sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

“A partir da Constituição de 1988 o regime político brasileiro passou a viger nos moldes da democracia representativa. Manteve, contudo, a ambição de ampliar a participação cidadã e de produzir políticas públicas com forte preocupação social. Se é difícil caracterizá-lo nos moldes da tradição social-democratica, stricto sensu, tampouco seria justo deixar de dizer que o país caminha para consolidar formas de democracia substantiva. Nestas o conteúdo social das políticas públicas, respeitadas as regras da democracia representativo-constitucional, ultrapassa o que se chamava de democracia formal, ou de democracia restrita, que seria o apanágio das democracias ditas burguesas. Nas sociedades de massas, sobretudo quando se trata de massas pobres, o Estado, para manter legitimidade, deixa de ser apenas a arena onde os partidos se digladiam imbricados nas burocracias e passa a atuar no campo social e no campo econômico. O grau dessa atuação e a forma que ela toma é que caracterizam o regime. Por isso acentuei o caráter representativo-constitucional da vida política brasileira, que não contradiz uma ação social mais ativa.

Os limites entre estas diferentes situações podem ser tênues, dada a tradição, que ressaltamos, do corporativismo e do patrimonialismo. Entretanto, com o tempo, mantidas as regras do jogo, haverá uma distinção cada vez maior entre as democracias capazes de oferecer resultados concretos à população (democracy that delivers), as democracias formais tradicionais e os regimes baseados na discricionariedade dos Chefes de Estado ou do partido dominante, tenham eles ou não preocupações sociais mais fortes. “


(Fernando Henrique Cardoso, no livro ‘Xadrez internacional e social-democracia’, pág. 219 – Editora Paz e Terra, São Paulo, 2010)

O sonho acabou! :: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

O governo do Rio de Janeiro merece toda nossa solidariedade no combate aos bandos armados que, utilizando táticas terroristas, têm causado sérios transtornos a uma população cada vez mais assustada e desamparada. O mesmo governo que durante toda a campanha eleitoral usou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), como modelo de segurança pública, a ponto de a candidata eleita afirmar que usaria tal modelo em todo o país.

Uma ação claramente orquestrada de bandidos pôs em xeque esse modelo. Sua fragilidade não resistiu a uma evidência primária, os bandidos não evaporaram quando tiveram que deixar as áreas onde atuavam com a chegada das UPPs.

A violência que se alastra pelo Rio há vários anos não vai ser resolvida apenas com a instalação de tais unidades. É preciso muito mais.

Entram aí medidas concretas para dar uma alternativa de vida para os jovens envolvidos com o tráfico, o maior controle das fronteiras brasileiras para impedir a entrada de armas e drogas e um processo radical de "desinfecção" do sistema policial, completamente contaminado pela corrupção e envolvimento com o crime.

A violência endêmica de que tem sido vítima o Rio assumiu essa proporção por descontinuidade no combate sistemático do crime. Pelo simples fato de que não temos políticas de Estado para o combate ao crime organizado. Elas não são políticas públicas. São políticas de governo.

O que marca a gestão da segurança, assim, é a descontinuidade, com cada novo governador adotando uma determinada política de segurança. Em gestão pública, nada que não tenha continuidade tem eficácia.

Um outro problema que agrava a situação é a corrupção entranhada no seio das instituições policiais.

A realidade tem nos mostrado que no Rio prende-se tanto traficantes quanto policiais. Todos os dias assistimos notícias de crime onde tem bandido ou policial envolvido, o que enfraquece a importância e a autoridade policial.

Quando se vê carro de polícia no morro não sabe se ele está em incursão, excursão ou se está indo receber, pagar ou prender, como muito bem disse nosso deputado federal pelo Rio, Stepan Nercessian. Há tanto tempo existe essa relação promíscua que o bandido perdeu medo de polícia.

Há pouco mais de quarenta dias do término de seu mandato, o país começa a acordar do sonho edulcorado da propaganda e marketing político que moveu todo o governo Lula, e se defronta com a crueza do mundo real.

O que estamos vendo, a cada novo dia, é a realidade de um governo catastrófico, despido da fantasia da propaganda, que estende sua sombra de incompetência sobre todas as áreas.

Seja na balbúrdia do Enem, no crescimento do processo inflacionário, no espantoso incremento da dívida pública, na incapacidade gerencial de levar adiante seus próprios projetos, como revelado pela insignificante taxa de realização do PAC e seus mirabolantes projetos sociais.

A realidade enfrentada pelos cariocas é o preço que estamos pagando por um governo que, em vez de governar, passou oito anos em palanques, enquanto as agruras de nosso povo eram embaladas pelo papel luminoso da fantasia. O sonho acabou.

Roberto Freire é presidente do PPS

Capitão Nascimento :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Ontem foi dia de a realidade imitar a arte. Foi dia de torcer pelo Capitão Nascimento de Tropa de Elite, que todos nós vimos em ação, ao vivo e a cores, nas reportagens das emissoras de televisão. Que o personagem de Wagner Moura tenha se tornado o novo herói nacional é um sinal dos tempos, não necessariamente um bom sinal.

Ontem entraram em ação centenas de capitães Nascimento encarnados em cada um dos soldados do BOPE, que o personagem do filme de José Padilha se orgulha de ter transformado em "uma máquina de guerra".

E quando essa máquina de guerra conseguiu colocar em disparada várias dezenas de bandidos em fuga pela mata, em direção ao Morro do Alemão, houve comemoração do cidadão comum que assistia à TV Globo como se acompanhasse um filme de aventura em que os mocinhos eram os policiais.

Ou como se aquelas imagens em tempo real fizessem parte de um game em que o telespectador poderia interferir manejando os comandos.

Mas foi também dia de a população como um todo tomar consciência da gravidade da situação, que muitas vezes só é sentida na carne pelas comunidades mais carentes.

A ação de terrorismo distribuída por toda a cidade, que já vinha sendo revelada com os arrastões na Zona Sul nos últimos dias, evidenciou que essas facções criminosas continuam ativas e bem armadas, com capacidade de levar o pânico a qualquer ponto.

O ponto positivo foi ver a reação policial, que deu a sensação de ter sido bem coordenada e comandada com extrema cautela para não colocar em risco a população. E mesmo assim eficiente.

É claro que a realidade lá fora mostrava uma cidade apavorada, quase deserta, com as pessoas escondidas dentro de casa.

Nas localidades envolvidas diretamente na guerra, era possível ver vez por outra lençóis brancos sendo acenados em pedidos desesperados de paz, enquanto as ações de guerrilha continuavam na Vila Cruzeiro, que acabou sendo dominada pelas forças públicas.

Essa verdadeira operação de guerra que se desenvolveu durante todo o dia na região da Penha mostrou uma grande ofensiva policial feita por 150 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e 30 fuzileiros navais com rostos pintados, colocando várias dezenas de bandidos em fuga, permitindo que a polícia ocupasse o alto da Vila Cruzeiro, aonde não conseguiam chegar há anos.

E tudo mostrado ao vivo pelos helicópteros das televisões, que deixaram os telespectadores espantados com o poder de fogo dos bandidos, e a quantidade de pessoas envolvidas nessa guerra.

Foi um reality show em tempo real que, ao mesmo tempo em que colocou em cada um de nós um sentimento de horror com a constatação da dimensão do problema que a cidade enfrenta, deu-nos também a certeza de que é preciso apoiar a ação do governo, que não há mais volta nesse combate contra o tráfico de drogas.

O fato de que pela primeira vez no combate aos traficantes foram usados Urutus da Marinha de Guerra. É "histórico", como definiu o secretário de segurança José Mariano Beltrame, ao mesmo tempo em que todos ficamos espantados com a insinuação do secretário de que o Exército não parece disposto a colaborar.

A participação dos Urutus da Marinha e de Fuzileiros Navais na operação foi mais um elemento emocional positivo para a ação da polícia.

A cada barreira que um Urutu ultrapassava parecia uma vitória da sociedade sobre a bandidagem.

Mesmo que a Secretaria de Segurança não planejasse a ocupação da Vila Cruzeiro, ela se tornou inevitável depois que a TV Globo mostrou aquelas imagens, na quarta-feira, de bandidos chegando aos magotes de tudo quanto é lado, para se esconderem na favela que se transformou no bunker da direção da maior facção criminosa do Rio, que comanda as ações terroristas dos últimos dias.

A sensação dos especialistas é de que os policiais montaram uma operação dentro da lógica antiga de responder com uma ação direta no núcleo da bandidagem, para mostrar força, mas para entrar e sair da favela.

E a reação política da sociedade está mostrando que o avanço da polícia foi sentido de maneira tão positiva pela população que vale mais pelo lado intangível do sentimento de vitória do que propriamente pela ação em si.

As forças públicas não poderão sair tão cedo da Vila Cruzeiro, mesmo que não venha a ser instalada lá pelo momento uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), como chegou a ser anunciado.

Essas unidades pacificadoras estão se revelando um ativo político importantíssimo, com ampla aceitação pela população, mesmo que falte a essa política uma imprescindível ação de planejamento para combater as consequências da retirada dos bandidos dos territórios que dominavam.

Está se produzindo um fenômeno político que é a reação da sociedade de unidade em torno da ação do governo.

Se as forças públicas saírem da Vila Cruzeiro, ficará a sensação de que foram derrotados.

A reação dos bandidos de tocar o terror na cidade foi extremamente negativa para eles, por que conseguiram provocar uma grande unidade na sociedade, e não entenderam que em certas circunstâncias o Estado não pode recuar.

O sinal de que estão descontrolados foi o ataque até a uma ambulância, com doente dentro, que conseguiu sair antes que o veículo pegasse fogo.

Agora é guerra:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A situação por que passa a cidade do Rio de Janeiro, alvo de ataques terroristas do tráfico de drogas, já aconteceu outras vezes e aconteceu também em São Paulo há poucos anos.

Mas, desta vez, no Rio há algo de diferente no ambiente: nunca se viu tanta mobilização de recursos, tanta motivação por parte do aparelho de Estado, tanta confiança num desfecho positivo, tanta torcida no restante do País e tanto apoio da população e da imprensa ao trabalho da polícia.

Agora é a guerra instalada mesmo. Até então o que havia eram ações episódicas, com o Estado sendo derrotado permanentemente e, com isso, a crescente ameaça à segurança e à soberania nacionais.

O que mudou? Há o esgotamento geral com essa questão, mas há um dado novo: a maneira como as pessoas enxergam o poder público. Ou melhor, a forma como o poder público se mostrou à população nos últimos dois anos no que concerne ao trato da segurança pública na cidade brasileira onde o problema é mais agudo e mais difícil de ser enfrentado.

Pela primeira vez em 40 anos de um processo de ocupação gradativa de territórios pelo tráfico de drogas e de compadrio as autoridades e do sistema político, o governo do Estado resolveu agir com firmeza, começando pelo que estava ao seu alcance: a retomada paulatina desses territórios com o plano das Unidades de Polícia Pacificadora e o combate às milícias.

Para isso foi essencial a escolha de um profissional sério e que se fez respeitado junto à sociedade, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, e, claro, uma relação de cooperação e confiança entre os governos estadual e federal.

Isso resolve? Não, mas contribui sobremaneira o fato de não se ter um comando comprometido com o crime (o ex-chefe da Polícia Civil Álvaro Lins está preso); de governos estadual e federal não perderem tempo com aquelas brigas que a todos enoja; a união (na prática) das Polícias Civil e Militar. Junto a isso, a existência de política de segurança, de ações de inteligência e de estratégia para reação.

Contribui também a concentração de traficantes em regiões ainda não ocupadas pelas UPPs, justamente porque foram expulsos daquelas áreas que já somam duas dezenas nas zonas sul, norte e oeste do Rio.

As unidades não foram concebidas para eliminar o tráfico de drogas. A ideia foi estabelecer como prioridade libertar as pessoas residentes dos territórios controlados do domínio do tráfico. Hoje são 150 mil os moradores beneficiados, mas o plano até 2014 é instalar 40 UPPs para alcançar 500 mil pessoas.

"Meu objetivo é tirar a arma pesada da mão do bandido que escraviza comunidades. Enquanto houver doentes haverá drogas. O que não é admissível é um sujeito com arma na mão determinar aonde uma pessoa vai ou deixa de ir", disse ele em entrevista há seis meses.

Nessa conversa, Beltrame explicou que o Rio é o lugar mais complexo em termos de criminalidade. "Aqui a polícia trabalha contra o crime na rua, contra três facções criminosas e ainda trabalha contra as milícias. Nos outros Estados não há essa diversidade".

O plano dele é ir tirando as condições de o tráfico trabalhar por causa da perda dos territórios. Na época, falava em "uma segunda etapa" que seria o cerco aos marginais abrigados em outros locais não ocupados pela polícia.

"Ou vamos prendê-los, ou vão fugir ou podem perder a vida num confronto", dizia.

Sobre tentativas de contra-ataques assegurava ter homens suficientes para pôr os bandidos "para correr". E por "correr" aí entenda-se até o extremo. "A polícia não quer matar, mas o Estado precisa se colocar porque para o bandido não existe Constituição, vale a lei deles e é contra isso que o País precisa se posicionar, entendendo que o Estado tem o monopólio da força".

Como se resolve o problema? "Com o envolvimento efetivo da União, dos Estados e municípios, de todos. Sem discussões sobre episódios, mas com uma ideologia de segurança, de muito investimento em estrutura, tecnologia, treinamento e principalmente capacidade de decisão".

Quer dizer, algo se moveu no Rio, mas a solução está longe de ser alcançada.

Acabou a euforia sucessória e a crise mundial se impõe :: Carlos Lessa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os debates sucessórios não mencionaram sequer a crise mundial. Antes da posse da nova presidente, a crise mundial se impõe na mídia brasileira. A virulenta manifestação de crise mundial em 2008, a partir da implosão da bolha financeiro-imobiliária nos EUA se propagou urbi et orbi e está solidamente instalada.

Economia é história, no sentido de transformação. A dimensão monetário-financeira da crise mundial é fruto do padrão-dólar instalado em 1971, quando foi decidido, por aquela nação, o cancelamento da cláusula ouro. Um dólar, baseado em confiança, passou a valer... um dólar! Objeto de desejo universal pois, ao dominar as transações de comércio internacional, passou a ser o item principal das reservas externas de toda e qualquer moeda nacional. Isso é mais importante para a geopolítica americana do que a bomba atômica. Representa a hegemonia de uma nação que emite (e é solicitada a emitir) dívida disputada por todas as outras nações. O Produto Interno Bruto (PIB) americano é um quarto do mundial, porém sua dívida desejada é lastro mundial. As emissões sucessivas de títulos do Tesouro americano confirmaram a inexistência de um ativo monetário de risco.

Quando explodiu a bolha, em 2008, quebraram bancos e houve a desvalorização substancial do patrimônio das famílias americanas, endividadas com lastro hipotecário de suas residências e imóveis de negócios. Apesar do imenso socorro do Federal Reserve (o Fed, banco central americano), os bancos americanos sobreviventes têm nos seus ativos mais de US$ 1 trilhão em papéis duvidosos.

Isso produziu duas mudanças de comportamento: as famílias americanas querem poupar e restringir o consumo, e os bancos não querem emprestar às famílias e aos pequenos e médios negócios. Dada a prevalência do dólar no monumental movimento cambial internacional, os bancos americanos estão se deslocando para ganhos em operações cambiais. A conduta poupadora das famílias americanas é o fundamento de uma crise de demanda mundial. Na zona do euro, os baixos juros, inspirados na Alemanha, levaram os bancos europeus a facilitar o crédito em euros em todas as dimensões.

Porém, a dívida soberana denominada em euros das nações europeias enfrenta também dois problemas: o Banco Central Europeu (BCE) não é o Fed e não absorve esses papéis. Com a crise de demanda, as economias europeias foram afetadas e os elos nacionais mais fracos começam a quebrar (Grécia, Irlanda, Portugal e outros), o que reduz a confiabilidade nos bancos europeus. Toda a zona do euro está em crise.

A economia japonesa está soldada à chinesa (mais de 50% do comércio exterior japonês é com a China). A China está monetariamente soldada aos EUA - tem a maior parcela de títulos do Tesouro americano. As filiais americanas atuantes na China (mais de 3 mil) completam o elo do G-2.

Os US$ 600 bilhões do presidente Obama, bem intencionado em reativar a economia, irão alimentar um processo monetário internacional doente e cada vez mais consciente dos riscos dos ativos em dólar, porém sem saber o que colocar no lugar.

A crise de demanda mundial irá atingir o Brasil. Nós não fazemos o controle dos investimentos estrangeiros no Brasil. Foi nossa política atrair capital cigano com a oferta de juros elevados; acumulamos grandes reservas de dólares e não fizemos investimento público na escala necessária para elevar a pífia taxa de 18% de investimento em relação ao PIB. Estimulamos o rentismo empresarial e um endividamento familiar maciço.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem o mérito de repor em discussão a questão do investimento em infraestrutura como chave para a sustentação da economia. Porém é quantitativamente insuficiente e tem tido uma implantação administrativamente difícil e financeiramente curta. No momento, informa a imprensa, os restos a pagar superam em muito os investimentos do PAC em 2010. Somente 22% do autorizado a ser dispendido em projetos em 2010 foram gastos. Dos R$ 32 bilhões autorizados para o corrente ano, dos restos a pagar de 2009 (R$ 26 bilhões), foram pagos 11,6%. Entretanto, ainda faltam ser pagos cerca de R$ 14 bilhões de gastos do PAC em 2009.

É fácil compreender porque a presidente eleita já sinalizou a reinstalação da CPMF. Além do mais, é visível que a inflação tem crescido, apesar da política paralisante de juros altos: entre 1995 e 2008, a inflação no Brasil superou a média mundial.

O retorno dos grandes bancos sobre o patrimônio líquido está na faixa de 25% ao ano. Esse desempenho bancário não é pró-crescimento de emprego e renda, o que condena, a longo prazo, a política de endividamento familiar. Uma elevação robusta do salário mínimo real ajudaria a sobrevida da bolha brasileira, porém o atual governo vê com preocupação fiscal a elevação salarial implícita no debate sucessório.

O Brasil tem que adotar controles de entrada de capital estrangeiro especulativo. E tem que estimular o investimento privado por uma ampliação significativa do investimento em infraestrutura. É necessário colocar um freio em um endividamento familiar perigoso, que deveria ficar circunscrito à compra da casa própria e de matérias para a construção em mutirão.

A nova presidente tem que ter coragem de alterar a receita dos anos Lula. Façamos votos para que as emanações da crise mundial não tornem a vida da nova presidente e a dos brasileiros um inferno.


Carlos Francisco Theodoro Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.

Cerco ao inimigo :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Aos poucos, passo a passo, o Brasil vai quebrando mais um paradigma: a exclusão das Forças Armadas para garantir, de fato, a lei e a ordem públicas.

O Exército já participou de operações de guerra no Rio; a FAB já cedeu helicópteros para outras. E agora a Marinha fornece seus blindados para transportar policiais entre dezenas de carros incendiados.

A resistência ao uso das Forças Armadas contra a violência urbana tem uma sólida argumentação, mas essa argumentação vem perdendo força, oportunidade e conexão com a realidade à medida que se tornam turvas as fronteiras entre a guerra convencional e as novas guerras (tráfico de drogas e de armas, por exemplo).

Em tese, militares são preparados para combater inimigos externos. Na prática, o Brasil combina uma história de relações pacíficas com os vizinhos e uma crescente guerra interna, que vem sistematicamente derrotando a credibilidade e alquebrando o moral das polícias civis e militares nos Estados.

O reequilíbrio vem sendo feito com sucessivas mudanças na lei 97, de 26/6/1999, que estabelece situações, condições e limites para o uso das três Forças na garantia da lei e da ordem. Muda daqui, muda dali, e elas vêm entrando cada vez mais na defesa dos cidadãos contra as ameaças internas, reais, e não só contra as externas, hipotéticas.

O preparo das tropas no Haiti vem unir a prática à teoria. Sem guinadas bruscas, para dar tempo de a população não apenas se acostumar mas também concordar.

Diz o insuspeitado ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi: "No Estado democrático, não se pode ter contemplação com o crime, combate-se o crime".Poder-se-ia acrescentar: com as "armas" disponíveis, como Exército, Marinha e Aeronáutica, sempre que situações excepcionais exijam reações também excepcionais.

Alguém tem dúvida de que é o que ocorre no Rio hoje?

O risco dos tanques:: César Felício

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os tanques ingressando em cena ontem no Rio de Janeiro podem ser o símbolo de uma inflexão da crise de segurança na cidade. O sociólogo Claudio Beato, colaborador das administrações tucanas em Minas Gerais, e o juiz aposentado Walter Maierovitch, integrante do governo Fernando Henrique que tornou-se um crítico ácido das políticas de segurança tanto do PSDB quanto do PT, divergem em muitas coisas, mas convergem no essencial: se o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) resistir à tentação de fazer um pacto informal com o crime organizado, precisará também se acautelar contra a belicização do problema.

Uma guerra contra o crime organizado pode ser perdida, como está ocorrendo no México, onde o foco da ação é militar. Aliás, são abundantes os exemplos internacionais da pouca eficácia de tanques em conflitos urbanos. Ou pode ser razoavelmente bem sucedida, como se dá na Itália, onde se investiu em inteligência policial, legislação penal e a vigilância sobre as penitenciárias, . No caso do Rio, já se sai com a enorme desvantagem de não se ter o governo federal no centro das ações, o que coloca como primeira missão para o governador pressionar Brasília a participar de um problema impossível de ser tratado no âmbito estadual estrito.

A militarização do combate aos cartéis no México, com a presença de 50 mil soldados do exército agindo em lugar da polícia, está na matriz do banho de sangue promovido por narcotraficantes naquele País. No México atual, existem lugares em que jornalistas só saem para trabalhar em equipe como medida de auto-preservação e o governo Felipe Calderón convive com pessoas sendo chacinadas em cemitérios, ao enterrarem seus mortos, que não são poucos: segundo expôs a blogueira Judith Torrea em um congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo ( Abraji) em janeiro, havia em Ciudad Juarez, município de 1,3 milhão de habitantes, 10 mil casas comerciais abandonadas e 27 assassinatos diários, em média.

Felipe Calderón declarou sua guerra no primeiro dia em que assumiu seu governo, em 2006. A oposição, cética, apontou um empenho seletivo no combate aos cartéis: a ofensiva visaria a debilitar o cartel de Ciudad Juarez, ligado ao PRI, em detrimento do cartel de Sinaloa, que teria vinculações com o situacionista PAN. Mas fatos recentes enfraqueceram esta hipótese, como a morte do capo "Nacho" Coronel em combate com os militares e apreensões recordes de maconha do cartel supostamente protegido pelo governo.

Faltou ao México uma política de controle social nos territórios reconquistados ao crime, como se propõem fazer as UPPs. Mas a reação das facções criminosas à disposição do governo para o confronto levaram à perenização do conflito, um caminho que o Rio se arrisca a seguir, até porque o problema fluminense se divide em duas camadas: a do narcotráfico de base territorial, do Comando Vermelho e dos Amigos dos Amigos (ADA), com suas cúpulas instaladas dentro das cadeias, que está no centro dos acontecimentos dos últimos dias, e a das milícias que ajudaram a expulsar o primeiro grupo dos morros.

"As milícias por enquanto não estão sendo tocadas. Estes grupos possuem um enraizamento na polícia e na política muito maior que o das facções, que estão acuadas. Quando forem combatidas, levarão o nível de conflito a uma estrutura muito mais alta", comentou Beato, que coordena o CRISP, o núcleo de estudos de segurança pública da UFMG. Na opinião de Beato, comete-se no Rio um erro de estratégia simétrico ao do México. Naquele País, Calderón teria se equivocado ao querer atacar os cartéis e reformar o aparelho policial ao mesmo tempo. " Uma das mais célebres maneiras de não fazer nada é se propor a fazer tudo", comentou. No Rio, Cabral pecaria pelo extremo gradualismo: "UPP não substitui uma política de segurança. E neste sentido o governo do Rio não toma iniciativas. É apenas reativo. Há outras maneiras de agir além de botar tanques nos morros", disse.

Possivelmente um dos mais atuantes especialistas brasileiros em crime organizado internacional, o ex-secretário nacional Antidrogas Walter Maierovitch, lembra que um dos chefões sicilianos, Bernardo Provenzano, conseguiu ficar 43 foragido da Justiça sem jamais sair da Sicília. "Foi a prova mais cabal de como bandos de matriz mafiosa tinham o controle territorial e social das áreas em que atuavam", comentou. Tanto em Nápoles quanto no Rio, o crime se divide em uma miríade de facções que se articulam no momento em que são acuadas. Esta demarcação territorial, em sua opinião, aproxima o Rio do sul da Itália e o afasta do México.

Desde 1982, o País investiu na mudança de regras do sistema prisional e penal, e a desunião entre os grupos criminosos fomentou delações que culminaram na condenação de 360 mafiosos em 1987. Muitos magistrados e agentes do aparelho institucional do Estado, como Dalla Chiesa, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, foram fuzilados ou voaram pelos ares em atentados promovidos em represália pelas quadrilhas.

O resultado final, segundo Maierovitch, é que tornou-se inviável a comunicação entre as bases criminosas dentro e fora dos presídios, além da fonte financeira ter diminuído drasticamente. "Nos últimos dez anos, as divisões especializadas da Polícia e da Justiça desfalcaram o patrimônio da máfia em 3 bilhões de euros. No Brasil apreendem-se drogas e armas sem dinheiro e todo mundo acha normal", comentou Maierovitch.

Não deixa de ser curiosa a recorrente pregação do presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique Cardoso contra o "pensamento único" que estaria grassando no país em favor do lulismo. Na segunda-feira, em um seminário em Belo Horizonte, o único presidente duas vezes eleito com maioria absoluta dos votos, detentor, em seu primeiro mandato, da mais sólida estrutura política que um governante democrático já teve no país, chegou a afirmar que o Brasil vive um momento de "extrema monopolização do poder". O quadro assustador que Fernando Henrique descreve para seu partido e seus aliados assemelha-se às análises que transitavam na oposição a seu governo nos anos 90. Também ali, na esteira de derrotas eleitorais, enxergou-se um governo de maioria acachapante no Congresso, com mídia dócil ou de baixa repercussão, e movimentos sociais cooptados ou impotentes. O PSDB chegou a ser associado à Gestapo. Nos anos 80, foi a vez do PMDB ser comparado ao PRI mexicano após as eleições de 1986, marcadas pelo Plano Cruzado. Em todos os casos, a tese da hegemonia não sobreviveu à eleição seguinte.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte

Um caminho suave para a reforma :: Eduardo Graeff

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se eu pudesse tirar uma reforma política da cartola, trocaria o nosso sistema eleitoral proporcional por um sistema distrital majoritário, com um deputado por distrito. Se isso não for possível, minha segunda opção é manter o sistema proporcional, mas subdividindo os Estados em distritos eleitorais com quatro, cinco ou seis deputados cada um. Hoje o Estado inteiro é um distritão que elege um mínimo de oito e um máximo de 70 deputados.

Nos países que adotam o voto distrital, o eleitor pode não morrer de amores pela instituição do Parlamento. Assisti nos Estados Unidos a um filme de ficção científica, Independence Day. Quando um disco voador desintegrou o Capitólio, a plateia aplaudiu. Mas o eleitor americano em geral conhece e confia no deputado do seu distrito. A taxa de reeleição dos deputados lá é de 90% ou mais.

Uma plateia brasileira também gostaria de ver o prédio do Congresso Nacional virar fumaça. E o eleitor brasileiro, ao contrário do americano, dificilmente sentiria falta de algum deputado. A maioria nem sequer tem um deputado que possa chamar de seu. Em 2010, os 70 deputados federais eleitos por São Paulo somaram menos de 12 milhões de votos, de um total de 21 milhões de votos válidos e 30 milhões de eleitores. Pouco mais de um terço dos eleitores efetivamente elegeu um deputado. Os demais não votaram, anularam o voto ou votaram num candidato que não se elegeu. Como confiar em quem você não escolheu nem sabe quem é?

A recíproca é verdadeira: como um deputado pode representar bem as dezenas de milhares de eleitores desconhecidos, em grande parte espalhados pelo Estado? Não é por preguiça que os deputados voam de Brasília na quinta-feira à tarde e só reaparecem na terça-feira. Os outros quatro dias da semana eles passam correndo atrás desses eleitores evanescentes no seu Estado. Correria inútil, em larga medida. A taxa de reeleição dos deputados brasileiros gira em torno dos 50% - uma tremenda rotatividade que não se traduz em renovação nem melhora de qualidade da representação.

O sistema distrital também tem defeitos, mas tem esta grande virtude: dá uma âncora geográfica para a representação eleitoral e assim aproxima representantes e representados.

De quebra, ele resolveria outro grande problema: como nosso sistema proporcional é de "lista aberta", ou seja, é a votação individual que determina a ordem em que os candidatos ocuparão as vagas ganhas pelo partido, a eleição vira uma competição de vida ou morte entre candidatos do mesmo partido. Isso tende a encarecer cada vez mais as campanhas e a enfraquecer a fidelidade partidária, o que, por sua vez, obriga os governos a (re)negociar com deputado por deputado para terem maioria. E o eleitor, principalmente nos Estados maiores, fica como cego em tiroteio entre centenas de candidatos de uma dúzia de partidos.

Acontece que o sistema proporcional funciona continuamente no Brasil desde 1934. Bem ou mal, enraizou-se nas instituições e nos hábitos dos políticos e eleitores. Muitos deputados receiam, com ou sem razão, que trocá-lo por algo muito diferente dificulte ainda mais sua reeleição. Desconfio que poucos param realmente para pensar no assunto. Para complicar, o princípio do voto proporcional está na Constituição. Mudá-lo dependeria de uma emenda aprovada por três quintos dos deputados federais e senadores.

Uma mudança mais profunda do sistema eleitoral pode sair no tranco de uma crise política aguda, que não se deve esperar nem desejar. Sendo assim, é melhor pensar em alternativas de reforma que representem, como aquela velha cartilha de alfabetização, um "caminho suave", gradual e sem ruptura.

Minha segunda opção atende a esse requisito. Primeiro, porque contorna a barreira do quórum qualificado para aprovação de emenda constitucional. Subdividir os Estados em distritos com quatro a seis deputados, mantendo o princípio proporcional, pode ser feito por projeto de lei ordinária, aprovado por maioria simples.

Segundo, ela não afronta hábitos cristalizados dos políticos e eleitores. Nesta legislatura, o Senado aprovou e a Câmara quase referendou um projeto de voto proporcional em lista fechada, em que a colocação dos candidatos na lista seria predefinida pelo partido, e não pelo eleitor. Duvido que essa mudança fosse bem aceita pelos eleitores, acostumados a votar em pessoas, mais do que em partidos. Ainda haveria o risco de institucionalizar o "efeito Tiririca". Um, dois ou três puxadores de votos elegeriam a si mesmos e alguns ilustres desconhecidos estrategicamente colocados perto do topo da lista. Prato cheio para corrupção e/ou manipulação pelas direções partidárias. Não parece uma boa opção para aumentar a confiança nas instituições.

Menos impactante do que o voto distrital, a alternativa do voto proporcional em distritos com um número limitado de deputados faria diferença, ainda assim, para encurtar a distância e ancorar a confiança entre representantes e representados.

Para o eleitor, parece muito mais fácil conhecer os quatro, cinco ou seis deputados de seu distrito do que identificar algum entre os 70 deputados de São Paulo, 53 de Minas Gerais, 46 do Rio de Janeiro, e por aí vai.

Para o candidato, concorrer num distrito com outros três, quatro ou cinco do mesmo partido poderá não ser tão fácil, mas com certeza será muito mais barato do que se acotovelar com dezenas de candidatos atrás de voto por todo o Estado.

Claro que isso não é uma panaceia para todos os males da nossa política. Mas seria um primeiro passo importante no caminho da reforma. Passo que pode levar a outros, se não tropeçarmos na tentativa de fazer todas as mudanças de uma vez só.

Torço para que o começo da próxima legislatura dê mais uma chance a essa discussão.


Cientista político, foi Secretário-Geral da presidência da república (governo FHC)

O Brasil reinaugura o Novo Mundo :: Marcos Sá Correa

DEU EM O GLOBO

O Brasil estreou esta semana em Madri o modelo 2011 do Novo Mundo. Foi o primeiro país convidado a participar do Congresso Nacional de Meio Ambiente, uma bienal que, como seu nome está dizendo, desde sua primeira edição, lá vão quase 20 anos, foi um acontecimento estritamente "nacional". Ou seja, espanhol.

Chegar lá antes de todos os outros países latino-americanos, que falam a mesma língua dos anfitriões, não é pouca coisa. E a delegação brasileira fez o possível para valorizar seus trunfos, do Pré-Sal ao Pós-Lula. Ouviu mais de uma vez dos espanhóis que seus recursos naturais dão "inveja". Em troca, um porta-voz da delegação brasileira declarou, modestamente, que seu país não tem a pretensão de resolver todos os problemas do mundo.

O congresso é, antes de mais nada, um foro de "negócios ambientais", embora corra em seus auditórios o ambientalismo puro-sangue dos colégios de físicos e de monastérios budistas. Ali, só dá para vender autoconfiança com cautela. Ficou claro que a Amazônia terá que se render de uma vez por todas ao avanço das hidrelétricas, por exemplo. Mas as novas barragens serão construídas sobre plataformas fluviais, que prometem levar consigo os canteiros de obras quando a usina estiver pronta e deixar na retaguarda florestas recompostas.

Em suma, o Brasil conseguiu falar de crescimento numa Europa cada vez mais conformada com a ideia de que, queiram ou não, até os países ricos terão que aprender a viver com menos. E, se possível, viver melhor com menos. O Palácio Municipal de Congressos ficou, durante os quatro dias de debates, inundado de folhetos sobre o futuro possível com a desordem climática. Só na Espanha, 7.500 quilômetros de ferrovias já viraram Vias Verdes, exclusivas para andarilhos e ciclistas. Entraram também nos roteiros turísticos as Vias Pecuárias, que são 4,2 mil quilômetros de caminhos milenares, traçados por pastores entre vales e montanhas.

Parques e bosques se multiplicam ultimamente, partindo quase do centro de Madri até os confins mais ásperos da Espanha. Na capital, cinco depósitos de entulho ferroviário foram reflorestados e ajardinados. E, no país inteiro, 300 administrações locais aderiram formalmente a um vasto protocolo de adaptação ao clima. Com tantas prefeituras amarradas a metas estritas para o tratamento do lixo, o aproveitamento do metano como eletricidade, a devolução do esgoto ao estado de água potável ou o fomento de energias alternativas da eólica à geotérmica, o mercado não poderia ficar imune à mudança. Hoje, gravita ao redor dessa Rede Espanhola de Cidades para o Clima o comércio de soluções privadas para problemas públicos. Oferece desde casas que poupam eletricidade ou uma nova encarnação como "vidro ecológico" e cerâmicas finas a tubos de imagem de TVs e computadores obsoletos.

Foi nessa moldura de austeridade compulsória que o Brasil mostrou a fartura de seus recursos naturais. E nem era preciso percorrer os outros estandes. Bastava descer na estação de metrô mais próxima e reemergir a esmo em qualquer canto de Madri, para dar de cara com uma capital europeia que, em nome do aperto, parecia mais dourada neste outono. Porque plantou 15 milhões de árvores, encheu de flores suas alamedas, abriu na terra batida 286 quilômetros de passeios, tirou das ruas 385 mil carros particulares, embarcou mais 2,5 milhões madrilenhos por dia nos transportes públicos eletrificados e passou a tratar sua paisagem como um direito inalienável de todo cidadão.

Basta uma volta por Madri para sentir que no Brasil está faltando alguma coisa. Ou seja, a suspeita de que certas coisas um dia podem faltar. E é melhor que não façam falta.

Marcos Sá Correa é jornalista.

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PPS: Reunião discute reestruturação do partido, diz Freire

DEU NO PORTAL DO PPS

Roberto Freire conduzirá encontro do PPS nesta sexta e sábado em Brasília

Por: Valéria de Oliveira

"Uma reunião de reestruturação orgânica do partido, mas que nada tem a ver com nova formação partidária, porque não há nada de concreto sobre o assunto". Assim o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, resumiu o objetivo da reunião do Diretório Nacional que ocorrerá nesta sexta-feira, à tarde, e no sábado pela manhã.

"O partido está se preparando para fazer uma oposição democrática e de esquerda ao governo, apresentando propostas do nosso programa", disse Freire, que foi eleito deputado federal por São Paulo. Segundo ele, o PPS está querendo uma mudança interna, para poder trabalhar mais com seus organismos, principalmente a Fundação Astrojildo Pereira.

"Não tem nada; não será tema da reunião", respondeu Freire sobre as notícias publicadas nos jornais desta quinta-feira especulando sobre discussões a respeito de fusão e criação de novo partido. "Isso não está na pauta, não é nada objetivo nem concreto e não vai ser discutido", concluiu.

Hora e local da reunião

O PPS reúne seu Diretório Nacional nos dias 26 e 27 de novembro, em Brasília, para debater o resultado das eleições de 2010, a formação do novo governo e o papel do partido nesse processo. O encontro, no San Marco Hotel, começa às 14 horas de sexta-feira e vai até às 13 horas de sábado.

Ex-ministro correu para limpar ficha

DEU NO ZERO HORA (RS)

Desde que deixou o Ministério da Fazenda, Antonio Palocci iniciou uma corrida para limpar sua ficha na Justiça.

Nesta semana, viu o último processo que respondia no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por improbidade administrativa, ser rejeitado em julgamento que não durou um minuto sequer. No Supremo Tribunal Federal (STF), os 21 processos que o envolviam foram arquivados. No mais difícil deles, Palocci conseguiu se livrar da suspeita de ter violado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa e da acusação de ter vazado as informações para a imprensa, escândalo que o tirou da Fazenda.

De acordo com um ministro do STF, esse foi o único caso em que Lula atuou diretamente. Numa conversa privada, ele teria tratado abertamente da rejeição da acusação contra Palocci. A intervenção do presidente funcionou. Somente o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso tornou-se réu no processo.

Franklin critica Ministério das Comunicações

DEU EM O GLOBO

Chefe da Secom afirma que pasta precisa ser "refundada" para voltar a formular políticas para o setor

Leila Suwwan

SÃO PAULO. Em seminário promovido pela TV Cultura, o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Franklin Martins, afirmou que o Ministério das Comunicações precisa passar por uma grande reformulação, para voltar a formular políticas para o setor:

- O Ministério das Comunicações precisa ser refundado neste país, para voltar a ser o formulador das políticas de comunicação - disse Franklin.

Ele firmou não ter planos de integrar a equipe da presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), a partir de 2011, mas disse que deixará um anteprojeto para a sucessora de Lula.

Em seguida, durante entrevista, afirmou que também deixará para Dilma um projeto de lei para o marco legal da internet.

- Estamos trabalhando para deixar para a ministra Dilma um anteprojeto em cima do qual ela possa trabalhar, ela é livre para mandar ou não ao Congresso. Como é complexo, não sei se conseguiremos terminar, mas deixaremos um ponto de partida muito consistente, inclusive se baseando em material feito na gestão Fernando Henrique, como o projeto feito pelo Sérgio Motta. O mundo mudou muito, mas ele é uma das fontes.

O ministro voltou ao tema da regulação da mídia e disse que os debates sobre o tema - com destaque para a desconcentração econômica do setor, obrigações mínimas de conteúdo e normas para o direito de resposta - vão ocorrer com ou sem a participação dos principais veículos de comunicação do país.

Segundo ele, o governo não quer controlar ou limitar a liberdade de imprensa. Segundo Franklin, essa discussão interessa aos empresários da radiodifusão porque um novo marco regulatório pode salvar o segmento da iminente ameaça das gigantes de telecomunicações:

- Em vez de ter o olhar receoso e travadão de que liberdade está ameaçada, vamos olhar para frente e ver que podemos ter mais liberdade, mais informações, produtos culturais. O governo tenta chamar todos os atores - disse Franklin, no seminário "Liberdade de imprensa".

O ministro da Secom negou que o governo queira fazer imposições. E leu um trecho de um discurso que fez no início deste mês, durante seminário internacional de convergência de mídia, para, segundo disse, desfazer mal entendidos:

- Vamos nos desarmar. Nenhum setor tem o poder de interditar a discussão. Está na agenda. Será feita, ou num clima de entendimento ou de enfrentamento. Ela vai acontecer de qualquer jeito - afirmou, negando que esse declaração contivesse uma ameaça.

Após a palestra, o ministro foi embora e não viu suas posições serem contestadas pelo sociólogo Demétrio Magnoli e pelo editor-executivo da "Folha de S.Paulo", Sérgio Dávila. Para Magnoli, o governo usa o argumento da promoção da concorrência para promover uma agenda partidária, confundido papéis de governo e Estado.

Para o ministro da Secom, a "percepção" de ameaça à imprensa é um "fantasma" que estaria sendo usado por veículos de comunicação para evitar a discussão pública com a sociedade sobre a regulação.

- Ninguém vai construir a pactuação sem sentar para discutir. Tenho feito esforço para dizer que chegou a hora do entendimento, da conversa, não pode ser cada um para seu lado - afirmou.

'Papel da imprensa é criticar o governo' afirma sociólogo

DEU EM O GLOBO

Leila Suwwan

Magnoli contesta argumentos de ministro da Secom

SÃO PAULO. O sociólogo Demétrio Magnoli criticou, no seminário sobre liberdade de imprensa, os argumentos usados pelo governo para defender a discussão sobre regulação da mídia. Para ele, interesses políticos do governo contaminam o que deveria ser uma discussão de Estado. Ele lembrou, por exemplo, que o próprio presidente Lula disse que a imprensa atua como partido.

- O governo tem obrigação de garantir a concorrência em setores da economia. Mas, quando se trata de informação e jornalismo, o governo é lado. O papel da imprensa é criticar o governo, este, o anterior e o próximo. Não é missão do governo assegurar a liberdade de imprensa, porque ele é parte interessada. Isso é papel do Estado. E a distinção entre governo e Estado desaparece com frases como "é função do governo promover a liberdade de imprensa", ou no discurso que diz que a imprensa é uma partido politico. Isso é posição de um governo que tem dificuldade de distinguir entre governo e Estado ou entre corrente política do e poder público - disse Magnoli.

Dávila: Constituição assegura direito de resposta

Sérgio Dávila, da "Folha de S.Paulo", disse que os veículos de imprensa são abertos a críticas e contestações, com diversos canais institucionais, diferentemente de outros setores da economia, em que os consumidores têm mais dificuldades. Para ele, o debate sobre o marco regulatório surgiu após o "controle social" da imprensa ter caído em desgraça. E citou as previsões constitucionais que garantem a liberdade de imprensa e asseguram o direito de resposta e indenização:

- Qualquer coisa que avance isso, configura censura e fere a Constituição.

Já o jornalista Ricardo Kotscho, ex-secretário de Comunicação Social do governo Lula, concordou com Franklin:

- Os donos da mídia se recusam a discutir qualquer regulação. Não aceitam nem a autorregulamentação, qualquer regra ou limite. A imprensa tem a mais absoluta liberdade de expressão e as vezes abusa dela. A liberdade de imprensa não corre risco no Brasil. A sociedade brasileira, sim, corre sérios riscos de não ser informada corretamente, quando seus veículos atuam como partidos políticos - disse o jornalista.

FH: política fiscal do governo Lula 'está frouxa'

DEU EM O GLOBO

Ex-presidente diz que Dilma terá que fazer ajuste nas contas: "Basta ver se ela terá capacidade"

FH: "O Brasil tem que olhar para questões que não sejam ufanistas"

Wagner Gomes

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem em São Paulo que a política fiscal "está frouxa" e que é preciso tomar medidas para reduzir os gastos públicos promovidos pelo governo federal. Ele responsabilizou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter elevado gastos correntes, aumentando o número de cargos públicos, e deixado de lado os investimentos. Disse que cabe agora à presidente eleita Dilma Rousseff promover um ajuste forte nas contas do governo.

- Dilma é teimosa e racional. Vamos ver o que vai prevalecer. Basta ver se ela terá capacidade de arbitragem (na necessidade de adoção de uma política de austeridade) - disse o ex-presidente, em um seminário para discutir o setor de cartões de crédito, o CardMonitor de Inteligência de Mercado.

Apesar disso, Fernando Henrique evitou dizer que a política fiscal "é uma herança maldita" deixada por Lula.

- Não se pode dizer que é uma herança maldita. Usaram essa expressão para me criticar, mas não tem herança maldita. O país está crescendo. Desde o governo Itamar e do meu temos feito avanços. Nós estamos avançando, isso é briga política. Quando a gente olha um pouco mais de longe, com objetividade, não tem herança maldita, tem problema, dificuldades e situações - afirmou.

Para ele, um dos grandes desafios da presidente eleita será lidar com o Congresso, já que ela terá menos apoio popular que Lula. Segundo ele, isso não significa que Dilma seja vulnerável, mas ele lembrou que o partido do presidente nunca é majoritário e tem que fazer um sistema de alianças que tem um custo. Fernando Henrique disse que isso não significa julgar de antemão, mas afirmou que Dilma terá um trabalho grande quando os partidos começarem com as suas exigências.

O ex-presidente citou como exemplo a formação do bloco com legendas da base aliada liderado pelo PMDB. Ao comparar os governos de Lula e Dilma, disse que as condições são menos favoráveis para a presidente eleita e que ela terá que desenvolver mais habilidade para equilibrar as forças. Segundo Fernando Henrique, o país deve passar por um aperto monetário, não por causa da posse da nova equipe econômica, mas porque os "ventos mudaram":

- Há sinais de retomada da inflação. Até pouco tempo, o vento foi favorável a nós, mas nós temos déficits internos e externos. Então, a nova equipe vai ter que rebolar um pouco mais.

Ele, no entanto, não acredita que a inflação vá sofrer uma aceleração, pois "o país já aprendeu que não se pode brincar com essas coisas". Segundo ele, é preciso ter também atenção com o câmbio e não atuar de maneira arbitrária na questão dos juros. Ele não vê risco no tripé macroeconômico de responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação, mas afirmou que o Brasil não pode ficar no "oba-oba" do crescimento e esquecer que "ainda está tropeçando em muitas coisas":

- O Brasil tem que olhar para questões que não sejam simplesmente ufanistas, de oba-oba, de que estamos crescendo.

O ex-presidente afirmou que o Brasil tem que pensar de maneira estratégica, mas não pode se ocupar apenas em projetos de impacto como o trem-bala, que ligará São Paulo ao Rio. Para ele, o país precisa crescer de forma harmônica, pensando na educação e na segurança pública, e deixar de fazer "micagem" com grandes coisas. Ele não comentou a troca de acusações entre o PSDB de São Paulo e de Minas Gerais e disse que é errado pensar num partido dividido entre paulistas e mineiros.

- Tem de ser o PSDB do Brasil. Da minha parte, o candidato pode ser mineiro, cearense, carioca, paulista. Essa não é a questão - afirmou, acrescentando que é muito cedo para falar sobre as próximas eleições.

FHC critica disputas regionais no PSDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente reage ao "tiroteio" entre líderes tucanos de São Paulo e de Minas

Roldão Arruda, Christiane Samarco / BRASÍLIA

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou ontem as disputas entre setores regionais do PSDB pelo comando do partido e a antecipação do debate sobre as próximas eleições presidenciais. "Não se pode raciocinar em termos do PSDB de São Paulo ou de Minas", afirmou.
"Tem que ser o PSDB do Brasil."

Para Fernando Henrique, antes de pensar em nomes para a futura eleição, o tucanato deveria definir o que pretende dizer. Referindo-se a um possível candidato mineiro ou paulista, afirmou: "Da minha parte pode ser mineiro, cearense, carioca, paulista. Essa não é a questão. O que é preciso fazer em primeiro lugar é definir a conversa com o País, saber o que o País quer."

Para ele, o partido também deve mudar. "Tem que se abrir mais, usar mais a internet. Tem muita gente jovem que nem entende o que estamos falando, assim como muitos de nós não entendem o que jovens falam."

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), também criticou o bate-boca entre tucanos de São Paulo e de Minas Gerais. "Tratar de candidatura presidencial agora é uma ação que agride o bom senso e beira o ridículo", disse Guerra.

A tensão entre paulistas e tucanos atingiu seu ponto máximo esta semana, quando o presidente do PSDB de Minas, deputado Nárcio Rodrigues, cobrou dos paulistas o respeito à "fila de presidenciáveis" da legenda. De acordo com essa fila, o senador eleito Aécio Neves ocuparia hoje o primeiro lugar.

Guerra advertiu que, em vez de fazer ataques, os tucanos devem se esforçar para que não apenas os líderes, mas também os eleitores dos dois Estados onde se concentra a principal base política do PSDB, caminhem em torno de um projeto nacional.

Em tom mais ameno, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) também admitiu que é cedo para a sucessão e lembrou que paulistas e mineiros precisam uns dos outros para chegar ao Planalto. Não deixou de mencionar, porém, que, desde a criação do PSDB, em 1988, só foram lançados candidatos paulistas nas eleições presidenciais.

"Vão ter que nos engolir", declarou Nárcio Rodrigues ao Estado ontem, em resposta à entrevista do presidente do PSDB da capital paulistana, José Henrique Reis Lobo, ao portal estadão.com.br no fim de semana. Na fala de Lobo, Aécio foi citado apenas como um nome em meio ao "conjunto de novas lideranças que emergiu das urnas". Nárcio afirmou que não reconhecia autoridade em Lobo para discutir o projeto nacional.

Para Guerra, o ataque teria sido exagerado. "O companheiro Lobo é pessoa conhecida no partido, preside o diretório municipal de são Paulo e tem todo o direito de emitir seus pontos de vista", afirmou.

Antes de Guerra se manifestar, o próprio Lobo redigiu uma nota em resposta a Rodrigues. Disse que em sua entrevista não há uma palavra que possa ser tomada como "desconsideração" pelo nome de Aécio em 2014. Mas também deixou claro que não trabalha com o conceito de fila de presidenciáveis.

Mantega quer tirar alimentos do cálculo da inflação

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para tentar reduzir a taxa de juros no governo Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quer esvaziar o índice de inflação excluindo do cálculo todos os alimentos e os combustíveis.
Economistas questionam novo índice de inflação

Fernando Dantas / RIO, Naiana Oscar / SÃO PAULO

A ideia do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de criar um novo índice de inflação que exclua alimentos e combustíveis foi recebida com cautela por economistas e pelo mercado financeiro. A discussão é bem vinda, mas o momento é considerado delicado, já que a inflação está subindo, e qualquer mudança pode gerar desconfiança na população.

Para o professor do Insper, Ricardo Brito, a substituição de índices sugerida por Mantega tornaria o sistema menos transparente, além de gerar desconfiança na população. "Não sou simpático à ideia. Embora alguns países adotem essa medida, o bom de usar o índice de preços ao consumidor é que ele é de entendimento mais fácil, reflete mais a inflação que o consumidor está sentindo", explicou.

Para Brito, "quando se vai para um índice que não reflete o custo de vida do consumidor, temos uma perda de credibilidade". Ele critica também o momento escolhido pelo ministro para anunciar que considerava fazer a mudança: "Ele propõe tirar do índice justamente o que está subindo de preço agora. Isso não soa bem, é quase uma quebra de contrato com a sociedade".

José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio, observou que "não é preciso fazer nenhum estudo para criar um índice que retire os combustíveis e a alimentação, porque isso é algo que todo mundo calcula". Segundo Camargo, diversas instituições financeiras produzem o núcleo inflacionário com a exclusão daquele itens, a partir do IPCA, o índice oficial do sistema de metas.

Taxa cheia. Ele nota que o Banco Central Europeu (BCE)prefere operar com um índice de inflação "cheio" - isto é, sem exclusões -, enquanto que o Fed opta por um núcleo do qual são excluídos os alimentos e combustíveis."O núcleo de fato é menos volátil e é a parte mais afetada pela política monetária, mas não é simples convencer o público de que essa é a melhor medida da inflação para ser acompanhada no longo prazo", disse Camargo.

Ele acrescentou que "é ruim que o ministro fale isso agora, não pela discussão em si, mas porque aumenta a quantidade de ruído, que já está muito alta nesta transição".

Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Sekular Investimentos e ex-diretor do Banco Central (BC), acha que "o Brasil é recordista em número de índices para medir a inflação, e não sei se precisamos de outro". Ele considera que um núcleo por exclusão de alimentos e combustíveis é "uma boa discussão, mas nada para daqui a um ou dois anos; talvez uma evolução do sistema lá na frente".

Figueiredo acrescentou que não vê a "a menor possibilidade de que haja qualquer manipulação da inflação com as pessoas que estão lá no BC". Para ele, Alexandre Tombini, o novo presidente indicado por Dilma Rousseff, "é um supertécnico que entende muito do sistema, e montou o primeiro modelo do sistema de metas de inflação".

Divergência

RICARDO BRITO
PROFESSOR DO INSPER

"Não sou simpático à ideia. Embora alguns países adotem essa medida, o bom de usar o índice de preços ao consumidor é que ele tem um entendimento mais fácil, reflete mais a inflação que o consumidor está sentindo."

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS

"Não é preciso fazer nenhum estudo para criar um índice que retire os combustíveis e a alimentação, porque isso é algo que todo mundo calcula."

"O núcleo de fato é menos volátil e é a parte mais afetada pela política monetária, mas não é simples convencer o público de que essa é a melhor medida da inflação para ser acompanhada no longo prazo."

O dia D da guerra ao tráfico

DEU EM O GLOBO
Com inédito apoio da Marinha, tropas do Bope desembarcam na Penha e ocupam bunker do tráfico

Traficantes fogem em massa para o Alemão, mas mantêm ataques incendiários à cidade

População aplaude polícia e acompanha operação pela TV em clima de "Tropa de Elite 3"
Seis blindados do Corpo de Fuzileiros Navais, da Marinha, transportando militares e policiais do Bope, fizeram a diferença ontem em operação policial histórica que retomou o principal bunker do tráfico, na Vila Cruzeiro, na Penha. O comboio foi aplaudido pelas pessoas nas ruas. Numa semelhança simbólica com o desembarque das tropas aliadas na Normandia - que abriu as portas para a derrota da Alemanha nazista -, a ação no Rio foi o Dia D do combate ao tráfico que, desde domingo, realiza ataques em várias áreas da Região Metropolitana. Só ontem foram mais 41 veículos incendiados, alguns já na Zona Sul. Apesar de os blindados da Marinha terem metralhadora de calibre 50, o armamento - que pode derrubar um helicóptero - não foi usado. Houve intenso tiroteio entre as forças de segurança (cerca de 600 policiais civis, militares e fuzileiros) e traficantes.

Quando perceberam que era impossível deter os blindados da Marinha - que têm esteiras em vez dos pneus dos capeirões -, os bandidos recuaram e fugiram em direto ao vizinho Complexo do Alemão, sem que fossem detidos pela polícia. As imagens da fuga de cerca de 200 bandidos armadas de fuzis, transmitidas do helicóptero da TV Globo e exibidas ao vivo, por volta das 15h, causaram perplexidade e foram assistidas em clima de uma ainda inexistente versão de ""Tropa de elite 3".

O episódio repercutiu no mundo inteiro. A noite, a Polícia Federal entrou na guerra, participando do cerco as imediações do Complexo do Alemão. O secretário de Segurança, Jose Mariano Beltrame, disse que caiu o porto seguro do tráfico, agradeceu a Marinha, mas criticou o Exercito, que não colaborou com a operação.

Luiz Eduardo Soares: A crise no Rio e o pastiche midiático

Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética –supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu--, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto –ou sob tanta pressão-- quanto os jornalistas.Digo isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:

(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.

(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido –em uma palavra, banido--, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?

(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são: (a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência? (b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas? (c) Por que o governo não chama o Exército? (d) A imagem internacional do Rio foi maculada? (e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?

Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei “as aspas” que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, “especialistas”, lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas –nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.

Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir. Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:

(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?

Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia. Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?

Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamente, a postura que tem impedido avanços consistentes na segurança pública. Se a sociedade, a mídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.

A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.

A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.

(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?

Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos “arregos” celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.

Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la –isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia-- teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.

Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.

Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.

(c) O Exército deveria participar?

Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.

E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.

(d) A imagem internacional do Rio foi maculada?

Claro. Mais uma vez.

(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?

Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o “espírito cooperativo”, ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.Palavras Finais

Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa “Mutirões pela Paz”, que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com “p” minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social --um dos melhores gestores do país--, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.

O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios –as bandas podres das polícias-- prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?

As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los.

Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.

E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.

Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino "gato orçamentário", esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.

O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.

Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa.


Luiz Eduardo Soares é professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Tem pós-doutorado em Filosofia Política e foi secretário nacional de Segurança Pública (2003). É autor, entre outros livros, de Elite da tropa, com André Batista e Rodrigo Pimentel (Objetiva, 2006).

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Acordar, viver: Carlos Drummond de Andrade

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.