sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Um filme melhor que a foto de dois governos:: Maria Cristina Fernandes

O Brasil melhorou de vida como poucos no mundo pelo último relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De 187 países listados, apenas 36 subiram no índice e o Brasil é um deles.

De Brasília vieram reações cristalinas dos dois governos que convivem na Esplanada. Primeiro foi a vez do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, relatar telefonema do ex-chefe. Segundo o ministro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha ficado "iradíssimo" com o índice. O ministro explicou que Lula estava sob tratamento quimioterápico mas não tinha deixado de acompanhar o noticiário e achava que o governo deveria reagir à "injustiça" do relatório.

Na mesma manhã, o presidente em exercício Michel Temer declarou que considerava "equivocado" o IDH.

Governo Dilma tem reação mais ponderada ao IDH

Por injustiça e equívoco, o ex-presidente e o atual vice entendiam o avanço de apenas uma posição do Brasil num índice que combina renda, educação e saúde.

O IDH divide os países em quatro classes. Desde 2002, o Brasil pertence à segunda classe de desenvolvimento. Na primeira, além dos europeus, tigres asiáticos e petroleiros do Golfo, há dois da América Latina, Chile e Argentina. Na terceira permanecem dois países dos Brics (Índia e China) - a Rússia está no mesmo vagão que o Brasil, ainda que 20 cadeiras à frente. Na quarta classe estão o Haiti e quase toda a África.

O Pnud recebe reclamações de todos os lados por conta do IDH. Para desarmar os espíritos, seu relatório anual reproduz a queixa original de um dos criadores do índice, Amartya Sen. O prêmio Nobel de Economia conta como seu ceticismo sobre um índice que pretendia captar situações tão complexas de desenvolvimento foi revertido pela constatação de que, apesar das falhas, o IDH é mais próximo da realidade que o PIB.

Criado há 20 anos, o índice já passou por várias mudanças e a cada ano incorpora mais países. Por esse motivo, seus organizadores advertem sobre os limites das análises evolutivas. Como a data dos censos nacionais não é mundialmente uniforme, o relatório também deixa claro que pode haver defasagem entre os dados.

Para contemplar as queixas, o IDH mudou a medição de dois pilares de seu tripé, renda e educação. No lugar do PIB entrou a renda bruta que, na avaliação de seus economistas, filtra melhor a riqueza que fica no país e relativiza o peso dos países exportadores de petróleo.

Na educação, como um grande número de países, entre os quais o Brasil, havia universalizado o ensino básico, passou-se a uma avaliação mais qualitativa que mede a escolaridade dos adultos e a expectativa de anos escolares das crianças.

O passivo educacional do Brasil com os seus adultos foi um dos motivos por que o país avançou menos do que se esperava.

A malhada saúde pública brasileira teve mais importância para o único degrau que o Brasil avançou do que a educação e a renda. A saúde respondeu por 40% da alta e os outros dois itens por 30% cada.

Neste ano, o IDH incorporou três indicadores complementares, o ambiental, de gênero e de desigualdade. Foi esse último que mais irritou as autoridades brasileiras. Quando considerada a desigualdade, o Brasil despenca 13 posições. Os Estados Unidos caem 19 e a Rússia sobe 10.

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, preferido de Lula para disputar a prefeitura de Campinas, endossou o tom de Gilberto Carvalho nas críticas e chegou a dizer que o Ipea estaria preparado para produzir um IDH alternativo, como se a credibilidade do índice não dependesse do respaldo de um organismo multilateral.

A zanga do lulismo com o IDH vem desde o ano passado. E tem forte componente político. Ao deixar o governo em 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi premiado pelo Pnud pelos avanços do Brasil na lista. O país não deixou de avançar desde então, mas não é preciso torcer por um lado ou pelo outro para se constatar que o avanço é mais rápido quando o patamar de desenvolvimento social é mais baixo.

A média anual de crescimento do Brasil no IDH na última década foi de 0,69%, o dobro do 1ºlugar, a Noruega, e mais de cinco vezes o crescimento dos Estados Unidos no período. Mas é uma velocidade mais baixa do que a alcançada pelo Brasil entre 1980 e 2000.

O economista Marcelo Neri fuça os dados do IDH desde sempre. E diz que seus indicadores, ainda que torturados, mostram um Brasil melhor a cada ano. O problema é que o país ainda precisa melhorar muito para ficar bem na foto. A pobreza caiu pela metade no governo Lula e a renda da metade mais pobre avançou 67% na última década, mas os 10% mais ricos ainda têm 43% da renda. Um filme, resume, melhor que a foto.

Mesmo na educação, Neri vê um escalada cinematográfica. Em 1990 havia 16% das crianças fora da escola. Em 2000 eram 4%. E agora menos de 2% das crianças não estão matriculadas.

Foi este filme que permitiu ao Brasil fazer grande alarde por ter batido a meta do milênio - estipulada pela mesma ONU que agora contesta - antes do prazo.

A reação mais ponderada do governo ao relatório veio da ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campelo.

No mesmo dia em que Gilberto Carvalho vinha a público para divulgar a contrariedade de Lula com a foto do Brasil no IDH, a ministra almoçou na Casa Civil com Gleisi Hoffmann, e os titulares da Educação e Saúde, Fernando Haddad e Alexandre Padilha.

Dali saiu a decisão de Tereza Campelo se pronunciar em nome da presidente Dilma Rousseff, que estava na reunião do G-20, em Cannes. Numa entrevista coletiva, a ministra passou o filme dos avanços brasileiros no IDH e disse que, para ficar melhor na foto, o governo reforçaria as ponderações metodológicas que já havia feito no ano passado.

Indagada se concordava com as declarações de Carvalho, foi clara sobre quem falava em nome da atual presidente. Disse que o governo ainda não havia se manifestado sobre o relatório até aquele momento e que talvez o ministro estivesse se referindo aos dados do ano passado.

Ao Valor, a ministra voltou a manifestar as objeções metodológicas, mas disse que o Pnud já concordou em trazer uma equipe ao Brasil para discuti-las. E evitou alimentar polêmicas sobre a disposição do Ipea em fazer um IDH paralelo: "Vamos avançar no diálogo com o Pnud".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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