sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Míriam Leitão - Preço da fantasia

- O Globo

Era uma vez o ano de 2014, em que o governo faria um superávit primário de R$ 99 bilhões e reduziria impostos para setores que sustentariam o crescimento do PIB e a baixa taxa de desemprego. Ontem, o país tirou mais um pedaço da fantasia eleitoral. O governo teve o primeiro déficit primário em 18 anos, a economia está estagnada, e a presidente já avisou que é preciso "medidas corretivas".

Da fantasia, ficou um traço: a menor taxa de desemprego da série histórica, 4,8%. Sem querer desfazer da boa notícia, esse indicador, a Pesquisa Mensal de Emprego, é aquele que só investiga o que se passa no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. De tão limitado, o IBGE está trocando pela PNAD Contínua, que vai a 3.500 municípios e tem taxa de desemprego de 6,5%. Mas é o que se tem para comemorar: baixa taxa de desocupação.

No fim das contas, o superávit virou um déficit inédito desde que o Brasil decidiu iniciar seu caminho até a Lei de Responsabilidade Fiscal e seguir por essa trilha. Desde 1997, estamos no azul, faça crescimento ou recessão. Mas agora deu um rombo primário de R$ 17 bi nos dados da Receita e espera-se um rombo em torno de R$ 20 bilhões para o setor público consolidado, número que será divulgado hoje pelo Banco Central.

O BC indicou ontem, na ata do Copom, que a inflação vai estourar novamente o teto da meta neste início de ano e por isso os juros devem continuar subindo. O crescimento do PIB em 2015 ficará abaixo do potencial, os preços administrados vão subir quase 10%, a gasolina vai aumentar 8%, com a volta da Cide, e a energia elétrica vai ficar 27% mais cara.

O governo dizia que estava seguindo o novo modelo de "modicidade tarifária", que manteve a inflação sempre abaixo do teto da meta, e que estava fazendo PACs para o Brasil crescer. A ata do Copom já rasga mais uns pedaços dessa fantasia. Não só a inflação voltará agora a estourar o teto como haverá uma alta nada módica de 27% na energia elétrica.

Este ano está assim. Dia sim, e no outro também, há uma notícia ruim da economia. Culpa de 2015? Não, culpa de 2014 e anos anteriores. O preço da ilusão de que tudo estava bem com a economia brasileira foi divulgado pela Receita Federal na quarta-feira: R$ 104 bilhões em desonerações concedidas pelo Tesouro. Um salto de 32% sobre 2013. Os gastos públicos subiram 12% no ano, enquanto as receitas tiveram crescimento de 3%. Os brasileiros mandaram R$ 43 bilhões a mais para o governo e ele terminou o ano com déficit primário.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal o governo não poderia ter déficit porque não se pode descumprir a lei orçamentária. O governo mudou a lei orçamentária e se permitiu não cumprir a lei. O ritmo de despesas era insustentável. Os impostos já voltaram a subir, e os subsídios começaram a ser reduzidos.

Durante todo o ano de 2014, o Banco Central afirmou em atas e relatórios que a política fiscal caminhava para a neutralidade. Não é o que se vê nos números atuais. Nunca, na história recente, um ano eleitoral deixou uma conta tão alta quanto a da reeleição da presidente Dilma.

O problema de se construir com falsificações as estatísticas, com descumprimento de metas e discursos eleitoreiros um ambiente ilusionista sobre a economia é que há um momento em que a verdade aparece. A indústria, protegida com subsídios e isenções tributárias, terminou o ano de 2014 em recessão.

O custo de consertar tudo o que precisa de "medidas corretivas" é alto demais e deve se arrastar por este ano e o próximo. E até a boa notícia do desemprego baixo começa a ficar sob ameaça. A indústria começou a demitir, o comércio não contrata como antes. Todo o dinheiro gasto com a indústria automobilística não manteve os empregos e agora está havendo demissão.

A equipe econômica é outra e tem apostado em novos remédios. Até nos pequenos detalhes se vê essa busca do realismo. O antigo secretário do Tesouro Arno Augustin se notabilizou por fabricar resultados ao arrepio das normas contábeis tradicionais. Mesmo assim, seu período termina com um déficit. O novo secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, perguntado sobre o que ele achou do déficit de 2014, respondeu que o resultado "não é bom". A verdade pode não ser tão brilhante quanto a fantasia, mas é melhor, simplesmente por ser a verdade.

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