quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Que sinais ainda aguardamos para nos precaver dos riscos que rondam a nossa democracia tão duramente conquistada? A crônica política, desde que a sucessão presidencial, a partir da morte trágica do candidato Eduardo Campos, deixou de ser uma passarela por onde a candidata à reeleição cumpriria seu trajeto triunfal, parece ter-se convertido em mais um episódio do extraordinário filme argentino Relatos Selvagens, em que seus personagens, mesmo à custa da sua ruína pessoal, se entregam ao domínio da cólera e da agressividade irracional contra quem lhes contrarie.

Essa síndrome se instalou com o terror experimentado pelas hostes da candidatura governista quando o cenário de uma derrota eleitoral surgiu no radar, hipótese antes não cogitada a sério por gregos e troianos e que ganhou plausibilidade com a fulminante ascensão de Marina Silva nas primeiras pesquisas. A estratégia adotada pelas forças governistas foi, como sabido, a da desconstrução metódica da campanha da oponente, o que se cumpriu, é verdade, ainda nos marcos de uma argumentação racional. Mas, com o crescimento da candidatura de Aécio Neves, vinda no vácuo de Marina, foi levada ao paroxismo. A disputa eleitoral foi, então, nomeada como uma manifestação de luta de classes, que, por soar ridículo no cenário que aí está, foi logo renomeada como entre pobres e ricos a fim de explorar o tema funesto do ressentimento social.

Luiz Werneck Vianna é cientista social da PUC-Rio. Relatos selvagens. O Estado de S. Paulo, 23 de dezembro de 2014.

Dilma anuncia 13 novos ministros e amplia espaço do PMDB na Esplanada

• Para reforçar base no Congresso, presidente mantém loteamento entre partidos aliados, contempla legendas recém-criadas como o PROS, que assume o lugar do PT na Educação, e escolhe Jaques Wagner para a Defesa; falta confirmar titulares de 22 pastas

João Domingos e Marcelo de Moraes - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Num processo de escolha que reedita o loteamento da Esplanada dos Ministérios como forma de reforçar a base governista no Congresso, a presidente Dilma Rousseff anunciou nesta terça-feira, 23, 13 novos ministros originários de seis partidos. Como antecipado pelo portal estadão.com.br, a petista entregou ao PMDB seis ministérios - um a mais que hoje - e o controle do setor elétrico e de infraestrutura do País.

Dilma desalojou o PT do Ministério da Educação, um enclave do partido desde o primeiro mandato de Lula, ao escolher o governador do Ceará, Cid Gomes (PROS). Em compensação, deu ao petista Jaques Wagner, também seu conselheiro político, o comando da Defesa.

Pela primeira vez nos governos do PT, o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), que decidiu abandonar a vida pública, ficou sem nenhum representante no ministério. Em compensação, o vice-presidente Michel Temer - que se tornou uma espécie de bombeiro do governo nas crises com o Congresso e contraponto ao “dissidente” líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha (RJ) - passou a ter mais influência no governo. Dos escolhidos do PMDB, são ligados a Temer os futuros ministros da Aviação Civil, Eliseu Padilha, e de Portos, Edinho Araújo. O vice-presidente abriu mão de manter Moreira Franco na Aviação Civil.

Dos 39 ministérios, 22 ainda não têm titulares anunciados oficialmente para o segundo mandato. Dos 13 anunciados ontem, três foram derrotados em eleições majoritárias neste ano. Dois partidos aliados - PP, que perdeu Cidades e deve receber Integração Nacional, e PR, que deve seguir em Transportes - esperam seu quinhão no novo governo.

Antes do anúncio de ontem, Dilma já havia indicado Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa para o Planejamento, e o senador Armando Monteiro (PTB-PE) para o Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de ter confirmado a permanência do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

Para lá e para cá. Num gesto de gratidão ao clã Barbalho, que a apoiou na campanha à reeleição no Pará, a presidente escolheu para a Pesca o ex-prefeito de Ananindeua Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho. Apoiado pelo PT, ele perdeu a disputa no Estado para o tucano Simão Jatene.

O PRB, atual controlador da Pesca, foi compensado com o Esporte, para o qual foi indicado o ex-líder do partido na Câmara George Hilton. Com isso, o PC do B mudou de lugar, mas manteve o ministro: Aldo Rebelo vai para Ciência e Tecnologia.

Dilma teve a preocupação de equilibrar o PMDB da Câmara com o do Senado. Para Minas e Energia, convidou seu líder no Senado, Eduardo Braga, que disputou e perdeu o governo do Amazonas. Para a Agricultura, a presidente confirmou a escolha da senadora Kátia Abreu (TO), feita há quase um mês. Kátia pediu à presidente que aguardasse sua nova posse na presidência da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), ocorrida há uma semana.

Retribuição. Para o Ministério das Cidades, Dilma escolheu o presidente do PSD, Gilberto Kassab (SP), responsável pelo desmanche do oposicionista DEM em 2011 e pela adesão da nova sigla ao governo. Com isso, o PSD passa a fazer parte oficialmente do ministério - o partido alega que Guilherme Afif, titular da Micro e Pequena Empresa, é escolha “pessoal” de Dilma.

Como recebeu Portos, que estava ligado aos irmãos Ciro e Cid Gomes, o PMDB abrirá mão do Ministério da Previdência Social. A expectativa era de que a pasta fosse destinada ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que ficará sem mandato. Mas a confirmação de que Alves consta dos nomes citados pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa entre os supostos beneficiários do esquema da Petrobrás excluiu o peemedebista do páreo. O titular da pasta, senador Garibaldi Alves (RN), anunciou que retornará ao Senado a partir de janeiro. A Previdência não tem novo titular definido.

A ideia da presidente era divulgar a nova relação de ministros ontem a partir das 17 horas. Tanto é que Dilma ligou pessoalmente a cada um deles, avisando que o anúncio seria feito ontem. Mas problemas de última hora, como a escolha do novo ministro da Previdência, atrasaram o anúncio. Por isso, somente às 19h55 veio a confirmação oficial dos 13 novos titulares da Esplanada. Todos tomam posse no dia 1.º. Colaboraram Lisandra Paraguassu, Rafael Moraes Moura

Novo ministério de Dilma só mudará, de fato, na área econômica

• Com exceção da entrada de Joaquim Levy, na Fazenda, e Nélson Barbosa, no Planejamento, novos escolhidos pela presidente repetem o perfil da equipe ministerial atual

Marcelo Moraes – O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff definiu nessa terça-feira a maior parte de sua futura equipe ministerial para iniciar o segundo mandato. Mexe daqui, coloca de lá, e seu primeiro escalão terá uma cara tremendamente parecida com o perfil de seus auxiliares no primeiro governo. Exceção apenas na equipe econômica, onde o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é um fiscalista, com atribuição de cortar gastos e se alinhava com os líderes tucanos até pouquíssimo atrás. Sua entrada e a de Nélson Barbosa, no Planejamento, são as únicas mudanças de direção dentro do governo. Somados ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro Neto, dão uma cara mais fiscalista e quase liberal aos principais postos da economia do governo.

Os demais titulares, independemente de qualidades e defeitos de cada um, representam, rigorosamente, o mesmo perfil de auxiliar que Dilma teve até agora. O PMDB terá seis pastas agora: Minas e Energia, Agricultura, Aviação Civil, Portos, Pesca e Turismo. Vinicius Lages será mantido no Turismo. Os outros cinco são novos. Respectivamente, o senador Eduardo Braga (AM), a senadora Katia Abreu (TO), o deputado Eliseu Padilha (RS), o deputado Edinho Araújo (SP) e o candidato derrotado ao governo do Pará Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho (PA).

Faz, realmente, muita diferença em relação aos antigos integrantes do PMDB no primeiro escalão, quando contavam Édison Lobão, Neri Geller, Moreira Franco, Garibaldi Alves e o próprio Vinicius Lages? Repetindo: guardadas as qualidades e defeitos de cada um, todos têm o perfil bastante semelhante.

Na Educação, o governador do Ceará, Cid Gomes (PROS), assumirá o controle da pasta. Mas o atual ministro, Henrique Paim, volta a ser o secretário executivo e, na prática, seguirá sendo o gerente da máquina do setor. Na Saúde, Artur Chioro, se mantém,

Dentro do Planalto, o núcleo também continua sendo essencialmente petista. Aloizio Mercadante segue forte na Casa Civil e terá a companhia de Miguel Rossetto na Secretaria Geral da Presidência, no lugar do lulista Gilberto Carvalho. Jaques Wagner será um interlocutor mais próximo de Dilma assumindo a Defesa, no lugar do diplomata Celso Amorim. O petista Pepe Vargas (RS) fará nas Relações Institucionais um papel parecido com o de Ricardo Berzoini na articulação com o Congresso. Deslocado para as Comunicações, Berzoini substitui Paulo Bernardo mantendo o PT à frente da pasta.

As outras distribuições de postos também são variações do mesmo tema, entre elas com o PSD devendo controlar o Ministério das Cidades, PP, com Integração Nacional, PRB, com Esportes, PC do B, com Ciência e Tecnologia.

Assim, não há dúvidas que a mudança concreta no perfil da equipe acontece apenas na economia. E, mesmo assim, dependerá da autonomia ou não que os novos ministros da área terão em relação à presidente Dilma para indicar os rumos da economia do País.

Dilma anuncia nomes de mais 13 ministros

Mais treze ministros

• Entre os anunciados por Dilma ontem, seis são do PMDB. Cid Gomes vai para o MEC

Luiza Damé, Catarina Alencastro e Fernanda Krakovics

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff encerrou ontem as negociações com o PMDB, o PCdoB, o PRB e o PROS para a formação da equipe de seu segundo mandato, mas não conseguiu fechar os nomes do PT, por causa de resistências internas no partido. Foram anunciados treze ministros, sendo seis do PMDB, um do PT, um do PSD, um do PCdoB, um do PRB e um do PROS. Alguns nomes surpreenderam pela falta de sintonia com as pastas, como o governador Jaques Wagner na Defesa. A expectativa era que também fossem indicados os nomes de Miguel Rossetto, para a Secretaria Geral; Ricardo Berzoini, para as Comunicações; e Pepe Vargas, para a Secretaria de Relações Institucionais. Mas a cúpula do PT ainda não bateu o martelo nas negociações com Dilma. O PMDB, apesar de ganhar uma pasta a mais, perdeu o Ministério da Previdência e há insatisfação com a falta de capilaridade dos ministérios entregues ao partido.

Os ministros são: Aldo Rebelo (Ciência, Tecnologia e Inovação), Cid Gomes (Educação), Edinho Araújo (Secretaria de Portos), Eduardo Braga (Minas e Energia), Eliseu Padilha (Secretaria de Aviação Civil), George Hilton (Esporte), Gilberto Kassab (Cidades), Helder Barbalho (Pesca), Jaques Wagner (Defesa), Kátia Abreu (Agricultura), Nilma Lino Gomes (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial); Valdir Simão (Controladoria Geral da União); e Vinicius Lages (Turismo).

A próxima leva de ministros será anunciada segunda-feira, dia 29, quando a presidente retornar de Salvador, onde vai descansar na Base Naval de Aratu no Natal. Além dos nomes do PT, Dilma ainda precisa acertar a participação de PP, PR e PDT. Os ministros tomarão posse no dia 1º de janeiro, no Palácio do Planalto, após a presidente ser empossada no Congresso.

No fim de novembro, foram anunciados os ministros da Fazenda, Joaquim Levy e do Planejamento, Nelson Barbosa. E foi confirmado o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. No dia 1º de dezembro, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) foi indicado para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

Reuniões com Temer e aliados
Desde segunda-feira, a presidente intensificou as reuniões com os partidos aliados para fechar a equipe do segundo governo. Dilma se reuniu com o vice-presidente Michel Temer e acertou a fatia do PMDB. Os peemedebistas aumentaram sua participação no governo de cinco para seis ministérios - Aviação Civil, Minas e Energia, Pesca, Portos, Agricultura e Turismo. Depois de acertar o quinhão do PMDB na Esplanada dos Ministérios, a presidente conversou com Padilha e Braga, na manhã de ontem.

Um dos nós da reforma era a situação do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), citado nos depoimentos do processo de delação premiada da Operação Lava-Jato, que investiga corrupção na Petrobras. Alves mandou divulgar uma nota na qual diz que pediu para não ser indicado pelo PMDB para a equipe de Dilma, "porque faz questão que seja esclarecida a citação absurda envolvendo o seu nome". Na realidade, o nome de Alves já havia sido descartado.

O Ministério da Previdência, atualmente ocupado pelo PMDB, deve ir para o PDT. Já o Ministério do Trabalho, hoje comandado pelo PDT, passa para o PT. O titular da Previdência é o senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), primo do presidente da Câmara.

Na noite de segunda-feira, Dilma recebeu o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, e acertou a mudança da pasta do partido, que perdeu o Esporte, mas ficou com a Ciência e Tecnologia. O atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo, interrompeu uma viagem de carro a Alagoas e voltou para Brasília. Dilma argumentou que o partido perdeu representação no Congresso.

Deputado do PRB assumirá Esportes
A vaga do PCdoB foi para o PRB: o escolhido foi o deputado George Hilton (MG), embora PT e PMDB almejassem o posto, para cuidar das Olimpíadas do Rio. Em conversa com a presidente Dilma ainda em novembro, o presidente do PRB, Marcos Pereira, argumentou que o partido aumentou sua bancada na Câmara e reivindicou uma pasta com maior expressão do que a Pesca, atualmente ocupada pela sigla.

A presidente também recebeu no Palácio do Planalto o governador do Ceará, Cid Gomes, e o convenceu a assumir o Ministério da Educação, reduto do PT desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A presidente estava satisfeita com o trabalho do ministro Henrique Paim, mas queria uma nome de mais peso político no comando da pasta.

O governador da Bahia, Jaques Wagner, chegou a Brasília no fim da tarde de segunda-feira. Amigo de Dilma, Wagner era o nome para as Comunicações, mas tinha restrições à pasta, por causa das verbas de publicidade que deverão ser transferidas da Secretaria de Comunicação Social (Secom) para o ministério. Acertou com a presidente comandar a Defesa.

Durante a tarde de ontem, era um entra e sai do gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto. Em boa parte da tarde, a presidente articulou com os ministros Ricardo Berzoini (Relações Institucionais), Thomas Traumann (Comunicação Social) e Aloizio Mercadante (Casa Civil).

Para acomodar o ex-prefeito Gilberto Kassab no Ministério das Cidades, Dilma ofereceu, na noite de segunda-feira, o Ministério da Integração Nacional para o PP. O presidente nacional do partido, senador Ciro Nogueira (PI), respondeu que a sigla gostaria de manter o Ministério das Cidades, mas a pasta foi para o PSD, que já comanda a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, com Guilherme Afif Domingues.

O argumento utilizado pela presidente foi que, com o Ministério da Integração Nacional, contemplaria o PP do Nordeste, que fez campanha para sua reeleição. Já no Sul e no Sudeste, o partido apoiou o candidato do PSDB, senador Aécio Neves (MG). O presidente do PP esteve novamente com Dilma na manhã de ontem, mas não foi definido o titular da Integração. O Ministério dos Transportes deve continuar nas mãos do PR, mas com troca de comando. O atual ministro, Paulo Sérgio Passos, escolha pessoal de Dilma, deve ser substituído pelo vereador de São Paulo Antonio Carlos Rodrigues, suplente da senadora Marta Suplicy (PT-SP). ( Colaborou: Eliane Oliveira )

Mudanças não agradam a PMDB e PT

Fernanda Krakovics, Luiza Damé e Catarina Alencastro – O Globo

As negociações da reforma ministerial emperraram ontem no PT. A intenção da presidente Dilma Rousseff de nomear o deputado Pepe Vargas (PT-RS) para comandar a articulação política desagradou o ex-presidente Lula e gerou uma crise na corrente majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil. Integrante da ala Democracia Socialista, que atua em conjunto com a segunda maior corrente petista, a Mensagem, Pepe não circula nem no PT nem nos demais partidos. É um deputado de pouca expressão política e não é considerado à altura da função por Lula nem por dirigentes petistas.

Ao lado da equipe econômica, a articulação política do governo é a principal preocupação de Lula, considerada fundamental para o sucesso do segundo mandato de Dilma. O ex-presidente está apreensivo com a atuação da oposição no Congresso a partir do próximo ano, que deve ser mais aguerrida; com as rebeliões da própria base aliada; e com eventual crise política gerada pelo escândalo de corrupção na Petrobras.

- O dia a dia do governo será conduzido por Mercadante e pela DS (Democracia Socialista) - reclamou ontem um dirigente do PT.

Braço-direito de Dilma, o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) não atua como representante do PT no governo, é criticado no partido pela suposta falta de traquejo político e tem sido alvo de reclamações por "monopolizar" a presidente.

O único nome do PT confirmado ontem foi o de Jaques Wagner, para a Defesa. A expectativa no partido, e dele próprio, era ocupar uma pasta de maior peso político.

Na cota do PT, a intenção de Dilma ontem era deslocar o ministro Ricardo Berzoini da Secretaria de Relações Institucionais para as Comunicações; e nomear o deputado eleito Patrus Ananias (MG) para o Desenvolvimento Agrário; além de transferir o ministro Miguel Rossetto do Desenvolvimento Agrário para a Secretaria Geral da Presidência.

No PMDB, o clima também não era de festa, apesar de o partido ter aumentado sua participação de cinco para seis ministérios. Os peemedebistas queriam pastas com orçamentos maiores e mais peso político. A bancada do PMDB no Senado só ficou satisfeita com a ida do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) para o Ministério de Minas e Energia. Apesar de estar em sua cota, as nomeações de Kátia Abreu (Agricultura), Helder Barbalho (Pesca) e Vinícius Lages (Turismo) são consideradas "barrigas de aluguel".

Recém-filiada ao PMDB, Kátia Abreu é considerada pelos senadores peemedebistas como da cota pessoal de Dilma. A bancada também não se sente representada por Lages, indicado por Renan Calheiros (PMDB-AL), e por Helder, emplacado pelo pai, Jader Barbalho (PMDB-PA). Já o PMDB da Câmara queria o Ministério da Integração Nacional, mas acabou ficando com o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) na Aviação Civil e o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) na Secretaria dos Portos, que tem status de ministério.

Dilma dá força ao PMDB ao indicar novos ministros

• Presidente garante seis vagas para o aliado e deve tirar lulistas do Planalto

• Além de ganhar uma pasta, peemedebistas conseguiram trocar Previdência por Portos, com maior visibilidade

Natuza Nery, Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff anunciou nesta terça-feira (23) a escolha de 13 novos ministros para seu segundo mandato, formando uma equipe com maior influência no Congresso, consagrando a hegemonia do PMDB na área de infraestrutura e reduzindo o espaço do seu partido, o PT.

Dilma acomodou peemedebistas em seis ministérios: Agricultura, Pesca, Turismo, Aviação Civil, Portos e Minas e Energia. O PMDB ganhou em volume e qualidade, pois controlava cinco pastas e trocou a Previdência Social pela Secretaria de Portos, pasta com maior visibilidade política.

Com o anúncio desta terça, Dilma já definiu os ocupantes de 17 dos 39 ministérios. Seu segundo mandato terá início na próxima semana, com a posse quinta-feira (1º).

O objetivo do Palácio do Planalto com as indicações é ampliar sua interlocução com o Legislativo, uma das grandes dores de cabeça do primeiro mandato de Dilma. Os escolhidos, no PMDB e nos outros partidos aliados, têm mais respaldo de suas bancadas na Câmara e no Senado.

Dilma precisará de apoio no Congresso para aprovar medidas que sua nova equipe econômica estuda, como mudanças na Previdência Social e aumentos de impostos.

O PT perderá o controle do Ministério da Educação pela primeira vez desde a chegada do partido ao poder. O governador do Ceará, Cid Gomes (Pros), será o novo ministro. Aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perderão espaço nos gabinetes do Palácio do Planalto.

Os petistas já tinham ficado contrariados com a escolha de Dilma para o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy, um economista de perfil conservador que colaborou discretamente com os tucanos na campanha eleitoral.

O atual ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, está cotado para assumir as Comunicações, onde o PT quer tentar viabilizar um ambicioso projeto de regulação da mídia, mas sua indicação não foi confirmada.

O governador petista da Bahia, Jaques Wagner, que encerra seu mandato na semana que vem, será o próximo ministro da Defesa. Sua responsabilidade será coordenar as Forças Armadas, mas ele também quer influir em assuntos políticos e na coordenação do governo.

Dilma conseguiu atrair para sua equipe alguns nomes de destaque. Além de Cid Gomes e Jaques Wagner, que conseguiram eleger seus sucessores nos Estados, seus assessores apontam Kátia Abreu (Agricultura), Gilberto Kassab (Cidades), Joaquim Levy e o novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Na avaliação dos assessores, as mudanças deram densidade à equipe econômica, em comparação com o início do primeiro mandato de Dilma, em 2011, quando Guido Mantega estava na Fazenda.

No Palácio do Planalto, o petista Aloizio Mercadante seguirá à frente da Casa Civil e da coordenação do governo. Apesar do prestígio com a presidente, até petistas admitem que ele não tem a mesma influência no mercado e no meio empresarial que Antonio Palocci, o primeiro gerente de Dilma, afastado antes de fazer um ano no cargo.

O PT não perde sozinho com a formação da nova equipe de governo. O ex-presidente Lula deve ficar sem representantes de sua confiança no Planalto. Além da provável substituição de Berzoini na articulação política, Gilberto Carvalho deixará a Secretaria-Geral da Presidência, dando lugar a Miguel Rossetto.

O deputado Pepe Vargas (RS) é cotado para o lugar de Berzoini. Ele e Rossetto são de uma corrente ideológica menos expressiva no PT, a Democracia Socialista, que não se alinha com a cúpula do partido e os aliados de Lula.

Apesar de contemplado com mais ministérios, o PMDB deve continuar criando dificuldades para Dilma no Congresso, onde ela terá de lidar com a influência do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está em campanha para ser o próximo presidente da Câmara e é visto como um aliado distante do Planalto.

Ao menos três novos ministros respondem a processos judiciais

• Kátia Abreu, Eduardo Braga e Helder Barbalho foram anunciados ontem

Carolina Brígido, Vinícius Sassine, Fernanda Krakovics e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - Ao menos três dos novos nomes do Ministério do segundo governo da presidente Dilma Rousseff respondem a processos judiciais. Todos são do PMDB. A senadora Kátia Abreu (TO), cotada para ser ministra da Agricultura, responde a um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por falsificação de selo público. O senador Eduardo Braga (AM), que deve assumir o Ministério de Minas e Energia, também é investigado em um inquérito no STF. Ele é suspeito de ter cometido crime eleitoral. Helder Barbalho, o provável novo titular da Pesca, é investigado por improbidade administrativa na Justiça Federal do Pará. Anteontem, Dilma afirmou que consultoria o Ministério Público antes de indicar novos ministros.

O inquérito contra Kátia Abreu chegou ao STF em outubro deste ano e está sob a relatoria do ministro Celso de Mello. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), presidida pela parlamentar, é suspeita de emitir demonstrativos de débitos e contribuições sindicais em papel timbrado com o brasão da República.

O inquérito contra Eduardo Braga foi aberto no Amazonas em outubro de 2008, quando o senador era governador do estado. Ele foi acusado de ter enviado a Parintins 15 policiais militares em dois aviões fretados para fazer segurança pessoal de Enéas Gonçalves, o candidato à prefeitura que apoiava. O caso chegou ao STF em agosto de 2012 e está sob a relatoria do ministro Teori Zavascki.

Helder Barbalho responde por improbidade administrativa perante a 5a Vara Federal do Pará. Uma investigação iniciada no Departamento Nacional de Auditoria do SUS constatou a irregularidade na aplicação de recursos do Ministério da Saúde em Ananindeua entre janeiro de 2004 e junho de 2007. Barbalho foi prefeito do município a partir de 2005. No ano anterior, ocupava o cargo Clóvis Manoel de Melo Begot, que é investigado no mesmo processo.

De acordo com o processo, foram destinados ao município R$ 94,8 milhões para financiar programas de saúde. Não ficou comprovado o gasto de R$ 2,7 milhões nas duas gestões. Houve também fraudes e irregularidades em licitações. O Ministério Público chegou a pedir a indisponibilidade dos bens dos investigados, mas a Justiça negou em junho de 2012. O fundamento foi o de que ainda não havia sido apurado o valor do dano causado por cada um dos suspeitos.

Ex-dona de casa, Kátia Abreu tem 52 anos e construiu um império pecuário depois da morte do marido, no final dos anos 1980. Sem experiência na área, dedicou-se à produção nas terras em Tocantins e desde então foi se fortalecendo como liderança política no setor. Presidiu sindicatos locais até chegar à presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), cargo que ocupa desde 2008 e para o qual foi eleita pela terceira vez este ano.

Senadora de oposição aguerrida pelo DEM até 2011, Kátia começou a cair nas graças de Dilma durante a votação do Código Florestal no Congresso, em 2012, quando já estava no PSD, partido criado por Kassab para apoiar o governo. Kátia trabalhou pela aprovação do texto e chegou a concordar com alguns dos vetos que Dilma fez posteriormente ao projeto. No ano passado, deixou o PSD e migrou para o PMDB, após disputa por protagonismo com Kassab.

Filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), Helder Barbalho foi escolhido ministro da Pesca como compensação pela derrota sofrida para o governo do Pará - Simão Jatene (PSDB) foi reeleito - e por influência de seu pai. Um dos caciques do PMDB, Jader tem atuação pública discreta desde que renunciou ao mandato em 2000 para evitar a cassação, no escândalo da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), mas continua com forte atuação nos bastidores.

Em outubro, o STF abriu ação penal para investigar Jader por peculato e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, o réu contribuiu para que fossem desviados R$ 22,8 milhões da Sudam entre 1997 e 2000. As investigações mostram que o parlamentar cobrava dinheiro para garantir a aprovação de projetos. A propina era de 20% do valor do contrato.

Helder fechou aliança com o PT para disputar o governo do Pará neste ano, depois da interferência do ex-presidente Lula. Os petistas paraenses queriam lançar candidatura própria para governador. Em maio, ainda na pré-campanha, Helder compareceu em um jantar do PMDB, em Brasília, com a presidente Dilma Rousseff, que pedia apoio dos peemedebistas à sua reeleição. Na ocasião, ao cumprimentar os pré-candidatos presentes, a petista aproveitou para homenagear Jader.

- Tenho também um grande respeito pelo Jader Barbalho - afirmou Dilma.

Depois de deixar a prefeitura de Ananindeua, em 2013, o novo ministro da Pesca passou a ter um programa de rádio em uma emissora do Pará, no qual prestava serviços à população como atendimento médico e odontológico. O programa foi ao ar até junho deste ano, quando Helder se lançou ao governo do estado.

Eduardo Braga saiu derrotado na disputa deste ano pelo governo do Amazonas, que comandou durante dois mandatos, entre 2003 e 2010. Escolheu sua esposa, Sandra Braga, para ser sua suplente na vaga do Senado. Foi nomeado líder do governo pela presidente Dilma em 2012, quando o então líder Romero Jucá (PMDB-RR) foi destituído depois de enfrentar Dilma em uma votação no Senado.

Janot nega a Dilma dados sobre políticos

• Procurador-geral foi consultado por Cardozo e disse que Lava-Jato é sigilosa

Carolina Brígido – O Globo

BRASÍLIA - A ideia da presidente Dilma Rousseff de consultar o Ministério Público Federal antes de nomear seu novo Ministério foi por água abaixo. Ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que indagou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a possibilidade e a resposta foi negativa. Segundo Cardozo, o procurador afirmou que as apurações da Operação Lava-Jato estão sob sigilo judicial - portanto, não teria como informar quais políticos estão sob a mira das investigações.

- Entramos em contato com o procurador-geral da República para obtermos informações sobre nomes, mas ele disse que não tinha como fornecer qualquer tipo de informação a respeito, devido ao sigilo legal. Obtive a resposta ontem (segunda-feira) à noite. Ele disse: "Eu não posso divulgar fatos que possam atrapalhar a apuração criminal" - relatou o ministro.

Diante da situação, Cardozo afirmou que as nomeações dos novos ministros serão feitas com base em "informações disponíveis". Ele disse que seriam levadas em consideração apenas informações oficiais, descartando dados de reportagens jornalísticas que não tenham sido confirmados pelos órgãos de investigação:

- As informações disponíveis constam dos registros oficiais.

O ministro ressaltou que, para escolher os componentes do governo, a presidente sempre se baseou no critério da Ficha Limpa - ou seja, descarta pessoas que tenham sido condenadas por algum órgão colegiado, como Tribunais de Justiça.

Cardozo lembrou que Janot já tinha negado ao governo o acesso aos depoimentos feitos a partir dos acordos de delação premiada, por conta do sigilo judicial. Agora, ele disse ter feito um pedido mais superficial: queria apenas saber os nomes dos envolvidos, sem detalhes. Segundo o ministro, não foi passada nenhuma lista de nomes para a verificação do Ministério Público.

Fonteles critica proposta
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles criticou a proposta da presidente. Para ele, o MP deve investigar suspeitas e encaminhar os casos ao Judiciário, sem interferência do Executivo:

- Isso não faz o menor sentido, porque nós somos uma instituição independente da sociedade brasileira. Nosso trabalho é de dirigir controvérsias ao Poder Judiciário. Não cabe ao Ministério Público opinar sobre quais ministros devem ser escolhidos ou não. Somos uma área estritamente técnica, jurídica.

Fonteles ponderou que, ainda que o procurador-geral dissesse ao governo que não há investigação aberta contra determinada pessoa, essa informação não seria um atestado de idoneidade permanente:

- Não sei qual é a utilidade de perguntar para o procurador-geral da República se há investigação contra alguém. Hoje, a pessoa pode não responder a nada, mas amanhã isso pode mudar. O fato de o procurador-geral dizer que hoje não tem nada contra uma pessoa não é um atestado de idoneidade pleno.

Procuradoria nega informação a Dilma

• Ministro da Justiça recebe de Janot explicação de que dados da Lava Jato são sigilosos e, por isso, não poderia listar políticos citados

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não vai repassar ao governo nenhum tipo de informação sobre os indicados para compor o ministério de Dilma Rousseff, segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Diante da negativa, o governo antecipou nesta terça-feira, 23, que se valerá das “informações disponíveis” sobre os escolhidos - de registros oficiais a eventuais denúncias da imprensa.

A presidente anunciara um dia antes que pediria ao Ministério Público a averiguação de possível envolvimento de seus escolhidos em escândalos de corrupção. De caráter preventivo, a medida permitiria a eliminação dos nomes sob investigação de seu futuro gabinete e a obtenção uma espécie de certidão negativa do MP aos empossados.

A decisão de Dilma foi expressa depois de o Estado ter revelado a citação de 28 políticos envolvidos no esquema de corrupção da Petrobrás pelo ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa. Entre os mencionados estavam ministeriáveis, como Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), atual presidente da Câmara (mais informações nesta pág.).

A sugestão de Dilma foi alvo de duras críticas da oposição e do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. Os oposicionistas criticaram a intenção da presidente e a avaliaram como “surrealista” e “totalmente bipolar”.

Diante das reações, a assessoria de Cardozo convocou no fim da manhã de ontem a imprensa para divulgar a resposta do chefe do Ministério Público Federal e expor qual procedimento o governo adotaria diante da negativa. O próprio ministro informou ter contactado o procurador-geral na segunda-feira à noite, por telefone.

Sob sigilo. Janot, segundo Cardozo, explicou que não teria como revelar nenhuma informação ao governo sobre potenciais investigados pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal, porque as delações premiadas correm sob segredo de Justiça. O ministro disse ter informado Dilma sobre essa resposta ontem pela manhã.

“O procurador-geral da República nos disse que não tinha como fornecer qualquer tipo de informação a respeito, uma vez que essa questão está sob sigilo legal e que naturalmente não dependeria de uma decisão dele passar informações a respeito”, afirmou. Janot, também de acordo com Cardozo, argumentou que o repasse de nomes suspeitos de atuar em esquemas de corrupção poderia atrapalhar futuras investigações.

O ministro da Justiça afirmou que, diante da negativa de Janot, as nomeações para compor o ministério vão levar em conta a informação disponível em registros oficiais. As menções feitas pela imprensa também serão avaliadas.

Cardozo rebateu a crítica de Barbosa, para quem a sugestão feita por Dilma colocaria o Ministério Público como órgão de assessoria da Presidência. Barbosa chegou a classificar a iniciativa como tentativa de “degradação institucional”.

“Eu acho curiosa a crítica porque ter informações é algo básico, porque é natural que um governante, para formar a sua equipe, tenha informações”, disse Cardozo. “Talvez o ministro Joaquim não teria entendido bem. A gente não pediu assessoria ou consultoria. Pediu somente informações.”

A recusa, porém, já era previsível logo após o anúncio da presidente. Em nota ao Estado na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República adiantara que, por lei, a prestação desse serviço seria inviável, por se tratar de uma consultoria não prevista nas funções do Ministério Público.

Belo Monte teve acerto de preços

Delator revela acerto prévio de preços nas obras de Belo Monte

• Executivo diz que houve combinação dos vencedores de licitação

Cleide Carvalho – O Globo

SÃO PAULO - As investigações da Operação Lava-Jato chegaram à usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. No acordo de delação premiada assinado com o Ministério Público Federal, o empresário Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, acionista do grupo Toyo Setal, comprometeu-se a entregar à força-tarefa do Ministério Público informações detalhadas e documentos sobre "todos os fatos relacionados a acordos voltados à redução ou supressão de competitividade, com acerto prévio do vencedor, de preços, condições, divisão de lotes, etc, nas licitações e contratações" realizadas para a construção da hidrelétrica.

Em junho passado, foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal a contratação, pela empresa Norte Energia, da Toyo-Setal Empreendimentos, da Engevix Engenharia e da Engevix Construções por R$ 1,038 bilhão, para montagem eletromecânica da usina. Do início das obras, em 2010, até o ano passado, o BNDES já havia repassado R$ 9,8 bilhões a título de financiamentos para a obra. Os investimentos acumulados somavam R$ 13,3 bilhões. O valor orçado para a obra já subiu dos R$ 16 bilhões iniciais para R$ 28,9 bilhões.

Conversa com empreiteiras
Mendonça Neto afirmou que os preços apresentados na licitação inicial haviam sido considerados altos pela Norte Energia, que decidiu, então, convidar outras empresas a participar da obra. Inicialmente, a convidada foi a construtora MPE, que chamou a Toyo Setal para ingressar no consórcio. O segundo consórcio foi formado pelas empreiteiras Engevix e UTC. Mas, segundo Mendonça Neto, houve novamente discordância no preço, e a Norte Energia chamou todas as empresas para conversar.

Foi então que a UTC desistiu da obra. A MPE, que atravessa dificuldades financeiras e é acusada de causar prejuízo de quase R$ 1,5 bilhão à Petrobras em sua atuação no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), também saiu de Belo Monte. Mendonça Neto afirmou que foi a própria Norte Energia, então, que sugeriu a associação entre a Engevix e a Toyo Setal, e ainda discutiu com as duas o preço a ser pago.

Todas as empresas convidadas a participar da obra da UHE de Belo Monte estão envolvidas no escândalo de desvio de recursos na Petrobras. O vice-presidente da Engevix, Gerson de Mello Almada, está preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Almada foi apontado por outros diretores da empresa como o responsável pelo cartel, e na sala dele foram apreendidos documentos que comprovam o acerto prévio entre as empreiteiras nas licitações.

A Engevix também fez depósitos para empresas de fachada controladas pelo doleiro Alberto Youssef e também para a Costa Global, que pertence ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Outra empresa envolvida na Lava-Jato, a Galvão Engenharia, fez parte do consórcio inicial que disputou Belo Monte. Entrou em julho de 2010 e saiu em novembro de 2011, com um ganho de quase R$ 1 bilhão.

Irmão de Palocci é conselheiro
O governo federal tem participação importante na Norte Energia. Eletrobras e Eletronorte têm, juntas, 34,98% de participação. O Petros, o fundo de pensão da Petrobras, tem 12%. No fim de 2013, um dos conselheiros da Norte Energia era Jorge José Nahas Neto, gerente executivo de Planejamento Financeiro e Gestão de Riscos da Petrobras e representante da estatal no Petros. Outro conselheiro é Adhemar Palocci, procurador da Eletronorte no conselho da Norte Energia, irmão do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.

Mendonça Neto se comprometeu ainda a fornecer informações à força- tarefa do MPF na Lava-Jato sobre irregularidades na área de plataformas da Petrobras. Ele assinou acordo de delação premiada individual e em nome de seis empresas ligadas ao grupo Toyo Setal: SOG Óleo e Gás, que tem 50% de participação na Toyo Setal, Setec Tecnologia, Projetec, Tipuana, PEM Engenharia e Energex. Segundo o MPF, Mendonça Neto é responsável por 17 empresas. Outras estão no nome de parentes.

Lobão diz não ter ligação com esquema na estatal

• Titular das Minas e Energia teria sido citado por delator em lista de políticos beneficiados

Dimmi Amora – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Edison Lobão negou envolvimento no desvio de recursos da Petrobras.

Lobão é um dos políticos supostamente citados pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa como beneficiários do esquema desbaratado na operação Lava Jato.

Ele disse não saber do que está sendo acusado, mas declarou: "Digo e repito que não devo nada. Estou isento de qualquer culpa, venha de onde vier". Ele defendeu ainda a gestão da presidente da empresa, Graça Foster. "A Petrobras não está solta no espaço, é fiscalizada. No que depender dela [Graça], tudo se corrigirá rápido e bem."

Lobão disse deixar um ministério organizado e planejado --a presidente Dilma Rousseff anunciou nesta terça (23) que o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) irá sucedê-lo.

Após seis anos, em janeiro Lobão volta a ser senador pelo Maranhão. Ele negou que exista uma guerra entre seu partido e o Planalto. "O PMDB tem sido solidário e eficiente. Pode haver alguma divergência, mas não guerra, nem falta de apoio."

Elio Gaspari - Cada macaco no seu galho

• O Ministério Público não pode ajudar a doutora Dilma a escolher seus ministros; ela é que deve parar de errar

- O Globo

A doutora Dilma podia ter a melhor das intenções quando anunciou que pediria ajuda ao Ministério Público na escolha de seus ministros. Ou a pior. Na hipótese benigna, não queria correr o risco de nomear um larápio. Na maligna, queria transferir para o Ministério Público uma responsabilidade que é inteiramente sua. Nomearia o sujeito, ele apareceria numa petrorroubalheira e ela tiraria o corpo fora, pois a Procuradoria nada tivera contra o magano. O ex-ministro Joaquim Barbosa disse muito bem: "Que degradação institucional! Nossa presidente vai consultar um órgão de persecução criminal antes de nomear um membro de seu governo!!! Du jamais vu." Barbosa vocalizou em francês a expressão de Nosso Guia: "Nunca na História deste país..."

Os "nunca na História..." são muitos, mas nem um oposicionista delirante seria capaz de supor que um comissário do segundo escalão entesourasse US$ 100 milhões. Em benefício da doutora, reconheça-se que ela conhece mal o funcionamento das instituições. Só isso explica a insistência com que propõe em pactos e plebiscitos. Se falasse sério, no caso dos petrocomissários consultaria a Agência Brasileira de Inteligência, mas esse ectoplasma palaciano do falecido Serviço Nacional de Informações ainda não mostrou a que veio. Se a Abin não colocou sobre sua mesa uma análise das petrorroubalheiras, é melhor fechá-la. Afinal, em 2013 custava R$ 500 milhões. Se a agência acendeu algum tipo de luz amarela e não conseguiu atenção, o problema é da doutora.

Durante a campanha eleitoral o comissariado repetia um bordão, segundo o qual não se poderia pré-julgar pessoas acusadas de envolvimento nas petrorroubalheiras. O próprio ministro da Fazenda despediu-se do "amigo Paulinho" agradecendo os "relevantes serviços" prestados à Petrobras. O líder do governo no Senado considerou "satisfatório" seu primeiro depoimento à CPI, anterior à decisão de colaborar com a Viúva. Era uma coleção de lorotas. Há no Planalto quem saiba bastante sobre a Petrobras. Sabem até mais que os procuradores. O que eles não sabem, e aí está o problema dos comissários, é o caminho das pedras para sair da enrascada.

Pela blindagem do Ministério Público, pelo silêncio do ministro Teori Zavascki e pelo naufrágio das primeiras patranhas dos maganos, esse caminho das pedras pode não existir. De alguma maneira, o comissariado precisa se recompor com a verdade. A doutora já se disse "estarrecida" com os malfeitos e considerou "absurdas" as quantias desviadas. É pouco. Precisa despir o manto da surpresa. Esse vem sendo o erro do PT desde que estourou o mensalão.

Outro dia, num debate na Corte Suprema dos Estados Unidos, o juiz Antonin Scalia foi confrontado por uma colega por ter votado numa posição contrária à que tomara noutro caso. Meter-se com a rapidez de raciocínio de Scalia é arriscado. Ele defendeu-se citando o grande juiz Robert Jackson: "Não vejo por que eu deva ficar conscientemente errado hoje porque, inconscientemente, estive errado ontem". Retirando-se o "inconscientemente" da frase de Jackson, a lição pode ser um presente de Natal para o comissariado.

Elio Gaspari é jornalista

Luiz Carlos Azedo - Entra o baixo clero

• Dilma conseguiu negociar com os principais partidos da base na bacia das almas. A Operação Lava-Jato pôs de joelhos os caciques das legendas aliadas

Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff, após um almoço com aliados no Palácio da Alvorada, ontem, acelerou a formação dos ministérios, que terão forte presença de políticos do baixo clero da base aliada. A maior surpresa foi a indicação de Jaques Wagner (PT), governador da Bahia, a principal estrela política da nova equipe, para o Ministério da Defesa no lugar do embaixador Celso Amorim.

Cotado para o Ministério das Comunicações e para as Relações Institucionais, Wagner foi consultado sobre essa possibilidade por Dilma. Para surpresa dos aliados na Bahia, que pleiteavam o Ministério da Integração Nacional, ele preferiu o comando das Forças Armadas, cargo que nunca fora ocupado por um petista.

Além da Defesa, o PT deve ocupar o Ministério das Comunicações, que será chefiado pelo deputado Ricardo Berzoini. O petista poderá ganhar o controle das verbas de publicidade do governo, esvaziando a poderosa Secretaria de Comunicação Social, que passaria a funcionar apenas como assessoria de imprensa. A cúpula do PT não abriu mão da pasta, considerada estratégica para neutralizar os grandes meios de comunicação do país.

Outro petista a ocupar uma posição-chave no governo será o deputado Pepe Vargas (RS), que está em vias de ser confirmado na Secretaria de Relações Institucionais, no lugar de Berzoini. Ele foi ministro do Desenvolvimento Agrário no primeiro mandato de Dilma e faz parte do grupo de gaúchos da confiança dela.

Também surpreendeu o deslocamento de última hora do ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB), para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que não é área de especialidade dele. Seu atual secretário executivo, Luís Fernandes, cientista político e professor da PUC-RJ e da UFRJ, velho companheiro desde os tempos da UNE, porém, já ocupou esse cargo no MCT e deve acompanhá-lo.

Com apenas 10 deputados e internamente dividido — uma ala da legenda queria a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), ex-prefeita de Olinda, no Ministério da Cultura —, Aldo acabou enfraquecido para permanecer no posto atual, disputado por partidos maiores por causa das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. O Esporte acabou no colo do deputado George Hilton (MG), do PRB.

De joelhos
A negociação com o PMDB foi praticamente fechada. O pomo da discórdia era a indicação do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), para o Ministério da Previdência. Citado na delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, Alves jogou a toalha no almoço de ontem e pediu para sair da lista de indicações da legenda. O PMDB, porém, ficará com seis ministérios.

Kátia Abreu na Agricultura foi uma escolha pessoal da presidente Dilma Rousseff que o PMDB do Senado assumiu como parte de sua cota. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga, vai para Minas e Energia. Era uma espécie de reserva de mercado do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), que encerrou a carreira política. O atual ministro, Edison Lobão (PMDB-MA), foi fulminado pela Operação Lava-Jato. A Secretaria de Portos será destinada ao deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) como compensação pela perda do Ministério da Previdência.

Eliseu Padilha assumirá a Secretaria de Aviação Civil, no lugar de Moreira Franco, ambos aliados do vice-presidente Michel Temer. Helder Barbalho, filho do senador Jader barbalho (PMDB-PA), assumirá o Ministério da Pesca. Vinicius Lages, indicado por Renan Calheiros, continua no Ministério do Turismo, com o compromisso de ceder a vaga para Henrique Alves, caso nada seja com provado contra ele na Operação Lava-Jato.

O ex-governador Cid Gomes, depois de muito relutar, aceitou a pasta da Educação, para a qual tentou emplacar o irmão, Ciro Gomes, ambos do Pros. Como estava previsto, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD) aceitou ir para o Ministério das Cidades. Aguinaldo Ribeiro, que ocupava o posto, será o representante do PP na Integração. O suplente da senadora Marta Suplicy (PT-SP), Antônio Carlos Rodrigues, do PR, deve ser convidado para o Ministério dos Transportes.

Dilma conseguiu negociar com os principais partidos da base na bacia das almas. A Operação Lava-Jato pôs de joelhos os caciques das legendas aliadas. Mesmo com a constrangedora resposta do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que não daria informações sobre o envolvimento de políticos no escândalo. O simples fato de a presidente da República ter afirmado publicamente que consultaria o Ministério Público sobre a situação dos aliados deixou os aliados na retranca.

Ruy Castro - Urubu voa de costas

- Folha de S. Paulo

Não admira que a economia esteja "prostrada". O Natal será magro para os dirigentes de empreiteiras apanhados na Operação Lava Jato. Com suas contas e aplicações bloqueadas pela Justiça, e sem fundos para as benesses com que se mimoseiam nesta época, sua inadimplência atingirá os setores em que eles investem seus salários, gratificações, propinas, gorjetas e simples desvios. Afinal, são bilhões de reais subitamente fora de circulação.

Um diretor de uma construtora, por exemplo, teve bloqueada a primeira parcela do 13º salário: R$ 95 mil. Quando uma parcela do 13º de um funcionário chega a esse valor, imagine o dinheiro que não circula por seus relatórios, pareceres e bolsos. Parece muito? Pois é um grão de alpiste diante dos valores creditados aos parlamentares abençoados pelos poços sem fundo da Petrobras.

Com isso, certas famosas grifes do exterior estão apreensivas. Sem os políticos brasileiros neste fim de ano, o que fazer com os estoques de Romanée-Conti (o vinho de Lula), de uísque Ballantine"s 30 anos e de champagne Cristal? O que será das estações de esqui em Aspen, das clínicas estéticas em Phoenix e dos cassinos de Las Vegas, que, mal saídos de seus grotões, eles se habituaram a frequentar?

A drenagem de dinheiro é de tal ordem que, mesmo descontados os gastos lá fora e os depósitos nos paraísos fiscais, o que sobra por aqui é decisivo para movimentar a economia. A compra, digamos, de um triplex no Guarujá espalha-se pela pirâmide financeira e seus resíduos podem se refletir na qualidade de vida de centenas de humildes famílias brasileiras, permitindo-lhes comprar TVs HD com tela de LCD e smartphones de última geração.

Na visão oficial, esta deve ser uma nova forma de distribuição de renda --só que digna do planeta Bizarro, onde urubu voa de costas e o certo é o errado.

Míriam Leitão - Se o Natal acabasse

- O Globo

E se não houvesse Natal? Não no sentido da festa religiosa, mas da data do consumo. Os economistas se dividem sobre se isso reduziria ou não o movimento da economia. Muitas compras são apenas antecipação de consumo. Ou seja, aquele aparelho novo seria mesmo comprado em algum momento. Mas o estímulo do contágio das compras acaba produzindo aumento da atividade.

A circulação de mais dinheiro na economia é concentrada num período, mas ao mesmo tempo há também uma grande quantidade de perdas. Há mais vendas de passagens de todas as formas de transportes, mas aumenta muito a perda de tempo em trânsito caótico, aeroportos lotados, atrasos de voos. Há as horas desperdiçadas nas lojas, em longas filas para pagar . O "Financial Times" esta semana publicou uma análise nessa linha, "e se o Natal fosse abolido?" , escrita por Tim Harford. Bom, o primeiro e óbvio resultado é que deixaria de haver um estímulo sazonal para um consumo de US$ 75 bilhões a US$ 100 bilhões só nos Estados Unidos; no Brasil, a Fecomércio-RJ estima a injeção de R$ 22,6 bi no período natalino . Tim, porém, acha que o consumo aconteceria de qualquer modo, espaçado durante o ano, usando de forma muito mais eficiente a rede logística, o gasto energético e até a força de trabalho. Os preços subiriam menos, já que a demanda concentrada num único momento tende a elevá-los. As fábricas de produtos de enfeite natalino teriam que ser recicladas.

Há divisão entre as correntes dos economistas sobre se uma hipotética suspensão do Natal teria efeitos ruins ou seria neutra. Os preços sobem, mas as liquidações pós-natalinas, as remarcações e queimas de estoque neutralizam parte da elevação. O benefício do trabalho temporário para jovens é grande porque justamente nesta faixa etária há a maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho . Pelos dados da Pnad, o desemprego de 18 a 24 anos chega a 15,3%, quando no resto do país, por esta medida, está em 6,8%. Muitos dos que mostram capacidade nesta época do ano acabam sendo contratados; outros nem buscam isso, mas ganham experiência e alguma renda extra. Olhando objetivamente, o lado comercial do Natal tem alguma vantagem para a economia, mas não toda a que aparece nas contabilidades das redes de shopping ou das associações de comércio. Quando a situação econômica já é de estagnação com inflação alta, o impacto do espírito natalino é bem menor.

Em 2014 assim estamos. Se todos decidissem se concentrar no aspecto religioso ou — para os não religiosos e de outras crenças —nos valores que o Natal representa, como seria? Sem os presentes trocados haveria num primeiro momento uma desorganização da economia? Os efeitos da noite de 24 a 25 de dezembro começam bem antes. O último trimestre já é de aumento de atividade na indústria para atender as encomendas das lojas. E há sempre riscos para os integrantes da cadeia produtiva que vai das matérias-primas às prateleiras. Se subestimar o volume de vendas, perde-se chance de faturamento; se superestimar, fica-se com estoque caro de carregar num país de juros altos.

Esta é uma coluna de economia e o espaço nos força a olhar o Natal pelo lado material, de nível de atividade, ainda mais em ano de estagnação. Mas há o valor intangível dos abraços trocados, dos carinhos dados, de alegria de quando se acerta o presente, da expectativa das crianças. Sim, existem os que estão tristes e as frustrações de crianças que passam por outras privações. Todos sabemos. Como sabemos das distorções do Natal mercantil. Sem ignorar isso, o desejo da coluna é que prevaleça o valor intangível, que transcende a economia, e seja uma noite de alegrias em família. Feliz Natal!

Celso Ming - Mudou. Por que mudou?

- O Estado de S. Paulo

Alguma coisa sugere que o Banco Central não tem clareza nem sobre as condições da economia nem sobre o comportamento futuro da inflação. Quando coisas assim acontecem, quem espera condução firme das expectativas em meio das atuais incertezas que cercam a economia, fica um tanto confuso.

Para não ir muito atrás, a falta de coerência começou com o comunicado divulgado logo após a última reunião do Copom, realizada dia 4. Foi quando passou o recado de que os juros haveriam de subir nos meses seguintes não mais na dose de 0,5 ponto porcentual ao ano, como aconteceu então, mas "com parcimônia". Todo o mundo entendeu que nova alta (assim, no singular) não levaria mais do que 0,25 ponto porcentual.

Essa expressão foi repetida na Ata do Copom, emitida dia 11, passando a impressão de que o Banco Central não estava especialmente preocupado com a força da inflação. Logo no dia seguinte, no entanto, o presidente Alexandre Tombini abandonou a plumagem de pombo e assumiu a de falcão. Já não repetiu o discurso da parcimônia, mas passou a dizer que o Banco Central "fará o que for necessário para viabilizar um cenário de inflação mais benigno no período 2015-2016".

O Relatório de Inflação ontem divulgado ignora a partitura da parcimônia, como se ela tivesse perdido importância. E a substituiu pela nova: "O Comitê irá fazer o que for necessário para que no próximo ano a inflação entre em longo período de declínio, que levará à meta de 4,5% em 2016". Mas ficou por aí. Não explicou por que mudança tão rápida, sem que nada de novo a justificasse.

Outra incoerência tem a ver com o nível esperado dos investimentos nos próximos meses, componente importante da demanda e, portanto, da formação de preços. A Ata do Copom do dia 8 avisa no parágrafo 23 que "os investimentos tendem a ganhar impulso". Duas semanas depois, o Relatório de Inflação diz o contrário. Lá está dito que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é o nome técnico do investimento, deverá cair 1,8% nos próximos quatro trimestres (até setembro de 2015).

O Banco Central parece ter desistido de fazer a cabeça dos formadores de preços de maneira voluntarista, como tantas vezes tentou. Assumiu que o crescimento econômico (evolução do PIB) dos quatro trimestres terminados em setembro de 2015 não passará de 0,7%, franqueza que, em outros tempos, deixaria aborrecido o ministro Mantega, sempre mais propenso a dourar a pílula.

A mesma disposição a mais realismo deve ter acontecido também com as projeções do investimento. Mas esses solavancos na comunicação, sem maior preocupação com a confusão que podem semear, mostra que o Banco Central não conseguiu até agora quebrar a bolha em que parece inserido.

São inconsistências assim que prejudicam a capacidade do Banco Central de conduzir expectativas. Se errou e se foi confuso em questão de semanas, como pode garantir - e fazer-se acreditado - que em 2016 a inflação convergirá para o centro da meta?

O Banco Central cita três fatores que agirão nessa direção: as restrições monetárias (alta dos juros), a política fiscal (manejo das contas públicas) mais apertada e a redução aos subsídios dos juros. Mas não está claro se bastará esse coquetel supostamente light para enfrentar a forte recomposição dos preços administrados (especialmente da energia elétrica) e a disparada do dólar no câmbio interno que começará por provocar o inchaço dos preços dos importados.

Vinicius Torres Freire - Recessão encomendada

• BC e Fazenda vão pisar no freio ao mesmo tempo, o que não ocorria desde 2011, com o país menos avariado

- Folha de S. Paulo

Não é lá gentil nem de bons modos chegar à casa das pessoas em um dia como hoje e dizer que há uma recessão encomendada para 2015. Mas é o que temos.

O ministério da Fazenda e o Banco Central planejam pisar simultaneamente nos freios econômicos, o que não ocorria desde 2011, quando o país não estava escangalhado tal como neste final de governo.

A recessão encomendada pode até não vir. Ainda que não venha, os resultados de 2015 devem ser fracos, outro ano de redução ou estagnação da renda per capita, do PIB médio por cabeça, desta vez com desgaste social maior.

Ontem, o Banco Central disse oficialmente que mudou de ideia quanto a lidar com a inflação mais de mansinho, que era o seu plano até três semanas, quando anunciara aumentos de juros "com parcimônia". No Relatório de Inflação deste trimestre, afirmou que vai fazer o "que for necessário para levar a inflação à meta no final de 2016". No final de novembro, como se sabe, o ministro da Fazenda de Dilma 2, Joaquim Levy, dissera que daria cabo de três anos de aumentos de gastos e dívidas. Não é por boniteza, mas por precisão, que a economia levará esse tranco premeditado.

Pioraram as estimativas de inflação apresentadas pelo BC no Relatório de Inflação deste dezembro. Mesmo assim, as projeções, sejam ou não baseadas em cenários estimados por economistas privados, parecem otimistas, a princípio. O dólar pode custar mais caro. Os reajustes de preços de serviços públicos devem ser maiores. Quanto maior a pressão de alta na inflação, em tese maior deveria ser a taxa de juros "básica" da economia, se tudo o mais continuar na mesma.

Por ora, economistas privados mais relevantes ou certeiros acreditam que a taxa básica, a Selic, vai dos atuais 11,75% ao ano para 12,50% no primeiro trimestre do ano que vem, o nível mais alto desde agosto de 2011.

Pode ser que nem "tudo o mais continue na mesma". Pode ser que a economia ande ainda mais devagar, o que pode conter preços e salários mais rapidamente. Mas pode haver tumultos financeiros mundiais. Está prevista uma temporada de tornados entre março e meados do ano que vem.

Pode até ser que, apesar dos maus bocados pelos quais passaremos no primeiro semestre, a ideia de que o país vá entrar nos trilhos reanime os ditos agentes econômicos, alguns de nós, empresários ou consumidores, com o que poderia haver reação no final do ano.

Tudo isso é chute informado, o que é possível fazer, dadas as informações e as técnicas disponíveis. Humores sociopolíticos nacionais podem fazer o vento mudar de direção. O mau humor agudo entre junho de 2013 e junho de 2014 degradou um ambiente que já não era bom, dadas as evidências de que a política econômica do governo dera com muitos burros n'água. Não há como saber o que os brasileiros faremos dos limões desse 2015 azedo. Não há, de resto, como prever se vai vingar a intenção de reformas mínimas de Dilma 2. Menos ainda como saber qual será o efeito da crise política que virá, combinada a mais um ano de estagnação.

Em 2002-2004, o país acabou virando o jogo. Que seja assim de novo. É um modestíssimo voto de ano bom. Mas é o que temos.

Roberto DaMatta - Precisamos ser investigados!

• Investigar e se escandalizar com a roubalheira da Petrobras não significa que se quer acabar com ela. Pelo contrário, o que se deseja é salvá-la

- O Globo

A diretora da Petrobras admitiu num café da manhã concedida aos jornais, no dia 17 do corrente, que ela "precisa ser investigada. Os diretores, nós precisamos ser investigados."

Seu axioma é simples: eu não temo a verdade, logo admito uma investigação. A perquirição é, em princípio, incompatível com a verdade; ou, melhor dizendo, ela conduziria a uma prova de que tanto a diretora quanto a sua diretoria nada têm a ver com a petrogatunagem que envergonha o empresariado nacional e enxovalha o governo Dilma, o PT e seus sequazes.

É o pior presente de Natal da história do Brasil.

Mas esse brado de auto-investigação permite uma ressalva que eu tomo a liberdade de fazer com um pedido de vênia à sra. Graça Foster.

Um inquérito não comprova a verdade. A investigação é um meio para se chegar à verdade ou à mentira. Ou, talvez pior que isso e como estamos fartos de testemunhar, a investigação, o julgamento, os recursos proporcionados aos poderosos pela nossa douta teologia jurídica, na qual uma ética de isenção passa ao largo, simplesmente legalizam a falcatrua e, assim fazendo, legitimam o lado mais sombrio da impunidade. Faz-se a injustiça por meio da Justiça!

Eis uma inversão inadmissível em qualquer coletividade minimamente honrada e fiel a si mesma. Torturar, roubar e assassinar não deve santificar ninguém.

Guimarães Rosa dizia que "o começo é tudo". Uma vez montado um plano, um enredo ou uma política, essas máquinas demandam coisas insuspeitas dos seus autores. Se o enredo requer um velho e os atores são jovens, há que se usar um maquiador para tornar um jovem, velho. No regime militar, montou-se um teatro que excluía parte da plateia. Se o caminho foi para Sul ou para o Norte, o que se segue é — desculpem o óbvio — seguido. Mudar o passo no meio do salto resulta em queda ou desastre. Quando escolhemos um rumo, este rumo faz demandas e nos coage a tomar certas atitudes. Quando um regime que pretende restaurar a ordem promove e proíbe a discordância, como foi o caso do regime militar, tudo torna-se político e passível de ser investigado. Um piscar de olhos vira sinal de uma conspiração, e uma música, um hino revolucionário. Se a porta tem uma pequena brecha, é preciso arrombá-la, o que leva à criação de portas de aço.

Não há como obter democracia negando aquilo que é a própria democracia: o direito de discordar. Suprima-se esse princípio e você inventa, em nome da ordem, a subversão e a traição.

A violência surge quando o direito de criticar e discordar é escamoteado ou proibido em nome de alguma coisa. Investigar e se escandalizar com a roubalheira da Petrobras não significa que se quer acabar com ela. Pelo contrário, o que se deseja é salvá-la. O reinado da lei só existe quando a lei não foi rasgada ou controlada por uns poucos ou em nome de algo intocável ou sagrado. Pois a lei é o meio pelo qual, numa sociedade de iguais em direitos, valores são invocados, disputados e discutidos e trocam de lugar como verdades ou mentiras. A mobilidade é parte da vida democrática e ela inclui também crenças, utopias e tabus.

Um velho sábio dizia que não se pode viver sem a mentira, que é companheira da verdade. Mas se verdade e mentira formam um par, esse par só é legitimo na medida em que a mentira não seja estimulada. Em outras palavras, não se constitua como um valor.

O clamor da diretora pode ser interpretado neste sentido. Nele, há o grito do aprendiz de feiticeiro pedindo socorro a um bom exorcista. O fogo começa a pegar naqueles que talvez o ignoravam ou achavam que podiam controlá-lo. Não sei...

O que sei e lamento é que quando o escândalo vira rotina, há algo profundamente tortuoso com os valores de um país. Não há como não concordar com FHC que o Brasil perdeu o rumo. E, num sistema sem rumo, nem o capitalismo que promoveria o fim do mundo termina; e seria impossível conceber uma nova utopia com um comissariado desonesto. Aliás, com esse elo estrutural entre política e roubalheira, não dá nem para nomear um ministério.

Não se trata simplesmente de separar a honestidade da corrupção, fazendo um ingênuo pacto político para eliminar a ladroagem. O honesto e o desonesto, como o bem o mal, fazem parte da mesma moeda e ocorrem em todo lugar. A questão não é tentar acabar com um lado que não existe sem o outro, mas compreender que a desonestidade só é normal se for ilegitimada e punida. Com os dois pesos e medidas da velha malandragem nacional estudada por mim faz tempo, a verdade não sai do fundo do poço. A honestidade só vai se transformar num valor quando a desonestidade perder a sua aura de santidade e esperteza. Precisamos, sim, ser investigados porque estamos perdidos num labirinto que construímos e jogamos fora o fio de Ariadne: o valor — escolha do caminho da luz e da lei. A capacidade de dizer não a nós mesmos.

Termino desejando a todos os que me honram lendo esta coluna um Feliz Natal e Próspero Ano Novo.

Roberto DaMatta é antropólogo

Falando pelos cotovelos - O Estado de S. Paulo / Editorial

Quem fala demais, diz a sabedoria popular, acaba dando bom dia a cavalo. Às vésperas de assumir o segundo mandato presidencial num contexto político e econômico, para dizer o mínimo, complicado, e acossada pelas denúncias sobre o maior escândalo de corrupção da história da República, Dilma Rousseff tem demonstrado que não aprendeu com seu criador a lição de que, quando a situação aperta, em público olha-se para o outro lado.

Tivesse seguido o exemplo de Lula, Dilma teria se poupado, na ânsia de mostrar que está empenhada num combate sem tréguas à corrupção, do ridículo de proclamar que doravante, antes de nomear um ministro de Estado, vai querer saber do Ministério Público (MP) se ele tem ficha limpa.

A investigação meticulosa da vida pregressa de pessoas indicadas para cargos públicos é prática corriqueira nas democracias mais avançadas. Nos Estados Unidos, o presidente da República nem pensa em nomear qualquer autoridade do alto escalão, sem antes passar os olhos pelo dossier preparado pelo Serviço Secreto. É um trabalho de cuja execução o alvo nem se dá conta, embora saiba muito bem que é feito. E quem não deve não teme.

Trata-se de um instrumento legítimo de salvaguarda da idoneidade do serviço público, quando utilizado dentro dos limites legais que garantem a preservação dos direitos individuais. Por isso mesmo, nenhum presidente norte-americano precisa sair por aí anunciando que só nomeia quem tem atestado de honestidade passado em cartório.

Dilma faz muito bem, é claro, de tomar precauções necessárias na hora em que está empenhada em finalizar a montagem de sua nova equipe de governo. Mas o anúncio, feito durante café da manhã com jornalistas na segunda-feira, além de revelar preocupante ignorância a respeito do funcionamento das instituições do Estado, só pode ser classificado como uma tentativa canhestra de exibir empenho em promover aquilo que não conseguiu ao longo dos quatro anos do primeiro mandato: blindar o primeiro escalão do governo contra a corrupção.

De resto, ninguém se ilude quanto ao fato de que é de eficácia muito relativa a "assessoria" do Ministério Público de que Dilma anuncia que vai se socorrer. Não porque os procuradores da República não sejam competentes. Mas porque até os ascensoristas do Palácio do Planalto sabem que, na hora de se consumar uma nomeação de ministro, o que prevalece é o interesse político das forças partidárias envolvidas na "transação". Do resto ninguém precisa ficar sabendo.

É importante observar ainda que a decisão de Dilma de contar com a assessoria do Ministério Público para avaliar a idoneidade de candidatos ao Ministério provoca controvérsia em relação à sua legalidade e constitucionalidade. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, que foi procurador da República, afirmou: "Ministério Público é órgão de contenção do poder político. Existe para controlar-lhe os desvios, investigá-lo. Não para assessorá-lo".

Na mesma linha de impropriedade e imprudência que marcou o anúncio do atestado de probidade para os candidatos a ministro, está a manifestação de Dilma, também naquela oportunidade, diante dos jornalistas, de confiança irrestrita no desempenho de Graça Foster no comando da Petrobrás. Sem precisar da ajuda do MP, Dilma contemplou a amiga com uma certidão de idoneidade e competência, proclamando-a intocável.

Com isso, aparentemente, resolveu um problema seu, adiando pelo menos para até depois da posse a necessidade de tomar em relação à Petrobrás uma atitude compatível com o tamanho da encrenca. E deixou o abacaxi no colo da amiga que, apesar da retórica de Dilma, vai passar as festas de fim de ano com a famosa espada de Dâmocles pendendo sobre a cabeça.

Enfim, o lulopetismo, que Dilma representa, é isso mesmo: fala muito mais do que faz, quando faz. E a compulsão de falar que a reeleita presidente tem revelado ultimamente pode ser indício de que ela não anda lá muito certa sobre o que precisa fazer. O ano novo o dirá.

Marco Aurélio Nogueira - “Podemos” cresce e ameaça revirar mapa político e partidário na Espanha

- O Estado de S. Paulo

“Não quero que a Catalunha se separe da Espanha, mas sei que a casta espanhola insultou os catalães”.

Com frases assim — pontuais e abrangentes, corrosivas, sem papas na língua e sobretudo sem os jargões da linguagem política corrente –, Pablo Iglesias impulsiona o novo partido político Podemos, que cresce e ameaça revolver o mapa político espanhol.

Iglesias sabe se mexer. Professor de Ciência Política na Universidade Complutense de Madrid, antigo militante da União das Juventudes Comunistas, recém eleito eurodeputado, ele e seu partido são uma estrela em ascensão, a ocupar rapidamente espaço no universo das esquerdas espanholas. Segundo as sondagens, já bateu na casa dos 20% das preferências eleitorais.

Diz-se na Espanha que Podemos segue de perto aquilo que se costuma chamar de “pós-marxismo”, ao menos quanto à elasticidade de suas postulações e de seus vínculos. Sua fraseologia parece aceitar que os conceitos serão tanto mais eficientes quanto mais forem “flutuantes” (ideia que vem do pós-marxista argentino Ernesto Laclau, falecido no início do ano), pois assim facilitarão a articulação política do mal-estar. Não há obreirismo em suas propostas, nem foices e martelos, nem retratos do Che ou ideologias professadas como verdades duras. A proposta é ser um partido que atua na transversalidade social, com um discurso fortemente centrado na crítica social e uma linguagem irreverente, empregada com esmero para criar polarizações de novo tipo e novas polarizações. Alguns analistas o vêem como uma espécie de “partido da raiva urbana”. Faz sentido.

Cola bem na Espanha atual, cansada de uma crise que se arrasta há sete anos e estagnada por um bipartidarismo imperfeito no qual diversos pequenos partidos regionais giram em torno de PSOE e PP, os dois principais, que, juntos, receberam cerca de 80% dos votos nas eleições de 2004. Os partidos, a começar dos maiores, monopolizam o sistema político, intermediando as relações entre Estado e sociedade. Em suma, têm um extraordinário peso na vida espanhola. Agradam e desagradam, e quando as coisas vão mal passam a ser vistos com desconfiança, incrementando a tendência atual de desvalorização dos partidos e dos políticos perante a cidadania. Situação que em boa medida impulsiona o surgimento de propostas novas, seja em termos programáticos seja sobretudo em termos de linguagem e organização.

Podemos é filho desta situação. Reflete um momento de crise política e de crise das esquerdas. Quer ser um refundador do modo de fazer política e do discurso político.

Pensa a Espanha como “um país de países, um país de nações”, um Estado multinacional e multicultural complexo ainda em busca de uma composição institucional estável e igualitária. Suas propostas prevêem a abertura de um processo constituinte no qual seja possível discutir tudo com todos. O foco principal é simples: libertar a política do dinheiro e das chantagens do mundo empresarial, romper a lógica política do capital. Mas sem ficar à margem, atirando dardos e pedras a partir de fora contra a política, com candidaturas românticas e inviáveis.

Podemos quer entrar na política e ser uma alternativa efetiva. Uma ponte entre democracia participativa e democracia representativa. Sem fazer concessões, o que significa não compactuar com a velha política, da qual pretende ser a crítica radical.

Mas também sem se colocar numa posição abstrata de “vanguarda”. Reverbera, neste aspecto, os slogans e as expectativas dos Indignados de 2012, movimento do qual derivou. Deste modo pretende contribuir para repor os cidadãos no centro mesmo da vida política.

Podemos é espanhol, mas também é europeu. Reflete claramente a situação do velho continente, seus descompassos e assimetrias, o desnível que separa Portugal, Espanha e Grécia dos países mais ao norte. Faz dupla com o Syriza grego, de Alexis Tsipras, que também cresce com força e com propostas semelhantes. Espelha a dificuldade que as esquerdas de todos os países estão apresentando de dialogar com as novas agendas e as novas aspirações populares. Deixa evidente que há um gap profundo inviabilizando os partidos tradicionais e a forma-partido que teve sua fortuna no século XX.

Propõe-se, por isso, a ter uma estrutura leve e reduzida, aberta à participação dos cidadãos e a formas de deliberação ampliada, por votação direta e consultas via internet. É contra, porém, o assembleismo, com seus tempos dilatados e suas manipulações. É mais um movimento e uma rede que um partido: um “partido-movimento”, algo a ser ainda experimentado.

O sucesso inicial de Podemos cria certamente expectativas quanto a seu próprio futuro. Ao se institucionalizar e acumular poder, qualquer organização perde o frescor da novidade e enfrenta o perigo da burocratização e do distanciamento em relação a seus apoiadores. Riscos, em suma, existirão. Mas não parecem assustar suas lideranças. “Cabe construir um espaço político com características novas”, afirma Iglesias. O sucesso obtido em 2014 “tem a ver com um nível de protagonismo dos ativistas incompatível com a forma de partido que conhecemos até agora. Quem pensa com noções velhas não entendeu o processo político que a Espanha está vivendo.”

A aposta de Podemos está feita. Repercute bem e pode de fato vencer, criando um vetor diferente na política tradicional. Longe de etiquetas, jargões e fórmulas conhecidas. Se for assim, terá lugar assegurado na construção democrática exigida pelas sociedades do século XXI. Vale a pena acompanhar.