domingo, 11 de abril de 2010

Captando sinais:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula, velho conhecedor das campanhas eleitorais, deve ter colocado o ouvido no chão e captado sinais que escapam aos comuns dos mortais para se comportar da maneira errática dos últimos dias, sem o menor pudor de afrontar a Justiça Eleitoral ou de anunciar que estará por trás da candidata oficial, Dilma Rousseff, puxando as cordinhas como se faz com as marionetes

Há também nessa mudança de atitudes de Lula a admissão de que a estratégia da oposição está dando resultados. O governo quer porque quer que a oposição assuma ser anti-Lula, enquanto a oposição vai se colocando para o eleitorado como uma opção pós-Lula, como defendia o ex-governador de Minas Aécio Neves.

Sagaz do jeito que é, Lula deve ter detectado que a sua criatura eleitoral não está convencendo os eleitores de que pode levar adiante seu projeto de governo, e resolveu escancarar que estará sempre a seu lado se realmente for eleita.

Essa estratégia de desidratar Dilma para se colocar em seu lugar, cumprindo um terceiro mandato indireto, já havia sido abandonada lá atrás, quando as pesquisas qualitativas mostraram que os eleitores estavam considerando Dilma uma mera teleguiada do líder Lula, o que poderia impedir que ampliasse sua base eleitoral, coisa absolutamente necessária para uma vitória.

Lula chegou a desmentir que pensasse em se candidatar a novo mandato em 2014, dizendo que Dilma não era candidata para um governo só.

Parecia coerente com declarações anteriores, quando defendia a tese de que ex-presidentes já têm seu lugar na História e não devem participar diretamente do dia a dia da política nacional.

Com isso queria criticar o comportamento de seu melhor adversário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Agora, não se peja de dizer que será o homem por trás dos cordões que moverão a marionete-presidente, e chega a dizer que poderá, fora da Presidência da República, agitar mais, reclamar mais, como se esse fosse o papel de um ex-presidente.

Aliás, Lula já disse que quebrarão a cara aqueles que imaginam que ele será um mero ex-presidente.

Essas idas e vindas de Lula podem indicar que ele está desencarnando mal do papel de presidente da República, mas podem também ser sinais de que as sondagens eleitorais mostram que será mais difícil do que ele apregoa eleger Dilma Rousseff do nada de onde foi buscá-la para reafirmar sua força eleitoral.

Pegue-se a indisposição do presidente com a Justiça Eleitoral e se terá uma ideia clara das dificuldades que Lula está encarando na sua tentativa de eleger Dilma.

Pelo que havia planejado, Lula seguiria impávido na apresentação de sua candidata ao eleitorado brasileiro sem que nada obstaculizasse essa determinação de fazê-la conhecida.

Às custas de quebrar as regras eleitorais seguidamente, conseguiu elevar Dilma de uma quase desconhecida a uma candidata viável com cerca de 30% dos votos nas pesquisas eleitorais.

Esse índice sempre foi uma barreira psicológica que Lula levou muitas derrotas para superar, e teve que se transformar no único líder eleitoralmente viável da esquerda brasileira para consegui-lo.

Ora, Dilma não tem essa capacidade de ação, e trazêla a esse patamar é sem dúvida uma grande vitória pessoal de Lula.

Mas estender o alcance de suas ideias e projetos para além desse eleitorado cativo da esquerda parece ser uma tarefa mais complexa, que não depende apenas de Lula.

E as barreiras jurídicas que o TSE está colocando ao desejo de Lula de impor sua candidata ao país estão irritando o nosso guia, como é identificado pelo chanceler Celso Amorim.

Não se trata, como simplifica Lula, de um juiz qualquer dizer o que se pode ou não se pode fazer. Trata-se de coisa bem mais profunda, respeitar as leis.

O líder sindicalista não está acostumado a ouvir um não a suas vontades, e não gosta quando leis impõem limites às suas ações.

Ou quando os meios de comunicação denunciam irregularidades.

Ou quando o Tribunal de Contas da União embarga uma obra por indícios de irregularidades.

Ou quando os 80% de popularidade que tem não se transformam em votos para aquela que tirou de sua cartola.

No fundo, no fundo, neste momento Lula parece irritado com o eleitor, que ainda não dá mostras de que vai segui-lo cegamente nas urnas de outubro.

Ele está querendo tanto convencer as pessoas de que Dilma é a cara que exagera até mesmo na modéstia.

Declarou na reunião do PCdoB que, se tivesse conhecido Dilma antes, não teria sido candidato, pois ela é bem melhor.

Tudo o mais constante, Lula não teria nem mesmo tempo de saber se Dilma é melhor do que ele, porque trataria de isolá-la politicamente caso se oferecesse para ser candidata a presidente da República, assim como fez com os atuais senadores Cristovam Buarque e Eduardo Suplicy.

Trata-se, portanto, de uma falsa modéstia, e Dilma só está candidata pela vontade exclusiva de Lula, que agora quer convencer o eleitorado de que ela será uma mera laranja dele, cumprindo um terceiro mandato indireto.

Uma mudança na legislação faz com que nesta eleição o eleitor veja na tela da máquina de votar o nome e a foto também do candidato a vice-presidente.

Não se vota separadamente para vice, como já foi o caso, mas a escolha do vice ganha relevância também na hora de votar.

E o suplente de senador também aparecerá na telinha, com foto e tudo.

Saio em férias, e a coluna volta a ser publicada na terça-feira, dia 27 de abril.

Desdita oficial:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É natural - necessário até - que cause espanto e provoque protestos quando um presidente da República declara que acha um absurdo os políticos ficarem "subordinados a decisões de um juiz a cada eleição".

Realmente, como disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, a atitude do presidente Luiz Inácio da Silva é "assustadora e incompatível com a responsabilidade do cargo".

Mas, conforme acrescentou o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Fernando César Baptista de Mattos, "não é a primeira vez que comentários dessa natureza são feitos pelo presidente".

Nem será a última. Isso a despeito de há quatro dias ele mesmo, Luiz Inácio da Silva, ter dito em entrevista a uma rádio, que o Poder Judiciário deve ser respeitado e que, se erros forem cometidos por ele no curso da campanha, merece ser punido por isso.

Naquele mesmo dia havia ordenado ao ministério extremo cuidado com a lei eleitoral e condenando veementemente o uso da máquina pública em campanhas eleitorais.

Portanto, com todo o respeito devido à necessidade de se registrarem os protestos, é tempo perdido. A impressão que se tem é a de que o interlocutor em questão não as escuta. Ou se ouve, não registra.

Como de resto não parece reter no pensamento nem as próprias palavras ditas, as quais não conecta com os raciocínios pretendidos.

Prometeu, quando sair da Presidência, "gritar, perturbar" para mudar essa situação. Como opositor do governo Dilma? Como líder do movimento dos sem-juiz?

No caso da declaração do "juiz", obviamente quis dizer que a Lei Eleitoral não pode mudar a cada ano. Mas, isso se infere, porque no afã produzir o panfleto oral que supostamente mobiliza, simplifica demais e erra.

E aí sai o coordenador da campanha de Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia, a dar as explicações.

Ponderando que o presidente só quis defender a reforma política. Poderia tê-lo feito ao longo de oito anos, tinha força para tanto.

Atacando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, por ter dito que não se deve "brincar com a Justiça". Aconselhou o ministro a falar mais aos "autos e menos aos microfones".

Ora, se alguém fugiu às balizas republicanas foi o presidente ao debochar aos microfones das multas recebidas quando a Justiça falou nos autos e o condenou por campanha antecipada.

Bom entendedor. O apoio do ex-governador Anthony Garotinho a Dilma Rousseff foi fechado no ano passado diretamente pelo então ministro dos Transportes Alfredo Nascimento.

Ele explicou que apesar da aliança do presidente Lula com o governador Sérgio Cabral, inimigo de Garotinho, o palácio avaliava que Cabral não teria votos suficientes no Estado para eleger Dilma.

E foi franco: disse a Garotinho, candidato do PR ao governo, que o governo federal não poderia lhe dar um só voto. Mas teria meios de lhe tirar muitos se necessário fosse.

Meia palavra dita, tudo entendido, acordo fechado.

Roque. Da desistência do vice-presidente José Alencar de concorrer ao Senado decorre uma certeza e algumas hipóteses em matéria de desdobramentos.

O certo é que o presidente Lula pode viajar e se licenciar do cargo, se for o caso, sem que seja necessário o presidente do Senado, José Sarney, assumir a Presidência.

As hipóteses guardam relação com as eleições em Minas, Estado de Alencar. Sem ele no páreo, a vaga ao Senado pode ir para os petistas Patrus Ananias e/ou Fernando Pimentel.

Numa possibilidade remota, para o pemedebista Hélio Costa. Ou, quem sabe, o PT consegue ficar com uma vaga para o Senado, com a candidatura ao governo e, em troca, Hélio Costa fica com a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff.

Este último lance, que tiraria o lugar de Michel Temer, estaria reservado para o caso de Aécio Neves mudar de ideia e vir a compor a chapa puro-sangue com José Serra.

Seria o reforço mineiro governista para neutralizar a jogada oposicionista.

O descontrole:: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O cerco que acomete o presidente Lula, feito de contrariedades e desafios à sua soberba, é invariável

A AGRESSIVIDADE de Lula nos últimos dias é um sinal que cada um de nós pode interpretar como quiser, mas o cerco que o acomete, feito de contrariedades e desafios à sua soberba, é invariável. E, inconclusos, todos prometem desdobramentos ainda mais agitadores dos ânimos presidenciais.

O insulto de Lula aos ministros do Tribunal de Contas da União, acusados de "leviandade" por concluírem que Geddel Vieira Lima destinou à Bahia 65% das verbas de prevenção a calamidades, revela a responsabilidade maior do próprio Lula, no caso.

Seu nomeado para o rico Ministério da Integração Nacional, no segundo mandato, foi nada menos do que um "anão do Orçamento", salvo da degola por um pedido de última hora de Luiz Eduardo Magalhães ao relator Roberto Magalhães. Durante o primeiro mandato de Lula, Geddel manteve-se contrário ao governo, mesmo como integrante do PMDB, e se dedicou a atividades que criaram um bordão em Brasília: "Geddel vai às compras".

Por isso mesmo, o motivo de sua nomeação é ainda mais revelador. Foi parte do acordo para que o PMDB de Geddel apoiasse Jaques Wagner, incapaz de eleger-se ao governo baiano só com o PT. Muito ligado ao casal Jaques Wagner, Lula apoiou o acordo comprometendo a entrega de uma parte importante do governo, como o Ministério da Integração Nacional repleto de verbas e obras, na permuta eleitoral com um "anão do Orçamento". Geddel tratou de usar o ministério para sua própria candidatura, a par, claro, de outras finalidades.

A leviandade, ou muito mais, está no Tribunal de Contas da União?

Lula já havia falado, aqui, de seu encontro com Barack Obama, no decorrer da reunião em Washington sobre a ampliação do Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas. A Casa Branca liberou agora, e não à toa, a relação das conversas pessoais agendadas por Obama. Lula ficou de fora. O que, para tanto deslumbramento e soberba, tem ares de humilhação. Inclusive porque as relações entre os Estados Unidos e o governo brasileiro estão muito mais difíceis do que transparece no Brasil.

Daí a provocação de Lula na quinta-feira, em resposta à Casa Branca: referiu-se ao "amigo Ahmadinejad". Seguindo-se sua exaltada volta às bravatas: "Não vão fazer com o Irã o que vão fazer com o Iraque". Outro assunto em que o inesperado atingiu Lula, com as ressalvas da Rússia e as reticências da China em sua defesa do programa nuclear de Ahmadinejad. O risco de isolamento ameaça Lula, neste caso em que a posição oficial do Brasil não se confunde com a posição civil do país.

Lula forçou todas as resistências, afastou Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, propagou por aí afora a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, fez uma estranha concorrência -e afinal o consórcio das maiores empreiteiras comunica a desistência da concessão e da obra. Então, lá vem bravata: "Belo Monte vai ser feita de qualquer jeito, o governo vai fazer". O que leva à mesma pergunta de Lula para a correção das aposentadorias: "onde está o dinheiro?"

A enrolação da compra dos caças da FAB chega a um ponto de difícil continuação. Disposta na mesa como um jogo sem saída: qualquer que seja "a escolha", o governo está advertido de que terá problemas, ou por não cumprir o combinado, ou por não fazer uma concorrência correta.

Para encerrar a semana com coerência, o desafio de Lula à Justiça Eleitoral avançou para um ataque aos magistrados que, no fundo, é uma convocação aos políticos para a desobediência à Constituição. Outro embate que Lula, por certo, sabe não ter como ganhar. Até por já estar sob o risco de uma ação por crime de responsabilidade, hipótese citada mais de uma vez nas reações à sua agressão verbal.

Se à lista acima alguém quiser acrescentar outros embaraços em torno da agressividade Lula, fique à vontade. Existem, mesmo.

De volta

Às 17h05, a Globonews deve reexibir o segundo programa de Geneton Moraes Neto, autor de bons trabalhos jornalísticos, com generais da ditadura. Este será com Newton Cruz, o anterior foi com Leônidas Pires Gonçalves.

Para quem viu e quem não viu essas figuras que se apropriaram do Brasil por 21 anos, encontrá-los como são é muito útil. Mas, previna-se, acentua uma pergunta impiedosa: como mentalidades de tal nível podem chegar a ser generais?

O BONDE SÃO JANUÁRIO/Ataulpho Alves ( Ataulpho Alves Jr.)

Nota oficial da Ajufe critica afirmações de Lula

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), entidade nacional de representação dos Juízes Federais, vem a público, manifestar-se sobre as afirmações do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro realizado ontem (8):

1. A AJUFE lamenta as declarações do Presidente da República no sentido de que “não podemos ficar subordinados ao que um juiz diz que podemos ou não”. Não é a primeira vez que comentários dessa natureza sobre decisões da Justiça Eleitoral são feitos pelo Presidente.

2. Toda decisão judicial agrada uma das partes do processo e desagrada a outra. Isso faz parte da democracia. Tantas vezes, o então candidato, e agora Chefe do Poder Executivo recorreu e teve seus pedidos acolhidos pelo Poder Judiciário. Os juízes não esperaram elogios por isso, porque estavam cumprindo seu papel, decidindo com independência, de acordo com a Constituição, as leis e as provas apresentadas.

3. Ao ser multado pela Justiça Eleitoral, o Presidente da República, como Chefe de Governo e Chefe do Estado Brasileiro, deveria ser o primeiro cidadão a defender o cumprimento da Constituição Federal e das decisões judiciais, fazendo valer os princípios da harmonia e da independência dos Poderes.

4. No regime democrático - que tantos lutaram para restabelecer no País, inclusive o Presidente da República -, o Poder Judiciário representa a última fronteira do cidadão contra o arbítrio praticado por seu semelhante e contra a violência do Estado, na medida em que seu papel é assegurar o cumprimento da Constituição. Fortalecer o Poder Judiciário e suas decisões é fortalecer a democracia.

5. A AJUFE endossa inteiramente com as afirmações do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, no sentido de que “não se deve fazer brincadeiras com a Justiça”. Lamenta a AJUFE que o Presidente da República se esqueça que os magistrados de todas as instâncias também são membros de Poder e não merecem o tratamento contido em comentários dessa natureza.

A AJUFE reafirma que os magistrados federais com atuação na Justiça Eleitoral estarão atentos para que as Eleições de 2010 transcorram com observância da Constituição e da legislação eleitoral. Se a lei não é ideal, as propostas de alteração devem ser submetidas ao Congresso Nacional para que este examine o seu aperfeiçoamento.

Brasília, 9 de abril de 2010.
Fernando Cesar Baptista de Mattos

Quero ser o presidente da união

DEU EM O GLOBO

Serra lança sua candidatura pelo PSDB acusando indiretamente o PT de tentar dividir o país

Adriana Vasconcelos e Flávio Freire* BRASÍLIA

Numa festa que reuniu cerca de seis mil líderes e militantes de partidos de oposição, o ex-governador José Serra lançou ontem sua candidatura à Presidência pelo PSDB, defendendo a união do país e prometendo ser o presidente de todos os brasileiros, sem divisão entre ricos e pobres, companheiros e não companheiros. Acusando indiretamente o PT por tentar dividir o país, disse ser deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil e afirmou não aceitar o raciocínio do nós contra eles, em alusão a uma frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Eleição é uma escolha sobre o futuro.

Olhando para a frente, sem picuinhas, sem mesquinharias. Eu me coloco diante do Brasil hoje como minha biografia, minha história política. Quero ser o presidente da união disse.

Sem citar o PT, Lula ou a pré-candidata petista, Dilma Rousseff, o tucano apontou falhas que vê no atual governo e pregou o fim da impunidade para os poderosos, o cumprimento das leis por todos, inclusive o presidente da República, e a defesa incondicional dos direitos humanos como pré-requisito de qualquer democracia.

Serra chegou à festa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num sinal de que nem ele nem o PSDB pretendem renegar o legado do governo FH. O ex-governador Aécio Neves dividiu as atenções com ele. Ao chegar, atrasado, foi recebido aos gritos de vice, vice, vice e ganhou um beijo no rosto do candidato tucano, após sinalizar que pode ceder à pressão do partido, do próprio Serra e de seus aliados para que componha a chapa.

Serra fez histórico dos últimos 25 anos para mostrar que o Brasil não começou em 2003, com o governo Lula.

E ressaltou que, nessa trajetória, os tucanos foram protagonistas mesmo, citando pelo menos três vezes a gestão de FH na versão original do discurso, havia uma citação apenas.

Contribuímos para essa história de progresso e de avanços do nosso país. Podemos nos orgulhar disso.

Não temos problema com o nosso passado, não temos mal entendido com o nosso passado. Mas, se avançamos, também devemos admitir que ainda falta muito por fazer. E, se considerarmos os avanços em outros países e o potencial do Brasil, uma conclusão é inevitável: o Brasil pode ser muito mais do que é hoje afirmou.

O Brasil não tem dono, diz Serra

Para Serra, o PIB brasileiro pode crescer 50% mais do que cresce hoje.

Mas isso, disse, se o país conseguir superar uma combinação perversa de falta de infraestrutura, inadequações de política macroeconômica, carga tributária sideral, aumento da rigidez fiscal e vertiginoso crescimento do déficit da balança de pagamentos.

Assim como em sua despedida do governo de São Paulo, ressaltou que o governo deve servir ao povo, não a partidos ou corporações.

Quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles.

O Brasil não tem dono. O Brasil pertence aos brasileiros que trabalham, que estudam, que querem subir na vida, aos brasileiros que não se deixam corromper, que não toleram os malfeitos, que não dispõem de uma boquinha, que exigem ética na vida pública porque são decentes, aos que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida.

Reconhecendo que terá uma dura campanha pela frente, Serra levantou a militância dos partidos de oposição ao pregar, várias vezes, o bordão O Brasil pode mais. Os cinco oradores que lhe antecederam, entre eles Fernando Henrique e Aécio, fizeram um paralelo entre a inexperiência de Dilma e a trajetória de Serra, dizendo que ele é um político testado e aprovado

O tema da eleição é o futuro. O Lula não é candidato, nem o FH

DEU EM O GLOBO

Serra diz que busca eficiência e que reúne teoria e prática sem "birra política"

ENTREVISTA José Serra

Nos últimos dias, após se afastar oficialmente do governo de São Paulo, o pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, evitou a imprensa como pôde.

Não o Twitter, de onde mandava recados às vezes leves (Sou fã do Google... rs Graças ao Google é mais difícil montar central de boatos, espalhar inverdades e enrolar as pessoas), às vezes diretos (Em todos os cargos que exerci, sempre mantive e muitas vezes melhorei o que era bom e funcionava) aos seus mais de 190 mil seguidores.

Sexta-feira à noite, o ex-governador recebeu O GLOBO em sua casa no Alto de Pinheiros, em São Paulo, com o aviso de que não discorreria sobre seus planos para a campanha presidencial ou um eventual futuro governo.

A conversa, horas antes de seu discurso em Brasília, se resumiria à sua trajetória e aos seus gostos pessoais.

Mas, na pequena sala de leitura e TV de sua casa, com uma biblioteca de clássicos como as obras completas de Machado de Assis e Eça de Queiroz ou livros de Graham Greene, Pablo Neruda e Shakespeare, Serra falou não apenas de si. Entre um e outro gole de chá, deixou claro que esta corrida eleitoral é sobre José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva. É uma disputa pelo futuro e não uma comparação entre governos passados. E que a história, a experiência e os pensamentos de cada candidato serão o que os eleitores, afinal, irão julgar na hora de escolher o novo presidente.

Gilberto Scofield Jr. - SÃO PAULO
O GLOBO: O senhor disse que os temas da campanha este ano seriam a folha de serviços prestados dos candidatos, o peso do ataque dos adversários e, em terceiro lugar, aspectos subjetivos, como a imagem pessoal de cada um. Como candidato do PSDB, o senhor ainda acha isso?

JOSÉ SERRA: O tema da eleição é o futuro. Vai tratar de se escolher alguém que seja capaz de botar o Brasil para a frente. É o que eu disse: o Brasil pode mais. Nisso conta o que a pessoa fez, o preparo que tem, as ideias que tem, o significado das suas palavras, mas sempre apontando para frente. O Lula não é candidato, nem o Fernando Henrique, nem o Sarney e nem o Collor.

A disputa então é entre José Serra e Dilma Rousseff.

SERRA: E Marina Silva.

Como o senhor descobriu o Twitter e como usa?

SERRA: Há pouco mais de um ano as pessoas começaram a me falar dessa ferramenta e tive a ideia de usar. Em 90% das vezes, faço de madrugada, que é uma hora vaga. E procuro falar de coisas leves porque o Twitter não é uma linguagem de blog para você defender teses ou ideias. É para dar pequenos lances sobre aquilo que você está fazendo. As pessoas têm curiosidade. Como gosto muito de cinema, sempre que vejo um filme, quando vale a pena, comento. Recebo muitas sugestões de música também.

É propositada sua determinação de evitar temas polêmicos?

SERRA: Porque não é o canal. Dá vontade, mas não é o canal.
Mas o senhor usa o Twitter para discutir realizações do governo paulista...

SERRA: É raro. Só quando é coisa muito óbvia ou factual. Por outro lado, é um termômetro para mim. Por exemplo: metrô. Por mais de uma vez encaminhei para o metrô reclamações.

O Twitter é então também uma ferramenta de medição da sua gestão de governo?

SERRA: Exatamente. E pretendo me manter no Twitter.

De onde vem o hábito de dormir tão tarde?

SERRA: Sempre fui noturno, desde a adolescência, porque ficava lendo. Aos 11, 12 ,13 anos, fui desenvolvendo o hábito de ler. Depois passava a noite resolvendo problemas de matemática.

Sua equipe não reclama?

SERRA: Só mando mensagem de madrugada para o dia seguinte. E não acordo ao meio-dia. Às vezes 9h, às 10h. Uma coisa é hora de dormir e outra, de acordar; uma não tem a ver com outra.

Qual a sua opinião sobre a mídia brasileira?

SERRA: Ela cumpre um papel informativo muito bom. Os problemas que vejo é o excessivo gossip (fofoca, em inglês). Não é bem fofoca. Uma vez era colunista da Folha de S. Paulo. Pedi à minha secretária que pegasse cinco grandes jornais brasileiros e contei o número de colunas. Tinha 20 e tantas. Pega uma média de 15 notas e você chegava a umas 500 por dia. Se sobre essas notas, você admite uma margem de redundância, cerca de metade, você tem que ter 250 novidades por dia. Algumas notícias são muito boas por serem ponderadas, mas a maioria não é assim e acaba se fazendo política por aí. Substitui a política.

O senhor disse em seu Twitter que quase toda a sua vida foi feita de incertezas e acasos. Mas o senhor não disse em seu discurso que é um homem de planejamento?

SERRA: É justamente como contraposição à ideia de que faço tudo planejado. Planejo uma ação determinada. Sou muito cartesiano nas análises, abrangentes, lógicas e bem informadas. Mas se você olhar para minha história, como virei líder estudantil porque fui presidente da UNE na época do golpe, em 1964 , foram 12 anos fora do Brasil, tudo isso é coisa que você não tem controle. Fui preso no Estádio Nacional no Chile, podia perfeitamente ter sido morto. Há três componentes na sua vida: o que você decide, as circunstâncias em que você está e o destino. Não há escolha. É assim.

O senhor fez teatro. Em que medida isso ajudou sua carreira política?

SERRA: Não foi pela carreira política que fiz teatro, mas por gosto. Mas me ajudou na presença pública, diante de gente concentrada em você. Tenho uma personalidade tímida, então o teatro foi importante.

O senhor definiu seu estilo no seu discurso de despedida. Seus amigos o consideram engraçado, fofoqueiro e espirituoso. Os críticos, sisudo, pouco carismático e antipático. O que os eleitores percebem em José Serra?

SERRA: Não sou capaz de te dizer. Nas macropesquisas com a população isso não aparece. Não aparece que sou muito bem-humorado, mas também não aparece que sou simpático. São interpretações de certos círculos. Para mim é natural não ser mal-humorado, a não ser quando estou sob pressão. Sou impaciente, é diferente. Às vezes, a impaciência é só desgaste e é inútil. Tenho treinado para controlar isso ao longo dos anos. Faço alongamentos e até automassagem.
Sua filha Verônica diz que o senhor não finge ser o que não é e que seu marketing é o da sinceridade. Mas políticos não são cínicos?

SERRA: Não é marketing ou uma estratégia deliberada. Para mim, é um desrespeito enrolar alguém. Dizer não, vou ver, vou passar para fulano ou sicrano, não gosto de fazer isso.

O que faz um estudante de engenharia virar político?

SERRA: Pensava em ser político desde os 7, 8 anos. Fazia política no Grêmio Politécnico. Houve uma greve, fui participante ativo aqui em São Paulo. E o pessoal da Juventude Universitária Católica, à qual eu não pertencia, me pediu que disputasse a eleição na União Estadual dos Estudantes. Ganhei e começou assim. Costumo dizer que carrego tudo aquilo que fui. Não tenho mal-entendidos com a vida. Costumo dizer que, como Piaf, não me arrependo de nada.

O senhor disse que, nos os cargos que exerceu, sempre manteve ou melhorou o que era bom. É um recado?

SERRA: Sou demasiado prático e procuro muito a eficiência para me dar ao luxo de desfazer coisas só pela birra política.

É hipocondríaco?

SERRA: Acho que não, mas quem tem fama deita na cama, não é o que dizem? Aliás, se você tiver uma boa dica de remédio para garganta aí para sugerir...

Não temos problema com o nosso passado

DEU EM O GLOBO

Tucano faz defesa das gestões do PSDB, da democracia, do crescimento do país e da honradez

A seguir, os principais trechos do discurso de Serra:

HONRA: Honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional, perseverança são essenciais ao exercício da política e do poder. É nisso que eu acredito e é assim que eu ajo e continuarei agindo.É com base neles que também reafirmo: o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais.

AVANÇAR MAIS: Nos últimos 25 anos, o povo brasileiro alcançou muitas conquistas. (...) Não foram conquistas de um só homem ou de um só governo, muito menos de um único partido. (...) E nós somos militantes dessa transformação, protagonistas mesmo, contribuímos para essa história de progresso e de avanços do nosso país. Nós podemos nos orgulhar disso. E, se considerarmos os avanços em outros países e o potencial do Brasil, uma conclusão é inevitável: o Brasil pode ser muito mais do que é hoje.

DEMOCRACIA: Mas, para isso, temos de enfrentar os problemas nacionais e resolvê-los, sem ceder à demagogia, às bravatas ou à politicagem. Começando pelo apreço à democracia representativa, que foi fundamental para chegarmos onde chegamos. Devemos respeitá-la, defendê-la, fortalecê-la. Jamais afrontá-la.
ORGULHO DO PASSADO: Contribuímos para essa história de progresso e de avanços do nosso país. Nós podemos nos orgulhar disso. Não temos problema com o nosso passado, não temos mal-entendido com o nosso passado.

UNIÃO: De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres. Ninguém deve esperar que joguemos estados do Norte contra estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural (...). E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil. Não aceito o raciocínio do nós contra eles. (...) Quero ser o presidente da União.

TRAJETÓRIA PESSOAL: Sou filho de imigrantes (...). A liderança no movimento estudantil me fez conhecer e conviver com todo o Brasil logo ao final da minha adolescência.

FAMÍLIA: Lembro-me do meu pai, um modesto comerciante de frutas no mercado municipal: 12 horas de jornada de trabalho nos dias úteis (...). Um homem austero, severo, digno. Carregava caixas de frutas para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros.

ESTADO MÍNIMO/SEGURANÇA: Saúde é vida, segurança também. Por isso, o governo federal deve assumir mais responsabilidades face à gravidade da situação. E não tirar o corpo fora porque a Constituição atribui aos governos estaduais a competência principal nessa área. (...) Se tem área em que o Estado não tem o direito de ser mínimo, de se omitir, é a segurança pública.

GUERRA CONTRA O CRIME: As bases do crime organizado estão no contrabando de armas e de drogas, cujo combate cabe às autoridades federais. Ou o governo federal assume de vez, na prática, a coordenação efetiva dos esforços nacionalmente, ou o Brasil não tem como ganhar a guerra.

IMPUNIDADE: Eu quero que meus netos cresçam num país em que as leis sejam aplicadas para todos. Se o trabalhador precisa cumprir a lei, o prefeito, o governador e o presidente da República também têm essa obrigação. Em nosso país, nenhum brasileiro vai estar acima da lei, por mais poderoso que seja.
INVESTIMENTOS: Lembro que os investimentos governamentais no Brasil, como proporção do PIB, ainda são dos mais baixos do mundo em desenvolvimento. Há uma quase unanimidade a respeito das carências da infraestrutura brasileira: no geral, as estradas não estão boas, faltam armazéns, os aeroportos vivem à beira do caos, os portos há muito deixaram de atender às necessidades.

CRESCIMENTO: Tem gente que vê essas carências apenas como um desconforto, um incômodo. Mas essa é uma visão errada. O PIB brasileiro poderia crescer bem mais , 50% mais, se a infraestrutura fosse adequada, se funcionasse de acordo com o tamanho do nosso país.

CARGA TRIBUTÁRIA: Para que o crescimento seja sustentado nos próximos anos não podemos ter uma combinação perversa de falta de infraestrutura, inadequações da política macroeconômica, carga tributária sideral, aumento da rigidez fiscal e vertiginoso crescimento do déficit do balanço de pagamentos.

ELEIÇÕES: Esta será uma caminhada longa e difícil. Mas manteremos nosso comportamento a favor do Brasil. Às provocações, vamos responder com serenidade; às falanges do ódio que insistem em dividir a nação vamos responder com nosso trabalho presente e nossa crença no futuro. Vamos responder sempre dizendo a verdade. Aliás, quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles.

PARTIDO DA BOQUINHA: O Brasil não tem dono. O Brasil pertence aos brasileiros que trabalham, que estudam, que querem subir na vida; aos brasileiros que não se deixam corromper; que não toleram os malfeitos; que não dispõem de uma boquinha; que exigem ética na vida pública porque são decentes; aos brasileiros que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida.

DIREITOS HUMANOS: O Brasil está cada vez maior e mais forte. Vamos usar essa força para defender a autodeterminação dos povos e os direitos humanos, sem vacilações. Direitos humanos não são negociáveis. Não cultivemos ilusões: democracias não têm gente encarcerada ou condenada à forca por pensar diferente de quem está no governo. Democracias não têm operários morrendo por greve de fome quando discordam do regime.

Desfiando o rosário dos mitos do lulismo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Rui Nogueira

Certo ou errado, José Serra fez a escolha: acha que o eleitor quer decidir o futuro e não vai aceitar uma comparação rasa com o passado, o tal "debate plebiscitário" desejado pelo presidente.

Contra o desafio de Lula, que não vê quem possa vencê-lo fazendo mais do que ele fez em oito anos de governo e ainda esteja disposto a enfiar "o pé no barro", Serra decidiu que o governo do PT não é o limite. E desfiou o rosário dos mitos do lulismo.

Antes de chegar às metas de possíveis conquistas materiais, Serra decidiu martelar em favor do Estado de Direito, da democracia, contra a impunidade e por um "Brasil sem donos" - 48 horas antes, o presidente Lula havia pregado, no encontro com o PC do B, o confronto com o Judiciário.

Ainda no capítulo dos bens espirituais, mas palpáveis, Serra estraçalhou com uma frase os argumentos que racionalizam as ditaduras de esquerda. "Democracias não têm gente encarcerada ou condenada à forca por pensar diferente de quem está no governo", disse, oferecendo à sociedade brasileira um parâmetro objetivo para julgar o apoio de Lula a Cuba e ao Irã.

Outros mitos foram alinhavados. Para o mito do comércio externo com índices "nunca antes" conquistados, Serra recordou que o Mercosul assinou um único acordo de livre comércio; para o mito do "canteiro de obras" em que o País teria se transformado, o tucano lembrou que custa mais transportar uma tonelada de soja do MT a Paranaguá (PR) do que do porto de Paranaguá à China; para o mito do governo que só olha para o povo, Serra lembrou que o melhor a dar ao povo está por ser feito: educação de qualidade, saúde de qualidade e saneamento de qualidade.

E o País, disse ainda Serra, não sentirá falta de um presidente que sabe o que é o trabalho e o sacrifício dos pobres se eleger o tucano. Lembrou que é filho de um comerciante de frutas que fazia jornadas semanais de até 75 horas de trabalho.

O eleitor dirá se concorda com Serra, mas os mitos do lulismo foram virados do avesso.
É chefe de redação da sucursal de Brasília

Serra defende união e diz que Brasil não tem dono

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ex-governador José Serra (PSDB) lançou ontem em Brasília sua pré-candidatura à Presidência, apresentando-se como nome do pós-Lula e prometendo trabalhar pela união do País. No discurso, ele afirmou que o Brasil não tem dono e pode mais, espécie de slogan já usado no discurso de despedida do governo de São Paulo. De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres, disse Serra. É deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil. Antes, discursou o ex-governador mineiro Aécio Neves, interrompido por gritos de vice, vice. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso destacou o desrespeito à lei, numa referência às multas aplicadas ao presidente Lula pela Justiça Eleitoral.

Serra lança candidatura, prega fim de divisões e diz que Brasil não tem dono

ANA PAULA SCINOCCA, CHRISTIANE SAMARCO, JOÃO DOMINGOS E JULIA DUAILIBI

Lançado pré-candidato à Presidência da República ontem, em Brasília, o ex-governador José Serra apresentou-se como o "pós-Lula" que se propõe a trabalhar pela união do País. Em críticas indiretas ao atual governo, o tucano destacou que o Brasil "não tem dono" e voltou a usar a expressão que "pode mais", dando assim o mote da campanha.

No encontro do PSDB-DEM-PPS, que atraiu cerca de 6 mil pessoas, segundo organizadores, Serra apostou no tom conciliatório: "Não aceito o raciocínio do nós contra eles". Reforçou a imagem do candidato da união, contrapondo-se ao discurso da principal adversária, a pré-candidata do PT, Dilma Rousseff.

"De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres. (...) Ninguém deve esperar que joguemos Estados do Norte contra Estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas. (...)É deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil."

Num recado indireto ao presidente Lula, Serra lembrou que, desde a redemocratização, a sociedade brasileira alcançou várias conquistas, como o direito de votar no presidente, a imprensa livre, a nova Constituição, o Plano Real, a responsabilidade fiscal dos governos, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a redução da miséria.

"Não foram conquistas de um só homem ou de um só governo, muito menos de um único partido. Todas são resultado de 25 anos de estabilidade democrática, luta e trabalho. E somos militantes dessa transformação, protagonistas mesmo, contribuímos para essa história de progresso e de avanços do nosso País", declarou Serra, que leu o discurso por meio de dois teleprompters instalados no palco.

Em mais um ataque velado ao PT, Serra afirmou ser necessário resolver os problemas nacionais "sem ceder à demagogia, às bravatas ou à politicagem". Disse ainda que o País "não tem dono" e que é dos brasileiros que "não dispõem de uma boquinha, dos que exigem ética na vida pública porque são decentes, dos que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida."

Serra apostou num discurso em que destacou o que considera "valores" do homem público, e listando "honestidade", "verdade", "caráter", "honra" e "coerência". Elaborou o texto com ajuda discreta do marqueteiro Luiz Gonzalez.

Um dos momentos de maior apelo foi quando falou da infância, parte da estratégia de trazer para o debate a disputa de biografias com a pré-candidata do PT. Foi quando recordou a origem humilde e a influência do pai. "Seu exemplo me marcou na vida e na compreensão do que significa o amor familiar de um trabalhador: ele carregava caixas de frutas para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros."

Também citou a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, o que levou às lágrimas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Durante cerca de uma hora, Serra não tentou vestir o figurino de showman, Deixou-se levar pela empolgação apenas no final, quando fechou a leitura levantando os braços para a plateia. O público era maior do que a capacidade do local, o que provocou tumulto. Tucanos do alto escalão foram barrados no acesso ao palco e ao salão principal. O presidente do PSDB paulistano, José Henrique Reis Lobo, discutiu com seguranças. Luiz Gonzalez também chegou a ser barrado. Os tucanos viram a confusão como reflexo do "sucesso" do evento junto à militância, que ganhou transporte, alimentação e hospedagem para ir ao local.

Inadequação econômica. As declarações de Serra evidenciaram os pontos centrais da campanha. Falou sobre educação, saúde, meio ambiente, segurança e combate às drogas. Crítico do câmbio valorizado, cortejou o setor exportador ao dizer que a agricultura "tem sido a galinha dos ovos de ouro do desenvolvimento do País." Disse ainda que há "inadequações" na política macroeconômica, mas não entrou em detalhes. Citou o "aumento da rigidez fiscal e vertiginoso crescimento do déficit do balanço de pagamentos." Também fez rápida referência à política internacional. Disse que o País não pode tolerar aqueles que mantêm prisioneiros políticos ou os que fuzilam, numa alusão à relação que o Brasil tem mantido com Cuba e Irã.

Quanto à eleição, falou em ser sereno. "Às falanges de ódio que insistem em dividir a Nação vamos responder com trabalho presente e nossa crença no futuro. Vamos responder sempre dizendo a verdade. Aliás, quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles." Concluiu seu discurso voltando ao ponto de partida: "Quero ser o presidente da União".

Fernando Henrique critica Lula por ''desrespeito à lei''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente faz críticas ao governo por não reconhecer avanço de suas gestões: "O Brasil cansou de arrogância"

Ana Paula Scinocca e Julia Duailibi

Ao proclamar união entre paulistas e mineiros, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o Brasil precisa ser construído "na velocidade dos tucanos de São Paulo e Minas". Foi uma defesa indireta à chapa puro-sangue entre os ex-governadores José Serra e Aécio Neves.

Fernando Henrique propôs ao PSDB o embate direto com o governo Lula, dando combustível a um dos principais temas da eleição presidencial deste ano: a comparação entre as gestões petistas e tucanas.

Ele destacou em seu discurso o "desrespeito à lei" - o PSDB que quer colar em Lula e no PT a pecha de que não respeitam a Justiça, tendo como pano de fundo as condenações do presidente por fazer campanha antecipada.

"O Brasil cansou de certa arrogância, autoconfiança. O Brasil quer lei, quer respeito e, como diz Serra, quer ver o malandro que roubou na cadeia", disse.

"Muito do que se fez hoje, foi plantado no meu governo", declarou o ex-presidente , que criticou o fato de o atual governo não reconhecer, segundo ele, avanços das gestões anteriores. "Serra saberá reconhecer o que foi feito. Não cuspimos no prato que comemos." Fernando Henrique criticou então o governo atual falando que as obras e ações são iniciativas de "marqueteiros". Também questionou projetos específicos do governo Lula, como a transposição do Rio São Francisco. "Não a vi."

Contou quando conheceu Serra no Chile na década de 60. "Entrou na sala, com esse olhar esbugalhado que ele sempre teve", afirmou. Depois, completou: "Essa cara, que parece um pouco fechada, é só para inglês ver."

Vice dos sonhos, Aécio sobe o tom das críticas ao PT

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Escalado para falar antes de Serra, ex-governador mineiro levanta plateia e encoraja militância a comparar os governos FHC e Lula

Christiane Samarco e Célia Froufe

Levantar a plateia era a missão do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves na cerimônia que o PSDB montou para lançar a pré-candidatura de José Serra à Presidência, ontem, em Brasília. E ele conseguiu.

Estrategicamente escalado para se pronunciar antes de Serra, Aécio assumiu a postura de candidato de oposição e subiu o tom nas críticas ao PT com uma contundência inédita. Ao final, convidou Serra para iniciar a pré-campanha por Minas.

Apesar do atraso na chegada, Aécio já entrou aclamado pelos militantes que entoavam o coro de "vice, vice, vice". Da lista dos ilustres do PSDB, ele foi o último a chegar ao evento, mas arrebatou o público no instante em que subiu ao palco. Disse que seu objetivo foi o de encorajar a militância a fazer todo tipo de embate durante a campanha, inclusive o ideológico e o da comparação entre os governos Lula e Fernando Henrique Cardoso.

Tucanos e aliados do DEM e do PPS não têm dúvida de que Aécio é o nome perfeito para compor a chapa puro-sangue do PSDB ao Palácio do Planalto. Em sua fala, ele mostrou que está disposto a se engajar na candidatura do partido, fazendo a tradução política do anúncio de que não seria mais candidato a presidente, em dezembro do ano passado. "Naquele momento, dei o primeiro sinal de que estaria a seu lado, Serra".

Ao longo do discurso, foi interrompido quatro vezes por aplausos e saudações. Sorriu, mas saiu dizendo que é candidato ao Senado por Minas Gerais. Para muitos, no entanto, Aécio deixou uma brecha para esta possibilidade, com uma frase dirigida a Serra: "Estarei a seu lado onde quer que eu seja convocado".

A cúpula tucana se encheu de esperanças e Serra comentou ali mesmo que ficara "felicíssimo" com o discurso. Mais tarde, porém, Aécio explicou que se dispusera a ajudar na campanha onde quer que o candidato o requisite, em Minas ou fora de seu Estado. Disse que não se referiu à chapa presidencial.

Citando governo a governo desde a eleição indireta de Tancredo Neves, seu avô, Aécio disse que a participação do PSDB sempre esteve ligada aos grandes momentos da história brasileira, como o impeachment de Collor e o lançamento do real, no governo de Itamar Franco - cujo ministro da Fazenda era Fernando Henrique Cardoso. "Não há nada do que nos envergonhar."

A fala de Aécio deu mais força política ao discurso de Serra, que em seguida se auto-propagou como o "candidato da união". Aécio fez questão de afirmar que, a partir daquele instante, "o candidato de Minas Gerais é José Serra". Voltando-se ao pré-candidato, acrescentou: "Serra, a partir de hoje, sua voz será a nossa voz".

As delegações mineiras que se deslocaram para Brasília eram o retrato vivo do engajamento que Aécio alardeava no discurso. "Minas é Serra", lia-se em camisetas de militantes. Em outras, a frase era "Somos Aécio. Todos por Serra e Anastasia", em referência ao governador Antonio Anastasia, que sucedeu Aécio.

A postura oposicionista de Aécio foi bem recebida, sobretudo porque, dias antes, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, avaliara Aécio como "governador exemplar". Ela chegou a falar em dobradinha entre os partidos em Minas, sugerindo uma chapa híbrida para presidente e governador, chamada "Dilmasia" ou "Anastadilma."

''Construir alianças é andar no fio da navalha''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Christiane Samarco / BRASÍLIA

Ao fazer alianças, o político "anda no fio da navalha", mas ele não pode "nem trair seus princípios nem se isolar". A receita é de José Serra e foi enunciada em rápida entrevista ao Estado, na madrugada de sábado, por volta da 1 hora, a caminho do aeroporto de São Paulo. Nas palavras do próprio Serra, fazia "um mau tempo de meter medo" e ele se preparava para a viagem até Brasília, onde ontem oficializou a pré-candidatura. Serra disse que não é na condição de economista que vai disputar a Presidência da República. Espera que o eleitor enxergue nele o político experiente, bom formador de equipes de governo.

Por que topar o desafio de disputar novamente o Planalto?

Tudo o que faço na vida, faço com garra. Já enfrentei muitos desafios, inclusive de uma candidatura presidencial. Mas se tem duas eleições radicalmente diferentes, as de 2002 e 2010 são isso. A situação hoje é totalmente diferente.

O que o eleitor vai enxergar de diferente no senhor?

Nunca tive perfil só de economista. Meu perfil sempre foi muito além disso. A experiência que acumulei foi grande. Eu já havia sido ministro, já havia ajudado a montar o governo Montoro, em São Paulo (1983). Mas, pela primeira vez, agora, fui o chefe do Executivo. Isso faz toda a diferença pela oportunidade de montar e de testar uma boa equipe.

O que teve de diferente neste seu governo de São Paulo?

Foram quase cinco anos de experiência executiva na maior cidade e no maior Estado do Brasil. Já tinha bastante experiência para lidar com orçamentos e finanças, depois de passar por secretarias e pelo Ministério do Planejamento. Mas, no governo, eu tive de formar uma equipe com gente boa, dando liberdade, cobrando, mas não centralizando. Dando oportunidade para cada um aparecer. Não aceitando nem entrando no troca-troca de cargos com a Assembleia.

Como fazer alianças e tratar aliados?

O grande desafio é fazer uma política decente e eficaz. Isso não é fácil, mas eu passei a vida sempre negociando. Construir alianças é andar no fio da navalha. Sempre tem o fio para andar, e você fica ali, no limite. De um lado pode ficar a traição aos princípios e de outro, o isolamento. É algo difícil porque a meta é você nem trair seus princípios nem se isolar.

O sr. conseguiu fazer as duas coisas?

Não posso dizer que nunca errei. Mas não foi só no governo de São Paulo que eu aprendi a fazer alianças. O ensinamento vem de uma vida inteira. A forma de construir alianças vem da experiência de São Paulo, vem da época de estudante. Estou acostumado a fazer alianças. Na constituinte, entre os que apresentaram mais emendas, eu fui um dos que mais aprovou proporcionalmente. Eu apresentei umas 200 e tive 140 aprovadas. As alianças e as negociações ajudaram a ter bons resultados.

''Ex-candidato do conflito'' aprende a fisgar aliados e a fugir do isolamento

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois dos próprios erros de 2002 e do fiasco tucano de 2006, Serra firmou-se como nome natural e de consenso na aliança de oposição


Julia Duailibi e Christiane Samarco


O "candidato do conflito", que conquistou o direito de disputar a Presidência e fazer a sua nona campanha eleitoral, ficou nas urnas de 2002. O José Serra de 2010 é outro: em vez de trabalhar no confronto para fazer maioria, e dar a largada em meio a um racha partidário, ele quebrou o isolamento político, aprendeu a fisgar aliados e firmou-se como candidato natural da oposição.

Da derrota de 2002 para cá, São Paulo foi para Serra - com as passagens pela prefeitura da cidade e o governo do Estado - o laboratório da articulação política. Ao juntar PSDB, DEM, PMDB, PTB e PPS, ele encontrou a fórmula para não permitir que outro tucano de Minas, com fama de "político agregador", furasse a fila do PSDB e lhe tomasse a preferência na corrida presidencial.

O ex-governador Aécio Neves bem que tentou virar pré-candidato. Por um tempo, o mineiro se convenceu de que, independentemente da posição na fila, sua melhor hora era agora. Serra bateu o pé, exibiu resiliência e, escudado num cacife médio de 35% de intenções de voto, foi criando o consenso de que desta vez, mais do que em 2002, a hora é dele. Convenceu a ele mesmo de que há espaço para disputar votos porque "Dilma não é Lula" e "o eleitor olhará mais para o futuro do que para o passado."

A esperança do tucanato de Minas era que voltasse à cena o "Serra brigão" de 2002, que se lançou rompido com concorrentes como o ex-ministro da Educação Paulo Renato e o hoje senador Tasso Jereissati (CE). O então PFL, sempre aliado da gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), também se dividiu oito anos atrás e ficou entre Serra, Ciro e o próprio Lula.

As últimas esperanças nas hostes mineiras de Aécio passaram pela ideia de que Serra, diante da popularidade de Lula - mais de 80% de aprovação - e de um relacionamento sempre tenso com Geraldo Alckmin, poderia optar pela reeleição fácil ao governo do Estado. Ao montar a arquitetura da eleição para a prefeitura de São Paulo, em 2004, e, depois, na disputa ao governo do Estado, em 2006, Serra deu um cavalo de pau no jeito de se relacionar com os aliados.

Para deixar o governo do Estado sem sobressaltos, Serra escolheu a dedo o seu vice, Alberto Goldman, um político que lhe garante lealdade absoluta. Mais do que uma campanha tranquila, a chapa puro-sangue para governador foi uma das vitórias que reforçaram o primeiro lugar na fila dos candidatos do PSDB: Serra é o único governador de São Paulo eleito em primeiro turno na história política do Estado. Isso, depois de ter vencido o PT de Marta Suplicy na briga pela prefeitura da capital.

Dois anos mais tarde, o apoio ao projeto vitorioso de reeleição de seu vice na prefeitura paulistana acabou lhe valendo a consolidação da candidatura entre parceiros do DEM, do PTB e dissidentes do PMDB. Depois de engolir o vice imposto pelo DEM, ele assimilou o companheiro de chapa de um jeito que Gilberto Kassab se tornou um dos principais articuladores de sua marcha rumo ao Palácio do Planalto.

Feita a parceria com Kassab, veio o primeiro grande lance do "novo Serra": ele levou o até então desafeto Geraldo Alckmin para seu campo. Sem espaço político depois da derrota para o DEM na prefeitura, Alckmin foi convidado por Serra para ser seu secretário de Desenvolvimento. Com a jogada, impediu que o ex-governador consumasse o flerte com Aécio Neves e migrasse para o projeto presidencial do concorrente.

O ato uniu a cozinha de Serra: o PSDB paulista fechou com ele, em peso, no projeto presidencial. Também tratou de se aproximar de Tasso Jereissati e trouxe Paulo Renato Souza para o governo paulista - o ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso passou a dirigir a Secretaria de Educação paulista.

No governo do Estado, também fortaleceu o jogo com a rede de prefeitos, aumentando os convênios com os governos municipais. Pela atuação do outro grande aliado, o secretário-chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, o Estado repassou verbas para prefeitos de partidos de oposição, o que lhe valeu a simpatia de boa parte da classe política. A missão dada a Aloysio teve outra serventia, a de mostrar que ele não é centralizador. Ao deixar o governo, duas semanas atrás, Serra fez questão de dizer que é "um monitor, mas não um centralizador".

Palanques. Embora tenha deixado claro que o governo de São Paulo estava em primeiro lugar, exercendo o cargo até o último dia do prazo legal, Serra não descuidou de outras praças, Brasil afora, sempre mirando a campanha presidencial. Ao mesmo tempo em que se dizia dotado de "nervos de aço" para resistir à pressão dos aliados que queriam antecipar o lançamento da candidatura, ele passou a articular pessoalmente os palanques regionais.

Convocou líderes tucanos e de outros partidos para montar alianças estaduais e arrumar a casa. Evitou, assim, o fantasma de 2006, quando a campanha presidencial de Alckmin naufragou, em grande parte, pela ausência de palanques e com aliados se engalfinhando em disputas regionais. Foi Serra quem articulou, por exemplo, o apoio à candidatura de Paulo Souto (DEM) ao governo baiano.

Desde o ano passado, Serra também trabalhou para ampliar sua inserção em redutos tipicamente lulistas, especialmente no Nordeste, onde é conhecido pela boa gestão à frente do Ministério da Saúde. Além de uma série de viagens à região, Serra fez duas rodadas de entrevistas em rádios com alcance popular.

Popular. De olho no público de baixa renda, Serra também investiu na comunicação popular. Participou de todos os principais programas de auditório da TV brasileira, como os de Hebe Camargo, Luciana Gimenez, Ratinho e José Luiz Datena, para quem, surpreendentemente acabou anunciando a intenção de concorrer ao Planalto.

Durante seu governo, Serra foi pragmático na relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, consequentemente, com Dilma Rousseff. Protegeu o Estado de suas pretensões eleitorais, ao mesmo tempo em que amarrou uma operação de venda do banco estadual ao Banco do Brasil, o que lhe valeu mais R$ 5 bilhões para investir pesado na infra estrutura.

Outro exemplo de parceria bem-sucedida com o governo federal é o Rodoanel, em que a União entrou com um quarto dos R$ 6 bilhões investidos.

Confira a íntegra do discurso de José Serra na festa de de lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República pelo PSDB/PPS/DEM

O Brasil pode mais

"Venho hoje, aqui, falar do meu amor pelo Brasil; falar da minha vida; falar da minha experiência; falar da minha fé; falar das minhas esperanças no Brasil. E mostrar minha disposição de assumir esta caminhada. Uma caminhada que vai ser longa e difícil mas que com a ajuda de Deus e com a força do povo brasileiro será com certeza vitoriosa.

"Alguns dias atrás, terminei meu discurso de despedida do Governo de São Paulo afirmando minha convicção de que o Brasil pode mais. Quatro palavras, em meio a muitas outras. Mas que ganharam destaque porque traduzem de maneira simples e direta o sentimento de milhões de brasileiros: o de que o Brasil, de fato, pode mais. E é isto que está em jogo nesta hora crucial!

"Nos últimos 25 anos, o povo brasileiro alcançou muitas conquistas: retomamos a Democracia, arrancamos nas ruas o direito de votar para presidente, vivemos hoje num país sem censura e com uma imprensa livre. Somos um Estado de Direito Democrático. Fizemos uma nova Constituição, escrita por representantes do povo. Com o Plano Real, o Brasil transformou sua economia a favor do povo, controlou a inflação, melhorou a renda e a vida dos mais pobres, inaugurou uma nova Era no Brasil. Também conquistamos a responsabilidade fiscal dos governos. Criamos uma agricultura mais forte, uma indústria eficiente e um sistema financeiro sólido. Fizemos o Sistema Único de Saúde, conseguimos colocar as crianças na escola, diminuímos a miséria, ampliamos o consumo e o crédito, principalmente para os brasileiros mais pobres.
Tudo isso em 25 anos. Não foram conquistas de um só homem ou de um só Governo, muito menos de um único partido. Todas são resultado de 25 anos de estabilidade democrática, luta e trabalho. E nós somos militantes dessa transformação, protagonistas mesmo, contribuímos para essa história de progresso e de avanços do nosso País. Nós podemos nos orgulhar disso.

"Mas, se avançamos, também devemos admitir que ainda falta muito por fazer. E se considerarmos os avanços em outros países e o potencial do Brasil, uma conclusão é inevitável: o Brasil pode ser muito mais do que é hoje.

"Mas para isso temos de enfrentar os problemas nacionais e resolvê-los, sem ceder à demagogia, às bravatas ou à politicagem. E esse é um bom momento para reafirmarmos nossos valores.
Começando pelo apreço à Democracia Representativa, que foi fundamental para chegarmos aonde chegamos. Devemos respeitá-la, defendê-la, fortalecê-la. Jamais afrontá-la.

"Democracia e Estado de Direito são valores universais, permanentes, insubstituíveis e inegociáveis. Mas não são únicos. Honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional, perseverança são essenciais ao exercício da política e do Poder. É nisso que eu acredito e é assim que eu ajo e continuarei agindo. Este é o momento de falar claro, para que ninguém se engane sobre as minhas crenças e valores. É com base neles que também reafirmo:
o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais.

"Governos, como as pessoas, têm que ter alma. E a alma que inspira nossas ações é a vontade de melhorar a vida das pessoas que dependem do estudo e do trabalho, da Saúde e da Segurança.
Amparar os que estão desamparados.

"Sabem quantas pessoas com alguma deficiência física existem no Brasil? Mais de 20 milhões - a esmagadora maioria sem o conforto da acessibilidade aos equipamentos públicos e a um tratamento de reabilitação. Os governos, como as pessoas, têm que ser solidários com todos e principalmente com aqueles que são mais vulneráveis.

"Quem governa, deve acreditar no planejamento de suas ações. Cultivar a austeridade fiscal, que significa fazer melhor e mais com os mesmos recursos. Fazer mais do que repetir promessas. O governo deve ouvir a voz dos trabalhadores e dos desamparados, das mulheres e das famílias, dos servidores públicos e dos profissionais de todas as áreas, dos jovens e dos idosos, dos pequenos e dos grandes empresários, do mercado financeiro, mas também do mercado dos que produzem alimentos, matérias-primas, produtos industriais e serviços essenciais, que são o fundamento do nosso desenvolvimento, a máquina de gerar empregos, consumo e riqueza.

"O governo deve servir ao povo, não a partidos e a corporações que não representam o interesse público. Um governo deve sempre procurar unir a nação. De mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres. Eu quero todos, lado a lado, na solidariedade necessária à construção de um país que seja realmente de todos.

"Ninguém deve esperar que joguemos estados do Norte contra estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural, a indústria contra os serviços, o comércio contra a agricultura, azuis contra vermelhos, amarelos contra verdes. Pode ser engraçado no futebol. Mas não é quando se fala de um País. E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil.

"Não aceito o raciocínio do nós contra eles. Não cabe na vida de uma Nação. Somos todos irmãos na pátria. Lutamos pela união dos brasileiros e não pela sua divisão. Pode haver uma desavença aqui outra acolá, como em qualquer família. Mas vamos trabalhar somando, agregando. Nunca dividindo. Nunca excluindo. O Brasil tem grandes carências. Não pode perder energia com disputas entre brasileiros. Nunca será um país desenvolvido se não promover um equilíbrio maior entre suas regiões. Entre a nossa Amazônia, o Centro Oeste e o Sudeste. Entre o Sul e o Nordeste. Por isso, conclamo: Vamos juntos. O Brasil pode mais. O desenvolvimento é uma escolha. E faremos essa escolha. Estamos preparados para isso.

"Ninguém deve esperar que joguemos o governo contra a oposição, porque não o faremos.
Jamais rotularemos os adversários como inimigos da pátria ou do povo. Em meio século de militância política nunca fiz isso. E não vou fazer. Eu quero todos juntos, cada um com sua identidade, em nome do bem comum.

"Na Constituinte fiz a emenda que permitiu criar o FAT, financiar e fortalecer o BNDES e tirar do papel o seguro-desemprego - que hoje beneficia 10 milhões de trabalhadores. Todos os partidos e blocos a apoiaram. No ministério da Saúde do governo Fernando Henrique tomei a iniciativa de enviar ou refazer e impulsionar seis projetos de lei e uma emenda constitucional - a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da Agência Nacional de Saúde, a implantação dos genéricos, a proibição do fumo nos aviões e da propaganda de cigarros, a regulamentação dos planos de saúde, o combate à falsificação de remédios e a PEC 29, que vinculou recursos à Saúde nas três esferas da Federação - todos, sem exceção, aprovados pelos parlamentares do governo e da oposição. É assim que eu trabalho: somando e unindo, visando ao bem comum. Os membros do Congresso que estão me ouvindo, podem testemunhar: suas emendas ao orçamento da Saúde eram acolhidas pela qualidade, nunca devido à sua filiação partidária.

"Se o povo assim decidir, vamos governar com todas e com todos, sem discriminar ninguém.

Juntar pessoas em vez de separá-las; convidá-las ao diálogo, em vez de segregá-las; explicar os nossos propósitos, em vez de hostilizá-las. Vamos valorizar o talento, a honestidade e o patriotismo em vez de indagar a filiação partidária.

"Minha história de vida e minhas convicções pessoais sempre estiveram comprometidas com a unidade do país e com a unidade do seu povo. Sou filho de imigrantes, morei e cresci num bairro de trabalhadores que vinham de todas as partes, da Europa, do Nordeste, do Sul. Todos em busca de oportunidade e de esperança.

"A liderança no movimento estudantil me fez conhecer e conviver com todo o Brasil logo ao final da minha adolescência. Aliás, na época, aprendi mesmo a fazer política no Rio, em Minas, na Bahia e em Pernambuco, aos 21 anos de idade. O longo exílio me levou sempre a enxergar e refletir sobre o nosso país como um todo.

"Minha história pessoal está diretamente vinculada à valorização do trabalho, à valorização do esforço, à valorização da dedicação. Lembro-me do meu pai, um modesto comerciante de frutas no mercado municipal: doze horas de jornada de trabalho nos dias úteis, dez horas no sábado, cinco horas aos domingos. Só não trabalhava no dia 1 de janeiro. Férias? Um luxo, pois deixava de ganhar o dinheiro da nossa subsistência. Um homem austero, severo, digno. Seu exemplo me marcou na vida e na compreensão do que significa o amor familiar de um trabalhador: ele carregava caixas de frutas para que um dia eu pudesse carregar caixas de livros.

"E eu me esforço para tornar digno o trabalho de todo homem e mulher, do ser humano como ele foi. Porque vejo a imagem de meu pai em cada trabalhador. Eu a vi outro dia, na inauguração do Rodoanel, quando um dos operários fez questão de me mostrar com orgulho seu nome no mural que eu mandei fazer para exibir a identidade de todos os trabalhadores que fizeram aquela obra espetacular. Por que o mural? Por justo reconhecimento e porque eu sabia que despertaria neles o orgulho de quem sabe exercer a profissão. Um momento de revelação a si mesmos de que eles são os verdadeiros construtores nesta nação.

"Eu vejo em cada criança na escola o menino que eu fui, cheio de esperanças, com o peito cheio de crença no futuro. Quando prefeito e quando governador, passei anos indo às escolas para dar aula (de verdade) à criançada da quarta série. Ia reencontrar-me comigo mesmo. Porque tudo o que eu sou aprendi em duas escolas: a escola pública e a escola da vida pública. Aliás, e isto é um perigo dizer, com freqüência uso senhas de computador baseadas no nome de minhas professoras no curso primário. E toda vez que escrevo lembro da sua fisionomia, da sua voz, do seu esforço, e até das broncas, de um puxão de orelhas, quando eu fazia alguma bagunça.

"Mas é por isso tudo que sempre lutei e luto tanto pela educação dos milhões de filhos do Brasil. No país com que sonho para os meus netos, o melhor caminho para o sucesso e a prosperidade será a matrícula numa boa escola, e não a carteirinha de um partido político. E estou convencido de uma coisa: bons prédios, serviços adequados de merenda, transporte escolar, atividades esportivas e culturais, tudo é muito importante e deve ser aperfeiçoado. Mas a condição fundamental é a melhora do aprendizado na sala de aula, propósito bem declarado pelo governo, mas que praticamente não saiu do papel. Serão necessários mais recursos. Mas pensemos no custo para o Brasil de não ter essa nova Educação em que o filho do pobre freqüente uma escola tão boa quanto a do filho do rico. Esse é um compromisso.

"É preciso prestar atenção num retrocesso grave dos últimos anos: a estagnação da escolaridade entre os adolescentes. Para essa faixa de idade, embora não exclusivamente para ela, vamos turbinar o ensino técnico e profissional, aquele que vira emprego. Emprego para a juventude, que é castigada pela falta de oportunidades de subir na vida. E vamos fazer de forma descentralizada, em parcerias com estados e municípios, o que garante uma vinculação entre as escolas técnicas e os mercados locais, onde os empregos são gerados. Ensino de qualidade e de custos moderados, que nos permitirá multiplicar por dois ou três o número de alunos no país inteiro, num período de governo. Sim, meus amigos e amigas, o Brasil pode mais.

"Podemos e devemos fazer mais pela saúde do nosso povo. O SUS foi um filho da Constituinte que nós consolidamos no governo passado, fortalecendo a integração entre União, Estados e Municípios; carreando mais recursos para o setor; reduzindo custos de medicamentos; enfrentando com sucesso a barreira das patentes, no Brasil e na Organização Mundial do Comércio; ampliando o sistema de atenção básica e o Programa Saúde da Família em todo o Brasil; prestigiando o setor filantrópico sério, com quem fizemos grandes parcerias, dos hospitais até a prevenção e promoção da Saúde, como a Pastoral da Criança; fazendo a melhor campanha contra a AIDS do mundo em desenvolvimento; organizando os mutirões; fazendo mais vacinações; ampliando a assistência às pessoas com deficiência; cerceando o abuso do incentivo ao cigarro e ao tabaco em geral. E muitas outras coisas mais. De fato, e mais pelo que aconteceu na primeira metade do governo, a Saúde estagnou ou avançou pouco. Mas a Saúde pode avançar muito mais. E nós sabemos como fazer isso acontecer.

"Saúde é vida, Segurança também. Por isso, o governo federal deve assumir mais responsabilidades face à gravidade da situação. E não tirar o corpo fora porque a Constituição atribui aos governos estaduais a competência principal nessa área. Tenho visto gente criticar o Estado Mínimo, o Estado Omisso. Concordo. Por isso mesmo, se tem área em que o Estado não tem o direito de ser mínimo, de se omitir, é a segurança pública. As bases do crime organizado estão no contrabando de armas e de drogas, cujo combate efetivo cabe às autoridades federais .
Ou o governo federal assume de vez, na prática, a coordenação efetiva dos esforços nacionalmente, ou o Brasil não tem como ganhar a guerra contra o crime e proteger nossa juventude.

"Qual pai ou mãe de família não se sente ameaçado pela violência, pelo tráfico e pela difusão do uso das drogas? As drogas são hoje uma praga nacional. E aqui também o Governo tem de investir em clínicas e programas de recuperação para quem precisa e não pode ser tolerante com traficantes da morte. Mais ainda se o narcotráfico se esconde atrás da ideologia ou da política. Os jovens são as grandes vítimas. Por isso mesmo, ações preventivas, educativas, repressivas e de assistência precisam ser combinadas com a expansão da qualificação profissional e a oferta de empregos.

"Uma coisa que precisa acabar é a falsa oposição entre construir escolas e construir presídios. Muitas vezes, essa é a conversa de quem não faz nem uma coisa nem outra. É verdade que nossos jovens necessitam de boas escolas e de bons empregos, mas se o indivíduo comete um crime ele deve ser punido. Existem propostas de impor penas mais duras aos criminosos. Não sou contra, mas talvez mais importante do que isso seja a garantia da punição. O problema principal no Brasil não são as penas supostamente leves. É a quase certeza da impunidade. Um país só tem mais chance de conseguir a paz quando existe a garantia de que a atitude criminosa não vai ficar sem castigo.

"Eu quero que meus netos cresçam num país em que as leis sejam aplicadas para todos. Se o trabalhador precisa cumprir a lei, o prefeito, o governador e o presidente da República também tem essa obrigação. Em nosso país, nenhum brasileiro vai estar acima da lei, por mais poderoso que seja. Na Segurança e na Justiça, o Brasil também pode mais.

"Lembro que os investimentos governamentais no Brasil, como proporção do PIB, ainda são dos mais baixos do mundo em desenvolvimento. Isso compromete ou encarece a produção, as exportações e o comércio. Há uma quase unanimidade a respeito das carências da infra-estrutura brasileira: no geral, as estradas não estão boas, faltam armazéns, os aeroportos vivem à beira do caos, os portos, por onde passam nossas exportações e importações, há muito deixaram de atender as necessidades. Tem gente que vê essas carências apenas como um desconforto, um incômodo. Mas essa é uma visão errada. O PIB brasileiro poderia crescer bem mais se a infra-estrutura fosse adequada, se funcionasse de acordo com o tamanho do nosso país, da população e da economia.

"Um exemplo simples: hoje, custa mais caro transportar uma tonelada de soja do Mato Grosso ao porto de Paranaguá do que levar a mesma soja do porto brasileiro até a China. Um absurdo. A conseqüência é menos dinheiro no bolso do produtor, menos investimento e menos riqueza no interior do Brasil. E sobretudo menos empregos.

"Temos inflação baixa, mais crédito e reservas elevadas, o que é bom, mas para que o crescimento seja sustentado nos próximos anos não podemos ter uma combinação perversa de falta de infra-estrutura, inadequações da política macroeconômica, aumento da rigidez fiscal e vertiginoso crescimento do déficit do balanço de pagamentos. Aliás, o valor de nossas exportações cresceu muito nesta década, devido à melhora dos preços e da demanda por nossas matérias primas. Mas vai ter de crescer mais. Temos de romper pontos de estrangulamento e atuar de forma mais agressiva na conquista de mercados. Vejam que dado impressionante: nos últimos anos, mais de 100 acordos de livre comércio foram assinados em todo o mundo. São um instrumento poderoso de abertura de mercados. Pois o Brasil, junto com o MERCOSUL, assinou apenas um novo acordo (com Israel), que ainda não entrou em vigência!

"Da mesma forma, precisamos tratar com mais seriedade a preservação do meio-ambiente e o desenvolvimento sustentável. Repito aqui o que venho dizendo há anos: é possível, sim, fazer o país crescer e defender nosso meio ambiente, preservar as florestas, a qualidade do ar a contenção das emissões de gás carbônico. É dever urgente dar a todos os brasileiros saneamento básico, que também é meio ambiente. Água encanada de boa qualidade, esgoto coletado e tratado não são luxo. São essenciais. São Saúde. São cidadania. A economia verde é, ao contrário do que pensam alguns, uma possibilidade promissora para o Brasil. Temos muito por fazer e muito o que progredir, e vamos fazê-lo.

"Também não são incompatíveis a proteção do meio ambiente e o dinamismo extraordinário de nossa agricultura, que tem sido a galinha de ovos de ouro do desenvolvimento do país, produzindo as alimentos para nosso povo, salvando nossas contas externas, contribuindo para segurar a inflação e ainda gerar energia! Estou convencido disso e vamos provar o acerto dessa convicção na prática de governo. Sabem por quê? Porque sabemos como fazer e porque o Brasil pode mais!

"O Brasil está cada vez maior e mais forte. É uma voz ouvida com respeito e atenção. Vamos usar essa força para defender a autodeterminação dos povos e os direitos humanos, sem vacilações.
Eu fui perseguido em dois golpes de estado, tive dois exílios simultâneos, do Brasil e do Chile. Sou sobrevivente do Estádio Nacional de Santiago, onde muitos morreram. Por algum motivo, Deus permitiu que eu saísse de lá com vida. Para mim, direitos humanos não são negociáveis. Não cultivemos ilusões: democracias não têm gente encarcerada ou condenada à forca por pensar diferente de quem está no governo. Democracias não têm operários morrendo por greve de fome quando discordam do regime.

"Nossa presença no mundo exige que não descuidemos de nossas Forças Armadas e da defesa de nossas fronteiras. O mundo contemporâneo é desafiador. A existência de Forças Armadas treinadas, disciplinadas, respeitadoras da Constituição e das leis foi uma conquista da Nova República. Precisamos mantê-las bem equipadas, para que cumpram suas funções, na dissuasão de ameaças sem ter de recorrer diretamente ao uso da força e na contribuição ao desenvolvimento tecnológico do país.

"Como falei no início, esta será uma caminhada longa e difícil. Mas manteremos nosso comportamento a favor do Brasil. Às provocações, vamos responder com serenidade; às falanges do ódio que insistem em dividir a nação vamos responder com nosso trabalho presente e nossa crença no futuro. Vamos responder sempre dizendo a verdade. Aliás, quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles.

"O Brasil não tem dono. O Brasil pertence aos brasileiros que trabalham; aos brasileiros que estudam; aos brasileiros que querem subir na vida; aos brasileiros que acreditam no esforço; aos brasileiros que não se deixam corromper; aos brasileiros que não toleram os malfeitos; aos brasileiros que não dispõem de uma "boquinha"; aos brasileiros que exigem ética na vida pública porque são decentes; aos brasileiros que não contam com um partido ou com alguma maracutaia para subir na vida.

"Este é o povo que devemos mobilizar para a nossa luta; este é o povo que devemos convocar para a nossa caminhada; este é o povo que quer, porque assim deve ser, conservar as suas conquistas, mas que anseia mais. Porque o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais. E, por isso, tem de estar unido. O Brasil é um só.

"Pretendo apresentar ao Brasil minha história e minhas idéias. Minha biografia. Minhas crenças e meus valores. Meu entusiasmo e minha confiança. Minha experiência e minha vontade.

"Vou lhes contar uma coisa. Desde cedo, quando entrei na vida pública, descobri qual era a motivação maior, a mola propulsora da atividade política. Para mim, a motivação é o prazer. A vida pública não é sacrifício, como tantos a pintam, mas sim um trabalho prazeroso. Só que não é o mero prazer do desfrute. É o prazer da frutificação. Não é um sonho de consumo. É um sonho de produção e de criação. Aprendi desde cedo que servir é bom, nos faz felizes, porque nos dá o sentido maior de nossas existências, porque nos traz uma sensação de bem estar muito mais profunda do que quaisquer confortos ou vantagens propiciados pelas posições de Poder. Aprendi que nada se compara à sensação de construir algo de bom e duradouro para a sociedade em que vivemos, de descobrir soluções para os problemas reais das pessoas, de fazer acontecer.

"O grande escritor mineiro Guimarães Rosa, escreveu: 'O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.' Concordo. É da coragem que a vida quer que nós precisamos agora.

"Coragem para fazer um projeto de País, com sonhos, convicções e com o apoio da maioria.

"Juntos, vamos construir o Brasil que queremos, mais justo e mais generoso. Eleição é uma escolha sobre o futuro. Olhando pra frente, sem picuinhas, sem mesquinharias, eu me coloco diante do Brasil, hoje, com minha biografia, minha história política e com esperança no nosso futuro. E determinado a fazer a minha parte para construir um Brasil melhor. Quero ser o presidente da união.

Vamos juntos, brasileiros e brasileiras, porque o Brasil pode mais!"

Confira discurso de Roberto Freire no lançamento da pré-candidatura de José Serra à Presidência da República

Companheiro José Serra, em torno de meio século dura nossa aliança! Desde quando, lá nos idos dos anos 60, jovens comunistas e jovens católicos de esquerda, dos quais você era uma destacada liderança, uniram-se nos embates estudantis e no amplo movimento popular pelas reformas de base, com o generoso propósito de transformar o Brasil. Lutávamos "por um mundo de paz e de igualdade, onde o homem seja irmão do homem e seja noivo da felicidade", como diria o poeta Ferreira Gullar, na sua Canção do PCB.

Mesmo quando submetidos à ditadura militar, não desistimos da luta por nossos ideais, nem nos separamos e muito menos abandonamos nossos princípios e valores. Aqui e no exílio, longe do desespero e do voluntarismo, e em meio a nossas próprias divisões internas, mantivemos nossa aliança e fomos militantes das grandes causas que modificaram o mundo nos mais variados campos, desde o das liberdades ao da paz entre os povos, do anticolonialismo e da libertação nacional ao do fim do apartheid e da segregação racial, do ambientalismo, do feminismo aos direitos de todas as minorias.

Juntos, atuamos firmemente para unir o país, isolar e derrotar a ditadura. Lá estávamos os comunistas do PCB com os socialista, os democratas e liberais do velho e digno MDB, liderados por Ulisses Guimaraes e Tancredo Neves, numa frente que buscava junto a cidadania a unidade dos setores sociais e de todos os descontentes com o regime. Sem cair no desespero que gera a violência. Evitando os caminhos estreitos da aventura e principalmente rejeitando a opção da luta armada. Foram anos de chumbo, de sofrimento mas a resistência democrática abriu as alamedas por onde o povo conquistou a liberdade e a vitória.

O Brasil ostenta em seu ordenamento institucional, na amplitude da nossa democracia e, em particular, nas conquistas de nossa cidadania, o caráter, o papel e o propósito da nossa aliança. Ela imprimiu, não só na derrota da ditadura e na forma como se deu, mas também na Constituinte e no conjunto de nossa ação, nos espaços sociais em que atuamos e nas esferas institucionais que ocupamos, uma profunda marca democrática e reformista.

Nestes 25 anos da Nova República, há muito o que comemorar como também há muito ainda o que fazer, nos mais importantes aspectos da vida brasileira. Nesse sentido, agora se abre uma nova etapa. E não só no Brasil.

Apesar de muita falácia e tergiversação, o governo do PT divorciou-se radicalmente das esperanças que acendeu com a sua vitória em 2002. Os sonhos que provocou transformaram-se em frustração. O discurso ético revelou-se vazio e a corrupção maculou a esquerda brasileira. O espetáculo do crescimento mostrou-se uma pantomima. As taxas de crescimento de nosso PIB, por todos esses anos, só é superior, na América Latina a pouquíssimos paises, dentre esses, às do Haiti.

Caracterizado pela pouca ousadia e conservadorismo, o governo não se orienta pela busca de soluções reais para os problemas enfrentados pela nação, foge das reformas, permanece inerte. A partir do domínio e o usufruto da máquina administrativa, acompanhado de um populismo de viés sindical corporativo, tivemos a contaminação do aparelho estatal pelo fisiologismo, com o retalhamento do Estado entre os aliados, pelo ampliado empreguismo e mal feitos dos mensaleiros e aloprados.

Ao mesmo tempo, o governo do PT e da Dilma a "mãe" de um programa que não acelerou nada, passou a exercer enorme pressão visando o desmonte do Sistema Nacional do Meio Ambiente e da mesma forma, ante a correta ação do Tribunal de Contas da União, desencadeou campanha de desmoralizar aquela Corte em seu mister constitucional de fiscalizar a ação administrativa federal.

As inegáveis conquistas alcançadas pelo Brasil, fruto do trabalho de gerações são incapazes de encobrir o grande abismo social. Continuamos desiguais, a saúde permanece em crise, educação sem qualidade e com um gestor trapalhão, a violência, o desemprego, o aumento assustador do consumo de drogas, a piora acentuada das condições de vida em nossas metrópoles e os inquietantes fenômenos de degradação moral e ambiental inquietam a cidadania..

Estes dramas enfrentados pela sociedade brasileira têm criado as condições para o esgarçamento do tecido social. E tudo isso se torna ainda mais preocupante quando o governo opera para desmoralizar a política, os poderes Legislativo e Judiciário. O cumulo do desrespeito a Justiça foi o deboche do presidente a multa aplicada pelo TSE pelo reiterado uso que faz da máquina pública em campanha eleitoral da Dilma.

A pregação de um "Estado Forte", da forma como vem se articulando no País com grandes conglomerados econômicos privados, e na visão totalizante de controle sobre as liberdades das instituições da sociedade civil, inclusive da imprensa, longe está das concepções de esquerda e mais se assemelha a idolatria estatista do fascismo. O Estado deve ser forte pela solidez e prestígio de suas instituições, pela eficiência das suas políticas, pela ética e austeridade de seus governantes, nos quadros do mais absoluto respeito à democracia, às leis, dentro de uma prática de res publica.

O país exige mudanças estruturais e institucionais numa direção de mais desenvolvimento e democracia.

Isso somente se fará com uma nova política.

O pêndulo a favor das mudanças nunca esteve tão favorável à humanidade - e aos brasileiros - como nos dias de hoje. A recente crise econômica mundial que ainda perdura, que impactou estruturas políticas poderosas e seculares possibilita a passagem para um novo padrão de desenvolvimento sustentado e socialmente justo. Criou condições para se afirmar novas modalidades de empreendedorismo, para o emergir de novos ramos e atividades econômicas centradas no conhecimento. É possível, também, imaginar o nascimento de organizações econômicas mais horizontais, e portanto mais democráticas. As janelas estão abertas para o novo tempo!

Trata-se de uma nova estratégia direcionada para o amanhã, orientada por planejamento de longo prazo, calcado na era digital e que busque a integração progressiva do Brasil no mundo globalizado; direcione os investimentos públicos para as áreas de ponta em termos de ciência e tecnologia; incorpore a variável ambiental em toda decisão de gasto público; proteja os interesses dos que vivem de salários e vencimentos; leve à formalidade os trabalhadores informais e inclua os desempregados e excluídos; revolucione a educação, mais uma vez a saúde e as comunicações, com base no que já produziu a sociedade do conhecimento; avance na direção da sociedade do tempo livre e do lazer.

Na política externa, impõe-se abandonar as ambigüidades e a conivência com ditaduras, defender a democracia e os direitos humanos, a não proliferação das armas nucleares, combater o terrorismo e defender uma política mundial de preservação do meio ambiente. Internamente, realizar as reformas política, tributária, administrativa, trabalhista e previdenciária; adotar políticas eficazes para ultrapassar os desequilíbrios regionais; ampliar e tornar mais produtivos os investimentos nas áreas de saúde, educação, ciência e tecnologia; adaptar o Estado às demandas de uma administração pública transparente, austera e voltada para atender os cidadãos e competente para reposicionar a nação no mundo contemporâneo.

Por fim, o Brasil da mudança social e do futuro dependerá do caráter democrático, republicano e regulador do Estado nas suas relações com o conjunto da sociedade e com o mercado

Com essa orientação, o PPS ira à sucessão presidencial, com a firme decisão de manter, fortalecer e tornar vitoriosa a frente democrática e reformista.

Com Serra, o Brasil pode muito mais!

Trenzinho do Caipira/ Villa Lobos - Ney Matogrosso

Aplaudido de pé, FHC diz que chegou a hora de vencer

E destacou as qualidades de Serra como administrador

Brasília - Aclamado por uma platéia entusiasmada que o aplaudiu de pé, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve que esperar alguns instantes para iniciar seu discurso. Segundo ele, nestas eleições, o Brasil vai ter que escolher “entre os que difamam o passado e os que querem construir um país e seu futuro”. E emendou: “Não queremos um Brasil com ódio.”

Fernando Henrique disse que, nos últimos tempos, viajou pelo país em busca de obras do atual governo: Mas revelou: “Não encontrei a transposição do rio São Francisco, o biodiesel, a Transnordestina e as moradias populares.” E alfinetou: “Nós cumprimos o que prometemos. O que se faz hoje, foi plantado no nosso governo e nas administrações anteriores. As pessoas precisam de coisas simples e que funcionem.” Fernando Henrique ainda fustigou a corrupção na atual administração federal afirmando que “o país quer lei, quer respeito e quer malandro na cadeia”.

disse que hoje o Brasil tem um enorme necessidade de promover uma “revolução na educação” que conduza o país a uma transformação maior ainda que, segundo ele, será “ a revolução humana”.

Ao falar sobre Serra, de forma descontraída, Fernando Henrique começou lembrando que conheceu o pré-candidato no exílio, no Chile, no final da década de 60: “O Serra tinha o olhar esbugalhado, que ele sempre teve, e ainda era cabeludo, meu Deus.”

O ex-presidente destacou as qualidades de administrador de Serra, lembrando que, como governador de São Paulo, ele implantou duas linhas de metrô e impulsionou as obras de saneamento básico. Além de mudar a condição da educação e da saúde no estado mais importante do País.

Fernando Henrique também não poupou elogios ao ex-governador Aécio Neves, a quem chamou de “o futuro do Brasil”. Neste momento, a platéia começou a gritar em coro: “Vice, vice”.

E concluiu: “Venceremos. Chegou a hora.”

Brasil não foi descoberto em 2003, diz Aécio em defesa de governo FHC

Aécio diz que 'estará ao lado de Serra'

Célia Froufe - Agência Estado

Embalado pelos gritos da plateia de "vice, vice, vice", durante encontro do PSDB/DEM/PPS, o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves disse que acompanhará de perto a pré-candidatura do colega de partido José Serra à Presidência da República. "Estarei ao seu lado onde quer que eu seja convocado", afirmou Aécio.

Durante seu discurso, ele afirmou que a unidade do PSDB é o melhor instrumento para ter no Brasil novamente um governo que priorize resultados. Aécio lembrou que em dezembro do ano passado abdicou da possibilidade de encabeçar a chapa do partido e alegou que este era um claro sinal de que estaria ao lado de Serra. "Estamos iniciando um grande embate", afirmou.

Aécio garantiu que o PSDB está preparado para debater sobre o futuro do País e também não se negará a discutir o passado do partido se assim os opositores desejarem. "Não há nada que nos envergonhe", afirmou. O ex-governador disse que se o Brasil é um País melhor hoje, é porque o PSDB esteve ao lado do presidente Tancredo Neves (avô de Aécio), em 1985.

Ele também citou outros momentos históricos que receberam o apoio do PSDB, como o impeachment do presidente Fernando Collor e o lançamento do Plano Real. Em contrapartida, de acordo com Aécio, o PT passou ao largo de muitos desses acontecimentos porque não se tratavam de projetos que nasceram dentro do Partido dos Trabalhadores. "O Brasil não foi descoberto em 2003", afirmou.

O ex-governador reconheceu as privatizações feitas no passado pelo PSDB. "Privatizamos sim, mas setores que precisavam, como o de telefonia e a siderurgia. Eles (PT) negaram a eficiência", ressaltou. Depois dessas críticas diretas ao Partido dos Trabalhadores, Aécio disse que iria reconhecer, em pleno encontro do PSDB, virtudes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Mas uma delas esteve acima de todas as outras: Lula manteve inalterada a política econômica de Fernando Henrique Cardoso", disse arrancando fortes aplausos da plateia.

Na avaliação de Aécio, não há proposta de governo melhor para o País do que a de José Serra. Ele disse também que deseja, a partir de agora, "um governo que faça menos propaganda". "A partir deste momento, o candidato de Minas Gerais é José Serra", disse para a plateia. Voltando-se para o ex-governador de São Paulo, acrescentou: "Serra, a partir de hoje, sua voz será a nossa voz".

Lições da água:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Foi uma semana pesada para o Rio. Os piores temores se confirmaram. Os alertas viraram verdade, e a chuva revelou que no Morro do Bumba, em Niterói, tudo era pior do que se pensava. Ao mesmo tempo, há uma avenida aberta para o Rio e o Brasil neste momento. O Brasil é um país assim: tem uma agenda tão cheia, que o muito já feito acaba sendo soterrado pelo muito a fazer.

Foi a chuva que matou tantos no estado. A chuva foi reveladora da imprevidência dos administradores públicos. A imprevidência é que matou. Deixar por mais de 20 anos que uma população se instale sobre um lixão depositado numa encosta é condenar todos aqueles moradores à morte.

Ou à morte lenta pelas doenças decorrentes de morar sobre o lixo; ou à morte numa avalanche previsível, porque aquele não era, nem jamais seria um terreno firme.

Mesmo em locais onde o absurdo não é tão radical, as construções se equilibram em encostas frágeis que descerão, mais chuva, menos chuva, mais dia, menos dia. Há várias tragédias anunciadas.

Todos os governantes das últimas décadas mostraram conjuntos habitacionais em suas propagandas eleitorais, todos os governos foram financiados pela Caixa para fazerem esses conjuntos, mas poucos fizeram a conexão entre uma coisa e outra: entre remoção de população em área de risco com as casas que vão distribuir. Não se sabe qual é o critério dessa distribuição, nem se o problema da moradia em área de risco está encontrando a solução de um novo conjunto habitacional.

Nosso novo Censo deve dar números atuais, mas o antigo diz que há no Rio 1,1 milhão de pessoas morando em favelas. Dessas, segundo o economista Sérgio Besserman, de 10 mil a 30 mil pessoas estão em área de risco: É um custo que dá para encarar, o de remover e reinstalar em áreas mais seguras.

O Rio tem uma chance de ouro. É estranho falar isso numa semana tão dolorosa.

Mas a tragédia pode trazer o senso de urgência; as Olimpíadas e a Copa, a obrigatoriedade do planejamento; os estudos dos cientistas, a certeza de que outros eventos virão; o interesse pelo Brasil pode trazer investidores.

A dor, o compromisso com o Comitê Olímpico, as mudanças climáticas e o capital atraído podem produzir o momento certo para um salto de qualidade na gestão e no planejamento urbanos.

Remoção é uma palavra há muitos anos banida do vocabulário de quem quer parecer moderno no Rio. Ela lembra o autoritarismo de outras intervenções. Mas o contemporâneo agora é olhar esta ação sem preconceitos.

Será mais fácil se a autoridade for rigorosa também com irregularidades cometidas pelos ricos e pela classe média. O ordenamento da cidade tem que passar por toda uma revisão. Porque nós queremos, porque temos que fazer isso, porque não fazer é uma questão de vida ou morte. Mas erros estão sendo cometidos neste exato momento, quando se permite especulação imobiliária em áreas impróprias para expansão.

Momentos extremos exigem escolhas radicais. E o Brasil e o Rio estão vivendo um desses momentos. Eles podem ser muito promissores.

Foi por ter chegado ao abismo inflacionário que o país construiu as bases da estabilidade macroeconômica, que o permitem agora ser apresentado ao mundo como potência emergente preparada para um novo salto.

A revelação de que essa potência emergente deixa que pessoas se instalem em cima de lixões enfraquece qualquer euforia excessiva com o Brasil. Mas o país é isso: com suas virtudes e crimes.

A hora é de investir na virtude e combater o crime.

Do ponto de vista da saúde pública, lixões a céu aberto são doenças; do ponto de vista ambiental, são contaminação e emissão de gases de efeito estufa; do ponto de vista econômico, são um espantoso desperdício. Lixo pode ser energia e um insumo ao crescimento.

Pelos dados do IBGE, colhidos em 2002, o Brasil produz 230 mil toneladas de lixo doméstico e comercial por dia. Isso sem contar o lixo industrial, de construção civil, hospitalar e o lixo perigoso. Nessa pesquisa feita em 5.471 municípios dos 5.507, a informação dos pesquisadores é que 40% é aterro sanitário, o resto é lixão a céu aberto.

Mas os dados podem ser piores porque muitos aterros sanitários são lixões disfarçados, sem o necessário investimento em isolamento para evitar a contaminação. A tecnologia de transformar o lixo em energia já está dominada no mundo e há experiências no Brasil. Pode-se conseguir financiamento externo através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kioto. Quem precisa de crédito de carbono financia a transformação.

Eles ficam com o crédito, e o Brasil com o lixo tratado, a energia e o aproveitamento da matéria-prima dos recicláveis.

Isso não é futurismo. Já foi feito em São Paulo. A Petrobras está financiando um projeto no Fundão. Tudo está ao nosso alcance.

O país precisa mudar conceitos. A culpa não é de quem construiu em cima de um lixão. Eles foram vítimas.

Não tiveram opção, orientação, oferta de moradia decente em local seguro.

Um prefeito que governa a cidade, em seu terceiro mandato, não pode alegar desconhecimento de que o Bumba era área de risco e era inaceitável por razões humanas, sanitárias, ambientais. A informação de que lixo é doença, de que ninguém pode morar sobre um aterro improvisado mal cobrindo um lixão é pública.

Todos sabem. Inexplicavelmente, o morro não estava na lista das áreas de risco de Niterói.

A água que desceu forte e assustadora sobre o Rio ensina, avisa e revela onde está o risco. É hora de ver e ouvir o que a água mostrou.

Com Alvaro Gribel