram mantidos apenas 30% desse quadro. Uma empresa ainda tem dívidas trabalhistas de R$ 75 milhões no estado — diz Debora.

Agora a situação começa melhorar na região, com a construção de uma petroquímica, que está contratando operários. Mas novos problemas começam a surgir.

— Recebemos denúncia do sindicato de que há pessoas, agenciadores, vendendo vagas de emprego por R$ 4.000. Com a massa de demissões que houve, há muito mais gente desempregada do que postos oferecidos — afirma a procuradora do Trabalho.

Construção em queda desde início de 2014
A construção civil vive uma das suas piores crises nos últimos anos. Nas Contas Nacionais, o setor vem em queda desde o segundo trimestre de 2014 na comparação com o ano anterior. Já caiu 4,7% nos últimos quatro trimestres, um recuo bem mais acentuado do que o da média da economia, que caiu 1,2%. Essa retração do setor é mais aprofundada com o pessimismo que se instalou, principalmente entre os que tocam obras de infraestrutura. A Sondagem da Construção que a FGV divulgou na última semana mostra a confiança do setor no seu mais baixo patamar desde 2010. Na composição do índice, os empresários de infraestrutura são os mais pessimistas. Nesse grupo, a queda na confiança foi de 5,5%, contra 3,9% na média, e de 1,9% na construção predial. E a piora foi rápida. Até agosto, os empresários até melhoraram a percepção da situação atual, mas, em setembro e outubro, o pessimismo dominou: queda de 10% em setembro e de 5,5% em outubro.

A situação do emprego também é pior na infraestrutura. No ano, até agosto, a ocupação caiu 13,7% contra 9,6% da média da construção.

Outro setor da construção que poderia absorver esses trabalhadores também sofre com a crise econômica. Com o ajuste fiscal, diminuiu a verba para o programa Minha Casa Minha Vida, os recursos da Caixa Econômica Federal para financiamentos habitacionais estão mais escassos e a demanda recua mais ainda com o emprego e o salário em queda em todas as atividades. Este ano, o setor de edificações já demitiu 115 mil trabalhadores.

Debate: Qual é a saída para a crise



CONVITE

Data: Quinta, 5 de novembro às 18:00 - 21:30

• Local: Associaçao Scholem Aleichem- ASA - Rua São Clemente, 155 fundos
Botafogo - Rio de Janeiro (perto da Estação do Metro Botafogo)

• Debatedores: os economistas Mansueto Almeida (IPEA), Felipe Salto (FGV-SP), José Luis Oreiro (UFRJ) e Sérgio Besserman (PUC-Rio)

• Moderador: Luiz Sérgio Henriques (vice-presidente da FAP

• Promoção: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)

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Lava-Jato já recuperou R$ 2,4 bi para a União

• Valor equivale ao custo de 40 mil unidades do Minha Casa Minha Vida

Quantia seria suficiente para pagar o valor-base do Bolsa Família a 31 milhões de beneficiários

A Operação Lava-Jato comprovou que R$ 7,2 bilhões foram desviados para pagamentos de propina no esquema criminoso investigado na Petrobras. Desse valor, R$ 2,4 bilhões já foram recuperados por meio dos acordos de colaboração e leniência firmados com delatores e empresas envolvidas, incluindo o pagamento de multas, informam Cleide Carvalho e Renato Onofre. Com essa quantia, seria possível construir 40 mil unidades do Minha Casa Minha Vida ou pagar o valor-base de R$ 77 do Bolsa Família para 31,2 milhões de beneficiários. Os números podem aumentar porque ainda há acordos sendo negociados com o Ministério Público.

Um terço da propina de volta

• Operação Lava-Jato já conseguiu recuperar R$ 2,4 bilhões com delações e acordos de leniência

Cleide Carvalho e Renato Onofre - O Globo

SÃO PAULO - Os delatores do esquema de corrupção na Petrobras e parte das empresas envolvidas já devolveram, através de acordos, o equivalente a um terço dos R$ 7,2 bilhões que comprovadamente foram desviados para pagamentos de propina a políticos e dirigentes da estatal. Em 33 delações premiadas e três acordos de leniência, foram devolvidos R$ 2,4 bilhões. O levantamento, feito pelo GLOBO nas 31 ações que correm na Justiça, mostra que o valor obtido por meio de acordos de delação e de leniência, e ainda a título de multa, daria para pagar 31,2 milhões de benefícios do Bolsa Família (pelo valor mais baixo pago aos beneficiários).

Juntas, as três empresas que já assinaram acordos de leniência — Setal, Camargo Corrêa e a holandesa SBM — devolveram R$ 1,64 bilhão, mais da metade do valor recuperado pela Justiça. Entre os delatores, quem mais devolveu dinheiro até agora foi o ex-gerente da estatal Pedro Barusco, que sozinho entregou US$ 97 milhões, o que corresponde a R$ 381,1 milhões pela cotação do dólar da última quinta-feira. A segunda maior quantia foi devolvida pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa: o equivalente a R$ 101,3 milhões.

Esse dinheiro devolvido fica, inicialmente, à disposição da Justiça. O juiz Sérgio Moro tem determinado que todo o dinheiro confiscado retorne aos cofres dos órgãos lesados. No caso da Petrobras, já foram feitas duas devoluções, que somam R$ 296 milhões. Esses valores estavam em contas de Costa e Barusco no exterior.

— O Ministério Público abriu mão de algumas condenações em troca de muito mais — diz o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos porta-vozes da força-tarefa da Operação Lava-Jato e defensor das delações.

Na semana passada, em entrevista ao “Programa do Jô”, Dallagnol disse que o caso Lava-Jato quebrou todos os recordes de devolução de recursos para o país:

— Para se ter ideia, antes do caso Lava-Jato, tudo que foi recuperado no país e entrou nos cofres públicos, em todos os outros casos (de corrupção) juntos, somam menos de R$ 45 milhões.

R$ 1,1 bilhão ainda está bloqueado
Dados da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público mostram que a Lava-Jato bloqueou no exterior, até 23 de outubro, US$ 433 milhões (R$ 1,7 bilhão) em dinheiro supostamente desviado da Petrobras ou de outros órgãos públicos. Até o momento, US$ 129 milhões (R$ 506,8 milhões) foram repatriados. O restante, o equivalente a R$ 1,1 bilhão segue bloqueado em bancos de Suíça, Luxemburgo e Mônaco, à espera de decisão judicial.

Como Barusco e Costa fizeram delação, o dinheiro voltou mais rapidamente. No caso do exdiretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que não fez acordo, foram bloqueados o equivalente a R$ 90 milhões. Desse valor, voltou ao Brasil apenas a metade. O restante permanece bloqueado lá fora, à espera de novas investigações e decisões judiciais.

Os números podem aumentar. Pelo menos dez réus envolvidos no esquema, além de construtoras, ainda negociam algum tipo de acordo com o Ministério Público Federal (MPF). Além disso, pelo menos 30 empresas flagradas no esquema de corrupção da Petrobras negociam com a Controladoria Geral da União (CGU) e o MPF um acordo de leniência — negociação que uma empresa faz com órgãos de controle admitindo práticas ilícitas em troca de continuar prestando serviços ao poder público. O acordo envolve o compromisso de adotar sistema de compliance e pagar indenizações pelos danos causados.

Estimativas da Lava-Jato apontam que o rombo nos cofres públicos pode ultrapassar os R$ 15 bilhões. Mais de 700 casos seguem em investigação, com procedimentos instaurados. Metade das 16 empreiteiras acusadas de participar do cartel na Petrobras também segue na condição de investigada, sem denúncia formalizada à Justiça.

Além da Petrobras, a Lava-Jato flagrou, por exemplo, pagamento de propina em contratos de publicidade da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Saúde, e em contratos da Eletronuclear para a construção de Angra 3. Também foi identificada propina paga num acordo firmado pelo Ministério do Planejamento, que envolveu a cessão de uso do banco de dados cadastrais de mais de 7,5 milhões de servidores federais.

Um em cada quatro réus vira delator
Em um ano e sete meses de investigação, um em cada quatro réus virou delator na Lava-Jato. No total, 120 pessoas foram denunciadas e 41, condenadas. Demonizado por alguns juristas, o instrumento da delação premiada instiga o debate entre defensores de réus da operação. Técio Lins e Silva, advogado da Odebrecht, afirma que a prisão preventiva se tornou uma espécie de tortura, um “pau de arara pós-moderno” para convencer investigados a colaborar com as investigações.

— O acusado não pode abrir mão do seu direito de mentir. Isso não é uma conquista da legislação brasileira. Isso é uma conquista da sociedade ocidental, fruto da Revolução Francesa — afirma Lins e Silva. — As bases legais violam causa pétreas da Constituição. O acusado não pode abrir mão do direito de defesa. O acusado não pode ser obrigado, para ter um benefício, a abrir mão do direito ao silêncio.

O criminalista Fábio Tofic Simantob diz que há uma “banalização do instituto da delação”:

— É quase como pegar empréstimo a juros altos. As vantagens imediatas parecem tão grandes que você não sabe exatamente com o que está se comprometendo no futuro.

O questionamento às delações virou moeda política. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), denunciado na Lava-Jato, chegou a afirmar que o vazamento de informações seria manobra do governo para desestabilizálo. No último dia 23, em Salvador, o ex-presidente Lula disse que o Brasil vive “quase um Estado de exceção” com as delações.

Mesmo os críticos da delação, no entanto, dizem que ela veio para ficar. O criminalista Alberto Toron, primeiro a derrubar no Supremo Tribunal Federal a prisão preventiva de um empreiteiro (Ricardo Pessoa, da UTC), ressaltou que os acordos não representam a impunidade dos delatores. Lembrou que a maioria deles cumpre regime restritivo de liberdade, com tornozeleira eletrônica, e pagou altas multas.

Toron compara as críticas às delações da Lava-Jato com o descontentamento gerado na Colômbia pelo acordo feito entre autoridades e as Forças Armadas Revolucionárias (Farcs):

— A Lava-Jato é um pouco assim. Em troca de melhorias na administração pública, você terá um novo patamar de punição que não é na cadeia. A gente vai ter que conviver com isso

STJ rejeita habeas corpus para Marcelo Odebrecht

• Ministro não vê ilegalidade na prisão decretada por Sérgio Moro

Eduardo Brescian - O Globo

BRASÍLIA - O ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), rejeitou habeas corpus em favor do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, preso desde 19 de junho no Paraná, no âmbito da Operação Lava-Jato. Os advogados do executivo tentavam trancar um processo que o acusa de corrupção ativa, no qual ele já foi denunciado, e sua prisão preventiva foi decretada.

Além de beneficiar o presidente da empreiteira, o habeas corpus é assinado por representantes de outros três executivos da Odebrecht, César Ramos Rocha, Márcio Faria e Rogério Araújo. Todos estão presos no Paraná.

Outra tentativa frustrada
O ministro observou que, pela jurisprudência do STJ, o habeas corpus só pode ser concedido em caso de “flagrante ilegalidade ou equívoco da decisão impugnada”. Afirmou que, no caso dos autos, não se constata essa premissa na condução do processo pelo juiz Sérgio Moro.

“Não se verifica a ocorrência de flagrante ilegalidade na decisão impugnada, de modo a justificar o processamento da presente ordem”, decidiu Ribeiro Dantas.

A tentativa de trancar o processo já tinha sido frustrada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem sede em Porto Alegre. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Teori Zavascki, negou, em outro habeas corpus, pedido de liberdade para o presidente da Odebrecht.

Acusação de agressão abala núcleo de Paes

• Desentendimento entre Pedro Paulo e ex-mulher cria crise na campanha; prefeito tenta minimizar

Cássio Bruno - O Globo

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), tomou para si a missão de tentar debelar a maior crise que se abateu sobre seu núcleo político até agora, em meio aos preparativos para as eleições municipais do ano que vem: as supostas agressões físicas do secretário executivo de Coordenação de Governo, Pedro Paulo Carvalho, contra a ex-mulher Alexandra Mendes Marcondes. Buscando minimizar os danos à imagem pública do amigo, Paes ignora e desafia a Justiça Eleitoral pedindo votos em inaugurações de obras e eventos da prefeitura — o que é proibido pela legislação.

Não será fácil reverter a péssima repercussão do episódio. A notícia da briga do ex-casal caiu como uma bomba na prefeitura e abalou os alicerces do PMDB. Cogitou-se até a troca do candidato — que foi negada pela cúpula do partido. Paes, por sua vez, vem atuando nos bastidores para estancar o problema. O prefeito procurou todas as lideranças dos partidos que o apoiam para explicar a situação. E uma equipe monitora os estragos por meio de pesquisas e nas redes sociais.

Servidores e assessores estão proibidos de comentar o assunto em público. Deputados e vereadores foram às tribunas defender Pedro Paulo. No entanto, na última quinta-feira, na Candelária, durante um protesto de mulheres contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aliado de Paes e Pedro Paulo, manifestantes exibiam faixas com a frase: “Cunha e Pedro Paulo, inimigos das mulheres”. Ouviu-se ainda palavras de ordem contra os dois.

Chutes, socos e agarrões
A briga do ex-casal aconteceu em 6 de fevereiro de 2010, mas só se tornou pública há duas semanas após reportagem da revista “Veja”. No depoimento à polícia, Alexandra conta em detalhes a confusão. Segundo ela, Pedro Paulo a teria agredido com socos, chutes e agarrões no pescoço. Um de seus dentes foi quebrado. A empregada do casal teria testemunhado as agressões.

De acordo com Alexandra, no depoimento à polícia, a briga foi provocada porque ela encontrou indícios de traição de Pedro Paulo no apartamento que eles dividiam à época. Alexandra chegou de viagem sem avisar ao então marido. Ela disse ter encontrado cabelos longos no ralo do chuveiro e na cama, um sutiã que não era seu embaixo da mesa da cozinha e duas taças de vinho. Quando Pedro Paulo chegou em casa vindo de um compromisso em Brasília, Alexandra pediu o divórcio. Teria sido o estopim para as agressões começarem.

“Ele (Pedro Paulo) aplicou na declarante (Alexandra) um violento soco, que atingiu seu olho esquerdo. Que, depois, Pedro Paulo deu um outro soco que atingiu a sua boca, vindo a quebrar um dente, lesão esta que sangrou”, diz um dos trechos do registro de ocorrência feito por Alexandra na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Jacarepaguá, na Zona Oeste.

O GLOBO também obteve os laudos dos exames de corpo de delito de Alexandra e de Pedro Paulo feitos no Instituto Médico-Legal (IML), que confirmaram que ela sofreu agressões. No documento, o pré-candidato do PMDB à prefeitura alega ter sido agredido com arranhões e objetos jogados nele pela ex-mulher.

Pedro Paulo nunca foi ouvido pela polícia. Após quase seis anos, a investigação não andou. Ao GLOBO, a chefia da Polícia Civil informou, na última sextafeira, que determinou que a Corregedoria Interna apure se o tempo de apuração foi justificado ou não pela Deam.

O inquérito foi encaminhado ao Ministério Público e está nas mãos do procurador-geral de Justiça Marfan Martins Vieira, que decidirá se o caso vai ou não para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já que Pedro Paulo é deputado federal licenciado e tem direito a foro privilegiado.

Desde então, Alexandra se mudou para São Paulo e não foi localizada. Sua mãe informou ao GLOBO que ela na o daria entrevista. Pedro Paulo também não quis falar, alegando que a ex-mulher registrou, em cartório, uma carta na qual diz que “tudo foi invenção minha num momento de desespero do fim do relacionamento conturbado”. No documento, Alexandra afirma que o episódio já “está superado”.

Mas não para Eduardo Paes. Em ritmo de campanha, o prefeito busca reverter o quadro. Só em outubro, ao lado de Pedro Paulo, Paes entregou um reservatório de águas pluviais e inaugurou obras de urbanização na Zona Oeste e da expansão do Parque Madureira; participou ainda do início da construção de uma clínica da família, entre outros compromissos. Num deles, no domingo passado, declarou:

— Está aqui o futuro prefeito do Rio, Pedro Paulo. Até que a Justiça Eleitoral me impeça, vou mesmo continuar pedindo votos.

Com a minirreforma eleitoral, a campanha só começa oficialmente em 15 de agosto do ano que vem, com duração de 45 dias e não mais 90. Nesse caso, Eduardo Paes está sujeito a ser multado pelo Ministério Público.

Em nota sobre a briga divulgada na última sexta-feira, o prefeito afirmou: “É um tema da vida privada, já superado e esclarecido, que não atrapalha a candidatura. Eu e o PMDB seguiremos fazendo campanha para o Pedro Paulo, que é definitivamente o melhor para o Rio e quem melhor representa as conquistas do partido na cidade. O resto é fofoca de adversários que já perceberam a força da candidatura de Pedro Paulo, que vencerá as eleições”.

Na busca pelos votos para Pedro Paulo, vale até convocação da prefeitura para inauguração de obras por telemarketing, exposições do secretário na TV e agendas relacionadas aos Jogos Olímpicos. Tudo para torná-lo mais conhecido do eleitorado carioca.

Agenda de candidato
Em outra frente, Pedro Paulo já tem agenda de candidato. Sua equipe é comandada pelo marqueteiro Renato Pereira, o mesmo que ajudou a eleger Paes e o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), por duas vezes, e o atual governador Luiz Fernando Pezão. Pereira é um dos sócios da Prole, uma das três agências que, em março deste ano, ganhou uma licitação de R$ 150 milhões para cuidar da publicidade da prefeitura. A Prole já faz gravações de Pedro Paulo para a campanha eleitoral.

— A briga é ruim porque o Pedro Paulo está tentando decolar. Ele ainda não é conhecido. É negativo para quem quer apresentar uma boa imagem. Certamente, será algo sensível ao eleitorado feminino. A sorte dele é que ainda estamos longe da campanha. Ele vai precisar ter cuidado para que isso não inviabilize a candidatura. Se tem laudo do IML, fica mais difícil desmentir essa briga — diz Ricardo Ismael, professor e cientista político da PUC-RJ.

Gabriela Serra, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Eleitorais do Ministério Público, não foi localizada para comentar sobre a fiscalização em relação ao prefeito. Em nota, a assessoria de imprensa do MP disse que o fato envolvendo Eduardo Paes será encaminhado a um promotor eleitoral “para adoção das medidas que entender cabíveis”.

Sete pré-candidatos na disputa pela prefeitura

• Além do PMDB, já apresentaram nomes PSOL, Rede, PR, PRB, PSDB e PSD

Marcelo Remigio - O Globo

Não está sendo fácil para o prefeito do Rio, Eduardo Paes, pavimentar o caminho do secretário municipal executivo de Coordenação de Governo, Pedro Paulo Carvalho, até a prefeitura do Rio em 2016. Para tentar contornar as repercussões do caso que envolveu Pedro Paulo, Paes precisou negociar a pré-candidatura de seu braço-direito dentro do seu partido, o PMDB. O secretário disputou a indicação com o deputado estadual Rafael Picciani, hoje à frente da Secretaria municipal de Transportes. O acordo com a família Picciani, liderada pelo presidente da legenda e da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), Jorge Picciani, prevê que Rafael fique com a vaga de vice. Jorge Picciani ainda deverá indicar nomes para o governo.

Apesar do bom relacionamento público, Paes e Jorge Picciani travam uma disputa interna por espaço no partido. Hoje, Picciani comanda os órgãos municipais Rio Luz e Parque e Jardins na administração de Paes. Segundo caciques peemedebistas, para uma candidatura prosperar na legenda tem de ter a bênção do presidente da Alerj. Um dos desejos do deputado seria controlar também a Secretaria de Educação.

As negociações de pré-campanha ultrapassaram os limites do partido, e Eduardo Paes teve de recorrer a um acordo com o PSB. A legenda, até então, lançaria o nome do senador Romário a prefeito em 2016. Dentro da velha política de loteamento de pastas, o prefeito do Rio ofereceu a Romário a Secretaria de Esporte e Lazer em troca da desistência do senador. O órgão seria mantido com o PSB e o grupo de Romário num eventual governo de Pedro Paulo.

— O acordo foi feito com “porteira fechada” (quando todos os cargos são ocupados pelo partido que indicou o titular da pasta). Mas nem todos os cargos já foram ocupados pelo PSB. Paes está autorizando aos poucos, uma forma de manter o partido em sua base — afirma um deputado estadual que integra a Executiva Regional do PMDB. — Paes quer reeditar a coligação, que somou quase 20 partidos. Mas, para isso, vai ter de cumprir acordos. Muitos partidos pequenos reclamam que não são atendidos de pronto.

Disputa com campeões de votos
Pedro Paulo terá de enfrentar conhecidos campeões de voto na corrida pela sucessão de Paes. Deputado estadual, Marcelo Freixo (PSOL) lançou sua pré-candidatura no fim de semana passado, seguindo os passos do senador Marcelo Crivella (PRB), que disputará novamente a prefeitura do Rio. O pré-candidato do PRB apresentou seu nome bem antes de Freixo, em maio, durante a convenção da Executiva Nacional do partido, em Brasília.

Outros dois nomes fortes na disputa são a deputada federal Clarissa Garotinho, do PR, e o também deputado federal Alessandro Molon. Ele deixou o PT e se filiou à Rede. Já Clarissa, que alcançou a segunda maior votação no Rio para a Câmara, é cotada no PR devido ao seu poderio eleitoral, embora não seja uma unanimidade na legenda. Ela chegou a ser cortejada pelo PSDB para a disputa.

Os tucanos ainda estudam nomes. Entre os prováveis está o do deputado federal Otavio Leite. O PSD aposta na précandidatura do deputado Indio da Costa. A executiva regional é próxima de Paes e avalia um acordo com o prefeito.

Fernando Henrique Cardoso - Por uma agenda nacional

- O Estado de S. Paulo

Nestes últimos tempos tenho procurado me inspirar na recomendação bíblica: olhai os lírios do campo. Diante de tanto escândalo, tanta ladeira abaixo da economia, é melhor olhar para o mais simples e mais sublime. Tive a oportunidade de ouvir Beethoven na Filarmônica de Berlim, regida por Simon Rattle. A nona foi soberba, mas a sétima sinfonia envolveu o auditório em tamanha beleza que me reconciliei com as agruras que me esperariam na volta.

Mal chegado, ainda quentes os debates que havia feito para o lançamento de meu livro A Miséria da Política, entrei no ciclo das entrevistas e apresentações na TV sobre outro livro, este mais de recordações, desabafos momentâneos e sensações ambivalentes, Diários da Presidência – 1995-1996. Tornou-se inevitável que a pequena e a grande política se misturassem. Eis-me, pois, de novo no labirinto do noticiário cotidiano.

Daí a refletir sobre o modo de sair do ramerrão da política partidária vai um passo. De que vale eu dizer novamente que impeachment não é alvo desejável, mas, sendo o caso, torna-se circunstância impositiva diante de fatos e de reações populares? Certamente não se trata de golpe, mas de processo prescrito pela Constituição. Para que serve eu dizer que, uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma investigação sobre os abusos do poder econômico para assegurar a reeleição presidencial, só resta aguardar as investigações e a palavra dos juízes? Ou que há momentos em que o interesse da pátria pode exigir que a grandeza dos governantes acolha até o gesto dramático da renúncia, desde que com ele venham embutidas exigências para que os principais nós que emperram o País sejam cortados?

A saída da crise requer a formação de uma nova conjuntura na qual seja possível pôr na ordem do dia os cinco ou seis pontos fundamentais ao redor dos quais se forme um novo consenso nacional. Não se trata de aliança entre partidos, grupelhos e setores da sociedade. Trata-se de dar novo rumo ao País na busca de melhor sociedade futura. Não precisamos de salvacionismos, mas da elaboração de ideias que se possam substantivar em políticas que atendam ao interesse nacional e aos anseios populares.

Não é possível que não tenhamos aprendido como nação que a demanda contínua de mais políticas públicas benéficas para certos setores e a recusa, ou impossibilidade, de maior tributação são incompatíveis. Num só exemplo: ou se volta a discutir a idade mínima de aposentadoria ou as contas da Previdência, que já não fecham, apresentarão déficits crescentes e insustentáveis. Ou, em outro terreno: já não se viu que a mágica de botequim de aumentar o endividamento público (já chegamos a R$ 2,7 trilhões!) e de continuar expandindo o crédito para incentivar o consumo pode apenas criar “bolhas”? Estas, uma vez estouradas, pela falta de meios tanto para emprestar como para pagar, levam a economia e as pessoas à ruína, como agora acontece. Já não passou da hora de aprovar, como foi sugerido no passado, medida que limite a expansão do gasto abaixo do crescimento do PIB, salvo em situações de retração econômica? Ou de aprovar, como proposto em projeto em curso, limites para o endividamento federal? Ou ainda se acredita que manter o orçamento em relativo equilíbrio, com uma dívida pública não explosiva, é um imperativo apenas da ortodoxia“neoliberal”?

Mudando de tema, por que não voltarmos à proposta, hoje apoiada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e pela prática corriqueira em muitos setores produtivos, que aceita as negociações entre sindicatos, mesmo a despeito do legislado, sem que se alterem os itens constitucionais da CLT?

O fantasma do desemprego está alertando para a necessidade de maior realismo no mercado de trabalho. Assim como a dura experiência de a crise nos ter levado às portas da “dominância fiscal” mostra que o crescimento da taxa de juros Selic, sem um efetivo ajuste fiscal, não funciona para conter a inflação e apenas aumenta o montante de juros da dívida pública quando se passa de certo umbral de razoabilidade pelos impulsos do voluntarismo político.

Mais ainda, e apenas a título ilustrativo de mais um entre os muitos itens da agenda necessária para tirar o País do atoleiro, é preciso reconhecer que não houve percepção de que o mundo marcha para uma economia de baixo carbono e o Brasil entrou numa sucessão de erros na política energética. Assentou mal as bases de exploração do pré-sal, restringindo nossa enorme vantagem comparativa com o etanol, e errou pela falta de uma política de tarifas adequadas, a ser conduzida por agências reguladoras livres da influência partidária. As relações intrínsecas entre desenvolvimento econômico e meio ambiente devem ser outro tema da nova agenda nacional.

Por fim, o ponto focal é a recuperação da credibilidade das instituições políticas. Cinco ou seis itens básicos podem ser definidos para desatar o impasse da legislação eleitoral e partidária. Esta, somada à permissividade com práticas corruptas, levou à proliferação de falsos partidos e, consequentemente, de ministérios para atender à sanha de alguns deles para abocanhar pedaços do Estado e do orçamento. Daí a crise moral em que estamos mergulhados.

É para conduzir uma agenda nacional desse tipo, ou do que mais pareça necessário ao País, que precisamos de lideranças e do apoio da sociedade e de alguns partidos. Não sairemos da paralisia nem da sensação de estarmos à beira do despenhadeiro se a discussão continuar limitada a pessoas e a interesses imediatistas delas ou de seus partidos. Como quem tem a responsabilidade de unir porque foi eleita para conduzir o País (e não uma facção) está com poucas condições para tal, é que se dá a discussão, infausta, mas necessária, dos caminhos constitucionais para sairmos da crise.

Não se dá um passo maior sem saber o que vem depois. Daí a necessidade de um consenso nacional para juntarmos forças ao redor de um caminho mais claro para o futuro.

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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República