quarta-feira, 26 de março de 2014

Rosângela Bittar: Cenário fluido ou ninguém é de ninguém

Na hipótese de que estão combinados poucos acreditam

O que é o que é: tem agenda de candidato, discurso de candidato, staff de candidato, comitê de candidato, formulação de campanha mas diz que não é candidato? É Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente, porém, não pode, ainda, admitir ou se declarar candidato. Se a alternativa se apresentar, confirmando-se a situação de hoje, só o fará muito próximo às eleições, na última hora, como aqui já foi dito.

Alegam os da linha de frente da sua candidatura que, se tomasse agora o lugar de candidato do PT a presidente da República em 2014, a atual presidente, por ele constituída, avalizada e conduzida, teria seu governo encerrado precocemente. O que prejudicaria a sua própria candidatura.

Também não poderia dizer as razões pelas quais estaria assumindo o posto, pois precisaria das bandeiras de boa gestão para vender ao eleitorado a continuidade, a volta dos que não foram, o que não poderia fazer se atropelasse a presidente em momento de baixa performance administrativa.

Por isso, a cada evidência de que está em campanha em causa própria, sejam reuniões com empresários, sejam articulações de candidaturas e alianças com políticos, sejam palanques nos Estados, o ex-presidente apressa-se a desmentir e a produzir uma fotografia bem eloquente de proximidade e trabalho árduo a favor da presidente candidata à reeleição. Digamos que sua campanha é ambivalente, serve a qualquer candidatura do partido, principalmente à sua, embora não possa ainda dizer que é.

Argumentos mais recentes passaram a incluir a presidente Dilma Rousseff no complô. Ao contrário de estar preocupada com a possibilidade de ser atropelada pelos movimentos do ex-presidente e suas avaliações negativas sobre o governo, seria parte de um acordo de conhecimento tácito, segundo o qual haverá mais à frente a troca de candidatos. Principalmente se ela estiver mal, com a eleição caminhando ao segundo turno, com um governo em declínio. Difícil acreditar na explicação que já frequentou o cenário anteriormente, mas voltou.

Não foi por falta de aviso que a presidente amargou, em plena campanha eleitoral, o rebaixamento do grau de investimento atribuído ao Brasil, quando o antecessor havia conseguido elevá-lo. Não foi também por falta de alerta que deixou a situação da Petrobras chegar ao ponto em que se encontra. E, se houver racionamento de energia, não terá sido também por omissão de assessores que temem lhe transmitir dados da realidade. Eles realmente temem, mas transmitem. Para falar em apenas três problemas graves.

Exatamente por isso é difícil crer na especulação que Dilma e Lula estejam partilhando a ideia da troca. Realista é considerar que a urdidura não a inclui. Lula tem criticado as reações da presidente, especialmente as pautadas pelo voluntarismo.

Além disso, outra evidência a se constatar, o discurso eleitoral de Lula tem sido inacreditavelmente velho, só servindo a ele mesmo e não à candidatura dela, além de dar assunto à oposição. A principal escorregada, até o momento, foi suscitar no eleitorado o medo do novo, associando Eduardo Campos (PSB) com Fernando Collor (PTB). "A esperança vencerá o medo", repetiu Eduardo o slogan da primeira campanha presidencial de Lula. Efeito bumerangue.

O ex-presidente delineou, ao lançar a candidatura Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná, há duas semanas, o círculo de ideias por onde pretende trafegar: voltam os tema do "preconceito" contra ele, do "desrespeito" da imprensa, do "incômodo" provocado por sua gestão no governo federal, do "ódio" de alguns por verem "filha de empregada cursando a universidade federal". Déjà vu? É, mas há marqueteiros com a certeza de que ainda cola. Para ele, tudo a ver, mas não para ela.

O vice-presidente Michel Temer contesta, por intermédio de nota assinada pelo assessor Márcio de Freitas, análise aqui publicada, na quarta-feira, sob o título "Adeus às ilusões", que lhe atribui a condição de maior perdedor na refrega entre o Palácio do Planalto e a bancada do PMDB da Câmara. As ilusões a que se refere o texto são as decorrentes de uma unidade partidária propagada pelo vice, à época da formação da aliança PT-PMDB, agora claramente desfeita. Há divisões por todos os Estados e na histórica disputa entre as bancadas do Senado e da Câmara saiu-se em vantagem a do Senado, que não presta vassalagem ao vice, oriundo da Câmara. Dilma foi obrigada a negociar projetos de seu interesse relatados pelo líder pemedebista da bancada, eleito inimigo número um do governo. A presidente tentou fazer do vice o instrumento para vergar o PMDB, mas isso não significa que tenha perdido um centésimo de seus superpoderes. O vice sim. A avaliação daqueles fatos resgata outros momentos delicados vividos pelo vice no governo, nessa curta história de três anos.

A contestação, em alguns casos, é feita apenas com reprodução de títulos e reportagens que refletem pensamento oposto. Em outras questões, como a de viagens internacionais chefiadas pelo vice, assegura a mensagem que são importantes e não inexpressivas, como aqui definidas.

"Em visita à Itália, conseguiu superar o mal estar provocado pelo caso Cesare Battisti. Em viagens ao "Oriente Médio e paises afins, facilitou negócios e investimentos", afirma a mensagem.

A nota combate as reflexões sobre as dificuldades do vice, como presidente do PMDB, para atender as expectativas do governo de controlar o partido parceiro da aliança. Diz que esse não é esse seu papel. "Dobrar o partido é algo imperial e autoritário", que não combina com a trajetória de Temer, "afeito ao diálogo, à busca de soluções consensuais e acordos".

Diz a nota que o vice nunca "vendeu a fantasia da unidade partidária", mas construiu a "unidade possível". Destaca o êxito de Temer para a retomada de São Paulo, onde o partido quase foi exterminado. Por fim, diz que "a única regra imutável para o vice é que os princípios democráticos devem ser sempre respeitados, e não se briga com os fatos". O que essa carta e seus termos finais, que se seguem, desmentem: "Ao cientista político cabe analisar os fatos e entender que, por vezes, os gritos são altos porque não têm nenhuma substância além do alto volume".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

Fonte: Valor Econômico

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