domingo, 31 de outubro de 2010

Marco Antonio Villa: 'Num país sério, seria um escândalo'

DEU EM O GLOBO

Entrevista Marco Antônio Villa

Marco Antonio Villa critica Lula pelo uso acintoso da máquina pública a favor de Dilma e contra senadores tucanos

Para o historiador Marco Antonio Villa, professor de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos, o uso da máquina do Estado na campanha da candidata Dilma Rousseff (PT) foi acintoso. Ele critica a postura do presidente Lula na campanha presidencial e o acusa de interferir até em questões regionais, como no caso de dois dos principais senadores tucanos, Tasso Jereissati (CE) e Arthur Virgílio (AM), que não se reelegeram. Villa afirma que Dilma foi uma candidata do bolso do colete de Lula e aponta falhas na campanha do PSDB.

Tatiana Farah

O GLOBO: O senhor acha que houve uso da máquina?

MARCO ANTONIO VILLA: Estatal? Sem dúvida. Como nunca. Nunca na História deste país, como disse certa pessoa, a máquina estatal foi tão utilizada. Inclusive abandonando a agenda de trabalho. Nas últimas sextas-feiras, ele (o presidente Lula) abandonou a agenda e as funções administrativas. Colocou-se em campanha de uma forma... Uma coisa é apoiar um candidato. É legítimo. Outra coisa é pôr a máquina estatal, ministérios, secretários, os 25 mil cargos de nomeação direta ou indireta a serviço da candidata oficial. Até as universidades públicas. Há dias, o reitor da UFRJ deu declaração favorável (a Dilma). Não é um país sério, é um país de Macunaímas. Se fosse um país sério, seria um escândalo. Não é por que a lei é omissa que você vai ter uma atuação política que fira a ética.

Mas nunca usaram a máquina antes?

VILLA: Desta forma, não. Mas não inauguraram o uso da máquina. Ele existe desde 1945. Mas nessas proporções, com o presidente fazendo discurso e dizendo que quer exterminar o adversário, eu nunca vi. O presidente se preocupa com a eleição de um adversário no Amazonas, no Piauí, no Ceará. Você transforma a grande política em questão pessoal. Não é por não gostar de um senador que vou dedicar parte de minha agenda a derrotá-lo, como no caso de Arthur Virgílio (PSDB-AM) ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Foi o presidente quem derrotou esses senadores?

VILLA: Ele fez um esforço. No Ceará, foi claro. A questão que se coloca é um presidente sair pelo país fazendo campanha, usar a máquina dessa maneira. Ele prometeu fazer campanha depois do expediente e não cumpriu. O deslocamento (de Lula), quem paga?

O presidente deveria ter se licenciado?

VILLA: Essa é uma questão que Covas (Mario, governador de SP, morto em 2001) colocou na eleição de 1998. Temos de rever a lei. Sou favorável à reeleição. O eleitor, se gostou, tem o direito de reeleger. Mas a lei precisa ser aperfeiçoada. É injusta. Você pode ser candidato no cargo e seu adversário não pode. No caso da Presidência, se o adversário é um governador, precisa se desincompatibilizar. A lei precisa de aperfeiçoamento urgente.

Por que não a alteram?

VILLA: Porque depende do Congresso e há temas que não entram em pauta. Mas o Executivo, se quiser, faz. O Executivo aprova o que quer. Dilma, por exemplo, se for eleita, terá mais de três quintos da Câmara e do Senado. Portanto, tem quórum para aprovar o que quiser.

E isso o assusta?

VILLA: Claro. Eu vivi durante o regime militar, fui indiciado na Lei de Segurança Nacional, sei que não é muito agradável.

O senhor comparou esta eleição ao futebol de várzea?

VILLA: Tivemos um debate político rasteiro, decepcionante.

Os boatos contribuíram?

VILLA: Acho que não. De um lado, houve receio de se politizar as eleições. Há a ideia de se criar gerentes. Isso vem dos anos 1950. Adhemar de Barros batia nessa tecla: São Paulo precisa de gerente. O que falta é discutir política. Discute-se gerência quando o país é muito atrasado.

O uso da máquina colaborou com essa despolitização?

VILLA: Sim. Porque você coage os eleitores, impõe aos governadores apoiar a chapa oficial. Nós pensávamos que, com a urbanização do país, com a industrialização, os oligarcas seriam página virada. Ledo engano, doce ilusão. Nunca os oligarcas foram tão fortes como hoje. Identificase a política em alguns estados pelo nome de pessoas. Jader Barbalho, no Pará, Fernando Collor e Renan Calheiros, em Alagoas. A família Sarney, com dois representantes no Congresso, e um no Executivo estadual.

O senhor acha ainda pode haver uma virada na eleição?

VILLA: Tudo é possível. É como no futebol: só termina quando o juiz apita.

Em que José Serra errou?

VILLA: Ser candidato da oposição é muito difícil no Brasil.

Sim, mas isso não é erro.

VILLA: Houve um problema para estabelecer o arco de alianças. E houve muitos erros: o primeiro foi que (Serra) demorou para sair candidato. Dois: o partido não estava unido em torno da candidatura. Três: ao demorar muito, não conseguiu fazer alianças amplas nos estados.

A escolha do vice foi um problema?

VILLA: Sim. Demorou muito a sair a candidatura, porque você cria uma agenda negativa em torno do que é positivo. Esses fatores criaram um problema para estruturar o programa.

E Dilma, em que ela errou?

VILLA: Primeiro ela tem de levantar os braços para o céu por ter sido candidata. Ela é a candidata do bolso do colete do presidente, porque ele é candidato em 2014. Para ele, foi ótima a crise do mensalão, porque fez com que se livrasse dos rivais na direção do PT. Ele virou dono inconteste do partido. Ninguém mais se põe a ele. (Lula) estabeleceu as alianças que quis, e impôs pela goela abaixo do partido, sem ter oposição, a candidata Dilma. É o proprietário do PT, só falta registrar no cartório.

O uso da máquina terá peso em eventual vitória de Dilma?

VILLA: O uso da máquina é fundamental para uma vitória da Dilma. Agora, precisa ver como será a presidente Dilma. É um ponto de interrogação. O PMDB terá parcela considerável no governo, muito maior que hoje.

O governo de São Paulo também usou a máquina?

VILLA: Acho que depois do que eu vi na esfera federal... Falar que teve uso da máquina em São Paulo, acho que nem o Mercadante (candidato do PT ao governo) disse. Eventualmente pode ter tido uso em discursos.

Maria Celina d'Araújo: ''Quem vencer vai ter uma bomba nas mãos''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Entrevista Maria Celina d’Araújo

Para a historiadora, quem chegar ao Planalto recebe um Estado com alto endividamento,dependente do mercado para se financiar, e carrega o peso de muitas alianças partidárias

Gabriel Manzano

O discurso acabou, os marqueteiros vão para casa e, a partir de amanhã, a vida como ela é cai sobre os ombros do vitorioso. Um de seus rostos é um Estado endividado, que não tem dinheiro para investir e precisa se entender com o mercado. O outro, um pacote de alianças e acordos políticos a cumprir, sem os quais não governará. "Por isso, não estou tão segura de que Dilma Rousseff ou José Serra estejam oferecendo modelos diferentes de Estado", adverte a historiadora e pesquisadora da PUC-Rio Maria Celina d"Araújo. "Há limites estruturais, por exemplo, para uma política mais estatizante. E quem vencer terá uma bomba na mão, a bomba do endividamento, do câmbio, dos aeroportos, da Previdência..."

Estudiosa atenta das instituições e do poder no Brasil, Maria Celina entende que o País "está passando por um processo de novas oligarquias, junto com antigas que parecem ressurgir, e o poder continua precisando delas para ter votos". Mas a sociedade brasileira "também tem uma vocação para gostar do Estado, uma certa estadolatria. Não suportaria um processo para valer de privatizações. É um dilema."

O governo Lula, que vai chegando ao fim, "está mais próximo de Fernando Henrique do que de Getúlio", afirma a autora, que escreveu cerca de 20 livros sobre os presidentes brasileiros. O antigo caudilho "mudou o modelo, implantou uma política trabalhista". Lula tomou outra direção: "Abandonou suas promessas fortes, as reformas trabalhista, sindical e previdenciária, ao legalizar as centrais sindicais." Quem mudou o modelo foi o governo FHC: "O Estado não podia mais ser desenvolvimentista, porque estava falido, e precisou ir se entender com o mercado."

Por tudo isso, avisa a pesquisadora, é preciso cuidado para se avaliar como o novo presidente vai governar. "Dilma está ligada a um amplo arco de alianças, da extrema direita à extrema esquerda, e sua autonomia não será tão grande. E o Serra também não é um tucano convencional, liberal, que privatiza."

Como é o Brasil que o eleito de hoje vai receber para governar?

Um país com instituições sólidas, regras democráticas. Isso é muito, se compararmos com nossos vizinhos. Mas há também problemas sérios, que não tiveram espaço na campanha. Por exemplo, o Brasil não tem melhorado em seus indicadores de corrupção - todos os dados mostram que continuamos num patamar lamentável. Da mesma forma, a desigualdade: houve uma ascensão social, mas persistem muitas diferenças, como as de gênero e de etnia. Somos uma sociedade em que o trabalho da mulher vale menos, a presença da mulher no Congresso é pífia, para não falar dos negros.

A eventual chegada de uma mulher ao Planalto teria um impacto diferente nisso?

Se Dilma chegar lá, acho que muda pouco. Ela é uma candidata indicada e apoiada por um homem. Não entrou na política por méritos pessoais. E ainda representa um projeto do "continuar fazendo" - é a mulher que obedece ao que foi planejado e implantado por um homem.

O marketing atrapalhou o debate dos assuntos sérios na campanha?

Não entendo de marketing político. Mas o que sei é que esse tipo de campanha está ficando anacrônico, repetitivo. São as mesmas receitas, os mesmos recursos gráficos, desde os tempos do Collor. Não se fala de questões fundamentais como câmbio, juros - o Serra até tentou, mas a coisa não evoluiu. E não se discute que temos uma bomba na mão, do endividamento, do câmbio, os aeroportos, a Infraero, a Previdência. Os candidatos não querem tocar nisso porque significa cortar gastos.

A desculpa é que o eleitorado não gosta de temas complexos, não entende...

Acho que culpar o eleitor por uma campanha rasteira é um desserviço à democracia. Criticam o eleitor de São Paulo porque o Tiririca foi eleito e nada dizem do partido que o indicou, das instituições que aprovam essas manobras. Ora, a campanha é rasteira porque os marqueteiros acham que tem de mexer com as emoções e não com fatos. E não é só aqui. Nos EUA, na disputa entre Obama e Hillary Clinton dentro do Partido Democrata, cada um partia para desconstruir a candidatura do outro. Cabe à mídia, aos acadêmicos, puxar para que as coisas não sejam assim. Tivemos na campanha um mantra sobre privatização, sobre Petrobrás, uma discussão cheirando a naftalina. Se as privatizações são um problema tão grave, porque o governo Lula, em oito anos, não desprivatizou nada?

A propósito, a senhora vê na eleição de hoje dois modelos de Estado disputando o poder?

Não estou tão segura de que sejam dois modelos. No caso da Dilma, há um modelo mais estatizante, o do PT, que é um programa de partido, mas se ela vencer vai levar consigo o peso dos acordos que fez, que vão da extrema direita à extrema esquerda. Sua autonomia de voo não será tão grande. E o Serra também não pode ser visto como um tucano convencional, liberal, ele considera o Estado um importante fator desenvolvimentista.

A sra. tem mencionado que há no Brasil uma certa estadolatria, mas que há ""limites estruturais"" para uma política mais estatizante. O que significa isso?

A gente tem limites estruturais porque não tem capacidade de investimento. A taxa de investimento do Estado brasileiro é muito baixa, ele depende da iniciativa privada. Eu gosto de citar uma história: já tivemos um presidente, o Juscelino, que inaugurou uma cidade! De uns 15 anos para cá, o presidente inaugura sala de espera de aeroporto. Não consegue mais fazer, sozinho, uma Itaipu. Arrecada-se demais, quase 40% do PIB, e gasta-se mais ainda. Investir fazendo manobras contábeis? Isso tem limite. Proclamam a criação de grandes coisas, mas é só gogó. A gente sabe que as privatizações feitas dificilmente serão revertidas, o governo não tem como recomprar as empresas, como mantê-las.

Há quem diga, também, que não há mais o que privatizar.

Se a gente tivesse uma sociedade que suportasse mesmo um processo de privatizações, e um partido que levasse isso à frente, haveria muito o que privatizar. Toda a saúde, toda a Previdência, como fez o Chile, por exemplo. Mas temos uma sociedade com vocação para gostar do Estado. Há, sim, uma estadolatria. E o projeto político tem de se adaptar ao que essa sociedade quer.

As antigas oligarquias estão sumindo? Existe um novo arranjo no poder, entre o Estado, as grandes corporações e as estruturas sindicais?

Acho que se pode dizer que estamos passando por um processo de novas oligarquias, uma nova oligarquização do País. Não vemos mais o coronelismo descarado da Primeira República, agora há uma certa convergência de empresários, banqueiros e sindicatos de trabalhadores em torno de projetos do governo. Mas é bom lembrar que há oligarquias também na oposição. Quanto aos empresários, leve-se em conta que eles são pragmáticos, o que querem é que tratem bem as suas empresas.

Isso é obra do presidente Lula?

Vale a capacidade do presidente, sim, para construir essa aliança. Mas isso é possível porque o Brasil vive um momento de expansão, de novos negócios, uma internacionalização de seu empresariado - um processo que começou nos anos 90. E, pelo lado dos trabalhadores, é por uma questão ideológica, o Lula faz uma política benéfica para os sindicatos. Mas as propostas fortes dele, de reforma sindical, trabalhista, foram abandonadas em 2004, quando ele legalizou as centrais sindicais. Não se toca mais nesse assunto e em troca de tudo os sindicatos não fazem mais contestações. Agora, esse amplo acordo funciona enquanto todo mundo estiver ganhando. Na hora em que uma parte se sentir lesada, isso acaba.

Getúlio Vargas fez, em seu tempo, uma grande arrumação política. Que comparação se pode fazer entre Lula e ele?

Acho que o governo Lula está mais próximo de Fernando Henrique do que de Getúlio. Este se marcou por inovações, uma política trabalhista, por inaugurar direitos - embora não inaugurasse todos. O Lula tem um vínculo, é parte disso, mas não criou uma legislação importante, um novo modelo de desenvolvimento. A gente continua patinando em juros altos. O Lula está mais próximo de FHC no sentido em que este marca o momento em que o Brasil mudou.

Mudou em que sentido?

Com FHC o governo brasileiro deixou de lado essa história de que o Estado podia ser desenvolvimentista. Não podia, estava falido. Inaugurou uma era econômica mais voltada para o mercado, agora tem de negociar com ele. O fato é que a Era Vargas, do ponto de vista da economia, acabou. Pode até renascer, mas por enquanto não renasceu.

O lulismo vai continuar sem Lula?

Isso é futurologia. Acho que o lulismo, para existir como fenômeno histórico, vai ter de esperar um pouco mais. Eu sei que o getulismo existe porque ele passou no teste do tempo, da história. Vamos ver a imagem e a popularidade de Lula fora do poder. O lulismo hoje é associado a transferência de renda, não a um conjunto de políticas sociais expressivas.

A senhora partilha do receio de que um eventual governo Dilma possa estimular práticas mais autoritárias?

No Brasil, algumas pessoas acreditam que o Estado é melhor que a sociedade. Isso é parte da plataforma da esquerda mais tradicional. Mas essa é uma opinião em meio a muitas outras. O que temos a nosso favor no Brasil de hoje é uma grande vitalidade da opinião publica. Instituições fortes que, apesar de tudo, em momentos mais críticos levantam a voz.

Tarefa inadiável:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O presidente eleito hoje terá pela frente como uma de suas tarefas inevitáveis desarmar os espíritos, radicalizados nesta eleição como há muito não se via neste país, mais precisamente desde a eleição de 1989, que colocou frente a frente um Lula e um Collor no grau mais acentuado de suas radicalizações políticas.

No processo eleitoral que se encerra hoje, quem radicalizou a ação política foi o próprio presidente Lula, provocando um retrocesso que custará caro ao amadurecimento institucional do país, se o próximo presidente não tiver noção do que aconteceu e não se dispuser a reverter essa tendência.

O país que vinha desde a redemocratização num processo de aperfeiçoamento de suas instituições viu a máquina do Estado, aparelhada politicamente como nunca antes, ser usada de maneira escancarada para viabilizar a eleição de uma candidata cujo surgimento no cenário político nacional deve-se única e exclusivamente à vontade de um homem que se considera o próprio pai da pátria.

O país que vinha mantendo um processo continuado de equilíbrio das contas públicas viu o governo abandonar qualquer cautela, se não por pudor, pelo menos por prudência, e se jogar num gasto público crescente e descontrolado, na mais pura demagogia.

Utilizando empresas públicas emblemáticas como a Petrobras não apenas como símbolo de uma fantasiosa campanha contra as privatizações, mas também como máquina política, a ponto de antecipar a exploração de um campo de petróleo do pré-sal, provocando a desvalorização do patrimônio de seus acionistas o maior dos quais é a própria União.

Os avanços conquistados nos últimos anos no governo Lula, como a redução da pobreza e da desigualdade, com a distribuição de renda através de programas sociais, e a inclusão de uma vasta camada da população no mercado consumidor, ao mesmo tempo sinalizam as deficiências que ainda temos, como a baixa qualidade da educação e a falta de infraestrutura, de que a melhor definição é a constatação de que quase 100% dos lares brasileiros têm acesso à energia e à televisão, mas apenas 50% têm rede de esgoto.

O aumento da demanda interna, se por um lado ajuda a manter o crescimento da economia, por outro força os limites desse mesmo processo, com o risco de gerar inflação.

Dois temas dessa campanha informam ao estrangeiro que chega ao país o atraso de nossa sociedade: as privatizações como ícone de um nacionalismo ultrapassado, que ainda vê o Estado como o provedor da segurança individual sem se importar com a ineficiência de seus serviços, mesmo com uma das maiores cargas tributárias do mundo; e a descriminalização do aborto, já aprovada em países tão ou mais religiosos que o Brasil, como Portugal e Itália.

Se as pesquisas de opinião, ao contrário do primeiro turno, estiverem certas, o mais provável é que a candidata oficial Dilma Rousseff seja eleita hoje, mas a distância que a separa de seu oponente José Serra, do PSDB, é pequena para padrões lulísticos de popularidade, o que demonstra que, se não tivesse perdido as estribeiras institucionais, o presidente Lula não conseguiria obter o que ele acredita ser e a grande maioria dos eleitores de Dilma também o seu terceiro mandato consecutivo por interposta pessoa.

Durante esta campanha ficou claro o contraste entre um país que exibe orgulho por certas instituições próprias de democracias avançadas, como a possibilidade de alternância no poder na mais absoluta normalidade, e a livre manifestação de opiniões, com sinais de atraso evidentes, com destaque para o fato de que, paradoxalmente, o presidente da República utilizou todos os meios a seu alcance, legais e ilegais, justamente para tentar impedir uma eventual alternância no poder.

E comandou uma campanha contra a liberdade de expressão que tem nas diversas iniciativas governamentais e partidárias a correspondência de sua retórica palanqueira.

Vencendo a candidata oficial Dilma Rousseff, veremos se a busca do equilíbrio da economia voltará a vigorar, ou se o novo governo será a continuação da política econômica posta em prática a partir do segundo mandato do presidente Lula, com um papel acentuado do governo na economia.

Mesmo recebendo um Congresso onde cerca de 70% dos eleitos fazem teoricamente parte dos partidos da base parlamentar do governo, um futuro governo Dilma dependerá principalmente do PMDB, cujo presidente é o seu companheiro de chapa Michel Temer.

Ele será o responsável, se não formal, certamente na prática, pela negociação com o Congresso. A disputa entre o PMDB e o PT por espaços de poder terá um problema adicional: Dilma não é Lula, falta a ela a capacidade de negociação de seu tutor, e sua maneira rude de comandar não parece ser o melhor caminho para se chegar a um acordo parlamentar.

Ao mesmo tempo, a oposição saiu da eleição menor na sua representação parlamentar, mas mais unida e com trunfos importantes, como o domínio dos principais colégios eleitorais, São Paulo e Minas, e o comando dos estados do Sul como Paraná e Santa Catarina, este a ser governado pelo DEM.

Cravou, também com o DEM, sua estaca no Nordeste, com vitória no Rio Grande do Norte; e no Norte, com o governo tucano de Tocantins; e hoje pode confirmar os governos do Pará, de Alagoas e de Goiás.

Tudo indica que mesmo com a confirmação da vitória de Dilma, as urnas mostrarão um país dividido, com a oposição ampliando sua votação nesse segundo turno.

E os tucanos ainda sonham com uma reviravolta que, se acontecer, ficará na história das eleições brasileiras como a vitória de Harry Truman sobre Thomas Dewey, em 1948, quando o jornal Chicago Daily Tribune garantiu na sua manchete na noite das eleições, com base em projeções de pesquisa de opinião, Dewey derrota Truman.

Truman não só ganhou as eleições como posou sorridente com o jornal nas mãos, numa foto que se tornou famosa.

Imagem e semelhança:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Hoje à noite o Brasil terá novo presidente. Depois de oito anos de Presidência "irradiada" - como se dizia na era das transmissões exclusivamente radiofônicas - daqui a dois meses o País volta ao normal em termos de conduta presidencial.

A menos que Luiz Inácio da Silva pretenda substituir-se ao presidente - seja como chefe da oposição ou como tutor da chefe da Nação - e ocupe todo dia algum microfone por alguma razão, chega ao fim um período peculiar no que tange à figura de alguém que fez da Presidência um exercício de egolatria.

Daí a singularidade da campanha eleitoral que ontem chegou ao fim, exatamente no molde pretendido por Lula: uma guerra desprovida de conteúdo político (na melhor acepção do termo), na qual o que menos importou foram os atributos dos candidatos e os respectivos projetos de País.

Sinal mais expressivo é que nenhum dos dois se deu ao trabalho de expor ao eleitorado um plano de governo bem explicado e detalhado. E pelo pior dos motivos: medo de criar polêmica e, com isso, prejudicar as chances de vitória.

Embromaram no que seria substantivo e capricharam no adjetivo, no "aqui e agora" do embate. Diga-se, por sinal, que esse tipo de atitude seria impossível se o voto fosse facultativo, com os candidatos precisando lutar pelo interesse do eleitor.

Prevaleceu uma disputa na qual o eleitor foi ora espectador, ora massa de manobra, ora inocente útil, e Lula o protagonista.

A sociedade foi ativa ao provocar um segundo turno?

É relativo: o segundo turno é da regra, sempre esteve no cenário. Representou apenas um fato surpreendente em relação ao quadro de artificialismo triunfante criado pela máquina de propaganda governamental em conjunto com pesquisas, cujos números acabaram se mostrando excessivos no tocante ao favoritismo da candidata oficial.

Lula conseguiu exatamente o que queria ao se impor como a figura central da campanha. Não lhe importa a evidência de que isso significa uma deformação institucional. Por si fácil de ser entendida, mas podemos ilustrar com o exemplo mais ou menos recente da então presidente do Chile, Michelle Bachelet, que mesmo popularíssima perdeu a eleição. Só não perdeu a compostura.

Para não ir longe, mas recuando bem mais no tempo, tivemos aqui Fernando Henrique Cardoso na transição civilizada para o PT. Mérito? Só porque a comparação é com Lula, pois de verdade seria uma obrigação.

Fragilizado politicamente, José Sarney ficou distante da eleição de 1989 servindo apenas de muro de pancadas dos muitos candidatos da época.

Itamar Franco não jogou o governo na luta pelo sucessor. Fernando Collor, com toda ausência de zelo pela coisa pública e arrogância doentia, enfrentou o período de acusações, investigações e impedimento sem fazer um centésimo do que Lula fez em matéria de abuso da máquina pública.

Pintou e bordou como nunca se viu diante de parte da sociedade perplexa, parte embasbacada, parte inebriada com a chance de comprar e crente que tudo se deveu à vontade, à coragem e à sensibilidade social de Lula.

Fez e aconteceu nas barbas da Justiça Eleitoral totalmente leniente e de um Ministério Público ausente.

Usou governo, ministros, capacidade de pressão, ludibriou e ainda se fez de ofendido quando a oposição resolveu parar de apanhar calada. Conseguiu que, ao final, a impressão fosse de "baixarias de parte a parte".

Quem fez campanha ilegal por dois anos e transgrediu fora do limite de qualquer responsabilidade? Pois é.

Na regra limpa, no mano a mano, Dilma Rousseff teria chegado aonde chegou? Pois é.

Pode-se argumentar que os presidentes citados, à exceção de Itamar, foram derrotados pelas circunstâncias.

Lula saiu vencedor, no mínimo no quesito popularidade. Falta ainda esperar que a História conte a história toda: aquela parte que fala da credibilidade e fica para sempre.

Abstenção. Hoje não é demais repetir: "O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam". Arnold Toynbee.

Ruído que precede grandes catástrofes:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (online)

Nos estertoresda campanha presidencial, a última impressão foi que um comando oculto tinha lançado a tropa de reserva para encerrá- la, de uma vez por todas, antes que alguém fosse mortalmente ferido, e passar à execução do projeto para “democratizar a mídia no país”. Antes não fosse.

A confirmação veio por intermédio de gente que, longe de salvar a face de uma federação fictícia, evidenciou a mão sorrateira de um maestro disposto a passar da demorada afinação de instrumentos à imposição de silêncio à plateia. Era uma vez (mais uma) a república federativa.

Só faltou mesmo aquele silêncio que precede as grandes catástrofes.

Multiplicaram-se, da noite para o dia, os projetos para acelerar o controle dos meios de comunicação, como se o governo tivesse, em relação à liberdade de imprensa, algo a ver além do respeito de que é devedor e da garantia pela qual é igualmente responsável.

Por alguma das razões que a própria razão conhece de sobra, veio a público a informação de que as comissões legislativas se adiantam para suprir o vazio da verborragia oficial. O desfile começou por Alagoas, Ceará, Bahia, Piauí, São Pulo, Minas e, com jogo de cintura, pelo estado do Rio. O resto virá por gravidade ou como provocação, a um sinal do maestro.

Enquanto, na troca de insultos finais, os candidatos a presidente gastaram o tempo disponível, o Ipea deu a público o documento elaborado longe do rumor das ruas, sobre o que se finge entender, no governo e adjacências, como necessidade de “democratizar a mídia no país”, “independente do grande capital”.

A começar da revisão dos critérios para concessão e renovação de licença a emissoras de rádio e televisão, financiamento de bancos estatais mediante “outros critérios que não a au diência e o alcance do órgão”.

Tudo deixa claro que é um programa de farta distribuição de financiamentos e empréstimos.

A bem da verdade, a fundo perdido.

Como, desde o descobrimento, a História não passa por aqui sem decisivas contribuições do acaso, na opor- tunidade em que o Ipea deitou falação, o presidente Lula chegava também ao apogeu da campanha na qual planta a semente do mandato que pretende colher daqui a quatro anos.

Desta vez o devedor penitente não agradeceu aos meios de comunicação, embora a legítima credora seja a liberdade de imprensa.

Coube ao Ipea elaborar o estudo com duvidoso espírito científico para instruir, pelo avesso, os brasileiros sobre o problema e a solução equivocada, no fim do governo Lula e na hipótese do governo Rousseff.

Resta saber qual dos dois será o premiado pela História com o triste labéu.

O texto do Ipea é o documento que faltava ao problema que, em democracias, se resolve pelo respeito à divergência no exercício da liberdade, seja de quem lida com ela ou de quem a exerce em confiança política expressa pelo voto. O assunto faz parte de questões conexas à mídia –palavra oriunda do latim, posta em circulação com pronuncia inglesa e, até hoje, com o mesmo significado em português.

Se mídia só pode ser meio, por que não dizer logo “meios de comunicação” para ganhar tempo e poupar explicações óbvias (em vez de desperdiçá-lo em exercícios inúteis)? O documento, datado de setembro, circulou em outubro para ajudar o presidente Lula, que não veio ao mundo, ao contrário de Chacrinha no século passado, para confundir o eleitorado.

Trata-se, em português claro, se bem que por tortuoso raciocínio, de criar um sistema de canais de distribuição de dinheiro (financiamentos e empréstimos) para remunerar elogios e propagar informações destinadas a confundir mais ainda o governo com meias verdades e mentiras inteiras, sob o véu furado d a economia de mercado.

A miséria da política :: Sergio Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Campanhas eleitorais raramente se destacam pela discussão substantiva dos temas mais relevantes para o futuro do país. Principalmente agora que o marketing ganhou precedência sobre a política e os candidatos obedecem às orientações emanadas da "ciência" dos marqueteiros.

Essa é uma tendência em todas as democracias, que se manifesta com especial força nos países onde o peso da imprensa escrita é minúsculo comparado ao da televisão, as identidades partidárias são diluídas, a média do eleitorado tem nível de instrução baixo e a indústria do marketing e da propaganda goza de grande fama e prestígio.

Assim, não chega a surpreender a pobreza da discussão política nas eleições que hoje se encerram. Não surpreende, mas decepciona, sobretudo quando se considera a riqueza dos avanços obtidos e dos problemas gerados ou não resolvidos ao longo dos últimos 16 anos, em geral muito positivos para o País. Era de esperar que o desenvolvimento (em sentido amplo) observado nesse período se refletisse em maior qualidade do debate político. Não foi o que se viu.

A pobreza da discussão política nestas eleições foi uma escolha das campanhas e dos principais candidatos. Com a contribuição inestimável do sr. presidente da República, que entrou na disputa como chefe de torcida uniformizada.

A pobreza da campanha oficial derivou da decisão de fabricar mentiras para estigmatizar o governo Fernando Henrique Cardoso e criar mitos para engrandecer o governo atual, em doses muito além do aceitável numa disputa política minimamente comprometida com os fatos e com uma interpretação razoável a seu respeito. Já a pobreza da campanha oposicionista decorreu essencialmente da recusa - maior no primeiro do que no segundo turno - a responder às mentiras referentes ao passado e desconstruir os mitos relativos ao presente. Nessa toada, por ação ou omissão, uma e outra campanha concorreram, ainda que em graus diferentes, para distorcer o passado, mitificar o presente e embaçar o futuro.

Tome-se o exemplo do tratamento dispensado à Petrobrás e ao pré-sal. A campanha oficial procurou pregar a mentira de que o governo FHC tencionava privatizar a companhia. Lorota de pernas curtas: como se não bastasse a suposta intenção jamais ter figurado em programa, discurso ou documento do governo anterior, há carta pública do ex-presidente ao Senado comprometendo-se com a permanência da Petrobrás em mãos do Estado brasileiro, sob o regime de competição regulada estabelecido em 1997. A companhia não apenas permaneceu sob controle estatal, como se tornou muito mais competitiva sob o novo regime.

Findo o monopólio da Petrobrás, mas assegurada a propriedade da União sobre o subsolo brasileiro, com mais competição, novas empresas e maiores investimentos, a participação do setor de petróleo e gás cresceu de 2% para 12% do produto interno bruto (PIB), gerando maior renda e mais e melhores empregos. Base sólida para o candidato do PSDB passar à ofensiva e perguntar o porquê de o governo atual querer mudar, para a exploração do pré-sal, um regime que se mostrou tão bem-sucedido. Quais as vantagens e os riscos de o Estado brasileiro ingressar no comércio de barris de petróleo, em lugar de arrecadar tributos? A quem poderia interessar a entrada do Estado num negócio pouco transparente que tanta margem oferece a ganhos ilícitos? A legislação atual já não permite, por simples decreto presidencial, capturar para o Estado brasileiro os ganhos extraordinários que possam advir da exploração do pré-sal? Por que, então, fazer uma mudança atabalhoada, em regime de urgência constitucional, sem tempo para que o Congresso Nacional e a sociedade pudessem conhecê-la e discuti-la? Nenhuma dessas perguntas foi feita.

Em vez de aceitar a luta política no centro do ringue - onde se poderiam confrontar dois modelos distintos de gestão do Estado e regulação da economia -, a candidatura do PSDB escolheu os cantos do tablado, na suposição de que o embate de biografias, em torno da competência gerencial para implementar programas setoriais, lhe fosse assegurar uma "merecida vitória", como se a política fosse uma prova de méritos individuais.

Tão importante quanto discutir a Petrobrás e o pré-sal teria sido pôr em pauta o tamanho da carga tributária. Será sustentável a mobilidade social ascendente observada nos últimos anos sem uma reforma tributária que reduza responsavelmente a carga de impostos, melhore a qualidade da tributação e permita o desenvolvimento do setor de pequenas e médias empresas? Ou vamos apostar que a emergência da chamada classe C será sustentada pelo emprego e renda gerados pela expansão do Estado e pelo fortalecimento das grandes empresas, as únicas capazes de suportar a carga tributária atual e mover-se no cipoal tributário existente? Silêncio total sobre um assunto vital para o futuro do País, em que duas visões sobre o Estado, a economia e a sociedade poderiam haver se confrontado. O que se ouviu foram apenas promessas eleitorais de mais gastos públicos correntes, cujo ritmo de crescimento precisa ser contido para tornar viável a redução da carga tributária.

Conduzidas as campanhas desse modo, sobrou a falsa impressão de que a escolha se dará entre um candidato que tem notável currículo político-administrativo e se apresenta como um continuador melhorado das "proezas" que se fizeram nos últimos oito anos, embora não conte com o apoio do autor das proezas, e uma candidata com modesto currículo político-administrativo, mas que tem o vistoso apoio do chefe de sua torcida, chefe de Estado nas horas vagas.

Ainda assim é muito bom votar. Já tinha quase 30 anos quando votei pela primeira vez para presidente. Meus filhos, com menos de 20, já o fizeram neste 3 de outubro. Viva a democracia! E vamos às urnas, pois. Meu voto não é segredo: é Serra.

Diretor executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP

Voto de confiança:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Confio na democracia. Ela traz em si mesma as sementes de seu próprio aperfeiçoamento. Confio na sabedoria do voto que tem, no Brasil, distribuído o poder entre partidos diferentes e até adversários, para que cada um tenha uma vitória para contar, e nenhum tenha o controle total do país. Confio nas instituições que limitam os excessos de cada poder.

Não acredito nas alternativas.

O voto é soberano e ele decide hoje quem governará o Brasil. Esse processo eleitoral teve ruídos e erros, mas, ao final, o que se pode ouvir é a informação de que ninguém é dono do Brasil. A convicção de alguns de que um governante popular dita sua vontade e, como um midas, transforma em vencedores todos os que toca, não se confirmou no mapa do poder dos estados e na ocorrência do segundo turno. O eleitor quis pensar melhor e hoje vota novamente.

A pessoa que tiver mais votos hoje passou por um duplo teste de força e sairá com mais legitimidade das urnas.

Há sempre em cada final de eleição os eufóricos e os deprimidos. Peço licença para escolher um terceiro sentimento: o da alegria de ver mais uma vez no país o belo processo da escolha direta para Presidência da República, que o Brasil um dia exigiu nas praças, sob o comando dos líderes da oposição ao regime militar, como Ulysses e Tancredo.

Os que terminarem o dia eufóricos devem pensar naqueles que não os escolheram, porque eles fazem parte do mesmo país e seu não tem significado. Os que forem dormir derrotados devem pensar nos votos que receberam como um mandato para exercer o fundamental trabalho de ser oposição, sem o qual o sistema de pesos e contrapesos falha.

Confio na democracia sem adjetivos porque assim ela fica mais simples.

Exige que governo governe e decida; que a oposição critique, fiscalize e mostre opções. Não dispensa equilíbrio entre os poderes e não sobrevive sem imprensa livre. Deve-se rejeitar, por contraditória, a adjetivação da liberdade.

Uma imprensa monitorada por conselhos corporativos terá limitações intoleráveis ao exercício de sua função. Quem consome notícias e análises na era da revolução digital e a superoferta de informação sabe onde encontrar o que quer. Tem discernimento.

Monitorar é uma forma de limitar a liberdade de imprensa e subestimar o consumidor de informação.

A geração que viu a supressão das liberdades é compelida a defendê-la. Hoje se enfrentam nas urnas dois integrantes dessa geração.

José Serra foi para o exílio depois de uma experiência de liderança política estudantil que o levou a ter diálogos com grandes autoridades da República daquele início dos anos 1960. Do Chile fugiu quando viu, pela segunda vez, ruírem as instituições democráticas.

Voltou ao Brasil, anos depois, para reconstruir a democracia. Seu primeiro cargo público de peso foi reorganizar o planejamento e a administração no estado de São Paulo demolidos pela desastroso governo de Paulo Maluf. Depois, passou por seguidos testes das urnas, conhecendo vitórias e derrotas, e assumiu desafios de gerir até áreas que desconhecia e pelas quais se apaixonou: como a saúde. Dilma Rousseff foi atraída para o movimento mais pesado de contestação à ditadura no período de radicalização que ocorreu após o Ato Institucional número 5. Aquele era um tempo em que os ditadores dobraram o grau de violência contra os opositores.

Jovens com cabeça política viram os caminhos da participação política se estreitarem.

Foi assim que Dilma, e outros, optaram pela luta armada. Foi presa e torturada.

Na volta da democracia pegou um dos vários rios em que se dividiu a oposição e ficou ao lado do brizolismo. Foi para a administração pública fazer carreira de gestora estadual e depois, já no PT, assumir cargos no alto escalão do governo federal. Dilma e Serra se enfrentam hoje no esforço pela confiança do eleitor. Uma disputa que tem Dilma como favorita nas pesquisas, mas que só termina quando se contarem os votos, porque eleitor exige que se espere com calma até o fim do dia pelo veredicto coletivo.

Não se deve jamais subestimar os riscos que a democracia corre num país que já teve tantos períodos autoritários e numa região em que alguns governantes decidiram modificar a democracia com suas próprias mãos. O resultado das experiências de alguns dos nossos vizinhos não é animador. As instituições vão sendo moldadas para caber no modelo que os serve mais, e vão sendo desfiguradas até não lembrarem em nada a forma original. Adversário é tratado como inimigo, crítica ao governo é acusada de ser torcida contra o país, divergências são silenciadas, fiscalização é condenada como golpismo ou tentativa de desestabilização do governo popular.

Que o maniqueísmo do segundo turno tenha ficado para trás. Os grupos que se enfrentam hoje nas urnas fizeram juntos a melhor obra recente. Os historiadores terão dúvida de demarcar o terreno dos últimos 16 anos. Fernando Henrique iniciou no governo Itamar Franco e avançou nos seus dois mandatos a obra da modernização do Brasil. Lula consolidou o que herdou e aprofundou o processo de inclusão social.

No entanto, os dois grupos pelejaram no campo de batalha nos últimos meses, com armas nem sempre recomendáveis.

Confio na democracia.

Ela tem filtros para decantar os excessos, corrigir os rumos e restabelecer a sensatez perdida no furor da campanha.

Cesse tudo agora que o voto vai ser digitado na urna. São dois números e um aperto na tecla confirma.

Simples e decisivo.

Às urnas, cidadãos.

Fechou-se o cerco:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Foi-se o tempo em que o petróleo era nosso. Agora, o petróleo é de Lula. As fotos do presidente mais popular da história, de capacete da Petrobras, num macacão cor de abóbora e com as mãos sujas de óleo da nova bacia são a principal imagem da campanha de 2010 e o símbolo da simbiose do Estado com um projeto de poder.

Como ensina o marqueteiro do rei, João Santana, campanhas não trabalham com a realidade e a verdade, mas com símbolos e com a emoção e o imaginário coletivos.

Foi por isso que as estatais e até o BNDES -que não é banco de varejo nem presta serviço- entraram na dança da propaganda subliminar, veiculando durante meses na TV, antes e durante a campanha, um paraíso onde tudo é lindo e todo o povo, feliz e satisfeito. Mas nada se compara ao uso da Petrobras. E assim foi-se definindo a eleição.

Dilma assumiu cedo a dianteira e só veio caindo desde o final do primeiro turno sob pressão da entrada em cena de Erenice Guerra. Serra passou a subir no segundo, herdando parte dos votos de Marina.

O ponto de equilíbrio, com ambos batendo no teto, chegou antes do cruzamento das duas linhas. Daí à certeza da vitória de Dilma, à desmobilização da oposição, à praia do eleitor tucano no feriadão. Com dez pontos de diferença, o resultado está praticamente definido.

Hoje, a eleição acaba e muitas perguntas começam: Lula se contentará em ser o líder mundial contra a fome, ou vai continuar presidente de fato do Brasil? Dilma assumirá de vez a fantasia da candidata ou voltará a ser a gerentona? Quem, e como, vai controlar o PT, o PMDB e PSB (além dos menos cotados)?

Com o cenário externo a favor e a casa arrumada em 16 anos, Dilma tem tudo para fazer um bom governo. Mas torcendo para não haver sobressaltos na economia.

Ela, a economia, deu a liga para a imensa aliança vitoriosa a favor de Dilma. O carisma de Lula, o marketing e a falta de prurido fizeram o resto.

O he-he-he do Lula :: Claudio Salm

DEU EM O GLOBO

Perguntei a um amigo psicanalista qual o adjetivo que, na opinião dele, melhor definiria o presidente Lula. Imaturo, respondeu. Para mim, o que mais chama a atenção no Lula é o cinismo. Se fosse imaturo, não teria capacidade para discernir as situações em que pode ser cínico daquelas que não pode. Em política econômica, por exemplo, não pode, e Lula tem maturidade suficiente para saber que não se brinca com uma economia dominada pelo capital financeiro, assustadiço como uma manada de búfalos. Mais do que o cuidado com o que fala, Lula afastou do BC qualquer nome que pudesse ser associado a propostas heterodoxas em matéria de política monetária e cambial.

Mas, de resto, se as consequências do trato leviano não são imediatas, Lula não perde oportunidade de ser cínico.

Na campanha eleitoral, martelou na tecla da importância da continuidade.

Continuidade do quê? Dos juros mais altos do mundo? Do real apreciado? Do crescente déficit externo? Da expansão do consumo com baixo investimento? Em muitas áreas, o falatório e os gestos inconsequentes parecem não ter maior importância. Lula sabe que colocar o boné do MST não fará com que o agronegócio abandone o país, como sabe também que extrair o petróleo do présal através do regime de concessão não é o mesmo que entregar nossas riquezas para as empresas estrangeiras.

A política externa é um prato cheio para o cinismo, pois os discursos nunca são comprados pelo valor de face.

Tudo é interpretado a partir de critérios que escapam ao cidadão comum, e as palavras raramente correspondem ao praticado. Jânio Quadros condecorou Che Guevara e as muralhas de Jericó não desabaram. A política externa quase não foi mencionada na campanha eleitoral. Os marqueteiros devem ter recomendado aos seus clientes candidatos que o melhor seria não falar nada, nem a favor, nem contra, muito pelo contrário. O Itamaraty não dá nem tira voto, já dizia Ulysses Guimarães. Nossa política externa sempre foi muito respeitada quanto à defesa dos direitos humanos. No entanto, em nome da afirmação de independência, atitude a meu ver correta, e em nome de uma realpolitik, a meu ver equivocada, ficou mais do que evidente que o governo Lula pisou na bola na questão dos direitos humanos. Como adverte Tony Judt, quando o governo se vê aliado de governantes estrangeiros desastrosos, sob o argumento, realista, de que eles são os sujeitos com quem é preciso negociar, esquece que, ao fazer isso, priva-se de qualquer capacidade de pressão política em cima deles. No final, o governo se restringe ao cinismo.

Foi o que se viu. Ou não foram cínicos os comentários de Lula sobre os dissidentes cubanos, equiparados por ele a delinquentes comuns? E sobre os protestos em Teerã contra as fraudes que teriam favorecido a eleição de Ahmadinejad, comparados por Lula ao choro de torcedores de futebol quando perdem o jogo? As feministas da Secretaria da Mulher nada disseram em defesa de Sakineh, a iraniana ameaçada de ser apedrejada até a morte por adultério, mas vibraram com a oferta feita por Lula, de lhe conceder abrigo (asilo?). Assimilaram o cinismo do chefe. Diante das manifestações contra a construção da barragem de Belo Monte, Lula declarou que entendia perfeitamente, pois ele, quando jovem, também havia protestado contra a construção de Itaipu. Podia ter sido mais cínico? Lula sabe que não importa, que o seu cinismo não irá afetar seus índices de aprovação que vão se aproximando dos de Ceausescu.

Recordo-me de um episódio a que assisti ninguém me contou e nem li na mídia golpista. Como muitos outros da minha geração, também me senti atraído pelo novo sindicalismo, disposto a colaborar no que pudesse.

No final dos anos 1970, aceitei o convite de um grupo de dirigentes sindicais para dar uma explicação sobre a fórmula de reajuste salarial proposta pelo ministro Mário Henrique Simonsen. A intenção do convite era buscar ajuda para fazer a crítica da fórmula, aliás, muito semelhante à da lei atual sobre o reajuste do salário mínimo. Eram trinta ou quarenta sindicalistas reunidos no sindicato dos químicos em São Paulo. No momento em que comecei a explicar o conceito de produtividade, um dos sindicalistas (hoje usufruindo de uma generosa sinecura), pulou na minha frente e começou um esquete. Representava um trabalhador curvado sob o peso de mais e mais sacos nas costas e repetia para os demais: Entenderam? Produtividade é isso! A turma se esbaldou.Achei que não havia mais clima para prosseguir. Retirei-me discretamente, decidido a recusar qualquer outro convite do tipo. Lula estava presente na reunião. Lembro-me até hoje do seu he-he-he.


Claudio Salm é professor do Instituto de Economia da UFRJ.

Lula: às favas com os escrúpulos:: Urbano Patto

Pode parece um pouco imodesto de minha parte, mas julgo ter uma boa vivência política e gozar de uma razoável capacidade intelectual. Já fui militante de organização clandestina, dirigente de movimento estudantil, dirigente partidário municipal, estadual e nacional do PCB e do PPS, atuei em movimentos comunitários, profissionais e sindicais. Participo ativamente de campanhas eleitorais desde 1982. Já ganhei e perdi eleições, nos mais diversos níveis. Podem me chamar de muitas coisas, não de ingênuo.

Digo isso porque, nunca antes vi na história desse país, nesta campanha para presidente, principalmente nesse 2º turno, tamanha desfaçatez, falta de escrúpulos e empulhação, principalmente exercidos pelo Presidente da República, contumaz transgressor da legislação eleitoral e utilizador da máquina de governo e da projeção propiciada pelo cargo para propagandear sua candidata e detratar adversários.

O que se tenta fazer é a exacerbação da máxima: o que vale é a versão e não o fato. Senão vejamos:

O dossiê, com os dados obtidos com a quebra do sigilo fiscal de familiares e correligionários de José Serra, surge em reunião entre o jornalista organizador do papelório, arapongas e pessoas vinculadas à campanha de Dilma e somente depois disso vaza para a imprensa, o autor da falcatrua, o jornalista Amaury Ribeiro Jr. fica hospedado em Brasília em apartamento custeado pelo PT, a empresa de comunicação envolvida no caso trabalha contratada oficialmente pela campanha de Dilma.

A polícia rastreia o processo de compra e a cadeia de comando para a obtenção dos documentos ilegais, chegando até a Receita Federal de Mauá, comprovando que o mando e a autoria são do jornalista. Fica claro quem são os participantes do negócio ilícito em todas as suas etapas, tendo o tal jornalista como mandante e organizador. Daí, rastreados e nomeados os autores do ato criminoso, o jornalista Amaury, coordenador do esquema, em depoimento à Polícia Federal diz que fez o que fez para proteger o ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de seu correligionário José Serra e que alguém do PT roubou as dados de seu computador.

Só faltou dizer que quem entregou o pacote com a papelada do dossiê foi o Coelhinho da Páscoa e que foi Papai Noel quem roubou os dados do computador, descendo pela chaminé do apartamento, (aquele mesmo pago pelo PT).

O pior é ver o Presidente da República no papel único de cabo eleitoral, encomendar à Polícia Federal a produção de uma nota oficial edulcorada, enviesada e no mínimo estranha, para depois, secundado pela sua candidata e pelo presidente do PT e outras figuras de menor importância, reverberar e martelar esse conto da carochinha para confundir a opinião pública, tentando turvar a compreensão da realidade pelos eleitores.

No episódio da agressão ao candidato José Serra na caminhada no Rio de Janeiro, o mesmo "modus operandi" é usado. O presidente, aproveitando-se de ato oficial, nega as imagens, ofende a vítima, detrata o médico e assim estimula a violência em campanha e o vale tudo.

Não são os fatos em si que me impressionam, mas o que demonstram: não há mais limites para o que possam fazer para se manter no poder, mandaram às favas os escrúpulos, e já faz tempo.


Urbano Patto é Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional e membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista - PPS - do Estado de São Paulo.

Era uma vez Montéquios e Capuletos:: José Garcez Ghirardi

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

O Brasil merece mais do que a simples desqualificação da diferença ideológica como vileza, má-fé ou interesse

O que há em um nome? A tragédia de Romeu e Julieta deriva do fato de que os indivíduos, suas razões, seus afetos e desejos se tornam secundários à pertença a um grupo específico. As ações e o discurso de cada uma das personagens são avaliados não por seu valor intrínseco, mas como manifestação de um outro a quem é compulsório rejeitar. O recente debate político brasileiro repete, a seu modo, a mesquinhez obtusa que está no coração da peça de Shakespeare. Visões políticas contrárias são apresentadas como índice não da divergência que constitui a base mesma da democracia, mas como sinal da torpeza moral do adversário.

Acusam-se uns de optarem por um candidato porque são prisioneiros das esmolas dos programas governamentais, como se a pobreza desqualificasse para a reflexão política. Acusam-se outros de votar no partido oposto porque fazem parte de uma elite que não suporta ver o povo no poder, como se a suficiência econômica impedisse o desejo da justiça social.

Dados factuais em contrário e contradições internas a cada um dos discursos - e são tantas - tornam-se irrelevantes nesse diálogo de surdos em que a redução do debate à oposição entre "santos patriotas" e "demônios oportunistas" parece ser o único ponto de encontro entre Montéquios e Capuletos. Posicionamentos políticos cruciais e compromissos claros com difíceis opções futuras - e são tantos - são descartados em favor de uma retórica que, protestando abominar fazê-lo, opta antes por alardear os defeitos alheios que comprovar as virtudes próprias. O resultado, como no drama dos jovens amantes, é uma lamentável tragédia, e mais lamentável porque absolutamente desnecessária, porque fruto não da natureza das coisas, mas da opção de sacrificar o cotejo de ideias a uma animosidade mútua, empedernida e profunda.

O povo brasileiro merece mais. Fonte verdadeira e última dos ganhos e conquistas de que uns e outros querem cabotinamente se apropriar, o povo brasileiro merece que a discussão sobre o bem coletivo receba mais espaço que as arengas sobre as misérias pessoais. Merece que o debate minucioso sobre as implicações práticas de escolhas específicas prevaleça sobre a prestidigitação efêmera do marketing eleitoral. Merece, e tem maturidade e grandeza para isso, que se lhe apresentem propostas para a difícil tarefa de fazer com que a bonança passageira do presente se transforme na justiça duradoura no futuro.

É possível construirmos outra lógica de debate. É possível acreditar que a grande maioria daqueles que irão votar em Dilma e Serra, bem como daqueles que irão anular seu voto ou votar em branco não o estejam fazendo por razões mesquinhas, nem por interesses escusos, nem por preconceitos tacanhos. É possível acreditar que estejam agindo assim porque entendem, honestamente, que seu gesto irá contribuir para um país melhor. O fato de discordarmos da escolha que fazem não nos autoriza a duvidar, a priori, das razões porque a fazem.

O mais assustador, nesse processo eleitoral que agora finda, não é que tenha havido agressões gratuitas e precipitadas entre os candidatos, numa lógica de imputar sempre ao outro a má-fé ou a ignorância. O mais assustador foi ver o quanto dessa lógica saltou para as conversas nos bares, nos escritórios, nas universidades, nas fábricas e repartições. Para evitar rusgas maiores, amigos e colegas de trabalho decretam: "Não vamos discutir política". Não creio que seja por esse silêncio que se haja lutado pela democracia. Não creio que esse abandono do debate seja uma solução, mas um problema, triste e grave.

A poucas horas do final de mais um processo eleitoral, penso que vale a pena fazermos uma pausa para pensarmos qual o desenho de debate político e de sociedade queremos construir para o futuro. Um caminho é o de desqualificar automaticamente a diferença ideológica como vileza, má-fé, primarismo miserável ou torpe interesse de classe. É decidir que o campo de que parte um argumento ou proposta resume-lhe de antemão o valor, e que não vale a pena perder tempo com aqueles que não pensam como nós.

Outra possibilidade é abraçar a noção de que somos um país complexo, imenso e heterogêneo, cujos problemas presentes e perspectivas futuras não são simples de resolver, nem fáceis de construir. Abraçar a noção de que podemos, com o coração grande, discordar, ainda que - e porque - imbuídos de integridade e de princípios legítimos. Abraçar a noção de que o respeito efetivo e quotidiano à diferença, fundamento das democracias que merecem esse nome, é aquilo pelo que, de um lado e de outro, vale a pena lutar.


José Garcez Ghirardi é professor de Artes e Direito na Direito GV

Cartas dos brasileiros

DEU EM O GLOBO

Educação, saúde e segurança são os temas mais citados em textos destinados ao presidente que será eleito hoje

Sonhos, expectativas e cobranças se misturam em cartas escritas por 26 brasileiros ao novo titular do Palácio do Planalto, que será eleito hoje. A educação foi o tema mais frequente, citado em 16 textos. Segurança, saúde e habitação também fazem parte das preocupações desses brasileiros, espalhados por Rio, São Paulo, Brasília e Recife. Entre eles, uma analfabeta de 60 anos, que teve de ditar sua carta e "assiná-la" com a impressão digital. Entre dificuldades e problemas, um sentimento comum: o de que o país precisa e pode oferecer melhores condições de vida à população. Moradora de um barraco no Rio, Carla Regina dos Santos cobra desenvolvimento com um pedido inusitado: tirar do Hino Nacional a frase "deitado eternamente". "Quem está deitado está morto ou dormindo", explica. "Não quero voltar a ver o futuro das crianças e jovens ameaçado pela injustiça do não saber, não comer, não viver com dignidade", resume a socióloga Sevy Madureira, de Recife.

Senhor ou Senhora Presidente,

Brasileiros escrevem cartas ao próximo governante e falam de suas expectativas e sonhos; educação é tema mais citado

Demétrio Weber, Letícia Lins, Marcelle Ribeiro e Rafael Galdo

BRASÍLIA, RECIFE, SÃO PAULO e RIO.Em sete linhas escritas à mão, Carla Regina dos Santos, de 39 anos, depositou suas esperanças de um Brasil melhor. Desempregada, moradora de um barraco de madeira sem água encanada nem esgoto na favela carioca da Cidade de Deus, ela foi um dos 26 brasileiros que, a pedido do GLOBO, manifestaram suas expectativas para o país numa carta destinada ao próximo (a) presidente. Entre os desejos de Carla, mais habitação, saúde e, também, um protesto contra o comodismo que, para ela, está implícito no Hino Nacional, no verso deitado eternamente em berço esplêndido.

Quem está deitado está morto ou dormindo. Já no caso do Brasil, achamos que ele está é morto.
Que possamos ressuscitar o nosso Brasil pátria amada, escreveu ela, ao lado do filho Miguel, de 4 anos. Por ele, Carla cobra melhorias na educação, citada em 16 cartas.

Além do Rio, brasileiros de Brasília, São Paulo e Recife, de diferentes classes sociais, idades e níveis de escolaridade, expuseram seus desejos. Da vendedora de doces analfabeta Teresa Batista, de 60 anos, que ditou sua carta, ao jovem mestre em antropologia Raphael Bispo, de 27.

Os assuntos foram variados, passando por geração de emprego e renda, políticas sociais e de gênero e meio ambiente. E, depois da educação, outros dois temas centrais do cotidiano da população apareceram entre os mais lembrados: saúde e segurança, com dez e nove citações, respectivamente.

O que o senhor (a) vai fazer pelo povo que sofre tanto na fila dos hospitais públicos?, quis saber a caminhoneira Rita de Cassia de Lima, do Rio. Mais polícia, só assim poderemos andar em paz. Pois nosso Brasil precisa de mais segurança, concluiu a corretora de imóveis paulista Maria Aparecida de Morais.

A corrupção, tema recorrente de alguns dos principais debates da campanha presidencial, esteve no foco de cinco das cartas.

Para Crislaine Pereira Mourão, nutricionista de São Paulo, a má gestão dos recursos públicos prejudica principalmente os mais pobres. Enquanto a universitária Vanessa Christina Nascimento de Jesus Teixeira, de Brasília, afirma que a corrupção envergonha os brasileiros: Gostaria que neste seu governo tivesse maior atenção com a questão da corrupção que permeia toda a política brasileira e que causa tanta vergonha, escreveu ela.

Em meio aos pedidos, as cartas revelam um sentimento comum: o Brasil pode e deve avançar, com melhores condições de vida para a população. Não quero voltar a ver o futuro das crianças e jovens ameaçado pela injustiça do não saber, não comer, não viver com dignidade, resumiu a socióloga Sevy Madureira, de Recife.

Presidente eleito terá desafio de informalidade

DEU EM O GLOBO

Incorporada à vida do brasileiro em áreas como habitação, transportes e comércio, a informalidade desafia o próximo presidente. A economia subterrânea gira R$ 600 bi por ano.

A herança maldita da informalidade

Economia subterrânea movimenta R$ 600 bi por ano, reduz arrecadação do governo e faz contribuinte pagar mais

Regina Alvarez

BRASÍLIA. No Brasil real que será herdado pelo novo presidente, um dos desafios será o problema da informalidade. Traduzida em números, a economia subterrânea movimenta cerca de R$ 600 bilhões, o equivalente a 17% do Produto Interno Bruto (PIB).

E subtrai dos cofres públicos R$ 200 bilhões por ano, uma montanha de recursos que daria para multiplicar por quatro o volume de investimentos da União para 2011 ou triplicar o orçamento da saúde. Incorporada ao Brasil legal, essa economia que atua à margem permitiria a redução de 20% da carga tributária, estimam especialistas.

O crescimento acelerado da economia é um estímulo à formalização do trabalho e das empresas.

Os avanços nos últimos anos nessa direção são inquestionáveis, mas insuficientes para resolver o problema da informalidade, que prejudica o país de várias formas, não apenas pelas perdas de arrecadação.

O trabalhador informal perde a proteção da lei, o contribuinte paga mais, o consumidor é prejudicado porque não tem garantia nas compras, os bons empresários perdem com a concorrência desleal destaca o economista André Montoro, presidenteexecutivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), que em julho divulgou, com a Fundação Getulio Vargas, o Índice da Economia Subterrânea relativo a 2009, com as dimensões desse mercado

Não são ambulantes românticos, diz economista Montoro observa que é preciso desmistificar a visão romântica de que a informalidade e a pirataria sustentam pequenos empreendedores, pessoas que lutam pela sobrevivência.

Não são ambulantes românticos, são pessoas pagas por quadrilhas e redes de distribuição.

É um problema mais amplo, de ilegalidade e desrespeito às leis, um problema público. O trabalho dos artesãos, dos pequenos empreendedores, deve ser valorizado com estímulo à formalização afirma.

Simplificar e desburocratizar a carga tributária é muito importante para reduzir a economia subterrânea, na visão do especialista, assim como modernizar os sistemas de fiscalização.

A redução da carga tributária generalizada é difícil, porque os gastos dos governos só aumentam, mas reduzir a burocracia é viável e tem impacto de custos para as empresas destaca o economista, que aponta a nota fiscal eletrônica como avanço essencial. A informatização tem um aspecto moralizador, pois impede que maus fiscais negociem com maus pagadores.

O gerente da pesquisa nacional de emprego do IBGE, Cimar Azeredo, destaca que uma mudança na estrutura do mercado de trabalho, com aumento da terceirização, incentiva a formalização.

Os problemas mais graves estão nas áreas precárias, como o pequeno comércio em áreas de baixa renda, onde a fiscalização é pouco atuante e falta apoio aos comerciantes. Ele defende políticas públicas que apoiem esses segmentos com estímulos e informação, e destaca que o caminho para reduzir a informalidade no país é investir fortemente em educação: É preciso eliminar o analfabetismo funcional , o canal continua sendo a educação.

Entre tucanos, campanha recomeçou com ânimo novo

DEU EM O GLOBO

Agressividade de Lula uniu aliados, mas eles admitem que também cometeram erros

Gilberto Scofield Jr.

SÃO PAULO. Abatidos por uma espécie de torpor diante da maneira agressiva com que um bem avaliado presidente Lula se jogou na defesa de sua candidata Dilma Rousseff no primeiro turno, os tucanos (e seus aliados) parecem ter saído do ninho com ânimo renovado na segunda etapa da corrida presidencial em torno da campanha de José Serra.

Nas duas primeiras semanas de outubro, os comitês do PSDB espalhados em cinco andares do edifício Joelma, no Centro de São Paulo, ganharam movimento e excitação que não se viam no primeiro turno, quando as pesquisas pareciam indicar vitória fácil de Dilma Rousseff.

O Joelma ganhou vida contava o ex-deputado Márcio Fortes, um dos arrecadadores de fundos da campanha tucana e constante interlocutor de Serra.

A campanha deixou de ser uma luta solitária do Serra para ganhar um tom mais partidário, multipartidário até dizia o deputado Jutahy Magalhães (PSDB-BA), amigo e aliado de longa data.

Até então isolados do centro de comando da campanha de Serra, tucanos graduados e vitoriosos como Geraldo Alckmin (governador eleito de SP), Aécio Neves (senador eleito de MG), Beto Richa (governador eleito do PR) e Aloysio Nunes Ferreira (senador eleito por SP), e aliados como Itamar Franco, senador eleito pelo PPS em Minas Gerais, se uniram ao presidente do PSDB, Sérgio Guerra, na estratégia de conquistar os votos de indecisos em São Paulo, Minas e no Sul do país, para compensar a vantagem petista no Norte e no Nordeste.

Querem nivelar por baixo

Animados, os tucanos ampliaram a ação por tours pelo Brasil, enquanto o próprio Serra intensificava suas viagens pelo país a bordo do Learjet 60 do exdeputado federal Ronaldo Cezar Coelho. Ao fim da jornada, na quinta-feira, em Minas, foram visitadas 120 cidades em 23 estados (e Distrito Federal).

Me perguntam se eu estou cansado nesta reta final de campanha afirmou Serra na terçafeira, num comício para 3 mil pessoas na gaúcha Caxias do Sul, num palco repleto de candidatos que preferiram a neutralidade no primeiro turno da disputa, mas que vociferavam contra o governo petista, como o ex-governador Germano Rigotto e o ex-prefeito de Porto Alegre José Fogaça, ambos do PMDB.

Eu estou é energizado, porque nunca os valores morais foram tão questionados e aviltados como agora, nesta campanha.

Eles querem nivelar por baixo e dizer que todos são iguais na política. Não são, não.

Nós somos diferentes.

Uma olhada no semblante exausto dos assessores que efetivamente partilharam as horas de campanha da última semana com Serra dava bem a ideia do nível de estresse na equipe de um candidato notívago e de hábitos alimentares frugais, capaz de mandar mensagens pelo Twitter às 4h da madrugada, dormir diariamente entre quatro e cinco horas e se sustentar à base de sanduíche de peito de peru, queijo branco e pão integral, além de frutas muitas frutas comidos de preferência nos deslocamentos do jato de campanha.

Ele come muito pouco porque se educou assim, mas nós acabamos comendo muito toda vez que temos um tempinho porque nunca sabemos quando vamos ter tempo para comer de novo. O resultado é que a gente está enorme diz um assessor.

A rotina ganhou um tom mais enlouquecido na última semana, admitem os assessores mais chegados, por conta de cerca de 15 viagens entre cidades do Rio Grande do Sul, Minas, São Paulo e Pernambuco . Junto do candidato a bordo do jatinho, em cima dos palanques e no tumulto de passeatas e comícios estavam os escudeiros responsáveis por sua segurança pessoal os capitães da PM de São Paulo Hideo e Vinicius , a assessora de imprensa, Paula Santamaria, e o fotógrafo oficial Geraldo de Paula. No celular, o tempo todo e várias vezes ao dia, conversas com o publicitário Luiz Gonzalez; o coordenador de comunicação, Márcio Aith; o coordenador político, Sérgio Guerra; e a responsável pela agenda, Marisa Serrano.

O estado de espírito se manteve em alta mesmo nas duas últimas semanas, quando as pesquisas mostraram uma constância nos votos e a vantagem de Dilma Rousseff diz o deputado Jutahy Magalhães, que admite que nem todos os tucanos mativeram o mesmo alto astral. Porque as pesquisas acabaram muito desacreditadas no primeiro turno, então a esperança e o ânimo de mantiveram.

Calejado de debates políticos e entrevista para a mídia, José Serra não chegou a criar um aparato especial de preparação para os enfrentamentos na TV.

Na madrugada de sexta-feira, quando chegou ao hotel para o debate na Rede Globo, no Rio, por exemplo, decidiu dormir brevemente e passou o dia lendo relatórios com informações sobre o país consideradas fundamentais para o debate.

Até que, à tarde, juntou-se a Luiz Gonzalez e Márcio Aith para arrematar pontos finais de uma estratégia que pretendia deixar claro que Serra, diferentemente de Dilma, tem experiência e traquejo político para administrar melhor os problemas do país.

Aonde a Dilma vai, o governo vai atrás

DEU EM O GLOBO

Máquina pública, tendo à frente o "comandante" Lula, esteve a serviço da campanha da petista nos últimos meses

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. A participação efetiva do presidente Lula, ministros de Estado e assessores do governo na maratona eleitoral para tentar eleger hoje a candidata do PT, Dilma Rousseff, foi uma das marcas mais fortes da campanha presidencial de 2010. Diferentemente de 2006, quando foi candidato à reeleição e fez uma campanha mais light, Lula se empenhou todos os dias dos últimos meses como o principal cabo eleitoral da candidata escolhida e imposta por ele. A máquina pública, acusam os adversários, esteve integralmente a serviço da candidatura Dilma.

O exemplo mais evidente da presença da máquina na campanha eleitoral dilmista foi a tática da agenda casada: eventos oficiais de governo ocorrendo nos mesmos dias, e poucas horas antes, que atos de campanha.

Somente em outubro, as agendas oficiais do presidente Lula registram em 12 dias a expressão compromisso privado, o codinome oficial para eventos de campanha, como comícios ou carreatas. Já no dia 5 de outubro, dois dias depois do primeiro turno sem vitória para Dilma, o presidente realizou, no Palácio Alvorada, sua residência oficial, uma grande reunião com governadores aliados eleitos no Palácio da Alvorada, residência oficial, onde admitiu o salto alto no primeiro turno.

Ministros também se incorporaram a campanha Não só Lula fez uso desse expediente semanalmente, mas também os ministros políticos, em especial o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Para o segundo turno, Padilha até licenciou-se do cargo para se dedicar integralmente à campanha de Dilma.

Para sustentar as agendas de Padilha pelo país, o governo inventou reuniões nos estados do chamado Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Uma inovação, pois essas reuniões só aconteciam em Brasília antes da campanha.

Dois exemplos de gastos com diárias no serviço público dão uma mostra do tamanho da participação do Estado na campanha eleitoral. Segundo levantamento do site Contas Abertas, somente as diárias da Presidência da República somaram até o último dia 28 um total de R$ 9,05 milhões, dos R$ 12,98 milhões previstos (valor já atualizado) para 2010.

A Empresa Brasileira de Comunicação, cujas equipes têm que registrar todas as ações do presidente, seja em eventos oficiais ou em campanha, para registro histórico, já gastou quase a totalidade dos recursos disponíveis para esse tipo de despesa em 2010: dos R$ 2,92 milhões autorizados, usou R$ 2,79 milhões.

Sempre que questionado sobre sua atuação nesse período inaugurações de obras e visitas a canteiros também serviram como propaganda indireta para a candidatura governista , o próprio Lula argumenta que o governo não pode parar e que ele não abriria mão dessa função. Com esse comportamento, acabou virando modelo para seus ministros.

Embora tenha sido mais atuante, Padilha não foi o único.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chegou a tirar férias no primeiro turno para se dedicar à campanha, com atenção especial à eleição da mulher, Gleisi Hoffman (PT), para o Senado no que foi bem-sucedido.

A verdadeira rede montada por Padilha na Secretaria de Relações Institucionais utilizou ainda outra agenda para badalar o governo pelos estados durante os três meses da campanha eleitoral: a do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Reuniões de dirigentes da Caixa Econômica Federal responsável por grande parte das obras do Eleições 2010 PAC com prefeitos e políticos locais foram marcadas em locais onde aconteceriam no mesmo dia eventos de campanha.

Além de ser o maior coordenador das agendas casadas, Padilha era também uma espécie de porta-voz da campanha dentro do governo e sempre escalado para dar entrevistas sobre a disputa eleitoral e ações correlatas no governo.

Outros nomes do governo estiveram presentes na campanha de Dilma. O coordenador principal do programa de Dilma, Marco Aurélio Garcia, iniciou a campanha ainda como assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, mas na reta final também pediu afastamento.

Petista histórica e assessora de confiança de Lula, Clara Ant saiu do governo junto com Dilma, no final de março, e é na campanha o principal elo entre Lula e a candidata.

Mas outros permaneceram com duplas funções. O chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, tem que conciliar suas responsabilidade de principal assessor do presidente com atividades de campanha, como ser o canal entre Dilma e a Igreja Católica.

No dia a dia, apesar das recomendações de cautela feitas pela Advocacia Geral da União, os ministros tiveram que se dividir entre eventos oficiais e de campanha.

Na semana retrasada, quando recebeu o apoio de parte do PV em hotel de Brasília, Dilma teve ao seu lado os ministros Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) e Márcio Fortes (Cidades), entre outros.

Devido à campanha eleitoral, algumas decisões do governo foram deixadas de lado. A apresentação do balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), geralmente realizada em outubro, ficou para novembro.

O PAC é uma das bandeiras da campanha de Dilma.

O governo adiou qualquer negociação sobre o valor do salário mínimo, principalmente depois que o candidato do PSDB, José Serra, propôs um mínimo de R$ 600. Nem mesmo os relatórios preliminares do Orçamento da União para 2011 foram apresentados no Congresso.

O líder do DEM na Câmara, deputado Paulo Bornhausen (SC), disse que Lula praticamente deixou o governo em segundo plano para se dedicar à campanha.

Nunca antes deste país houve o que aconteceu nestas eleições. Um dos setores derrotados foi a Justiça Eleitoral. Há dois anos, ele (Lula) vem abandonando o papel de presidente.

No segundo turno, houve um abandono de funções. Dele e de todos os ministros disse Bornhausen.

Os petistas e governistas sempre reagem às acusações com o argumento de que o presidente tem o direito, previsto em lei, de participar da campanha e que seus gastos são ressarcidos pelo PT. Além disso, o PT reclamou que governadores tucanos, como o reeleito Antonio Anastasia (MG), estariam privilegiando a campanha e não suas funções públicas.

O Anastasia, o único lugar a que ele não vai agora é o Palácio da Liberdade! retruca o vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-MG).

Serra vai a reduto petista para encerrar a campanha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Roberto Almeida

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, encerrou sua campanha ontem em Suzano, na Grande São Paulo, com uma rápida caminhada pelo centro comercial da cidade. Na última entrevista coletiva antes da votação, Serra disse que não falaria sobre "tititi" na véspera das eleições e afirmou que vai corresponder à confiança do eleitor. "Não vou decepcionar ninguém que votar em mim. Nunca na minha vida pública eu decepcionei em nenhum cargo que assumi."

Serra descartou uma "virada" porque, segundo ele, a eleição "não é um campeonato". "É uma partida que se joga amanhã", afirmou. E voltou a pregar a alternância de poder para amealhar votos de última hora. "É uma boa hora para haver troca de equipe, para haver alternância de poder. Você tem aí uma equipe cansada, consumida pelos vícios, pelo tempo prolongado", disse. "Entrar uma equipe nova, com pilha nova, ideias novas e sabendo como enfrentar os problemas. Tendo experiência para isso. Tendo uma vida limpa como é o meu caso e o de muitos que me acompanham."

Com relação ao debate de sexta-feira na TV Globo, formatado a partir de perguntas de eleitores indecisos, o presidenciável disse que "o Brasil não é um País pronto, como a propaganda adversária faz crer". "O debate mostrou que a população, mesmo os indecisos, reconhece que há problemas graves na saúde, segurança, educação, habitação, saneamento", disse. "O Brasil ainda tem muito para avançar, pode muito mais", observou, insistindo no slogan de sua campanha.

Perguntado por que encerrar a campanha em Suzano, cidade administrada pelo PT, o tucano afirmou que "em algum lugar a eleição precisa acabar". Durante a caminhada, acompanhado do governador eleito Geraldo Alckmin (PSDB), Serra recebeu dois vasos de flores e uma bola de pelúcia do Palmeiras, seu time do coração. E negou que estivesse cansado, apesar de, durante a coletiva, ter pedido desculpas duas vezes, em duas pausas, para retomar a linha de raciocínio.

Acusações camuflam debate político

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Campanha eleitoral chega ao fim frustrando expectativas, por deixar de lado o aprofundamento de questões políticas relevantes

Flávia Tavares

Talvez já esteja difícil de lembrar, mas antes de a corrida eleitoral começar de fato, havia um otimismo no ar. Dizia-se que o nível da disputa seria elevado - afinal, os principais candidatos que despontavam como os indicados de seus partidos eram respeitáveis. Era comum se ouvir um suspiro aliviado, seguido do comentário: "Pelo menos não há nenhum Collor". A percepção era de que o Brasil já tinha consolidado suficientemente sua democracia para pensar seu futuro com alguma profundidade.

Hoje, a eleição 2010 chega ao fim. E resta um quê de frustração com relação à qualidade do debate. "Depois de 16 anos de avanços em todas as áreas, era razoável se esperar que os dois partidos responsáveis por essas melhorias apresentassem representantes até iluminadores do debate político", avalia Renato Lessa, cientista político e professor do Iuperj e da Universidade Federal Fluminense.

"Foi um excesso de expectativa. As campanhas se caracterizaram por uma forte despolitização e os candidatos não assumiram posições políticas claras. Ficou tudo muito confuso em termos de que campos estão demarcados."

O segundo turno foi especialmente nebuloso. A discussão sobre o aborto, iniciada ainda na primeira etapa, e as acusações de corrupção de lado a lado enterraram qualquer possibilidade de aprofundamento de questões políticas relevantes. "Os candidatos passaram como gato sobre brasa na questão da terra, da reforma urbana, da política externa, do tipo de seguro que o pré-sal terá, para citar algumas", enumera o historiador Carlos Guilherme Mota, professor da USP. "Além disso, o historiador do futuro terá dificuldade em explicar a extensiva presença de religiosos neste ano."

Vazio. Corrupção e religião pautaram os discursos de Dilma Rousseff e José Serra no segundo turno, quando os dois ficaram "sozinhos na sala", e essa combinação não é randômica. A despolitização das campanhas e dos cidadãos deixa um vazio, preenchido mais facilmente por temas de apelo eleitoral. "Uma causa disso é a invertebração dos partidos políticos. Eles são importantes para a captura de votos e isso dá a ilusão de que são fortes. Mas os partidos são fracos na formação de opinião", explica Lessa.

O discurso político dos candidatos se torna rarefeito e a decorrência é uma forte dependência dos marqueteiros, que põem na boca dos presidenciáveis o que eles devem dizer. "É difícil deduzir da campanha que governo será feito por qualquer um dos dois. Fica só a escaramuça de mostrar ao eleitor que o opositor é um bandido, mentiroso. São transferidas para o campo político questões do código pessoal, como a de confiança e a religiosa", acrescenta o cientista político. Claro que o material farto de corrupção dos dois lados colabora para isso. "Só que não se faz uma campanha presidencial com base em denúncias. Eles que fossem para a Justiça averiguar quem é ladrão", completa. O historiador Mota diz ainda que "enquanto as acusações sobre corrupção foram muitas, nenhuma análise institucional sobre o problema foi feita. E a palavra transparência ficou gasta".

As próximas. Essa decepção será perpétua ou um leve otimismo sobre o nível das próximas eleições é possível? Para Renato Lessa, isso dependeria de um esforço tremendo de politização dos brasileiros. "Já temos democracia em quantidade. Falta qualidade, educação cívica, politização", analisa ele.

Um dos terrenos mais profícuos para isso, as universidades, ainda não demonstra firmeza nesse propósito, acredita Mota. "No fim da corrida eleitoral, a universidade brasileira acordou, saindo de seu silêncio ensurdecedor. Quer discutir a nação, dar apoios. Mas não logra reformar-se, atualizar-se para novos projetos. O Brasil caracteriza-se hoje por um enorme vácuo político, cultural e institucional. "

PSDB poderá ser o partido com mais governadores

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com candidatos disputando o segundo turno em cinco Estados do País, o PSDB poderá terminar a eleição com o maior número de governadores entre todos os partidos. No primeiro turno, PSDB, PT e PMDB foram os mais bem sucedidos, vencendo em quatro unidades federativas.

Agora, com nove disputas ainda em aberto, os tucanos lideram pesquisas em três Estados (Alagoas, Goiás e Pará) e mantém esperanças no Piauí e Roraima. Além disso, o PSDB já garantiu os governos de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Tocantins. Para o PT, que venceu no Rio Grande do Sul, Bahia, Acre e Sergipe, as chances estão concentradas no Distrito Federal e Pará. O PSB também pode pular de três governos para seis, se conseguir vencer no Piauí, Paraíba e Amapá amanhã.

Eleitor escolhe Dilma por Lula e Serra, por sua experiência

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para eleitor, Dilma é a continuidade, e Serra, o experiente

Peso de Lula influi na decisão dos que apoiam petista; imagem de bom administrador público favorece tucano

Datafolha mostra a influência de imagem, propostas e biografias na decisão dos eleitores e as razões dos indecisos

Fernando Canzian

SÃO PAULO - Dilma Rousseff (PT) é a continuidade. José Serra (PSDB), o mais experiente.

Essas são as duas principais razões que levarão os eleitores dos dois candidatos a votar neles neste domingo.

No caso de Dilma, também aparece como relevante a seus simpatizantes o peso do presidente Lula. No de Serra, o lastro de sua boa imagem como gestor público.

Os motivos que levam o eleitor a votar na petista ou no tucano foram questionados pelo Datafolha em pesquisa realizada na quinta-feira com 4.205 eleitores de 256 municípios. O levantamento tem margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Dois terços dos eleitores (64%) que dizem votar em Dilma citam Lula, sendo que 49% afirmam que um dos motivos do voto é a expectativa de que ela irá manter as políticas do atual governo.

Mencionam o apoio de Lula como preponderante para a escolha da petista 19%. No Nordeste, onde Dilma lidera com ampla margem, 26% votam nela por causa do apoio do presidente.

No caso de Serra, a comparação entre biografias proposta pelo tucano na campanha "colou" na maior parte de seu eleitorado.

Fatores ligados à sua imagem pública determinam a escolha de 35% de seus eleitores, sendo que uma fatia de 25% desse grupo diz que escolhe o tucano porque ele tem mais experiência política e administrativa. Outros 8% afirmam que ele é o mais preparado para presidir o Brasil.

Ex-ministro da Saúde, o tucano também atrai 22% de seus eleitores por conta do que propõe nessa área, sendo que 10% dizem acreditar que ele irá melhorar a infraestrutura e os serviços de saúde pública.

Lembram-se de políticas implantadas durante sua passagem pelo ministério para justificar sua escolha de voto 6% de seus eleitores.

No caso de Dilma, 10% dos eleitores são atraídos à sua candidatura pelos atuais programas sociais do governo. Nesse grupo, 6% especificam que desejam a continuidade do Bolsa Família.

O percentual sobe a 10% no Nordeste (onde cerca de 6,5 milhões de famílias são atendidas pelo Bolsa Família) e é de apenas 1% na região Sul (cerca de 1 milhão).A imagem pessoal também é uma das razões de voto para 13% dos que escolhem Dilma.

O fato de ser mulher é mencionado por 8% desse grupo, enquanto 2% apontam características como honestidade e credibilidade.

No caso de Serra, 14% escolhem o tucano por conta de sua imagem pessoal, sendo que 8% desse grupo apontam qualidades como honestidade e credibilidade.

Em relação às propostas das duas candidaturas, o total dos que votam em Serra por conta de seu projeto de governo é quase duas vezes superior aos que escolhem Dilma pelo mesmo motivo: 17% a 9%, respectivamente.

O Datafolha também perguntou aos eleitores ainda indecisos a razão de não terem escolhido um ou outro candidato: 18% dizem que não o fizeram por conta da falta de propostas de ambos. Elas teriam dado lugar a discussões entre eles e a baixarias nos debates.

Outros 9% dos indecisos dizem que as propostas não convencem, não são críveis ou claras o suficiente.

Cheque as propostas dos presidenciáveis para 20 setores

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

20 perguntas para Dilma e Serra

SÃO PAULO - Os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) responderam, por e-mail, às perguntas enviadas pela Folha. Eles dizem o que pretendem fazer em áreas como saúde, segurança, ambiente e política externa.Entre as propostas, há mais semelhanças do que diferenças, como se observa nas respostas a respeito de economia. Porém, algumas discordâncias saltam à vista, como nas opiniões sobre a remuneração extra para professores.

SAÚDE

1 - O que o(a) sr.(a) pretende fazer para elevar a participação do PIB em despesas com saúde?

DILMA "Se eleita, vou construir no meu governo a estrutura definitiva do SUS, o que requer financiamento compatível com suas necessidades. Vou apoiar a regulamentação da emenda constitucional nº 29* para fixar novos patamares de vinculação da receita e definir o que são ações e serviços públicos de saúde. Promoveremos maior equidade na distribuição dos recursos federais e estaduais para a saúde utilizando critérios epidemiológicos, de rede instalada, renda per capita, IDH e outros para corrigir as desigualdades."

SERRA "Regulamentar a emenda constitucional nº 29*. Isto não vai resolver inteiramente o problema de financiamento da saúde, mas é um passo importantíssimo para aumentar os recursos no SUS." *trecho da Constituição que determina como e quanto o poder público deve investir em saúde

2 - Pretende eliminar subsídios para os planos de saúde privados, hoje da ordem de R$ 14 bilhões, como forma de buscar mais recursos para a área da saúde?

DILMA "Aprimorar a capacidade de regulação do Estado brasileiro sobre os diversos setores econômicos da saúde é um de meus objetivos centrais. Em relação aos planos de saúde, além de garantir a prestação de serviços com grau de qualidade adequada aos usuários, um grande desafio será efetivar o ressarcimento dos procedimentos realizados nos usuários de planos e seguros de saúde no âmbito do SUS."

SERRA "Não. Eliminar esse benefício de abater as despesas com saúde no imposto de renda não vai resolver a questão do financiamento da saúde. Porém, no nosso governo, vamos retomar o encaminhamento do reembolso que os planos de saúde devem ao sistema público."

3 - Mais da metade dos municípios brasileiros ainda não dispõem de equipes de Saúde da Família. O que vai fazer para atingir essas localidades?

DILMA "A universalização do Programa Saúde da Família é uma das propostas centrais de meu programa de governo", afirma a candidata. "Vamos apoiar os municípios neste processo, o que requer financiamento compatível e ações para resolver os vazios assistenciais que ainda existem no país. Vamos adotar estratégias como o serviço civil. Vamos levar os médicos aos municípios com carência desse profissional por meio de incentivos, associados à anistia de financiamento estudantil e outros. Ampliaremos o número de bolsas de residência no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste."

SERRA "Investir pesado nos recursos humanos e criar um novo modelo de financiamento para a área", diz o candidato do PSDB. "Uma das principais causas desse problema é a dificuldade de encontrar médicos e enfermeiras dispostos a trabalhar na rede pública. Os pequenos municípios, em particular, não têm condições, não somente financeiras, para contratar os profissionais. Junto com os governos estaduais, nós vamos construir alternativas para superar essa dificuldade de recursos humanos, inclusive com nova modalidade de financiamento federal."

BOLSA FAMÍLIA

4 - O(a) sr.(a) defende um período máximo de permanência das famílias no programa? Defende ainda uma política de reajuste anual do valor do benefício com base na inflação?

DILMA "A legislação do Bolsa Família prevê que, a cada dois anos, seja refeito o cadastro para verificar a permanência ou não da família no programa. Mas não há nem deve haver um prazo único para a permanência, já que a situação de pobreza e exclusão social resulta de um conjunto de fatores que se alteram em ritmo diferenciado para cada família."

SERRA "Não. O Bolsa Família já é uma conquista nacional, que tem origem no PSDB. E tem que ser entendido como uma política universal de garantia de renda para quem não consegue gerar o mínimo para sobreviver. Nesse sentido, não cabe estabelecer prazo", diz o tucano. "O mesmo deve ser dito sobre o reajuste. O importante é auxiliar a pessoa necessitada."

5 - É a favor do voto distrital (na sua forma pura ou mista, conhecida como "distrital e proporcional")?

DILMA "A reforma política deve ser definida com a sociedade e com suas expressões organizadas por meio do Congresso Nacional. Terá como objetivo dar maior consistência à representação popular e aos partidos, eliminando as distorções que ainda cercam os processos eleitorais. Ela deve fortalecer as instituições ao mesmo tempo em que as aproxima da cidadania. O formato final será tanto melhor quanto mais amplo for o diálogo entre as forças políticas e sociais envolvidas."

SERRA "Sou a favor do voto distrital misto. Temos uma proposta, já em 2012, de dividir todos os municípios com mais de 200 mil eleitores em distritos para a eleição de um vereador em cada distrito. Com isso, o custo de campanha deve ser reduzido, no mínimo, em cinco vezes, porque o candidato não terá que percorrer toda a cidade, e o eleitor votará escolhendo entre cinco ou seis concorrentes", diz. "Dessa forma, o eleitor exercerá maior controle sobre o candidato eleito, o que confere mais força para a sociedade."

EDUCAÇÃO

6 - O(a) sr.(a) vai aumentar o percentual do PIB destinado à educação? Para quanto?

DILMA "Garantir educação de qualidade para todos os brasileiros requer dar continuidade à expansão dos recursos disponíveis. No governo Lula, dobramos o Orçamento do Ministério da Educação em termos reais. Darei continuidade a esse processo, tendo como meta alcançar 7% do PIB para a educação em 2014."

SERRA "Sim. Esse aumento do percentual do PIB destinado à educação vai refletir o esforço nacional -e não apenas federal- em relação aos investimentos na área, inclusive os do setor privado e das famílias. Os gastos públicos incluem o que vem da União, dos Estados e municípios. Esses últimos são responsáveis pela maior parte, já que são os mantenedores das redes de escolas públicas de educação infantil e ensino básico", diz o candidato. "Mais do que discutir a questão levando em conta o volume em relação ao PIB, nosso governo definirá políticas que aumentem o esforço nacional em relação aos investimentos educacionais."

7 - É a favor ou contra dar remuneração extra ao professor, de acordo com o desempenho dele?

DILMA "A valorização do professor é central para alcançarmos educação de qualidade. Essa valorização requer salários dignos e capacitação continuada. Devemos perseguir a implementação do piso salarial nacional do magistério e sua elevação ao longo do tempo. Prêmio por desempenho não é salário."

SERRA "[A remuneração extra] é uma alternativa importante, calcada no princípio de que, quanto melhor for o desempenho e quanto mais os alunos aprenderem, maior será a remuneração do professor. Isso deve ser feito ao lado da valorização profissional dos professores e da estruturação de planos de carreira."

8 - É a favor de uma lei que obrigue as instituições de ensino superior a adotar cotas para negros? E para alunos de escola pública?

DILMA "O Estatuto da Igualdade Racial, que entrou em vigor recentemente, prevê a implementação de políticas afirmativas para que o Brasil continue diminuindo a desigualdade que historicamente nos marcou. As instituições de ensino superior têm autonomia para definir o mecanismo mais adequado para perseguir esse objetivo maior e contribuir para a redução da desigualdade de oportunidades no país."

SERRA "Algumas universidades federais adotam as cotas raciais. Outras, as sociais, que parecem refletir melhor a realidade social e étnica da população brasileira. Essa diversidade de estratégias é rica e promove a inclusão desejada. Na minha opinião, os mecanismos devem ser aperfeiçoados, sempre levando em conta a autonomia de cada uma das universidades e a realidade regional na qual elas estão inseridas", afirma o candidato do PSDB. "O trabalho em educação deve ser orientado para que a escola pública tenha uma boa qualidade e a política de cotas não seja necessária."

9 - É favorável à unificação das polícias Civil e Militar dos Estados?

DILMA "É absolutamente necessária a integração das polícias estaduais no que diz respeito à sua formação, ao compartilhamento de informações e à construção compartilhada de seu planejamento operacional. A integração das polícias supera a questão da unificação, uma vez que proporciona um resultado mais eficaz da sua atuação, que é o necessário para que a população brasileira tenha mais segurança."

SERRA "A existência das duas polícias é constitucional e, para repensar o modelo, é preciso alterar o artigo 144 da Constituição. Nosso esforço será o de fazê-las trabalharem juntas, compartilhando treinamento e informações. Em SP, os cursos superiores de polícia já são integrados: compartilham os dados do Infocrim e sentam mensalmente, juntas, para analisar as informações em busca de ações integradas", diz. "Aumentar os recursos, aprimorar a tecnologia e melhorar a gestão das polícias, bem como as condições de trabalho e formação dos policiais, pode ser mais relevante do que promover a unificação."

10 - O Brasil contabiliza cerca de 45 mil vítimas de homicídios por ano. Entre os mais jovens, o país é o número 1 em mortes violentas. O que pretende fazer para diminuir esses números?

DILMA A candidata ressalta "uma série de políticas públicas implementadas pelo governo federal, como a política de controle de armas de fogo, o fortalecimento de políticas de segurança de caráter preventivo e políticas de inclusão social". Acrescenta ela: "Continuaremos a implementação e fortaleceremos essas políticas, mas também ampliaremos o investimento na repressão qualificada da criminalidade, com foco na investigação e no esclarecimento dos crimes, a fiscalização das fronteiras, além de implantar UPPs e Territórios da Paz em todo o país."

SERRA "Uma das medidas principais é a criação do Ministério da Segurança Pública. Ampliaremos a política de desarmamento, o combate ao contrabando de armas ilegais e ao tráfico de drogas, que tem grande responsabilidade pelas mortes de jovens no Brasil. Para isso, é preciso criar uma polícia especializada em fronteiras e controlar para valer a entrada de contrabando. Outra vertente importante será a valorização das polícias e dos policiais, da parceira com E stados e municípios para que todos os órgãos de segurança pública trabalhem efetivamente integrados."

AMBIENTE

11 - Está pronto para ir ao plenário da Câmara o substitutivo Rebelo para modificação do Código Florestal, criticado por anistiar crimes de desmatamento. Qual será sua primeira providência para sustar esse processo (ou acelerá-lo, se for a favor) no Congresso?

DILMA "O projeto ainda está em tramitação no Congresso e entendo ser desejável a construção de um amplo consenso. Não serão admissíveis propostas que reduzam áreas de reserva legal e preservação permanente, embora seja necessário inovar em relação à legislação em vigor. Sou totalmente contrária a qualquer anistia para desmatadores."

SERRA "Por razões político-eleitorais, essa discussão, de relevância inquestionável, não deveria ser concluída neste ano. O Código Florestal merece ampla avaliação, junto com a sociedade, e com a participação efetiva de todas as partes envolvidas." Para o candidato, há três pontos centrais a serem considerados: 1) "o conceito de bioma, que precisa ser aprofundado. Essa definição necessita de discussão técnica e cuidado para construir um marco regulatório que, por um lado, não beneficie uns em detrimento de outros, e, por outro, não resulte no prejuízo do meio ambiente do país como um todo"; 2) "a idade das propriedades. Algumas possuem zonas antigas de produção que já se desenvolveram ao longo dos anos. O governo vai fazer o quê com elas?"; 3) "existe também a questão das matas ciliares, se entram ou não nas reservas".

12 - No setor de energia, o planejamento para suprir as próximas décadas toma por base crescimento anual de 5% do PIB e depende excessivamente de grandes hidrelétricas com problemas de licenciamento ambiental, caras e com viabilidade econômica discutível, como Belo Monte. Qual é a alternativa?

DILMA "Um legado fundamental do governo Lula para os quatro anos do próximo mandato é a contratação de 100% da oferta necessária para atender à demanda de energia elétrica no Brasil nesse período, com o país crescendo a taxas de 7% ao ano. Se eleita, darei continuidade à gestão eficiente do PAC, para que as obras licitadas sejam concluídas dentro do cronograma", diz a candidata. "A prioridade para a fonte hidrelétrica é desejável, pois ela possui o menor custo de produção e permite manter nossa matriz energética como a mais limpa do mundo. Sabemos que parte expressiva do potencial a aproveitar se encontra no bioma amazônico, o que requer atenção especial para que o nosso desenvolvimento não gere impactos significativos no ambiente, em terras indígenas ou em unidades de conservação."

SERRA "O Brasil pode fazer usinas hidrelétricas na Amazônia, desde que faça bem, avaliando a sua viabilidade do ponto de vista ambiental e econômico", afirma. "É preciso elaborar uma política que leve em consideração e estimule as vantagens comparativas das diferentes regiões. Por exemplo, a geração a bagaço de cana em São Paulo e as eólicas no Nordeste." O candidato propõe uma agenda para o setor, que inclui "solução para as renovações das concessões de geração, transmissão e distribuição de forma a recuperar a segurança jurídica para investidores"; "novas usinas de energia nuclear"; "diversificação da matriz elétrica"; "reestruturação empresarial do setor com o Estado assumindo a direção e roteiro do programa da consolidação do setor", entre outras medidas.

POLÍTICA EXTERNA

13 - O(a) sr.(a) é favorável à entrada da Venezuela no Mercosul?

DILMA "É do interesse do Brasil que a Venezuela ingresse no Mercosul, pois estamos falando de um país amazônico e vizinho, com o qual compartilhamos uma fronteira de mais de 2.000 km. Além disso, a adesão da Venezuela dará vértebra sul-americana ao Mercosul, que irá da Terra do Fogo ao Caribe. Com isso, estará superada a falsa ideia de que o Mercosul só interessa às regiões Sul e Sudeste. As vantagens auferidas com a abertura do mercado venezuelano vêm beneficiando os setores produtivos de Roraima, Pará, Amazonas, Pernambuco e Bahia, além dos nossos Estados com maior tradição em comércio exterior."

SERRA "Do ponto de vista estratégico, a entrada da Venezuela no Mercosul é positiva para o Brasil. O grupo comercial se estenderá do norte da América do Sul até a Patagônia. A Venezuela é uma das três ou quatro maiores economias da região e um dos grandes produtores de petróleo no mundo", defende. "O problema não é a Venezuela, mas o atual presidente, Hugo Chávez. Chávez manifestou-se publicamente contra o Mercosul, tem uma agenda externa que não é a nossa e não está cumprindo nem o que havia prometido aos membros do Mercosul ao assinar o Protocolo de Adesão."

14 - Pretende assinar o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear? Por quê?

DILMA "O Brasil, como membro do Tratado de Não Proliferação, já está sujeito aos mecanismos de supervisão que asseguram os fins pacíficos de seu programa nuclear. Dispomos, ainda, de mecanismos adicionais próprios: temos uma cláusula constitucional que limita o uso da energia nuclear apenas para fins pacíficos e, junto com a Argentina, mantemos, desde 1991, uma agência bilateral de contabilidade e controle de materiais nucleares."

SERRA "Negociaremos os termos do protocolo com a Agência Internacional de Energia Atômica. Não cabe recusar sem negociar. Se estiver em conformidade com o interesse do país, poderemos reexaminar a atual posição sobre o assunto; caso contrário, não assinaremos. A política nuclear será mantida, respeitados os princípios da Constituição. Procuraremos ampliar a capacitação do Brasil na exploração e no enriquecimento do urânio para fins comerciais."

15 - Pretende mudar a relação com regimes autoritários ou ditaduras, como as de Irã, China, Cuba e Arábia Saudita?

DILMA "A diplomacia de um ator que se pretende global -como o Brasil- tem de ser universalista. Mantemos contatos diplomáticos com países de todas as regiões, os credos e as origens. Não nos calamos diante do que consideramos errado. Exprimimos nossas discordâncias, com vigor, se necessário", diz a candidata do PT. "Mas nunca deixamos de dialogar. Diálogo político, cooperação e uma diplomacia silenciosa são meios mais eficientes para promover a democracia e os direitos humanos."

SERRA "O atual governo ignora nossos valores permanentes, como democracia e direitos humanos, ao defender interesses ideológicos ou comerciais de curto prazo, como ficou evidente recentemente no apoio irrestrito aos governos do Irã e de Cuba", afirma. "Em nosso governo, continuaremos a manter relações políticas e comerciais com todos os países, mas não silenciaremos na defesa dos valores que defendemos internamente, como democracia, liberdade de imprensa e direitos humanos."

ECONOMIA

16 - O que fará para deter a tendência de desvalorização excessiva do real ante o dólar?

DILMA "Observa-se uma depreciação do dólar frente a muitas moedas, em especial dos países emergentes que se encontram em situação econômica mais favorável, incluído o Brasil. Nosso ritmo de crescimento, em contraste com os EUA e as grandes economias europeias, é fator de valorização do real. Movimentos especulativos tendem a crescer muito nesses períodos, com o uso indiscriminado de derivativos", diz a candidata, que defende atuação, "nos fóruns internacionais, pela implantação de mecanismos que regulamentem melhor os mercados financeiros". No plano local, ela prevê a manutenção de "políticas de constituição de reservas que evitem grande volatilidade. Mas defendo a política de câmbio flutuante e não pretendo estabelecer metas para o câmbio".

SERRA "O mais importante é que o governo tenha posição firme no câmbio e que haja coordenação entre as diferentes instituições que são relevantes para o mercado cambial. BNDES, BB, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Banco Central precisam atuar em conjunto e limitar a propensão e a capacidade de especuladores agirem contra a moeda", afirma. "O par juro-câmbio é essencial para a política econômica e uma paulatina queda dos juros é alavanca muito importante para o país deter a apreciação cambial."

17 - Uma reforma tributária deve reduzir a proporção atual entre a arrecadação e o PIB, mantê-la ou elevá-la?

DILMA "O principal foco da reforma tributária é simplificar e racionalizar a arrecadação de impostos. Avançamos muito nos últimos anos, com desonerações e ampliação de sistemas tributários simplificados, como o Super Simples", afirma. "Ainda assim, as empresas brasileiras gastam muito tempo e recursos para pagar impostos, e o governo também gasta muito tempo e recursos para arrecadar e fiscalizar os impostos. Minha proposta prioriza o aumento na eficiência produtiva. Alguns impostos podem e devem ser reduzidos, como a contribuição sobre a folha de pagamentos para a Previdência, sobre alimentos, serviços públicos essenciais, remédios e investimentos."

SERRA "É necessário reduzir a carga tributária bruta, que é justamente o quociente entre as receitas públicas e o PIB. Mas não precisamos esperar a situação ideal, que seria a reforma, para avançar em aspectos do nosso sistema que são muito perversos para as empresas instaladas no Brasil", diz o tucano. "A desoneração de setores que hoje apresentam preços proibitivos por obra da estrutura tributária é urgente. Esse é o caso do saneamento e da energia elétrica. Ao mesmo tempo, é crucial que as exportações sejam desoneradas de tributos como ICMS e PIS/Cofins que hoje geram créditos de morosa recuperação por parte das empresas exportadoras."

18 - Que gastos devem ganhar espaço no Orçamento e quais devem perder?

DILMA "O investimento público em infraestrutura e habitação aumentará ainda mais, com o PAC 2 e o Minha Casa, Minha Vida 2. Também pretendo direcionar mais recursos para saúde, educação e segurança, contendo o crescimento das despesas de custeio não prioritárias. Por fim, os programas sociais serão mantidos, mas devido ao crescimento da economia, o seu peso no Orçamento tende a ficar estável."

SERRA "Os gastos sociais ganharão espaço. Notadamente, os recursos aplicados em saúde e educação, além dos relativos a segurança. A abertura de espaço no Orçamento será realizada com uma rigorosa avaliação do gasto terceirizado que não vem apresentando resultados positivos, dos programas de governo que se sobrepõem e de ações caracterizadas pelo neoclientelismo petista."

19 - O que o governo deve fazer para deter o aumento do deficit nas transações de bens e serviços com o exterior?

DILMA "Temos que ampliar e diversificar nossas exportações, o que faremos reduzindo o custo de produzir no Brasil. Vou continuar investindo em nossa infraestrutura e simplificando nossa tributação. Também vamos agilizar a devolução dos créditos tributários, melhorar as condições de financiamento e reduzir as taxas de juros para nossas empresas. Mais importante, intensificaremos a política de desenvolvimento produtivo, sobretudo para estimular ainda mais os setores de serviços, de produtos manufaturados e de ciência e tecnologia."

SERRA "No dia 2 de janeiro, colocaremos em prática uma nova política externa, focada, principalmente em nossas relações comerciais. Essa estratégia comercial envolverá: a adequação das questões tributárias da exportação, a redução de preços de insumos gerais como energia, petróleo e gás, medidas sobre os encargos setoriais, valoração correta de mercadorias importadas e apoio à inovação."

20 - Qual é a política de reajuste do salário mínimo adequada para um mandato presidencial inteiro?

DILMA "É aquela que dê previsibilidade aos agentes econômicos, ao Orçamento e, principalmente, que promova o aumento do poder de compra. A atual política permitiu elevar substancialmente o valor real do salário mínimo. Por isso vou manter a política de reajustes anuais de acordo com a inflação e com o crescimento real da economia. Essa política é sustentável do ponto de vista fiscal."

SERRA "O mínimo de R$ 600, já no primeiro ano de mandato, em 2011, é uma indicação de que o piso dos rendimentos deverá ter uma expressiva evolução real durante o nosso governo", afirma ele. "Fazê-lo sem um fortalecimento da produção de bens foi um grande erro da gestão Lula. Erro que resulta em vazamento de fatores indutores do crescimento para o setor externo e deterioração de nossa balança comercial."

REMUNERAÇÃO EXTRA AO PROFESSOR

"A valorização [dos professores] requer salários dignos e capacitação continuada. Devemos perseguir a implementação do piso salarial nacional do magistério e sua elevação ao longo do tempo. Prêmio por desempenho não é salário"
DILMA ROUSSEFF

"Alternativa importante, calcada no princípio de que, quanto melhor for o desempenho e quanto mais os alunos aprenderem, maior será a remuneração do professor. Isso deve ser feito ao lado da valorização profissional dos professores"
JOSÉ SERRA

RELAÇÃO COM REGIMES AUTORITÁRIOS

"Não nos calamos diante do que consideramos errado. Exprimimos nossas discordâncias (...) mas nunca deixamos de dialogar. Diálogo político, cooperação e uma diplomacia silenciosa são meios mais eficientes para promover a democracia e os direitos humanos"
DILMA ROUSSEFF

"Em nosso governo, continuaremos a manter relações políticas e comerciais com todos os países, mas não silenciaremos na defesa dos valores que defendemos internamente, como democracia, liberdade de imprensa e direitos humanos"
JOSÉ SERRA