terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Opinião do dia – Carlos Sampaio


O dinheiro que vai para o partido é uma parte do dinheiro que vai para a União. Ou seja, é dinheiro púbico. Portanto, nada mais lógico que se dar publicidade dos gastos feitos com esse dinheiro público. Foi uma medida acertada do presidente do TSE, Dias Tofolli, e que merece aplauso.”

Carlos Sampaio (SP), deputado federal e Coordenador jurídico do PSDB

Para pressionar Dilma, PMDB boicota posse de Kátia Abreu e PROS renega Cid

• A fim de demonstrar insatisfação com o Ministério, peemedebistas esvaziam solenidade na Agricultura, cuja titular não é tida como representante da sigla; novo ministro da Educação é chamado pela própria legenda de ‘escolha pessoal’ da presidente

Daniel Carvalho, Ricardo Della Coletta, Ricardo Brito e Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Partidos da base de apoio à presidente Dilma Rousseff no Congresso aproveitaram os últimos dias para demonstrar insatisfação com o espaço recebido na composição ministerial neste segundo governo e ameaçar com retaliações nas próximas semanas.

Apenas nesta segunda-feira, 5, duas manifestações ocorreram nesse sentido: o PROS divulgou uma nota em que reitera que a indicação de Cid Gomes para o Ministério da Educação não teve o apoio do partido. Já o PMDB evitou comparecer à posse da ministra da Agricultura, Kátia Abreu. Na semana passada, foi o PT que procurou demonstrar insatisfação com a indicação de Pepe Vargas para a Secretaria de Relações Institucionais.

No PMDB, a insatisfação decorre da avaliação quase unânime no partido de que, a despeito do crescimento do número de pastas - de cinco para seis -, houve diminuição no alcance político que elas têm. Além de Agricultura e Minas e Energia, o PMDB comanda Pesca, Portos, Turismo e Aviação Civil.

A legenda considera que os ministérios que recebeu têm pouca capilaridade e força política e prometem retaliação no Senado, discutindo caso a caso medidas do governo e rejeitando projetos que aumentem impostos. Também ameaça conceder à oposição espaços nas eleições da Mesa Diretora e nas comissões do Congresso. Os peemedebistas cogitam até apoiar a criação de um partido-satélite da legenda, de forma a desidratar um eventual fortalecimento do ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), que pretende criar mais uma sigla neste ano.

No partido, há a avaliação de que o Planalto agiu na reforma com o objetivo de reduzir seu poder e ampliar a força de outros aliados, como Kassab. A insatisfação é tamanha que deixou de ser exclusiva de deputados e chegou também ao Senado. Algo perceptível na posse de Kátia Abreu ontem. O partido tem a maior bancada da Casa, mas, dos 19 integrantes, apenas três estiveram na cerimônia. Além da própria ministra, compareceram o senador licenciado Eduardo Braga (PMDB-AM), novo titular do Ministério de Minas e Energia, e um dos vice-presidentes do PMDB, senador Valdir Raupp (RO).

Ainda assim, a ministra agradeceu em seu discurso ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e aos senadores do partido, na pessoa de Raupp.

O PMDB também teme perder espaço na Petrobrás, alvo de denúncias de corrupção. A licença de Sergio Machado, presidente da Transpetro - subsidiária de transporte e logística da estatal -, expirou no fim de semana (mais informações na pág. A7) e o partido pressiona o Palácio do Planalto para manter o comando da subsidiária. Segundo peemedebistas, Renan tem atuado para preservar o posto. Mesmo que Machado, seu afilhado político, seja definitivamente afastado do cargo, o presidente do Senado não quer ver a presidência da subsidiária longe das mãos do PMDB.

Nota. Já o PROS resolveu tornar oficial ontem seu descontentamento. Divulgou nota em que afirma que sua cúpula não se sente representada com a escolha de Cid Gomes, ex-governador do Ceará. “A pior coisa do mundo é a gente pagar pelo que não deve”, disse ao Estado o líder do partido na Câmara, Givaldo Carimbão (AL). O mal-estar é tamanho que ele e o presidente da sigla, Eurípedes Junior (GO), não foram nem sequer convidados para a posse de Cid Gomes, na semana passada. Eurípedes e Carimbão tentarão uma audiência hoje com o ministro.

O partido tem apenas 11 representantes na Câmara, mas trabalha para formar um bloco parlamentar para ampliar seu cacife. Espera também manter os cargos que têm na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), ligadas ao Ministério da Integração, comandado agora pelo PP.

A insatisfação com espaço na Esplanada dos Ministérios contamina até mesmo o PT, partido da presidente. Na sexta-feira passada, representantes da sigla e da base aliada esvaziaram a posse do novo ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas (PT-RS), responsável por fazer a articulação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. A ala petista ligada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sentiu desprestigiada com a escolha.

Pros diz que Cid Gomes à frente da educação não representa o partido

• "A pior coisa é dizerem que é seu filho, sem ser", afirma líder da sigla

• É ele. Kassab aponta o dedo para seu antecessor nas Cidades, Gilberto Occhi

Júnia Gama - Globo

BRASÍLIA - Poucos dias após a posse de Cid Gomes como ministro da Educação, o PROS, partido do ex-governador do Ceará, divulgou nota dizendo que essa foi uma escolha pessoal da presidente Dilma Rousseff, sem participação da sigla. O líder do PROS na Câmara, Givaldo Carimbão (AL), deixou claro que o cearense não representa o partido na Esplanada dos Ministérios.

- A pior coisa do mundo é aparecer um menino e dizerem que é seu filho, sem ser. O objetivo da nota foi mostrar que não temos nada a ver com essa indicação, como o próprio Cid já vinha dizendo. Se quiser dar algo, que dê por inteiro. Mas nem a presidente nem o Cid conversaram com a gente nem um milímetro sobre isso - disse Carimbão ao GLOBO.

Carimbão afirmou que o partido não condiciona seu apoio à obtenção de espaço no governo. Frisou, porém, que seria "hipócrita" se dissesse que o PROS não gostaria de ocupar cargos. O texto, assinado pelo presidente do partido, Eurípedes Junior, e por Carimbão, elogia a nomeação de Cid, mas diz que a sigla não está representada no governo. A nota é intitulada: "Cid Gomes é escolha pessoal de Dilma como ministro da Educação".

"Para o PROS, a escolha pessoal da presidente é motivo de orgulho e demonstra a qualidade do quadro de filiados que possuímos", diz trecho do texto, que frustra em parte a expectativa no Palácio do Planalto de ter, com as indicações para o ministério, um bloco de apoio no Congresso capaz de minimizar o peso do PMDB.

Ao GLOBO, Cid reafirmou que não pretende deixar o PROS. Ele negou que a nota tenha causado mal-estar com o partido. Para o ministro, o partido apenas reafirmou algo que ele mesmo já vinha dizendo em entrevistas: sua escolha não seria fruto de um acerto partidário com o PROS, mas de uma opção direta da presidente . Em diversas ocasiões, Cid lembrou que o PROS tem apenas 11 deputados na Câmara.

- Eles podem ter as demandas deles junto ao governo, e quem fala sobre as demandas do PROS é o presidente do partido, não eu. Entendi que eles ficaram orgulhosos, mas registraram que minha indicação não foi partidária, como eu já tinha dito antes - afirmou o ministro, que receberá hoje Eurípedes e Carimbão.

Ontem, outro aliado de Dilma, o novo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, desconversou sobre sua atuação para recriar o PL (Partido Liberal), como forma de ajudar Dilma a ter uma base aliada mais forte no Congresso, e não tão dependente do PMDB.

- Eu não articulo nada, hoje sou ministro das Cidades, essa é a minha responsabilidade. O PSD está no seu governo, estamos para ajudá-la e vamos governar juntos sob o seu comando - disse Kassab, que recebeu o cargo de seu antecessor, Gilberto Occhi.

PMDB ameaça tirar apoio do governo no Senado para obter cargos no 2º escalão

• Ultimato foi dado por Renan; caciques querem reaver espaço que tinham no 1º governo

Maria Lima e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - De olho na distribuição de cargos no segundo escalão do governo e nas estatais, a cúpula do PMDB resolveu pressionar o governo e começou a ameaçar até com uma posição de "independência" no Senado - assim como atuou na Câmara em 2014. O ultimato foi dado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em tensa reunião no Palácio do Jaburu na última sexta-feira. Os peemedebistas dizem que o primeiro embate, com sérias consequências para o governo, seria a renovação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que vence em 31 de dezembro, mas cujo projeto leva meses para tramitar.

Após terem identificado uma operação do Palácio do Planalto para enfraquecer o PMDB, caciques do partido iniciaram contra-ataque para reaver espaços perdidos no primeiro governo Dilma Rousseff. A sigla iniciou o ano com presença maior na Esplanada do que em 2014: seis ministros, contra cinco até dezembro do ano passado.

PMDB reclama de pastas conquistadas
O PMDB manteve o comando dos ministérios de Minas e Energia, da Agricultura, do Turismo e da Secretaria da Aviação Civil, e trocou a Previdência, com fama de ser um "abacaxi", pela Secretaria de Portos e pelo Ministério da Pesca. Os peemedebistas, porém, alegam que as pastas conquistadas têm menor peso que outras, como Integração Nacional, Cidades e Transportes, entregues a PP, PR e PSD.

A principal queixa dos peemedebistas é o fato de Dilma tirar das pastas ocupadas pelo PMDB cargos importantes de segundo escalão, como a Embrapa, no Ministério da Agricultura; a Embratur, no Ministério do Turismo; a Infraero, na Secretaria de Aviação Civil; e diversos postos no setor elétrico, como Eletrobras e Furnas.

Mercadante deixou claro no encontro que, em relação ao segundo escalão, os atuais ocupantes estão interinos; tudo pode mudar, até cargos com o PMDB.

- Se for confirmada a retirada de espaço do PMDB, ficamos independentes. E, se isso acontecer, será uma decisão institucional, partidária, para os dois lados, da Câmara e do Senado - avisou Renan, lembrando que o PMDB do Senado segurou problemas do governo causados em votações na Câmara.

- Vamos fazer o possível para que isso não aconteça - respondeu Mercadante, sem garantir nada até 15 de fevereiro.

Uma nova reunião para discutir o segundo escalão foi marcada para 15 de janeiro. Além da volta da Embratur para o Turismo, o PMDB quer garantir a Codevasf, o Dnocs, o Banco do Nordeste e a Sudene, que já teriam sido prometidos por Dilma ao PP.

Interlocutores de Renan relatam que, além de estar em campanha pela reeleição à presidência do Senado, ele pressiona o governo por dois motivos: manter Vinicius Lages no Ministério do Turismo e indicar o substituto de Sérgio Machado na Transpetro. Machado foi afastado da subsidiária da Petrobras após ter sido citado em delação premiada na Operação Lava-Jato como responsável por pagamento de propina.

Segundo integrantes do PMDB, há "uma clara repulsa" na atitude de Mercadante e de outros articuladores do Planalto de criar um novo partido com a ajuda do ministro Gilberto Kassab, para tirar quadros do PMDB e esvaziar a força do partido na Esplanada.

- O governo usa a máquina pública para estimular a criação de mais partidos e esvaziar o PMDB - disse Renan a Mercadante, segundo fontes.

Renan negou a ameaça, por meio de sua assessoria. Mas outros presentes ao encontro confirmaram.

Dilma veta item da LDO sobre transparência

• Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015 recebeu 32 vetos da presidente, entre eles os que davam mais publicidade aos gastos públicos

Ricardo Brito, Adriana Fernandes - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na contramão dos discursos que marcaram sua campanha à reeleição, a presidente Dilma Rousseff rejeitou uma série de iniciativas aprovadas pelo Congresso que aumentava a transparência e o controle dos gastos públicos.

Entre os 32 vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, Dilma desobrigou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a divulgar na internet todas suas operações, incluindo aquelas com governos estrangeiros, assim como rejeitou a criação de um cadastro único de obras centralizado com os principais empreendimentos públicos em curso.

As mudanças haviam sido incluídas pelo ex-senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) no parecer que apresentou no fim do ano passado como relator da LDO de 2015, e foram aprovadas por deputados e senadores em plenário. A presidente barrou as medidas na sexta-feira, dia em que foram divulgados os vetos dela às iniciativas chanceladas pelos parlamentares. A partir de fevereiro, quando volta do recesso, o Congresso deverá analisar os vetos.

Nos bastidores, a aposta é que alguns partidos da base, como o PMDB, insatisfeitos com a montagem do segundo governo da petista, devem trabalhar para derrubar os vetos da presidente. A oposição criticou a iniciativa de Dilma.

Uma das principais modificações introduzidas por Vital do Rêgo, hoje ministro do Tribunal de Contas da União, garantia acesso irrestrito às informações do BNDES e de órgãos como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Todos teriam de publicar, bimestralmente, um demonstrativo discriminando financiamentos a partir de R$ 500 mil concedidos a Estados, Distrito Federal, municípios e governos estrangeiros.

Subsídios. A nova equipe econômica já indicou que a prática de concessão de crédito subsidiados do BNDES - que fez parte da política anticíclica do governo após a crise internacional de 2008 - será reavaliada, com o corte de incentivos e aumento de juros. Mas, com o veto de Dilma, não será possível ter acesso às operações do banco de fomento, em especial àquelas com governos internacionais.

Em janeiro de 2014, o Estado revelou que o BNDES "sonega" informações a órgãos de fiscalização, como TCU, Ministério Público Federal e a Controladoria-Geral da União, dados sobre operações de financiamentos sob a alegação de que tais informações estão protegidas pelo sigilo bancário. Em agosto, a Justiça Federal em Brasília condenou o banco a tornar públicas todas as operações de empréstimos e financiamentos feitos pela instituição que envolvam recursos públicos nos últimos dez anos. O banco recorreu da decisão judicial.

Cadastro. Dilma também vetou outras iniciativas importantes do Congresso: a criação de um cadastro único de obras públicas com recursos federais; a adoção de um sistema de referência de preços para os custos de obras e serviços de engenharia com recursos da União; e a permissão dada pelo Legislativo para que recursos para a área de segurança pública e outras nove ações sejam liberadas de corte orçamentário.

Nas justificativas para barrar as medidas, a presidente alegou, entre outros motivos, que as iniciativas podem desarranjar a política fiscal e dificultar o cumprimento da meta de superávit primário.

A presidente, entretanto, sancionou algumas iniciativas aprovadas pelos parlamentares que indicam que ela está disposta a apertar o controle das finanças públicas. Mesmo assim, líderes de partidos de oposição no Congresso criticaram os vetos. Para eles, ao barrar itens como a obrigação de divulgação na internet dos empréstimos do BNDES, Dilma demonstra que pretende manter a política de "queda de braço" com o Legislativo e que não priorizará a transparência em seu segundo mandato.

"Os vetos constrangem o Congresso, mas sua base aliada saberá reagir a tanta intolerância", afirmou o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA). Para o líder do DEM, Mendonça Filho (PE), a postura do Executivo incentiva o clima de conflito permanente com o Parlamento. "É um mau começo e um mau sinal para o Congresso." / Colaborou Daiene Cardoso

Dilma enfraquece PMDB com novos partidos

• Pressionado, Renan busca agradar Planalto e bancada

Raquel Ulhôa – Valor Econômico

Uma das principais lideranças do PMDB, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), acredita que a presidente Dilma Rousseff trabalha para diminuir a importância do partido na base de apoio ao governo. Dilma teria estimulado a criação de partidos como o Pros, oferecendo ministérios fortes a essas siglas e a novos aliados, como Gilberto Kassab, do PSD, que ganhou a pasta das Cidades. O Pros está no comando da Educação e o PR, do mensaleiro e ex-deputado Valdemar Costa Neto, no dos Transportes. Ao PMDB restaram, entre outros, Pesca, Agricultura e Minas e Energia, sendo que, nos últimos dois casos, as escolhas foram pessoais da presidente. Dilma também teria relegado o PMDB em represália à candidatura do deputado Eduardo Cunha (RJ) à presidência da Câmara. A insatisfação da sigla, que teve mais força e prestígio no governo Lula, foi comunicada ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em recente conversa.

Para agradar ao PMDB, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), transmitiu ao ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) a insatisfação da bancada com a composição do ministério e a expectativa de compensações no preenchimento dos cargos do segundo escalão. Candidato ainda não declarado à reeleição no comando do Senado, Renan joga para evitar desgaste com os colegas - especialmente o líder, Eunício Oliveira (CE), o mais irritado com a reforma -, mas precisa manter o apoio do Palácio do Planalto.

Trata-se de um malabarismo político, que levou interlocutores de Renan a divulgarem diferentes versões para a conversa com Mercadante. Segundo uma delas, claramente endereçada à bancada, Renan foi "duríssimo" com o ministro. Disse ter ficado clara articulação do Planalto para enfraquecer o PMDB, dando instrumentos políticos aos novos ministros das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), e da Educação, Cid Gomes (Pros), e ao PR do ex-deputado Valdemar Costa Neto, para a criação de partidos aliados. No caso do PR, nomeando para os Transportes Antônio Carlos Rodrigues, ex-vereador de São Paulo.

São três ministérios importantes, enquanto o PMDB ficou com pastas consideradas politicamente fracas. "O ministério da Pesca não dá direito a um anzol para pescar", ironiza um pemedebista. Além de "massacrar" o PMDB, a articulação do Planalto teria o objetivo de derrotar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara.

De acordo com a versão dessa ala do partido, embora Renan tenha sido o único senador do PMDB a negociar com a presidente Dilma Rousseff, ele é responsável pelas indicações atribuídas à cota da bancada e não as considera à altura do apoio que o partido dá ao governo no Senado. Helder Barbalho (Pesca) foi indicação direta do pai, senador Jader Barbalho (PMDB-PA); e Kátia Abreu (Agricultura) e Eduardo Braga (Minas e Energia), escolhas pessoais de Dilma. Há relatos - contraditórios - de discussão entre Jader e Renan, por causa da nomeação de Helder.

"Tudo bem, façam esse jogo e levem Kassab, Cid e Valdemar para articular as votações de interesse do governo no Senado", teria dito Renan a Mercadante, segundo um participante do encontro, no dia 2, na residência oficial do vice-presidente da República, Michel Temer. Entre os presentes estava Eduardo Cunha. Seria uma sinalização de que o comando do PMDB decidira fortalecer sua candidatura a presidente da Câmara, contrariando interesses do governo. "Como se disséssemos que a derrota dele, agora, seria do PMDB", explicou um dirigente do partido. "Nunca vi Renan tão aborrecido", disse.

Também estavam na reunião os ministros Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Ricardo Berzoini (Comunicações). Do lado do PMDB, Temer, Renan, Cunha e Eunício.

A outra versão do encontro é que a conversa teria sido bem mais branda - mais coerente com o estilo de Renan -, embora ele tenha reproduzido queixas dos colegas. Diferentemente do outro relato, nesse caso, Renan é citado como satisfeito com a reforma, por manter o ministro do Turismo, Vinícius Lage, sua indicação pessoal, e considerar Eduardo Braga um dos senadores mais próximos a ele. Além disso, a nomeação do filho de Jader não teria sido à sua revelia. À noite, Renan divulgou nota negando qualquer insatisfação do PMDB com a montagem do ministério.

A queixa de Eunício deve-se ao fato de ter ficado de fora do ministério, embora seu nome tenha sido levado por Renan a Dilma - com o agravante de seu desafeto político, o ex-governador Cid Gomes, ter ficado com o poderoso Ministério da Educação.

Senadores pemedebistas dizem que Renan tem razão para se preocupar em defender interesses dos senadores do partido. A avaliação é que existe uma tendência da bancada que toma posse em fevereiro pela independência em relação ao governo. Por enquanto, nenhum parlamentar está disposto a concorrer com Renan pela presidência do Senado, mas, nos bastidores, há uma torcida para que ele se inviabilize e a bancada possa escolher alguém com menos interesse no governo.

Entre os "independentes", um dos mais cotados é o do senador Luiz Henrique (SC), que foi governador e presidente nacional do PMDB. Mas Eunício Oliveira, pela função de líder, é considerado o candidato natural, se Renan desistir. O que poderia motivar uma desistência, na opinião de pemedebistas, seria o envolvimento do seu nome no esquema de corrupção da Petrobras, investigado pela Polícia Federal na operação Lava-Jato.

Para aliados de Renan, no momento em que ele verbaliza a insatisfação da bancada com a reforma ministerial, sua posição é reforçada com os colegas. E as informações sobre suposto enfrentamento dele com Mercadante aproximaria o presidente do Senado da ala que defende maior autonomia do Legislativo em relação ao Planalto.

TSE determina que partidos prestem contas mensais de suas movimentações financeiras

• Siglas terão que abrir três contas bancárias distintas: para fundo partidário; doações; e outros recursos

- O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apertou a fiscalização sobre as contas dos partidos políticos. Resolução publicada no último dia 30 de dezembro determina que os partidos deverão abrir três contas bancárias diferentes, cujos extratos eletrônicos de movimentação deverão ser repassados mensalmente à Justiça Eleitoral, abrindo o sigilo de suas movimentações. O repasse dessas informações ficará a cargo das instituições financeiras. Os extratos fornecidos deverão seguir normas específicas do Banco Central, e as doações deverão ter identificação de CPF ou CNPJ do doador.

Cada conta terá funções distintas. Uma servirá para gerir os recursos do Fundo Partidário, composto de verba pública repassada aos partidos. Outra, será para movimentar doações de campanha. A terceira, para para outros recursos, como doações ou contribuições de pessoas e empresas, sobras financeiras, comercialização de bens e produtos, ou realização de eventos. As contas deverão ser criadas por cada diretório dos partidos: nacional, estaduais e municipais.

Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", o presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, disse que a entrega de extratos mensais à Justiça Eleitoral é o primeiro passo para permitir o acompanhamento on-line de todas as movimentações dos partidos. Mas a publicação desses dados na internet dependeria ainda da aprovação de uma lei no Congresso.

Fundo pagou R$ 308 milhões
As primeiras prestações de contas a serem apresentadas pelo novo sistema serão as do ano de 2015, entregues até 30 de abril de 2016 pelos diretórios nacionais dos partidos.

Os partidos receberam R$ 308,2 milhões do Fundo Partidário ano passado. Na prática, é como se cada brasileiro pagasse cerca de R$ 1,50 para sustentar as atividades das legendas. O PT foi o maior beneficiado, com R$ 50,3 milhões (16,05%). PMDB e PSDB vieram em seguida, com R$ 35,9 milhões (11,46%) e R$ 33,9 milhões (10,48%), respectivamente.

Em notas, PT e PSDB apoiaram a decisão do TSE. "O PT apoia, pois é favorável à transparência no financiamento dos partidos políticos e à fiscalização das suas contas pelos órgãos competentes. Da mesma forma defende o financiamento público das campanhas eleitorais", afirmou a secretaria nacional de Finanças do PT.

"O dinheiro que vai para o partido é uma parte do que vai para a União. Ou seja, é dinheiro público. Portanto, nada mais lógico que se dar publicidade dos gastos feitos com esses recursos. Foi uma medida acertada do presidente do TSE, Dias Tofolli, e que merece nosso apoio", afirmou o coordenador jurídico nacional do PSDB, deputado federal Carlos Sampaio (SP).

Na volta das férias, 800 são demitidos na VW

• Empresa enviou carta aos funcionários no fim de semana; Sindicato dos Metalúrgicos do ABC pretende realizar protestos

Cleide Silva - O Estado de S. Paulo

O ano começa com demissões na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Desde sexta-feira, cerca de 800 trabalhadores receberam cartas solicitando o comparecimento, hoje - data em que a maioria dos funcionários retorna de férias coletivas - ao departamento pessoal. O Sindicato dos Metalúrgicos realiza assembleia às 7h para discutir o assunto e pretende adotar medidas de protesto contra os cortes.

A fábrica Anchieta, como é conhecida a mais antiga unidade da Volkswagen no Brasil, emprega cerca de 13 mil trabalhadores. O sindicato tentará retomar negociações, suspensas desde o início de dezembro, quando os trabalhadores rejeitaram proposta feita pela empresa que incluía, entre outros itens, a abertura de um programa de demissão voluntária (PDV) para cerca de 2,1 mil trabalhadores considerados excedentes e suspensão de reajustes salariais neste ano e em 2016, substituídos por abonos.

A empresa não confirma as demissões, mas, em nota divulgada ontem à tarde afirma ser "urgente a necessidade de adequação de efetivo e otimização de custos para melhorar as condições de competitividade da Anchieta, motivo pelo qual a empresa terá de estabelecer medidas".

A companhia relata o cenário de retração da indústria automobilística brasileira, cujas vendas caíram 7,1% em 2014 na comparação com 2013, enquanto as exportações recuaram cerca de 40%. O resultado foi uma retração de aproximadamente 15% na produção do setor.

A Volkswagen reduziu suas vendas em 13,5%, para 576.670 unidades no ano passado, caindo para o terceiro lugar no ranking entre as fabricantes, atrás de General Motors, que registrou queda de 10,9% nas vendas, e da líder Fiat, com queda de 8,4%.

O Sindicato dos Metalúrgicos alega que a empresa tem um acordo com os trabalhadores, feito em 2012, que previa estabilidade de empregos até 2016. A Volkswagen, por sua vez, afirma que o acerto foi feito num momento em que o mercado crescia e precisou revê-lo diante da nova situação de retração. A nova proposta também previa garantia de emprego até 2017 para quem continuasse na fábrica. A Volks também tem fábricas de carros em Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR).

Mercedes. Outra montadora do ABC que afirma ter trabalhadores ociosos é a fabricante de caminhões e ônibus Mercedes-Benz. Segundo o sindicato, a empresa renovou com um grupo de trabalhadores novo período de lay-off (suspensão temporária de contratos de trabalho) por cinco meses, mas deixou de fora 244 funcionários de um total de 1,2 mil que participou do programa até novembro.

Parte desse pessoal pode ter aderido a um PDV, mas os números do programa, aberto no fim de 2014, ainda não foram divulgados. Nenhum representante da empresa foi localizado ontem para falar do assunto.

No ano passado, até novembro, as montadoras de veículos e tratores eliminaram 10,8 mil postos de trabalho e empregavam, até aquela data, 146,2 mil pessoas. Os números de dezembro serão divulgados na quinta-feira pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Balança comercial fecha 2014 no negativo após 13 anos de superávit

• Déficit de US$ 3,9 bilhões é o maior desde 1998; desde 2000 importações não superavam exportações brasileiras

Agência Estado

A balança comercial brasileira encerrou 2014 no negativo, o que não acontecia desde 2000 - divulgou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) nesta segunda-feira, 5. As importações ao longo dos 12 meses do último ano somaram US$ 229,031 bilhões. As exportações, US$ 225 bilhões. Dessa forma, o resultado ficou negativo em US$ 3,930 bilhões. Trata-se do maior déficit desde 1998.

A balança comercial encerrou dezembro com superávit de US$ 293 milhões, o menor para o mês desde 2000, quando o saldo ficou negativo em US$ 211 milhões. No mês passado, as exportações somaram US$ 17,491 bilhões e as importações, US$ 17,198 bilhões. Na quarta semana de dezembro, o saldo foi positivo em US$ 499 milhões e, na quinta e última semana do mês, a balança registrou superávit de US$ 355 milhões.

As três categorias de produtos na balança comercial - manufaturados, semimanufaturados e básicos - tiveram queda na exportação em 2014 ante 2013.

Os manufaturados tiveram a maior retração, de 13,7%, devido principalmente a plataforma para extração de petróleo, automóveis de passageiros, veículos de carga, açúcar refinado, autopeças, motores para veículos e partes e óleos combustíveis. Por outro lado, houve aumento na exportação de tubos de ferro fundido, óxidos e hidróxidos de alumínio, laminados planos, máquinas para terraplanagem e polímeros plásticos.

Os semimanufaturados apresentaram queda de 4,8% na mesma base de comparação. As maiores baixas foram nas vendas de catodos de cobre, ouro em forma semimanufaturada, alumínio em bruto, açúcar em bruto, óleo de soja em bruto. Ao contrário, cresceram as exportações de madeira serrada, semimanufaturados de ferro/aço, couros e peles, ferro-ligas e celulose.

A exportação de produtos básicos caiu menos que as demais, 3,1%, devido principalmente a milho em grão, fumo em folhas, minério de ferro, carne de frango e minério de cobre. Por outro lado, cresceram as vendas externas de café em grão, petróleo em bruto, algodão em bruto, carne suína, carne bovina, farelo de soja e soja em grão.

Na avaliação por mercados de destino, a balança comercial brasileira mostra que só cresceram as exportações para a Europa Oriental, em 9,7% (devido a carnes, soja em grão, café em grão etc) e para os Estados Unidos, em 9,2% (devido a semimanufaturados de ferro/aço, aviões, parte de motores e turbinas para aviação, café em grão, entre outros).

Mostraram queda as vendas para o Mercosul, de 15,2%, sendo que a queda para a Argentina foi de 27,2% devido a automóveis e autopeças, veículos de carga, polímeros plásticos, motores para veículos, entre outros.

Também houve queda, de 12%, das vendas para União Europeia, devido a plataforma para extração de petróleo, trigo em grão e alumínio em bruto.

Para a Ásia, a queda foi de 5,3%, sendo que a redução das vendas para a China foi de 11,8%, por conta de ferro fundido, soja em grão, minério de ferro, petróleo. Para o Oriente Médio, as exportações caíram 4,9%, devido a carne de frango e bovina, minério de ferro, açúcar em bruto.

Dilma pretende mudar equipe após denúncia sobre Petrobras

• Presidente aguarda parecer do Ministério Público sobre desvios na Petrobras

• Se não forem alvo de denúncia, Henrique Alves (PMDB) e Aguinaldo Ribeiro (PP) devem assumir pastas

Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Apesar de ter acabado de anunciar a escolha dos ministros para seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff poderá fazer trocas em algumas pastas já no começo deste ano. Para isso, aguarda apenas a manifestação da Procuradoria-Geral da República sobre políticos envolvidos no esquema de desvio de recursos da Petrobras.

Durante as tratativas para compor o novo governo, no fim de 2014, Dilma avisou ao vice-presidente, Michel Temer, que Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) será ministro se ele não estiver implicado na investigação do esquema de corrupção na estatal.

A informação foi confirmada à Folha por dois ministros e dois integrantes do PMDB que acompanharam as negociações para a formação do novo governo da petista.

A presidente cogitou nomear Alves para o primeiro escalão já em dezembro, mas recuou depois que órgãos de imprensa publicaram que ele teria sido citado por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, como um dos beneficiários do esquema desbaratado pela Polícia Federal na Operação Lava Jato.

Segundo um peemedebista, Dilma e Temer não quiseram arriscar e combinaram de aguardar a denúncia a ser feita pela Procuradoria-Geral da República, prevista para fevereiro, antes de contemplar o deputado com algum ministério.

Se Alves não for denunciado, seu destino deve ser o Ministério do Turismo, hoje ocupado por Vinicius Lages, um indicado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Se o Ministério Público não citar Alves, o acerto entre Dilma e Temer prevê que ele assuma a pasta possivelmente já em fevereiro, quando toma posse o novo Congresso e ele deixa a presidência da Câmara dos Deputados.

Derrotado na disputa pelo governo do Rio Grande Norte em outubro, Alves não disputou a reeleição para deputado e estará sem mandato a partir do próximo mês.

Irritação
A articulação envolvendo uma pasta para Henrique Eduardo Alves gerou controvérsia no PMDB. Renan Calheiros ficou irritado ao ser avisado que seu indicado para o Turismo pode ser obrigado a ceder a cadeira para a ala peemedebista da Câmara. Alves é ligado a Temer e ao líder do PMDB na Casa, Eduardo Cunha (RJ).

A perspectiva de ter o poder no governo reduzido levou o PMDB do Senado a estudar formas de "dar o troco" em Dilma no Congresso.

Renan avisou a Aloizio Mercadante (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Pepe Vargas (Relações Institucionais) que o partido poderá assumir uma postura independente no Senado caso seja prejudicado.

Renan reclamou aos ministros do Planalto que o PMDB foi reduzido a um partido de "secretarias"", com o comando de Portos, Aviação Civil e Pesca. Oficialmente, no entanto, ele nega divergências.

Comando interino
Outra pasta que, segundo assessores presidenciais, está sob comando "interino"" é a da Integração Nacional.

O ministério está nas mãos de Gilberto Occhi, um técnico indicado pelo PP. Mas Dilma tem apreço por outro integrante do partido, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PB). Ele foi ministro das Cidades no primeiro mandato e líder da legenda na Câmara, o que garantiria à presidente apoio no Congresso.

Além disso, conta com apoio do presidente da legenda, senador Ciro Nogueira (PI), que não teria problemas em trocar o titular da pasta.

Assim como no caso do Turismo, Dilma aguarda a lista de políticos envolvidos na Lava Jato para fazer a troca na Integração. Em depoimento à Justiça, Paulo Roberto Costa afirmou que o esquema de corrupção na estatal irrigou campanhas de PP, PT e PMDB.

Merval Pereira - Queda de braço

- O Globo

Curiosamente, a presidente Dilma Rousseff começa seu segundo mandato provocando as mesmas incertezas que desafiavam seus interlocutores durante a campanha presidencial de 2010, muito embora não haja motivos para se acreditar que ela tenha mudado.

Se naquela época havia o exemplo da sua postura controladora e invasiva como chefe da Casa Civil, mas não uma certeza de como agiria se chegasse ao Palácio do Planalto, hoje há toda uma história de intervenções e decisões autoritárias que já não permitem imaginar que a Dilma reeleita não será a mesma dos últimos anos.

Mas, assim como em 2010 ela aceitou ter como seu chefe da Casa Civil o ex-ministro Antonio Palocci, com quem se desentendera no governo Lula, hoje ela aceitou convocar para o Ministério da Fazenda o economista ortodoxo e fiscalista Joaquim Levy, que sinaliza uma gestão totalmente distinta daquela do ex-ministro Guido Mantega, que esses anos todos aceitou ser uma espécie de laranja da presidente, que era quem realmente definia as diretrizes do governo.

O episódio em que desautorizou o seu novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa - que revelara a jornalistas que o governo enviaria ao Congresso uma nova regra para a fixação do salário mínimo -, mostra, no entanto, que ela não está disposta a ceder um milímetro do que considera ser sua autoridade, mesmo que, com isso, possa colocar por terra todo o esforço para recuperar a credibilidade da economia.

Palocci, enquanto foi coordenador da campanha de Dilma em 2010 e depois, ao ocupar a Casa Civil, era o fiador do compromisso de Dilma com o tripé que sustentava a política econômica desde o segundo governo de Fernando Henrique: câmbio flutuante, equilíbrio fiscal (superávit primário) e metas de inflação, com um Banco Central operacionalmente independente. Dilma, que havia se colocado como o "contraponto" a Palocci quando este estava no Ministério da Fazenda e ela, na Casa Civil, parecia ter mudado de opinião.

A famosa discussão entre os dois - quando Dilma, em uma entrevista ao "Estadão" em 2005, classificou de "rudimentar" a proposta que ele e o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, faziam de limitar a longo prazo o crescimento do gasto público ao crescimento do PIB - marcou-a como defensora da gastança governamental: "Despesa corrente é vida", afirmara Dilma naquela ocasião. Hoje, essa mesma proposta voltou à tona com a nova equipe econômica, e deve orientar a nova estratégia.

Bastou, no entanto, que Palocci saísse do governo para que surgisse com toda força a presidente Dilma que não levava em conta a necessidade de conter os gastos públicos, com os resultados que todos conhecemos: economia estagnada, inflação no teto da meta, déficits generalizados nas contas públicas.

Mais uma vez, agora, Dilma teve que recorrer aos métodos tradicionais para inspirar confiança nos mercados, e chamou para seu principal assessor um economista ortodoxo, e o que se perguntava à boca pequena era qual seria o grau de autonomia da equipe econômica.

O ministro Nelson Barbosa, é evidente, falou além do que devia e demonstrou não ter sensibilidade política para saber onde, como e quando dar declarações delicadas num momento sensível da vida nacional. Mas a presidente Dilma poderia ter superado esse mal-entendido sem provocar uma desconfiança de que os novos ministros não terão espaço próprio para fazer o que se propõem, cortar custos e equilibrar as contas públicas.

Até parece que a presidente Dilma aproveitou esse episódio para delimitar o campo de ação dos novos ministros. O mundo financeiro pelo menos teme isso, e as consequências não são nada boas. Tudo indica que vamos assistir a uma queda de braço esquizofrênica entre a presidente e seus ministros da área econômica. Até quando?

Dora Kramer - Mão no gatilho

- O Estado de S. Paulo

A cúpula do PMDB está olhando para os movimentos políticos da presidente Dilma Rousseff e não gosta do que acredita existir por trás deles.

Por via das dúvidas, ontem à noite haveria uma pequena reunião para analisar melhor o quadro a fim de interpretar (e confirmar) se a ideia de Dilma é mesmo reduzir a influência do partido no governo, apoiando-se numa outra maioria formada por legendas antes periféricas na coalizão e, a partir dessa constatação, estudar qual seria a melhor estratégia de reação.

As coisas não vinham bem nessa parceria desde o segundo ano do primeiro mandato; pioraram na campanha, quando o PMDB em vários Estados apoiou o candidato tucano Aécio Neves - explícita e implicitamente - e ficaram péssimas depois da formação do Ministério do segundo mandato.

O partido ganhou em quantidade (foi de cinco para seis pastas), mas perdeu em qualidade. A presidente nomeou ministros ao arrepio da direção (Agricultura, Minas e Energia e Pesca) e reservou para o PMDB outros três postos sem relevância política: Turismo, Portos e Aviação Civil. Estes últimos, secretarias com status de ministérios.

Sob a ótica do critério (fisiológico), isso significa desprestígio. Em versão mais radical, castigo. Pastas muito mais robustas ficaram para o PSD (Cidades e Micro e Pequena Empresa), PROS (Educação), PRB (Esporte, em tempo de Olimpíada), PR (Transporte) e PP (Integração Nacional).

A presidente da República não está reduzindo a importância do PMDB no governo para mudar os meios e modos de montar sua equipe. Em termos de parâmetros, troca seis por meia dúzia. O modelo permanece o mesmo: sai fulano, entra beltrano.

Nesse aspecto, se for mesmo uma alteração de parceira o que a presidente está pretendendo promover, trata-se de uma manobra para lá de arriscada. Os partidos agora contemplados têm mais votos, juntos, que a bancada do PMDB. Mas não dispõem da mesma força, da provável presidência da Câmara e da maioria no Senado que lhe dá a prerrogativa do comando da Casa.

Brado retumbante. "Vossa excelência chegou ao limite da ignorância e, no entanto, prosseguiu." A perfeição da frase de Millôr Fernandes se encaixa na mais que imperfeita manifestação de Gilberto Carvalho em sua despedida da Secretaria-Geral da Presidência da República.

"Não somos ladrões!" Até aí, não obstante a impropriedade do conteúdo e a inadequação do discurso ao ambiente, direito dele escolher a frase para sintetizar o balanço de sua gestão.

A exorbitância residiu no fato de se dizer orgulhoso de pertencer à "quadrilha dos pobres" e estender aos eleitores do PT a definição de quadrilheiros.

Homens meigos. Quando interessa, a presidente Dilma Rousseff sabe muito bem tratar determinadas situações com panos quentes. Fez assim quando minimizou as críticas de Marta Suplicy ao deixar o governo, dizendo que a ex-ministra tinha "direito à opinião".

Ao que se viu no recente episódio em que obrigou Nelson Barbosa a desmentir mudança na regra de cálculo para o reajuste do salário mínimo, a intenção foi desautorizar com humilhação o ministro do Planejamento.

Barbosa não daria a notícia se a decisão não estivesse tomada internamente. E Dilma não teria autorizado a divulgação da maneira rude como exigiu o desmentido se a ideia fosse preservar, ao menos de público, a autonomia do ministro num momento em que esse quesito é visto como essencial para a condução da política econômica a um bom termo.

Bernardo Mello Franco - Pátria educadora

- Folha de S. Paulo

Pátria educadora, o mote lançado por Dilma Rousseff para o segundo mandato, não é apenas um slogan requentado. Também carece de credibilidade, na opinião do parlamentar mais identificado com a bandeira da educação: o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

O lema surgiu pela primeira vez no pronunciamento de 1º de Maio de 2013. Esquecido, voltou à boca da presidente no discurso de posse. "Ao bradarmos Brasil, Pátria Educadora", estamos dizendo que a educação será a prioridade das prioridades", afirmou ela. Será mesmo?

Dilma entregou o ministério a Cid Gomes, ex-governador do Ceará. Ele é filiado ao Pros, sigla que acaba de entrar no loteamento da Esplanada.

Cristovam, que chefiou a pasta no início do governo Lula, diz que a escolha de um político sem ligação com a área não foi um bom sinal: "O grave é que Dilma pôs o MEC entre os ministérios irrelevantes, sem importância estratégica, que são negociados entre os partidos. Esta é a tragédia, não o nome do ministro".

Em 2011, Cid causou polêmica em seu Estado ao declarar que professor deve trabalhar "por gosto, não por dinheiro". Agora ele promete elevar o piso nacional do magistério, mas precisará fazer mais para dissipar o clima de desconfiança.

E o mote anunciado por Dilma? "Gostei da frase, mas não podemos ficar só nela", cobra o senador Cristovam. "Hoje o Brasil gasta menos de R$ 4.000 por ano com cada aluno. Para termos uma pátria educadora de verdade, seria preciso gastar ao menos R$ 9.000", diz ele.

O pedetista faz um paralelo histórico entre o discurso da presidente e a fala do trono da princesa Isabel em 3 de maio de 1888. Foi a primeira vez, diz ele, que a monarquia defendeu oficialmente a abolição.

"A princesa afirmou que o Brasil precisava se livrar da escravidão e no mesmo dia apresentou a Lei Áurea. Dilma lançou um lema, mas não fez nenhuma proposta concreta para executá-lo", critica o senador.

Luiz Carlos Azedo - A volta do “economês”

• O coro contra Levy pode se voltar contra a própria presidente Dilma, numa manobra para livrar o ex-presidente Lula do desgaste causado por eventuais medidas impopulares

- Correio Braziliense

Estrela solitária da equipe ministerial, o novo titular da Fazenda, Joaquim Levy, parece que aprendeu com o colega do Planejamento, Nelson Barbosa, que andou falando português claro e já teve que engolir as próprias palavras. Ontem, na posse, o novo ministro da Fazenda usou e abusou da linguagem cifrada dos economistas — o “economês” — para sinalizar ao mercado o que pretende fazer sem correr o risco de levar um puxão de orelhas da presidente Dilma Rousseff.

Na sexta-feira passada, Barbosa anunciou mudanças na regra de reajuste do salário-mínimo, uma tese defendida por nove entre dez economistas, mas foi obrigado a se desdizer por meio de nota oficial do Ministério do Planejamento. Como se sabe, a nova equipe econômica considera a elevação do salário real acima da produtividade um fator inflacionário.

Levy fez de conta que o problema não existiu. Proferiu um discurso em linguagem quase incompreensível para os cidadãos comuns, mas que é música para os ouvidos dos agentes do mercado: “A harmonização da tributação dos instrumentos de investimento, por exemplo, será essencial para a expansão do mercado de capitais e o financiamento interno competitivo. O tratamento diferenciado a pequenas e médias empresas de grande importância prosseguirá com crescente transparência e visão de longo prazo.”

Antecipou que “possíveis ajustes em alguns tributos serão também considerados, especialmente aqueles que tendam aumentar a poupança doméstica e reduzir desbalanceamentos setoriais da carga tributária”. Esse é um recado de que pretende rever as isenções fiscais concedidas pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que não compareceu à cerimônia de transmissão de cargo.

Punhaladas
O gesto de Mantega só confirmou as informações de que a transição entre a equipe econômica que sai e a que entra foi uma luta de punhais. A última punhalada foi pelas costas: o ex-secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin, que havia prometido repasses ao setor elétrico em dezembro, “pedalou” R$ 1,25 bilhão para janeiro e deixou para Levy um rombo de R$ 6 bilhões.

A Fazenda terá que arrumar recursos para cobrir o déficit de 2014 da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que financia a redução nas tarifas de energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já trabalha com uma estimativa de um saldo negativo de R$ 4,5 bilhões. A maior parte dessa despesa é de subsídios devidos pelo Tesouro Nacional relativos a despesas ocorridas ao longo de 2014, mas que ainda não foram contabilizados nas estatísticas do setor.

Não foi à toa, portanto, que o novo ministro da Fazenda afirmou que mudança tributária terá que ser “coerente com a trajetória do gasto público” e que não pretende procurar “atalhos e benefícios” que gerem redução de tributação, “por mais atraentes que sejam”, sem considerar seus efeitos na “solvência do Estado”. Num ataque direto à gestão anterior, sustentou que essa é “a fórmula para o baixo crescimento endêmico”. Dilma, porém, é que foi a ideóloga da “matriz econômica” que fracassou.

O ministro pretende resgatar o “mais do mesmo” — superávit fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante — para o país sair do buraco: déficit comercial de US$ 3,9 bilhões, inflação em 6,39% e PIB de 0,5%, segundo o Boletim Focus do Banco Central (BC). Para Levy, a saída é o fortalecimento fiscal e o aumento da poupança, para reduzir os riscos dos investimentos e dar confiança e independência à iniciativa privada.

Deixando o “economês” de lado, não será nada fácil a vida do novo ministro da Fazenda, que assumiu com ares de que teria grande autonomia, mas já descobriu que precisa se mover com cuidado, pois está cercado de adversários dentro do governo. Não é só a oposição que cobra coerência da presidente Dilma Rousseff, pois está fazendo aquilo que disse que os adversários fariam se fossem eleitos. Dentro do PT, a mobilização contra Levy também é grande, inclusive dos economistas militantes.

Além disso, o coro contra Levy pode se voltar contra a própria presidente da República, numa manobra para livrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do desgaste causado por eventuais medidas impopulares.

Volto já – Depois de trabalhar no Natal e no ano-novo, o titular da coluna descansará uma semana. Estarei de volta na quarta-feira, dia 14 de janeiro.

Raymundo Costa - Pelo telefone

• O governo é novo mas suas práticas continuam iguais

- Valor Econômico

O segundo governo Dilma Rousseff começou de forma previsível, com um ministro sob o tacão do Palácio do Planalto para desmentir o que dissera na véspera. Na realidade, Nelson Barbosa (Planejamento) nem sequer cometeu alguma heresia partidária. É de conhecimento público que a regra do salário mínimo vai expirar e que um novo projeto terá que ser votado no Congresso. Em sua declaração, Barbosa inclusive tomou o cuidado de ressaltar que "continuará a haver aumento real do salário mínimo". É o que Dilma dizia na campanha e depois de eleita.

Nada do que disse Barbosa foi grave o bastante para fazer com que as engrenagens do Palácio do Planalto se movessem da mesma maneira que se moveram nos últimos quatro anos de Dilma, quando qualquer notinha de pé de página de jornal era motivo suficiente para cobranças duras, quando não escancaravam os portões para uma crise. Por telefone, de maneira abrupta. A lição a ser retirada do episódio é que as pessoas não mudam, apesar das juras públicas em contrário. O preço a ser pago pode ser muito alto porque a expectativa gerada, após as eleições, era de que muita coisa mudaria na rotina palaciana, a começar da própria presidente.

O enquadramento de um integrante da equipe econômica que mal havia tomado posse é preocupante, quando ainda hoje não está suficientemente claro o grau de autonomia que ela terá para fazer o ajuste das contas públicas. Já batizada de "troika" brasileira, apelido adotado na esquerda numa referência à "troika" que ajudou no ajuste de países europeus, a nova equipe econômica de Dilma já levara bolas nas costas antes até de tomar posse - recorde-se o caso do aumento de R$ 30 bilhões no capital do BNDES, antes de Guido Mantega apagar a luz.

Não é segredo para ninguém que o catecismo pelo qual rezam Joaquim Levy (Fazenda), Alexandre Tombini (Banco Central) e Barbosa não é o mesmo de outros poderosos do Palácio do Planalto e adjacências. Alimentar as suspeitas de que a equipe carece de apoio político justamente no núcleo mais próximo da presidente certamente não ajuda.

Quando Fernando Henrique Cardoso era presidente dizia-se que as crises saíam sempre menores do que entravam no Palácio do Planalto. Em geral tem acontecido o oposto nos governos do PT, desde Luiz Inácio Lula da Silva com José Dirceu de "capitão do time" e Antonio Palocci no comando da Fazenda. A DS, iniciais da Democracia Socialista, uma corrente interna do PT de inspiração trotskista, tornou-se majoritária entre os ministros do Planalto. Mas a seleção deve-se muito mais às relações pessoais de Dilma - afetivas e profissionais - do que a qualquer questão de ordem programática ou ideológica.

Um de seus representantes hoje no Planalto é o ministro Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), integrante sim da DS, mas com um histórico de moderação. Para citar apenas um exemplo, Rossetto foi uma das vozes favoráveis à negociação na crise que envolveu montadoras de automóveis (GM e Ford) e o governo de Olívio Dutra, no fim dos anos 1990, início dos 2000, no Rio Grande do Sul. Rossetto na Secretaria-Geral da Presidência da República conta com apoio, inclusive, de dirigentes do antigo campo majoritário do PT, o grupo do ex-presidente Lula e de José Dirceu. A maioria espera que Dilma dê mais atribuições a ele do que apenas cuidar dos movimentos sociais.

A indicação do novo chefe da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Pepe Vargas, também da DS, atendeu boa parte da bancada e abriu mais uma vaga na Câmara para o PT gaúcho. Mas o nome que importa é o de Aloizio Mercadante (Casa Civil), hoje o nome mais forte do Planalto, por isso mesmo a principal vítima da maledicência da corte. A última delas dá conta de uma conversa ocorrida em dezembro entre o vice Michel Temer e o ex-presidente Lula. Pelo menos dois interlocutores de Temer repetiram a mesma história, dias depois, a um mesmo interlocutor: Lula disse a Temer que os dois próximos anos serão muito difíceis, mas a economia melhora a partir de 2017. O problema é que Dilma precisaria conversar mais, o que ela não faz porque acha que já sabe tudo. Na verdade, a presidente hoje ouviria apenas uma pessoa, Aloizio Mercadante, que por sua vez "acha que sabe mais que ela".

Mercadante é o homem que telefona quando a presidente manda. Mal consegue disfarçar que pretende se candidatar em 2018, se Lula não for o candidato. Natural que esteja permanentemente na alça de mira dos partidos adversários e da concorrência interna. Seu futuro está relacionado com a sorte do governo Dilma, que ajudou a montar, peça por peça, embora nem sempre tenha saído vitorioso na escolha deste ou daquele nome. Por ser o preferido de Dilma, conta com o apoio momentâneo de quem realmente importa no PT e quer que o governo dê certo, inclusive das mesmas correntes de São Paulo que também abraçaram Rossetto.

À primeira vista, o ministério de Dilma pareceu bem defensivo, voltado para a proteção do governo no Congresso. Visto mais de perto, à medida que decantam as nomeações é possível ver sinais de que o Planalto e o PT pensam em retomar a ofensiva política, especialmente na Câmara, onde não quer ficar refém do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o candidato favorito à presidência da Casa.

Só isso é capaz de explicar a nomeação de um ministro como George Hilton, novo titular do Esporte. Hilton foi expulso do antigo PFL, em 2005, depois que a Polícia Federal o flagrou com R$ 600 mil em 11 malas de dinheiro, no aeroporto da Pampulha (BH). Não é possível aceitar que o PRB não tivesse outro nome à mão para apresentar. Hilton foi vaiado ao ser chamado para assinar o termo de posse no Palácio do Planalto, algo inédito. Sobraram vaias também para a senadora Kátia Abreu (PMDB), nova ministra da Agricultura, e para o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD). Mas essa é a conjugação que pode tirar o PT da defesa. Cunha pode vir a ser um bom teste. Se der certo!

Ninguém arma um time desses para aprovar projeto que exigem maioria simples. Pode dar certo, mas para isso o Planalto deve se livrar de antigos vícios. Que é o mais difícil.

Marco Antonio Villa - Pensar a crise em português

• Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto

- O Globo

Já escreveu o filósofo João Cruz Costa que o Brasil tem a sua própria história das ideias. Desde o processo independentista foram elaborados diversos projetos para o país. Alguns — menos ousados — optaram por discutir e apresentar propostas de questões mais imediatas. Mesmo sendo um país da periferia, temos um pensamento político e econômico. Mas, cabe reconhecer, que nem sempre fomos muito originais. No século XX, especialmente a partir dos anos 1930, o principal embate ideológico foi entre os marxistas e liberais. Na maioria das vezes, os dois campos produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins, não passando da recitação de slogans vazios.

Durante decênios assistimos a um embate entre dois modelos que o Brasil deveria seguir: o socialista (tendo na União Soviética a principal matriz) ou o capitalista (a referência maior era os Estados Unidos). Foi produzida ampla literatura — geralmente de qualidade sofrível. Nenhum dos dois lados conseguiu identificar que o Brasil teve uma história muito distinta. O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do marxismo.

O Estado forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe. O problema foi que, de um lado, os marxistas idealizaram este processo fechando os olhos para, entre outros problemas, o empreguismo e a corrupção. Por outro lado, os liberais demonizaram o intervencionismo estatal como se não houvesse distinções radicais entre a formação histórica brasileira e a estadunidense. Apesar do oportunismo marxista, isto não alterou em nada a ação repressiva estatal contra eles próprios. Também em relação aos liberais, seus pregoeiros silenciaram (quando não apoiaram) as ditaduras (tanto a militar como a do Estado Novo, ambas sob forte influência do positivismo).

Este processo de esquizofrenia política foi se acentuando no fim do século passado. A queda do Muro de Berlim poderia ter conduzido a uma revisão do pensamento marxista (e seus assemelhados) e do liberalismo. Mas não. O primarismo analítico permaneceu. Os marxistas mantiveram o antigo inimigo (o imperialismo americano) e adaptaram sua visão de mundo tendo no velho caudilhismo latino-americano — agora recauchutado — o pilar principal de atuação política. No caso brasileiro — como o caudilhismo clássico nunca foi um elemento dominante — restou dar a Lula este papel, com nuances, claro, dada a distinção entre a formação social brasileira e a América Latina de colonização espanhola. Já os liberais adotaram como referência as ações desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher, como se o capitalismo tupiniquim fosse similar ao daqueles países.

Em meio a este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente, absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e antinacional.

Da mesma forma, teremos de encontrar os meios para combater a administração Dilma. Tudo indica que viveremos uma presidência sob crise permanente. O governo nem bem começou e já ocorreu um atrito entre a presidente e seu ministro do Planejamento. E é só o primeiro. A bacharel — que durante anos se apresentou como “doutora” em Economia — chegou até a recusar um convite para um banca de doutorado dizendo “não ter tempo para essas bobagens” — vai querer dar seus pitacos, principalmente com o agravamento da situação econômica. E, também nesta questão, temos de fugir da velha polaridade.

A crise política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos, efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em 1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo. O desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser proclamada.

Marco Antonio Villa é historiador

Vinicius Torres Freire - O plano real de Joaquim Levy

• Plano é de reformas mais profundas do que mero corte de gastos; Levy reafirma desmanche de Dilma 1

- Folha de S. Paulo

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou pela terceira vez que pretende desmanchar a política econômica vigente entre 2012 e 2014. Foi o que disse em sua nomeação, em entrevista ao jornal "Valor" e ontem, quando tomou posse. O que vai resultar quando Levy trocar em miúdos o que tem dito?

Não se trata apenas de reduzir o buraco nas contas do governo. No ritmo de "o gato subiu no telhado", o ministro tem proposto um programa de mudanças mais profundas. De certo modo, comparou seu plano de ajuste ao que antecedeu o Plano Real.

O plano seria o seguinte, ainda trocado em miúdos grossos:

1) Acabar com reduções de impostos ditas setoriais, para empresas de certo ramos, as "desonerações" de Dilma 1. Vão acabar apenas daqui em diante ou vão ser canceladas desonerações já concedidas?

2) Abrir a economia a mais concorrência externa, o que pode ser feito por meio de redução de impostos de importação, do fim de barreiras de outra espécie ou no contexto de acordos comerciais, não se sabe. Parece prioridade de Levy;

3) Dar fim a subsídios. O governo não vai mais bancar parte do custo da eletricidade ou não vai permitir que estatais tomem prejuízo por vender produtos a preços abaixo daqueles de mercado (gasolina, por exemplo). Mas não são apenas esses os subsídios, diretos ou indiretos, concedidos pelo governo;

4) Aumentar impostos, o que foi dito de passagem e de modo algo enigmático. Quais seriam esses impostos que "tendem a aumentar a poupança doméstica"? De resto e em tese, a poupança doméstica aumenta mais com a elevação do aumento da poupança do governo do que com mais impostos. De qualquer modo, aumentar a poupança doméstica significa redução relativa do consumo, de governo e/ou famílias. Vai haver aumento de imposto sobre consumo?

5) "Ajustar preços relativos": significa também desvalorização do real sem que a inflação suba. Isto é, preços e salários têm de ficar mais baratos em dólar;

6) "Harmonizar" impostos de aplicações financeiras. Mistério;

7) Enxugar os bancos públicos, reiterou Levy outra vez;

8) Fim do "patrimonialismo". Na versão do discurso do ministro: deixar as empresas resolver seus próprios problemas sem socorros ou subsídios;

9) Reformar a demência do ICMS;

10) Reformas microeconômicas: Levy passou de leve sobre o assunto, mas nomeou um secretário de Política Econômica, Afonso Arinos Neto, especialista no assunto.

É o mínimo
Na coluna publicada no domingo, escrevi que o salário mínimo ainda deveria ter aumentos além da inflação até 2019, embora talvez menores que os previstos pelas normas de reajuste vigentes até este ano, a julgar pelas declarações do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, na sexta-feira. A coluna foi entregue para publicação na noite de sexta-feira, como de costume, devido ao cronograma de impressão desta Folha.

Não estava claro e certo que a regra de reajuste seria alterada. No sábado, a presidente fez questão de dizer, com escândalo constrangedor, que não haverá mudança, obrigando o ministro do Planejamento a desdizer oficialmente o que nem chegara a dizer.

Míriam Leitão - As ligações de Joaquim

- O Globo

O ministro Joaquim Levy liga a Universidade de Chicago ao PT, que sempre abjurou as ideias daquela escola. Une o FMI, no qual trabalhou sete anos, ao atual grupo no poder. Junta os governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. O mais importante é que ele ata o que nunca pode estar desatado: o equilíbrio fiscal e o desenvolvimento econômico e social do país. Não há um sem o outro.

Foi esse o recado que ele passou ao montar o seu discurso em cima do mantra de que é preciso ajuste fiscal. "Indispensável para continuarmos no exitoso caminho de ampliar as oportunidades para nosso povo, especialmente para os mais jovens. A chave para a confiança e para o desenvolvimento do crédito que permite mais empreendedores levarem adiante seu projeto e, com isso, contribuírem para a geração de emprego, o bem-estar geral e a riqueza da nação. Fundamento do novo ciclo de crescimento."

O equilíbrio fiscal sustentou o discurso. Segundo ele, foi o ajuste das contas que garantiu o Plano Real, e foi "a responsabilidade fiscal exercida na primeira metade dos anos 2000" a condição indispensável para a inclusão de milhões de brasileiros e a política anticíclica logo após a crise global de 2008.

Ao falar do momento atual, ele usou, mais de uma vez, a palavra "reequilíbrio" das finanças públicas. Ele assume num momento em que grande parte desse fundamento foi desfeito pelas decisões dos últimos anos. Os números que herda falam por si: sem superávit primário, com despesas sendo jogadas para o segundo mandato, a dívida bruta em alta.

Ele mandou vários recados tentando ligar suas convicções às do novo governo. Não haverá benefícios fiscais para setores. "Não podemos procurar atalhos e benefícios que impliquem em redução acentuada da tributação para alguns segmentos". Isso levaria a um "baixo crescimento endêmico", segundo ele.

Levy quer ligar o realismo de preço às tarifas. "É uma prioridade o realinhamento de preços", que segundo ele será tratado com energia. Avisou que tentará manter alinhadas também as taxas de juros do BNDES, e que isso será fundamental para diminuir a dependência do banco em relação ao Tesouro. Anunciou também nova etapa do controle dos gastos através do Siafi-Gerencial.

O ministro Joaquim terá um enorme trabalho em todas as frentes, porque além de pôr ordem nas contas públicas, das quais nem se sabe se os números estão corretos, ele terá que trabalhar num governo que, em parte, o rejeita.

São toscas as críticas dos intelectuais e militantes do Partido dos Trabalhadores ao ministro da Fazenda. Eles criticam no ministério de Dilma tanto os exemplos do mais descarado fisiologismo e loteamento do poder quanto um ministro que tem formação técnica e dedicação a governos de partidos diferentes. Eles criticam tanto o ministro dos Esportes que admite nada entender do tema, quanto uma pessoa como Levy que apresenta um currículo de excelência. São capazes de esquecer o que continha na mala que o ministro George Hilton carregava, mas não esquecerão o que está registrado no currículo de Levy. Para eles, mérito é demérito.

Joaquim tentará também ligar a Federação, fazendo a reforma do ICMS que até hoje tem dividido os estados. Missão difícil em que outros fracassaram. Avisou que elevará impostos e ligou os tributos a um aumento de poupança. Pagar mais imposto ninguém quer, elevar a poupança é fundamental para que haja investimento sustentado e crescimento.

Ontem foi mais um dia horroroso no mercado financeiro, mas o novo ministro agradeceu aos pais e aos irmãos por lhe inspirarem "otimismo". Precisará desse combustível porque vai se deparar com uma situação de baixo crescimento, inflação alta, tarifas desalinhadas, dólar subindo, contínua volatilidade das ações da maior estatal do país. Se conseguir, vai provar que existe uma ligação direta entre contas públicas ajustadas e o progresso social. As duas questões sempre estiveram unidas, mas no atual governo ainda há gente que acha que equilíbrio fiscal é aquela ideia neoliberal que existe para defender o sistema financeiro internacional. A ligação entre o pensamento neandertal na economia e a visão atualizada ele não poderá fazer. Mas, pelo discurso de ontem, ele tem um lado. O mesmo ao qual sempre esteve ligado.

Celso Ming - Mais um resultado ruim

• Em 2014, a balança comercial teve o primeiro rombo em 14 anos. Não foi pouca coisa. Foi de US$ 3,9 bilhões

O Estado de S. Paulo

O mau desempenho da balança comercial é mais um indicador de que o governo não entendeu o que aconteceu.

Até novembro, tanto o Ministério do Desenvolvimento quanto o Banco Central (BC) ainda trabalhavam com alentados superávits comerciais (exportações superiores às importações). O ministro Mauro Borges falava em um resultado positivo no ano, mesmo tendo apresentado déficit de US$ 4,2 bilhões até novembro. O BC começou 2014 apontando para superávit de US$ 10 bilhões. Ao longo do ano, admitiu reduções sucessivas, mas só em novembro estimou números negativos, de US$ 2,5 bilhões. Mas o resultado foi um rombo ainda maior, o primeiro em 14 anos. Não foi pouca coisa. Foi de US$ 3,9 bilhões.

É preciso reconhecer que não ficou fácil de projetar o comportamento da balança comercial porque esta também foi uma conta sujeita a pedaladas e certa manipulação. Ao final de 2012, por exemplo, o governo optou por empurrar para 2013 importações de derivados de petróleo, com o suposto objetivo de enfeitar estatísticas. Em seguida, as exportações de 2013 e de 2014 foram infladas com transferências “fictas” de plataformas da Petrobrás, exportadas para ela mesma (para subsidiárias no exterior), mas automaticamente assumidas como equipamento arrendado. As plataformas não saíram das águas do País e cada uma dessas operações engordou as exportações em mais de US$ 2 bilhões, que fizeram diferença, sim, no resultado.

Essas manobras contribuíram para sustentar a falsa impressão de que nada havia de errado com a balança comercial nem com a balança de transações correntes da qual essa conta é parte.

E, no entanto, a balança comercial enfrenta problemas, cujo impacto foi subestimado pelo governo. O primeiro deles tem a ver com os efeitos da política anticíclica adotada. O excesso de despesas públicas e as transferências de renda acirraram o consumo. Como a indústria não tem competitividade, as importações tiveram de ser acionadas e foram fator decisivo para o desequilíbrio.

O segundo é a falta de percepção do governo de que os ventos viraram. Esgotou-se a temporada dos alentados preços das commodities. A tonelada de minério de ferro, que já esteve perto dos US$ 200 em fevereiro de 2011, agora é negociada a US$ 70. Quando a Petrobrás chegou às vésperas de um grande salto da produção e terá excedentes para exportar, eis que o preço do barril de petróleo veio abaixo. Em junho de 2014, ainda era negociado acima de US$ 100; agora vale US$ 50.

Ou seja, a tonelagem exportada está agora pagando menos tonelagem importada. Em termos mais técnicos, os termos de troca caíram cerca de 18% em três anos. E isso terá impacto sobre as contas externas, num momento delicado, em que o País precisa de dólares para bancar seus investimentos.

Ainda assim, as perspectivas de um resultado positivo em 2015 aumentaram por duas razões. Primeira, porque a desvalorização cambial (alta do dólar) aumentou a competitividade do produto brasileiro. E, segunda, porque o ano de ajuste tende a frear o consumo e, portanto, a demanda de produtos importados.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Nem tudo pode dar certo

• Qualquer modelo macroeconômico relevante deve analisar a estrutura de interações dos indivíduos

Valor Econômico

No período eleitoral, os mercados e seus porta-vozes levaram ao paroxismo as avaliações negativas sobre o desempenho da economia brasileira. O pessimismo dos senhores da racionalidade (não se sabe se da Razão Ocidental) deambulou entre o baixo crescimento da economia e a suposta adoção de uma nova e heterodoxa matriz macroeconômica.

Na avaliação dos porta-vozes do mercado, foram abandonadas a política de metas de inflação, o regime de taxa de câmbio flutuante e o compromisso com a geração de superávits primários compatíveis com a estabilização da dívida pública, calculada em termos brutos.

O ajuste fiscal é apresentado como o instrumento-chave do retorno à velha e boa matriz macroeconômica. O esforço de ajustamento fiscal será acompanhado de uma política monetária incisiva, o que levará o Banco Central a elevar com mais energia nas próximas reuniões do Copom a taxa Selic. A concomitância entre as duas metas - o resultado fiscal com metas progressivas de superávit primário e a busca do centro da meta de inflação - afrouxaria o mercado de trabalho e, assim, abriria espaço para a correção da taxa efetiva real de câmbio.

Aparentemente, os novos ministros apostam que não há conflito entre os instrumentos e os objetivos. A mídia em editoriais e quejandos clama pelo urgente "conserto" da economia, como se a tarefa se assemelhasse a uma oficina de reparações de máquinas conhecidas. No caso brasileiro, bastaria substituir a nova "rebimboca da parafuseta" por uma velha.

Tal projeção virtuosa está amparada nas várias versões e contravenções dos modelos ditos neo-neo-keynesianos que infestam, ou pelo menos infestaram até o colapso de 2008, os gabinetes de ministros e presidentes dos Bancos Centrais em todo o mundo. Esses modelos admitem a hipótese das "expectativas racionais". Simplificadamente, a hipótese advoga a ideia de que os agentes conhecem a estrutura da economia e sua trajetória provável. Os agentes racionais que povoam os mercados, usando a informação disponível sabem exatamente qual é a estrutura da economia e são capazes de calcular sua evolução provável.

Esses modelos, sobretudo os que se pretendem dinâmicos, não excluem flutuações da economia, mas atribuem o fenômeno aos chamados "ciclos reais" produzidos por mudanças nas preferências dos consumidores ou no progresso tecnológico. Para dirimir inconvenientes formais introduzidos pela presença nos mercados de uma diversidade de "indivíduos" com funções heterogêneas, os modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral resolveram o imbroglio com a introdução do "agente representativo". Uma espécie de demônio de Laplace ressucitado pelo toque de gênio dos macroeconomistas dos ciclos reais, das expectativas racionais e, last but not least, das políticas de metas de inflação.

A macroeconomia ensinada nas últimas décadas nas academias do mundo anglo-saxão não contemplava a existência de dinheiro, bancos ou mercados financeiros. Os mercados de crédito, de avaliação da riqueza e suas poderosas instituições - o sistema nervoso que comanda o capitalismo - são impedidos pela racionalidade dos "mercados eficientes" de desatar corridas para a liquidez e crises financeiras. Se não há dinheiro verdadeiro, não há demanda de liquidez.

Depois da crise de 2008/2009, os sábios apressaram-se em introduzir supostos ad hoc para contemplar as "fricções" engendradas pelas variáveis monetárias e financeiras. As torturas infligidas aos modelos para enfiar o dinheiro e o crédito foram de dar inveja a Guantânamo e terminaram em vexames lógicos e metodológicos.

Na realidade essa concepção da economia, digamos, "de mercado" é estática e o dinheiro entra na dança apenas como numerário, unidade de conta. A dinâmica da economia é movida pelas forças reais da abstinência e da poupança que, sem fricções, se transformam imediatamente em investimento. A trajetória apresenta suaves flutuações, mas a economia é sempre igual a ela mesma, ancorada nas expectativas racionais do agente representativo. Não há dinâmica no sentido de um movimento no tempo histórico. Assim, é possível postular uma parêmia inspirada em Woody Allen: "Se vamos fazer tudo certo, tudo vai dar certo"!

Desgraçadamente, nem mesmo a economia, com seus formidáveis e impressionantes modelos, pode suplantar a existência de indivíduos com funções heterogêneas. Proprietários e não proprietários dos meios de produção, bancos, empresas e consumidores, poupadores e empreendedores desempenham não só papéis diferentes, como estabelecem entre sí relações de determinação, controle e de poder. Essas decisões hierarquizadas são inerentes a uma Economia Empresarial ou Economia Monetária da Produção, como queria Keynes ao escapar dos grilhões da teoria clássica.

Há que concordar com o economista David Colander: "Qualquer modelo relevante em macroeconomia deve analisar não só as características dos indivíduos, mas também a estrutura de suas interações".

A historicidade imposta pelo tempo nos leva à consideração das decisões cruciais dos indivíduos que detêm o controle da riqueza. Respondendo às circunstâncias existentes, eles estão obrigados a enfrentar a incerteza para a projetar o futuro. Essas trajetórias condensam as decisões passadas dos agentes heterogêneos e, não raro, viram de ponta cabeça os resultados pretendidos. Nem tudo pode dar certo.

Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.