sexta-feira, 1 de abril de 2011

O recado dos barracões de Jirau:: Maria Cristina Fernandes

A ideia de que falta ao Brasil um partido de direita tem-se reproduzido às custas das mais variadas evidências: disputas presidenciais sucessivamente polarizadas entre egressos de combatentes da ditadura, terceiros colocados igualmente egressos da esquerda e a escassez de votos no Congresso aos partidos mais assumidamente identificados com o ideário conservador. Some-se às urnas a retórica crescentemente temerosa de se contrapor ao Estado benfeitor, sinônimo que se tornou de esquerdismo - vide o recente autoposicionamento do novo presidente do DEM, partido cuja condição de coadjuvante nos embates majoritários tem sido acompanhada por uma debilitada presença parlamentar. Pois o senador Agripino Maia, aquele que um dia pôs em dúvida o caráter dos torturados, agora situa-se na centro-esquerda.

Precisa explodir um conflito como o de Jirau para calar o consenso ensurdecedor em torno de uma falsa hegemonia. Os dois últimos presidentes que o PT elegeu usaram os grandes empreendimentos do PAC no palanque do Brasil grande que prometeram construir. Defenderam os bancos estatais como a salvaguarda verde-amarela contra a crise mundial e os grandes conglomerados por eles financiados com juros subsidiados, como a ponta de lança do projeto nacional.

Faltou ao PAC de palanque a vigilância do PT

Parecem ter confiado tanto que o melhor do Brasil é o brasileiro que o acreditaram capaz de suportar a construção desse projeto sob a mesma lógica de recrutamento, alojamento, saúde e remuneração que marcaram os grandes empreendimentos do século passado, quando o BNDES ainda não tinha sido acrescido da última letra.

O debate em torno do projeto nacional concentrou-se na fatia do Estado que deveria fomentá-lo. A discussão sobre o impacto dos empreendimentos tangenciou as condições de trabalho nos canteiros de obra. Acabou galvanizada pelo ambientalismo ainda que os 20 milhões de votos obtidos por Marina Silva guardassem em relação a Jirau o mesmo alheamento que hoje marca a discussão pública sobre o futuro das usinas de Angra depois do desastre de Fukushima.

As bancadas ditas de esquerda no Congresso chancelaram sem maiores questionamentos todas as autorizações que levaram o Tesouro a multiplicar por 25, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, os aportes que fizeram do BNDES o maior banco de fomento do mundo.

As únicas concessões feitas pelo banco vieram antes de pressões organizadas por movimentos sociais do que pela política institucional. Em 2008, 60 anos depois da declaração universal dos direitos do homem, o banco oficializou a adoção de cláusulas com restrições a financiamentos de empresas que façam uso de trabalho escravo e infantil e segregação racial e de gênero.

Àquela época o banco já havia se transformado no grande promotor da indústria de etanol, cujo regime de trabalho ainda está, em muitos lugares do país, no século XIX. No centro-sul foi a mecanização e não a observância de cláusulas sociais que rompeu os grilhões. No Nordeste, os cortadores de cana migram para os canteiros de obras financiados pelo BNDES até porque muitos dos projetos crescem sobre as terras das usinas. É o caso de Suape, onde a eclosão de manifestações demonstra que a migração de atividade não importou em melhoria nas condições de trabalho.

Sempre se pode alegar que a observância da lei é obrigação das empresas a serem fiscalizadas pelo Ministério Público do Trabalho. Seria mais fácil para o banco tirar o corpo fora se seu orçamento não fosse composto pelo Fundo de Amparo (!?) ao Trabalhador e bolso do cidadão.

Em Jirau, por exemplo, 68% da obra são financiados pelo BNDES - um aporte total de R$ 7,2 bilhões, o maior da história do banco. A Camargo Corrêa, que lidera o consórcio responsável, tem na obra um dos carros-chefes de um lucro que, em 2009, chegou a R$ 1,7 bilhão.

O repórter Mauro Zanatta, do Valor, colheu a seguinte definição sobre as condições vigentes em Jirau: "Há uma instabilidade grande, um clima forte de descontentamento. É muita pressão e cobrança. O cronograma deles é apertado e eles atropelam. A empresa tem que repensar escalas, prazos e quantidade de gente. É o momento de refletir sobre a obra". A declaração não é de um dos truculentos que atearam fogo nos alojamentos nem dos dirigentes que se engalfinham pelo controle do sindicato local, mas do vice-presidente da Federação das Indústrias de Rondônia.

Nenhuma obra que amontoe 22 mil peões consegue seguir à risca 100% da legislação trabalhista. Mas os relatos dão conta de problemas que poderiam ter sido evitados - e não apenas pelo consórcio de empresas: desde o recrutamento de 75% dos trabalhadores de fora do Estado até os preços extorsivos nos barracões de comida e remédios.

Paulo Safady Simão, presidente da Câmara de Brasileira da Indústria da Construção Civil, que será o filiado número 1 do PSD em Minas Gerais, diz que as condições de trabalho são boas e que o problema são as disputas sindicais. Num momento em que se aproxima o dissídio, o acirramento das relações entre CUT e Força, que extrapola Jirau, pode ter contribuído ao desfecho. Mas a conclusão de que uma massa de trabalhadores é levada a se rebelar sem condições de vida que o justifiquem não revela apenas o partido que vem por aí mas a visão predominante do empresariado que sustenta e é sustentado pelo PAC.

Como gerente do programa no governo Lula, é improvável que a presidente Dilma Rousseff tenha se mantido alheia às condições contratuais que hoje geram tensão crescente entre os 80 mil trabalhadores dos seus canteiros de obras. Mas a Presidência da República ocupada por um sindicalista dedicado a cooptar os seus oferecia uma justificativa à omissão. O cenário de guerra que hoje se instalou entre as duas centrais apenas tornou as providências mais penosas.

O recado de Jirau é cristalino. Um Banco Central que não tire o país da rota do crescimento e um BNDES que equilibre a estrutura produtiva do país são mais do que bem vindos, mas não são tudo. É pelo caminho desse crescimento e pelos benefícios dele advindos que se saberá de que lado está este governo.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Um comentário:

Unknown disse...

O Gilberto (Carvalho) resolveu tudo. Doravante os trabalhadores serão contratados através o SINE e terão que apresentar no currículo carteirinha de filiação ao PT.