segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Renato Janine Ribeiro - A estagnação dos políticos

• Por que falta sangue novo na política

- Valor Econômico

Uma pergunta: se nas empresas a renovação dos quadros seguisse o mesmo ritmo da política - devagar, quase parando - o que seria delas? E a mesma pergunta vale para as universidades, as artes, um pouco tudo. Da boca para fora, dois terços de brasileiros disseram a sucessivas pesquisas que queriam "mudanças". Na hora do vamos ver, deixaram quase tudo como estava. José Roberto de Toledo mostrou que, dos 27 governadores eleitos, apenas quatro representam algum tipo de renovação. Mesmo entre os deputados novos, boa parte é Filho ou Neto. Várias famílias mandam na política há gerações.

Num mundo que muda a uma velocidade surpreendente, em que a palavra "inovação" assume vários sentidos mas em todos eles constitui prioridade, das empresas à política e à vida pessoal, como entender que nossa vida eleitoral seja um forte baluarte contra o novo? Porque isso é um enorme problema para nós. A baixa renovação política - não só dos governantes, mas das lideranças e mesmo quadros - torna difícil o país se adaptar a ideias novas, a projetos diferentes, em suma, lidar com um mundo em transformação.

Olhemos as fotos. Os políticos são, na grande maioria, homens. Mesmo tendo uma mulher na chefia do Estado, como Dilma Rousseff, seus colaboradores são quase todos do sexo masculino. Vestem terno e gravata. Seu descompasso visual é enorme com o país que representam. Podem variar na qualidade e estética do corte, mas as cores que predominarão em seus costumes serão as escuras. Na galeria do poder, quem destoa são os artistas ou gente da cultura - ou deixando o terno de lado, como Gilberto Gil, ou usando-o mas com cores berrantes, alegres, no paletó ou na camisa.

Um século atrás, qualquer foto de homens da classe média para cima, num lugar público, os apresentaria de terno e chapéu. Podia haver um abismo entre representantes e representados, mas o código de vestimenta, excluídos os pobres, era parecido. Hoje, não é mais. Vejo isso nas universidades. Reitores e dirigentes usam terno. Professores, exceto na área de direito, não. Até parece que os que mandam na universidade se vestem para as instâncias de poder externas a ela, não para as instâncias de produção do saber que nela existem.

Já li a historinha que se segue narrada de várias formas. Um profissional de recursos humanos recebe um candidato, encaminhado pelo pai, que tem amizade com algum diretor. O rapaz se sente mal no terno que veste, está tenso, não cabe no lugar nem no emprego. Mas, a certa altura, o entrevistador tem um "insight" e pergunta ao jovem o que ele gosta mesmo de fazer. Os olhos brilham e o rapaz conta. Adora ouvir "heavy metal" enquanto lida com o computador. Em suma, ele é um gênio da informática ou do "design", e veste roupas confortáveis, às vezes desengonçadas, tem "piercings" e tatuagens. Foge completamente ao padrão de quem trabalha na empresa. Mas é um gênio - que o entrevistador contrata, para uma jornada ou local de trabalho que não é nada usual.

Essa historinha tem muitas versões, pode ser verdadeira ou não, mas deve ter acontecido mil vezes. Porém, sempre é contada como exceção, como surpresa. Está na hora de torná-la mais frequente. Está na hora de compreender que os costumes mudaram!

Imaginem isso na política. Os candidatos se curvam a um modelo que já está pronto. Quem quer isso? A grande maioria não quer. Nas eleições deste ano, só vi espírito jovem no PSOL - o partido supostamente radical de esquerda. Recomendo, no YouTube, o clipe "Política não é para os engravatados", da vereadora Fernanda Melchionna, de Porto Alegre. Ela discute o projeto de lei de um colega, regulamentando as vestimentas das vereadoras (!!), e ironiza a exigência de usarem gravatas.

O exemplo que dei pode não parecer feliz para os empresários, que na maioria vestem terno e gravata. Mas quis ilustrar o abismo que há na política, entre representantes e representados, não só em ideias e projetos políticos, mas principalmente no modo de ser. Nossos eleitos têm pouco a ver com o sangue novo que pulsa na sociedade. Durante muitos anos, a política recebia transfusão de sangue de figuras inesperadas, heroicas até, mas que ela vampirizava. Lembro Mário Juruna, o cacique xavante que ia ver os ministros da ditadura de gravador em punho, para depois denunciar promessas não cumpridas. Morreu pobre e esquecido, em 2002. De lá para cá, cada vez menos sangue novo chega à política. As manifestações pelo impeachment de Collor, em 1992, consagraram apenas o presidente da UNE, Lindbergh Farias, hoje senador pelo Rio. Este ano, só o PSOL parece que lançou a candidatura de participantes das manifestações de 2013. A maior parte não se elegeu.

A política é pouco atraente para quem sente latejar a criatividade. Isso me preocupa. Sei que a demanda por mudanças é muito vaga. Mas há um descontentamento difuso em nossa sociedade. Os políticos preferem dizer, contra tudo o que se conhece de protestos deste gênero desde 1968, que ninguém sabe a que se devem nossas manifestações (o que é mentira). As eleições ignoraram o mal-estar de 2013. Mas ele permanece inteiro. A modorra e a pasmaceira venceram a curto prazo, porém permanece a insatisfação. Mal surgem novos líderes na política. Um partido que raras vezes mencionei nesta coluna, o PSOL, é o único que discute esta questão. Ele pode ter mais futuro do que parece em nossas análises realistas, que triangulam a política entre PT, PSDB e o que ainda não sabemos se é Rede ou PSB. Porque é cada vez menos provável um jovem cheio de vida e de ideias ingressar na política como ela é. E nesta eleição pioramos. O descontentamento é o maior em trinta anos de democracia, os protagonistas os menos empolgantes.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

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