terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Mercado vê inflação fora da meta

Inflação e juros em alta

• Pela primeira vez, analistas projetam que IPCA vai superar teto da meta de 6,5% em 2015

Gabriela Valente – O Globo

BRASÍLIA- Os economistas do mercado financeiro traçaram um cenário pior para o início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Pela primeira vez, espera-se que a inflação vai estourar o teto da meta em 2015 (de 6,5%) e não voltará para o centro (4,5%) nos dois anos seguintes. O reajuste de tarifas dos serviços públicos será significativo, e o dólar — que deve subir mais que o estimado anterior mente — vai pressionar ainda mais os índices de inflação. Os analistas estão prevendo que a inflação fique em 6,54%. Há uma semana era 6,5%. No horizonte avistado pelos analistas, o Banco Central não poderá aumentar tanto os juros para conter a inflação para não frear ainda mais economia, que deve ter crescimento quase zero neste ano e no ano que vem.

Mas os bancos já reajustaram várias taxas. A do cheque especial voltou a bater recorde: a maior dos últimos 15 anos, alcançando 191,6% ao ano. Nessa modalidade de crédito, o devedor paga quase o triplo do que pegou emprestado. E juro alto freia mais ainda a economia. Segundo a pesquisa Focus que o Banco Central faz mais de cem analistas das maiores instituições financeiras, o Brasil crescerá apenas 0,13% neste ano e 0,55% no ano que vem. E, na inflação, além de prever o estouro da meta, os analistas do mercado projetam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE que serve de referência para as metas de inflação, fique em 5,7% em 2016 e, no ano seguinte, deverá ser de 5,5%.

Previsão de dólar a r$ 2,75 em 2015
Um dos motivos da persistente inflação é a alta do dólar . A previsão para este ano é que a moeda americana chegue a R$ 2,65. Na semana passada, era de R$ 2,60. Para 2015, a aposta para a divisa saltou de R$ 2,72 para R$ 2,75. Há quem espere que a subida possa ser ainda maior . —O dólar já está subindo e não só no Brasil, mas lá fora também, por causa da previsão de crescimento dos Estados Unidos e da alta de juros por lá. A moeda americana pode chegar até nos R$ 3 — teme o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas. Além da alta do dólar, os economistas preveem reajustes maiores de tarifas públicas no ano que vem. A estimativa para os chamados preços administrados, segundo o levantamento do BC, passou de 7,48% para 7,60%. Para tentar conter os preços, o Brasil só voltará a crescer mais forte a partir de 2016. — Não vai ser em 2015 que vamos assistir a uma reviravolta em termos de crescimento.

Alta da inflação e crescimento baixo é o retrato de 2015. É o remédio que vamos ter de tomar — prevê o ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall. As previsões dos economistas podem ser ajustadas hoje. Pela manhã, o Banco Central divulgará o relatório de inflação e deverá revisar o seu cenário para o ano que vem já com as mudanças previs tas pela nova equipe econômica, que promete meta de superávit primário (economia do governo antes do pagamento de juros) de 1,2% para 2015, e 2% para 2016 e 2017. Uma guinada nesse sentido é a alta dos juros básicos para controlar a inflação, que começou imediatamente após a eleição. A expectativa do mercado é que o BC suba a taxa básica de juros (Selic) dos atuais 11,75% ao ano até 12, 5% ao ano até o fim de 2015. Isso deve frear o consumo para tentar conter a subida de preços no país. E essa alta dos ju ros já afeta as transações financeiras das famílias. Os juros cobrados das famílias quebraram novo recorde.

A taxa que deu o maior salto foi a do cheque especial: passou de 187,8% ao ano para nada menos que 191,6% ao ano no mês passado. A média do custo financeiro de empréstimos com recursos livres (os que as instituições financeiras têm liberdade para escolher como emprestar) subiu de 44% ao ano para 44,2% ao ano em novembro. É o maior já visto desde quando o BC passou a registrar os dados, em 2011. Em média, os bancos cobravam 103,7% ao ano em empréstimos de crédito pessoal como, por exemplo, o crédito direto ao consumidor . É a maior taxa já registrada desde 2011. Mesmo com um cenário adverso, o Banco Central manteve a previsão de crescimento do crédito no Brasil de 12% neste ano. E aposta no mesmo ritmo de expansão no ano que vem, mas com mudanças na concessão de empréstimos. Em 2014, por exemplo, os bancos públicos devem aumentar suas carteiras em 17%, mas no ano que vem esse número deve ser de apenas 14%.

São as instituições públicas as grandes responsáveis pelo aumento do crédito no Brasil desde a grande crise financeira de 2008 e 2009. Já os bancos privados nacionais devem ampliar os empréstimos em apenas 5% este ano. Essa projeção foi revisada para baixo pelo BC. Era de 6%. A autoridade monetária, entretanto, aposta num desempenho mais otimista em 2015: alta de 9%. Os bancos estrangeiros devem expandir o crédito em 7% neste ano. Antes, a previsão era aumentar a carteira em 9%. Em 2015, a projeção também é crescer 7%. Na avaliação do Banco Central, depois de um crescimento forte na concessão de financiamentos no Brasil, ele agora aumenta de forma mais sustentável. Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, o que chama a atenção é a manutenção de níveis baixos de in adimplência ao longo de 2014.

— Um aspecto que me parece relevante foi o comportamento da inadimplência. Uma alta era esperada e isso não se concretizou. Isso reflete uma série de fatores, entre eles, os impactos da educação financeira nos últimos anos. Entramos em 2014 olhando a inadimplência com cautela e ela continuou em patamares baixos — afirmou Maciel. Ao considerar créditos livres e direcionados (habitacional, rural e do BNDES), a inadimplência da pessoa física está em 1,7%. Já a de pessoas jurídicas ficou em 0,5% em novembro. Ao todo, o crédito deve representar 58% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e ser viços produzidos no Brasil em um ano). A expectativa do BC é que chegue a 61% do PIB no ano que vem.

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