quarta-feira, 10 de março de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

"No marxismo, o Estado é visto como expressão da classe dominante. Aqui ele é o libertador da nação, o que inverte as coisas. Já faz tempo que se sabe que competição não significa sufocar liberdade".


(Fernando Henrique Cardoso, em palestra, ontem na Casa do Saber, Rio de Janeiro)

Contradições::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O prestígio internacional do presidente Lula está abalado depois de sua absurda mudez diante da morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo em uma prisão, após 85 dias de greve de fome, e de sua aproximação com a ditadura teocrática de Mahmoud Ahmadinejad no Irã.

O jornal espanhol El País, hoje o mais influente da Europa, que havia lhe dado o título de homem do ano, retirou simbolicamente seu apoio com uma crítica em editorial, afirmando que o governo brasileiro poderia exercer mais pressão sobre o regime cubano, em especial na área de defesa de direitos humanos.

Antes disso, já havia publicado um artigo do editor da respeitada revista de assuntos internacionais Foreign Policy, Moisés Naím, que colocou Lula como um dos cinco grandes hipócritas de 2009.

Os outros quatro hipócritas, segundo Naím, seriam: Os banqueiros, que sempre desdenharam o Estado e acreditavam no mercado e que, apesar de terem sido salvos pelo Estado na recente crise internacional, não aprenderam a lição; O ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair, que declarou ter profunda repulsa por ditadores para justificar a necessidade de tirar Saddam Hussein do poder, mesmo que não tivesse armas de destruição em massa,mas, poucos dias depois, foi ao Azerbaijão para dar uma palestra na empresa do empresário mais rico do país, e se reuniu com o ditador Ilham Aliyev, amigo de seu anfitrião; Os galãs do Partido Republicano americano, que acusaram Bill Clinton de conduta inaceitável no affair Monica Lewinsky, e agora aparecem envolvidos em escândalos sexuais,como o governador da Carolina do Sul, Mark Sanford, ou o senador John Ensign; E os magistrados britânicos que deram ordem de prisão à ministra de Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, acusada de crimes de guerra nos conflitos entre o Hamas e Israel na Faixa de Gaza,mas não acusaram Obama, Bush e Blair, por exemplo, pelos milhares de mortos no Iraque e Afeganistão.

Lula entrou na lista por não criticar as condutas autoritárias de seu amigo Hugo Chávez, e de criticar as eleições democráticas ocorridas em Honduras, enquanto defende a eleição fraudada de Mahmoud Ahmadinejad no Irã.

A leniência de Lula com a ditadura de Cuba, explicitada pela amistosa visita a Fidel no mesmo dia da morte de Zapata, reforça certamente alista de justificativas.

Ontem, a agência de notícias Associated Press (AP) divulgou uma entrevista com Lula em que ele volta a falar sobre a prisão de dissidentes cubanos. O presidente brasileiro trata Cuba como se não fosse uma ditadura, e faz comparações absurdas com o sistema judiciário brasileiro: Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de prender as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem a do Brasil.

Ou então: Eu gostaria que não ocorresse (prisão de presos políticos), mas não posso questionar as razões pelas quais Cuba os prendeu, como não quero que Cuba questione as razões pelas quais há pessoas presas no Brasil.

O mais grave, porém, é que Lula tratou como bandidos os presos políticos cubanos, e mais uma vez culpou o morto: Eu acho que greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto dos direitos humanos para libertar pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade.

Esses comentários do presidente Lula são preocupantes porque denotam que ele faz uma confusão terrível entre regimes democráticos e ditaduras, tratando-os igualmente.

É uma confusão mais grave do que a que faz entre o público e o privado. Recentemente, para justificar as inspeções que finge fazer em obras do PAC, mal acobertando a antecipação da campanha eleitoral, disse que só com o olho do dono as coisas andam.

Essa confusão conceitual de Lula pode ser definida pelo princípio da contradição de Aristóteles. Com duas proposições contrárias, se uma é verdadeira a outra é falsa.

Se Lula se diz um democrata, não pode aceitar a ditadura cubana. Se aceita, não é democrata.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, garante que não procede o comentário, publicado na coluna de domingo, de que esteja armando umas bombinhas, por onde passa no exterior, contra o provável candidato tucano à Presidência da República, José Serra, e muito menos que essa atitude seja parte de uma campanha sua para service-presidente na chapa oficial de Dilma Rousseff.

De acordo com Meirelles, analistas que seguem o Brasil leem o que Serra fala; eles leram a entrevista do senador Sérgio Guerra ( presidente do PSDB); leem o que o Nakano fala (Yoshiaki Nakano, ex-secretário de Fazenda de São Paulo no governo Mario Covas), o que o Bresser Pereira fala(ex-ministro da Fazenda e da Administração).

Meirelles diz que,quando esses analistas lhe perguntam o que acha das declarações do presidente do PSDB à revista Veja, de que se o partido ganhar vai mudar tudo na economia; ou de uma declaração do Serra, de que o câmbio tem que ser desvalorizado, e que os juros têm que cair, eles sabem que não fecham as contas, dá inflação.

O que eu faço, diz o presidente do Banco Central, é exatamente descartar isso.

Digo que independente do que algumas pessoas possam falar, acho que, devido aos ganhos de crescimento econômico, a melhora de padrão de vida da população, hoje o suporte político para estabilidade econômica não dá margem para grandes mudanças.

E quando insistem, digo que o PSDB tem excelentes economistas, que fizeram grande trabalho no governo.

Eu mesmo sugiro que conversem com o Armínio (Fraga, ex-presidente do Banco Central), conta.

O deputado do PT que está trabalhando na legislação que descriminaliza o uso de drogas é Paulo Teixeira, de São Paulo.

O poder ou o desterro:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nesta altura ninguém tem mais dúvida de que o candidato do PSDB à Presidência da República será o governador José Serra, inclusive porque o partido já marca data (entre 22 e 30 de março) para o anúncio que marcará a saída dele do governo de São Paulo para entrar na campanha presidencial.

À exceção de Ciro Gomes – que continua apostando na desistência –, de seu conterrâneo, o senador pelo Ceará Tasso Jereissati, e de meia dúzia de mineiros mais realistas que o rei, não há, nem no PT, quem ponha em dúvida a candidatura Serra

De Ciro compreende-se a tática. É desafeto de Serra e vice-versa. Está no PSB, é aliado do campo governista. Joga, portanto, no time adversário.

Já a posição do senador Jereissati e de alguns correligionários do governador Aécio Neves é mais difícil de entender.

Se Serra ganhar, ganham junto. Se perder, serão sócios do infortúnio de viver mais quatro, talvez oito, quiçá 12 ou mesmo 16 anos (se Lula voltar) na oposição.

O PT viveu 22 e só fez crescer, atingindo o ápice com a conquista da Presidência da República em 2002. Mas o caso do PSDB e adjacências é diferente. Há sete anos, provam e comprovam que não têm vocação para opositores.

Hoje é fácil responsabilizar a popularidade de Lula e os métodos francamente questionáveis que adota, fazendo política partidária no exercício da Presidência do país.

Mas nem sempre foi assim. Lula já esteve em baixa ao ponto de cogitar a desistência de concorrer à reeleição. O presidente tem seus méritos na recuperação, mas seus oponentes jamais souberam se posicionar de modo a representar o contingente de cidadãos que discordam do governo.

Em 2006 – para não falar do quase fundo do poço do ano anterior – a situação não era assim tão risonha e franca para Lula. Com toda sua celebrada competência política foi ao segundo turno com Geraldo Alckmin, um político de expressão apenas regional quando se lançou à empreitada.

Com essas características, os atuais oposicionistas não são exatamente candidatos ao estrelato na política caso percam as eleições agora. Na verdade, é unanimidade entre eles que a expectativa é das mais sombrias. Há mesmo quem preveja, nessas circunstâncias, o fim da oposição no Brasil e a instituição de uma hegemonia partidária ao molde do antigo PRI mexicano.

Muito bem, nesse quadro seria de se supor que seja com José, Pedro ou João, a oposição estivesse interessada em ganhar. O PT está. Pragmático, entendeu a ordem unida e se fechou em torno de Dilma Rousseff com unhas, dentes e uma garra que contrastam com o comportamento do tucanato.

Quem vê pensa que estão com a vida ganha.

O governador José Serra não necessariamente está correto em sua estratégia de manter em suspenso a candidatura até o prazo final da lei para deixar o governo de São Paulo.

Se tiver errado, como alega parte considerável de seus correligionários, pagará o preço com uma campanha dificílima ou com a derrota.

Entretanto, a 15 dias do desfecho, essa é uma Inês morta. Se houve erro ou acerto governador candidato, isso aparecerá no decorrer da campanha. Agora não adianta mais discutir se a estratégia é ou não uma “loucura sem sentido” como diz o senador Tasso Jereissati.

Do ponto de vista da oposição, não é um atitude que a favoreça. Ao contrário. O PT pode até não morrer de amores por Dilma, mas a enaltece porque é no porto dela que estão atracados todos os barquinhos.

No PSDB, os resistentes parecem fazer questão de explicitar sua desafeição pelo candidato de cujo sucesso depende o destino de todos eles: o poder ou o desterro.

Isso serve para o senador do Ceará e serve também para o entorno do governador Aécio Neves, de onde ainda saem versões sobre uma possível desistência de Serra.

Contraproducentes, pois “Minas”, assim como a compreende esse grupo, terá tão mais importância no cenário nacional quanto maior for a possibilidade de êxito do candidato do partido.

Da mesma forma para o lugar a ser ocupado por Aécio Neves na política como futuro pretendente ao Palácio do Planalto.

Pedigree

A necessidade do presidente Lula de assinalar o desnível de hierarquia entre ele e a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, a quem diz ter recebido apenas para fazer um favor ao chanceler Celso Amorim, revela mais que descortesia.

É a contrafação do complexo de vira-lata materializado no complexo de pit bull.

Ato falho

No texto de ontem sobre a irrelevância da origem do dinheiro de obras para cujas inaugurações a ministra Dilma Rousseff seja convidada, pois a impropriedade nessas ocasiões reside no uso da máquina pública em prol de uma candidatura, houve troca de palavras. Onde se leu “na condição de mera candidata não haveria nada demais na presença da ministra”, leia-se “mera convidada”.

'Turbinação' consentida - Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Diante das evidências de utilização da máquina governamental para "turbinar" candidaturas, antes do período que a lei estipula para as campanhas eleitorais, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, reconhece a anomalia que, estranhamente, a Corte que preside não se mostra disposta a coibir.

Em entrevista ao Estado de domingo, indagado sobre qual o limite para um gestor público impulsionar uma candidatura, observou o ministro que, "à luz da legislação, este não é o momento de se impulsionar candidatura. Não é o momento de o chefe do Poder Executivo apoiar explicitamente, turbinar ou elogiar explicitamente uma candidatura. A legislação não permite isso. A lei estabelece um prazo para propaganda (6 de julho). Não se pode fazer propaganda antecipada".

Quando indagado a quem se referia, o presidente do TSE ? que deixará o posto daqui a dois meses ? respondeu que se referia a quem detém o controle da máquina administrativa. E afiançou que a base de inspiração da proibição de propaganda antecipada é uma só: não perturbar o funcionamento da máquina administrativa, não misturar a máquina com propaganda eleitoral, não confundir ação de governo com proselitismo eleitoral. Para o ministro essa perturbação viola, inevitavelmente, o princípio da impessoalidade. E, quando se viola o princípio da impessoalidade, que é constitucional, ficam desequilibradas as forças dos pré-candidatos.

O raciocínio do ministro é perfeito, mas com ele se chocam, inexplicavelmente, os argumentos de outros ministros do TSE, que mais de uma vez derrubaram representação dos partidos de oposição contra Lula por propaganda eleitoral antecipada ? no caso, em favor da sua candidata, Dilma Rousseff. Na sessão plenária realizada no dia 14 de maio de 2009, o TSE considerou, por unanimidade de votos, improcedente a representação movida pelo DEM e pelo PSDB contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, por propaganda eleitoral antecipada. Os ministros entenderam que não ficou caracterizada a propaganda eleitoral extemporânea, por parte do presidente e da ministra, em evento que reuniu prefeitos em Brasília nos dias 10 e 11 de fevereiro de 2009.

Posteriormente o TSE derrubou outra representação, do DEM, PSDB e PPS, tendo por base cerimônias de inaugurações no interior de Minas. Mais uma vez a oposição alegou que o objetivo notório do presidente e da ministra-candidata não era fiscalizar o andamento de obras ou a execução de programas de governo, visto que para isso não seria preciso montar-se verdadeiro comício.

Para os partidos oposicionistas, Lula e Dilma vêm percorrendo o País com intenções eleitoreiras, "utilizando-se do poder político que detêm e dos recursos públicos que gerenciam para a dispendiosa e bem montada estratégia de, antecipadamente, lançar a ministra Dilma Rousseff com vantagem no certame eleitoral deste ano". E os três partidos enfatizam: "A exposição, diuturna e ostensiva do nome da pré-candidata Dilma Rousseff ao eleitorado, bem como a sua vinculação à continuidade de programas, obras e ações do governo, caracterizam a chamada propaganda eleitoral subliminar." Na ocasião o TSE não enxergou qualquer indício de propaganda eleitoral nos verdadeiros comícios , termo empregado até mesmo pelo presidente em uma dessas "inaugurações", montados para "inspecionar e fiscalizar" as obras do governo pelo Brasil afora.

É até curioso o fato de o ministro relator, nessa representação, ater-se ao fato de que esse trabalho, digamos, conjunto, do presidente e de sua chefe da Casa Civil, não ter ocorrido dentro do período de três meses que antecedem às eleições ? quando se tornam ilegais inaugurações do gênero. Ora, justamente por estarmos ainda longe desse período é que se torna clara a antecipação da campanha. A situação de pré-candidato (ou pré-candidata) parece isentar candidatos e partidos de qualquer responsabilidade pelo descumprimento das restrições impostas pela legislação eleitoral, seja no tocante a campanhas eleitorais fora do tempo, seja no emprego de máquinas da administração pública para sustentá-las. Bom seria, então, que a Justiça Eleitoral seguisse o pensamento do ministro que a comanda ? e que em breve deixará de fazê-lo.

PAULINHO DA VIOLA - Pecado Capital

Tempo perdido :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - "O prazo de Serra acabou. Estamos sendo atropelados pelos fatos. Entramos em março, e Serra está com excesso de cuidado, de prurido ao não se lançar". São palavras do senador Jarbas Vasconcelos, em entrevista ao jornal "O Globo" de domingo. O pernambucano é uma das poucas lideranças do PMDB que têm o tucano como aliado. O crescimento de Dilma, ele diz, "surpreendeu a eles e a nós.

Não faz mal dizer que estamos debilitados e desarticulados".

Ontem, foi a vez do senador Tasso Jereissati de engrossar o coro falando ao mesmo jornal.

Tucano, embora nem de longe serrista como Vasconcelos, ele chamou a indefinição da candidatura de "loucura sem sentido" e convocou Serra a "cair na vida". Cobrou articulações nos Estados, visitas, presença na mídia. Mas avisou: seu nome não está à disposição para ser vice. "O vice tem tempo. A gente não tem mais tempo é de ficar sem candidato".

O tom da cobrança, que os aliados fazem agora abertamente pelos jornais, dá uma ideia do grau da insatisfação interna que veio se acumulando. Mas não é só isso. O raciocínio no núcleo do serrismo é o contrário: aliados que se prestam a pôr a boca no trombone dessa maneira pretendem ajudar ou atrapalhar? Estão mesmo aflitos ou a urgência que vocalizam é um sinal de que já ensaiam o desembarque do navio?

Diante de tanta irritação amiga exposta à luz do dia, a contrariedade de Serra, que não pode externá-la, não tem sido menor. Não se trata apenas de medir forças e comparar o arsenal lulista com o exército de Brancaleone que a oposição é capaz de recrutar. Trata-se de identificar nesse exército de recursos já escassos quem atua como quinta-coluna.

Será nesse terreno erodido que o tucano irá fincar a bandeira da sua candidatura presidencial. E cogita fazê-lo inclusive nos próximos dias, antecipando um pouco o cronograma que fixou para si mesmo de modo impassível, contra todas as pressões. Para muitos, Serra já estará em busca do tempo perdido.

Hipocrisia eleitoral:: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula, Dilma Rousseff e vários aliados governistas participaram de uma festa em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, na segunda-feira, no Rio. O evento teve o indefectível patrocínio chapa-branca da Caixa Econômica Federal e da Petrobras.

No meio da badalação, a ex-senadora e hoje secretária de Assistência Social do governo fluminense, Benedita da Silva, fez um pedido explícito de apoio para a candidatura de Dilma Rousseff a presidente.

Segundo relato do repórter Chico Otavio, a frase de Benedita foi: "Não podemos perder este momento. Eu quero uma presidenta do Brasil. E o seu nome é Dilma Rousseff". Em resumo:

1) era um evento pago com o dinheiro público;

2) Lula e Dilma estavam lá;

3) uma política petista pediu apoio para a candidatura governista.

Para completar, foram distribuídos leques de papel. Eram peças publicitárias ilustradas. De um lado, o desenho de uma moeda com o rosto de Lula e a inscrição "ele é o cara!".

Do outro lado, outra moeda com a imagem de Dilma e a frase "ela é a coroa!". O mimo era assinado por um sindicato filiado à CUT.

Ontem, o governo já havia alinhavado argumentos para se defender.

A Petrobras e a CEF não sabiam que o evento poderia ter cunho eleitoral. O leque foi produzido por uma entidade autônoma. Lula e Dilma não foram lá pedir votos.

Esse tipo de comportamento dissimulado só existe por causa de uma combinação nefanda entre uma lei anacrônica (fixando prazos para campanhas) e a hipocrisia geral dos políticos.

É conveniente negar em público reais intenções com a desculpa de que a lei proíbe.

Essa anomalia só acabará quando o Supremo Tribunal Federal um dia for provocado e concluir pela inconstitucionalidade da lei que impede um cidadão de fazer campanha a qualquer tempo e época, sem usar recursos públicos -o que não é o caso atual do PT.

Serra articula alianças partidárias

DEU NO VALOR ECONÔMICO

De Brasília

O governador de São Paulo, José Serra, garantiu à cúpula do PSDB que será mesmo candidato a presidente da República, mas reafirmou que ficará no cargo até o fim de março e não fará qualquer gesto público mais afirmativo da candidatura antes disso. Até lá, Serra vai se empenhar totalmente na articulação de alianças partidárias em Estados onde há problemas internos no PSDB ou entre os parceiros históricos da legenda,como Paraíba, Santa Catarina e Paraná.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), já marcou para a próxima semana a primeira reunião com os presidentes dos partidos aliados - DEM e PPS por enquanto, mas outros estão sendo esperados -para definir estratégia de campanha. "Vamos ampliar e alargar a discussão sobre o que precisamos fazer com os aliados que virão",disse. Serra, segundo ele, está ajudando na consolidação dos palanques e definição da estratégia.

A afirmação de Serra pode ter dado mais segurança à direção partidária,mas não reduziu a cobrança por uma antecipação do lançamento de sua candidatura, feita por dois aliados de peso, os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).

"Esperar até o fim do mês é muito. Já está atrasado", disse Tasso ontem."Campanha tem que ter tropa, energia. Se vai passando letargia e o outro adversário está em jogo, o militante e aliados agem como torcida de time que está perdendo: vai saindo do campo".

Para o senador cearense, ex-presidente do PSDB e político ligado ao governador Aécio Neves (MG) - tucano que desistiu de disputar a Presidência da República e resiste a ser vice de Serra - a campanha presidencial, até agora, "é um jogo em que só um time joga". E completa: "E nós aqui, parados, assistindo ao jogo".

Segundo ele, tem certas questões numa campanha "que só o candidato pode resolver", como formação de alianças, orientação e cobrança de posições políticas de aliados. "É preciso haver um contraponto", afirmou Tasso,referindo-se à campanha de Dilma, já em andamento no país todo.

Tasso vive uma situação delicada no Ceará. É candidato ao Senado e o PSDB não tem concorrente ao governo do Estado. Para Tasso, a reeleição seria mais tranquila se tivesse apoio informal do governador Cid Gomes(PSB-CE), irmão do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), com quem mantém boas relações pessoais e políticas. Cid é aliado de Lula, mas, se lançasse apenas um candidato para o Senado, a outra vaga certamente seria do tucano. Cid tem compromisso com o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE),mas o PT está impondo a candidatura do ministro José Pimentel(Previdência Social).

Na opinião de Jarbas, o prazo de Serra já passou. Segundo ele, a demora no anúncio da pré-candidatura causa um dano incalculável à campanha da oposição. O pemedebista disse que o crescimento das intenções de voto da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT,"surpreendeu". A oposição, de acordo com o pemedebista - dissidente do seu partido e aliado de Serra - está "debilitada".

A cobrança de Jarbas tem outra motivação. Ele não gostaria de disputar o governo de Pernambuco, mas está disposto a fazê-lo apenas para ajudar a campanha de Serra no Nordeste.
O problema é que a indefinição da candidatura está deixando os aliados do PSDB e do PMDB no Estado desarticulados. Há dificuldade para formação de alianças, mobilização de prefeitos e aliados e definição de um discurso para se contrapor ao de Dilma e PT.

Para o presidente do PSDB, "não tem mais sentido" a cobrança por uma antecipação do lançamento de Serra. Afirma que, a pouco mais de 15 dias do prazo para ele sair do governo, o paulista tem mesmo que permanecer no cargo, até para poder participar das "grandes inaugurações" de sua gestão, previstas para o fim do mês.

A questão da escolha do vice-presidente na chapa de Serra, segundo Guerra, não será discutida agora. Para o dirigente tucano, a decisão"não será de uma pessoa só ou um partido". Será uma decisão coletiva, a ser tomada por PSDB e aliados (RU)

PV do Rio decide lançar candidatura de Aspásia Camargo para o Senado

DEU EM O GLOBO

DEM e PPS, que vão apoiar Gabeira, também terão concorrentes

Maiá Menezes

O consenso de PV, PSDB, DEM e PPS em torno do nome do deputadofederal Fernando Gabeira (PV) para o governo do estado não se repetequando o assunto é a disputa pelo Senado. O PV estará fora da aliançaem torno dos candidatos da coligação o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) eo ex-deputado federal Marcelo Cerqueira (PPS) ao Senado.

Mas,segundo o presidente regional do partido, Alfredo Sirkis, a legendalançará a vereadora Aspásia Camargo. E usará, no horário eleitoral naTV e no rádio, o tempo de um minuto do PV para divulgar o nome dacandidata.

Outra disputa esquenta a aliança: na reunião deanteontem, na casa do ex-governador Marcello Alencar (PSDB), foiinstalada polêmica em torno do tempo de TV para o candidato ao Senado apoiado por PPS, PSDB e DEM: o partido de Cesar Maia quer que ele tenhamaior tempo no horário eleitoral do que o candidato do PPS. A propostafoi apresentada pelo presidente nacional do DEM, Rodrigo Maia, filho deCesar, e causou desconforto. O presidente regional do PPS, ComteBittencourt, disse que não abrirá mão do espaço a que a sigla temdireito.

Com relação ao PV, Sirkis disse que estão superadas as questões do partido com Cesar.

Afirmou,ainda, que a disputa pelo tempo de TV não atinge o PV: Os três partidos que apoiam o governador de São Paulo, José Serra, vão se coligare lançaram os dois candidatos.

A gente imaginou que eles dividiriam (o tempo) em partes iguais. DEM manteve a posição de querer mais.

Aécio: Serra tem tempo e vai vencer

DEU EM O GLOBO

Governador reage a Tasso e diz que será um "soldado" da campanha do tucano

Marcelo Portela

BELO HORIZONTE. O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), disse ontem não acreditar que o partido esteja perdendo terreno devido à demora do colega paulista, José Serra, para anunciar oficialmente sua pré-candidatura à Presidência.

A posição de Aécio é oposta à do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que, em reportagem no GLOBO de ontem, criticou a demora de Serra e afirmou que o partido perde espaçopor não lançar logo seu candidato.

Não tenho essa aflição que vejo em muitas figuras hoje, não apenas do meu partido, mas do partidos que nos apoiam. A campanha está longe ainda de ter o seu ápice afirmou Aécio, em visita a Uberlândia, no Triângulo Mineiro.

Aécio já foi convidado por Serra para ser vice na chapa, mas não aceitou. JáTasso disse que não aceitaria, embora não tenha sido convidado.

Para Aécio, quando começarem oficialmente as campanhas, Serra vai se sobressair em relação à candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff: Acredito firmemente que, no momento em que houver o debate entre os candidatos, o governador José Serra terá todas as condições de enfrenta-lo e, pela sua história de vida, tem todas as condições de vencer as eleições.

Em relação à possibilidade de assumir uma candidatura à Presidência no caso de desistência de Serra, Aécio descartou qualquer alteração: É preciso que paremos de uma vez por todas com essas especulações de que é possível haver uma mudança. O momento é dele. Temos um extraordinário candidato chamado José Serra e caberá a mim apoiá-lo.

Após se desincompatibilizar do cargo para disputar uma vaga no Senado, Aécio pretende submergir por 30 dias para, depois, ser um soldado da candidatura de Serra.

Disse ainda que, ao voltar para as articulações, estará à disposição deSerra, tanto para oferecer palanques em Minas quanto para viajar pelo Brasil.

No momento em que ele (Serra) construir a sua estratégia, certamente pretendo ser o primeiro dos soldados perfilados ao lado do governador para disputarmos e vencermos essas eleições.Estarei integralmente à disposição dele. Em primeiro lugar em Minas Gerais, onde vamos buscar levar as suas propostas e seu projeto. Mas,quando ele achar necessário, também estou à disposição para outros estados concluiu.

Operação acalma PSDB

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Após se reunir com Serra, Sérgio Guerra tenta tranquilizar aliados. O governador, porém, não deixará o cargo antes do dia 30

BRASÍLIA - O governador de São Paulo, José Serra, avisou ao presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), na noite de segunda-feira, que não deixará mesmo o cargo antes do dia 30, mas autorizou a cúpula tucana a dar início à organização de sua campanha, que terá no seu comando, além de Guerra, os senadores tucanos Álvaro Dias (PR) e Cícero Lucena (PB). Numa reunião que se estendeu pela madrugada de ontem com o presidente do partido, o governador justificou que aproveitará as próximas três semanas para participar de uma série de inaugurações de seu governo. Após o encontro, a missão de Sérgio Guerra foi outra: tranquilizar os correligionários.

O governador Serra disse que vai cumprir seu mandato até o último dia (prazo da desincompatibilização). Se vai ser dia 1º ou dia 2 (de abril), eu não sei. Mas antes do dia 30 (de março), ele não sai, confirmou Guerra, para desespero dos aliados do governador paulista, que, ontem, no Congresso, já não disfarçavam mais a preocupação e até mesmo a irritação com o comportamento do tucano paulista.

O senador Sérgio Guerra voltou de São Paulo para Brasília com a missão de acalmar tucanos e aliados da oposição. Passou a manhã de ontem em contatos telefônicos com governadores, prefeitos, candidatos e líderes do PSDB nos Estados para reafirmar a candidatura de Serra, e divulgar as iniciativas que começam a ser tomadas para estruturar sua campanha. Fez o mesmo com alguns candidatos e líderes do DEM.

Ainda ontem, Guerra reuniu a bancada tucana no Senado para discutir com técnicos o programa de campanha da oposição na internet. O PSDB vai organizar uma agenda de pré-campanha para Serra, para o período entre abril e final de junho, em que ele ficará sem cargo e sem a candidatura oficializada por convenção partidária.

Para o presidente do PSDB, a discussão sobre candidatura de Serra está superada, e o foco agora são as estratégias de campanha que começam a ser amarradas. Essa questão de Serra ser ou não candidato não é mais relevante. O foco agora é organizar nossa campanha. Serra tem uma agenda de inaugurações de grandes obras de seu governo e não teria sentido não comparecer, já que é o seu governo. Hoje (ontem) tivemos uma reunião sobre o programa de internet que já está aprovado e em andamento. Até o final do mês teremos um evento, mas o lançamento de Serra ainda não tem data, estamos programando, afirmou Guerra.

O governador há muito tempo comunica a todos nós que não vai cuidar da campanha dele antes de se afastar do governo. Algumas pessoas concordam com isso, outras não, mas o fato é que estamos há 15 dias nesse desenlace. A opinião do governador vai prevalecer e todos nós acatamos.

Mesmo sem anunciar oficialmente sua candidatura à Presidência, Serra teve ontem mais um dia de candidato. O governador foi a Santos, no litoral paulista, anunciar o projeto de construção de uma ponte que ainda está só no papel. A obra ligando Santos ao Guarujá não foi licitada e levará dois anos e meio para ser concluída após a assinatura do contrato. Apesar de se mostrar cada vez mais candidato, Serra não quis falar sobre política.

Serra é candidato, afirma Jarbas

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Depois de externar publicamente sua impaciência com a demora do PSDB em anunciar oficialmente que o governador de São Paulo, José Serra, é o pré-candidato das oposições à Presidência, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) mostrou-se ontem mais calmo. O ex-governador de Pernambuco, que é cotado para ser o candidato ao governo do Estado pela oposição, afirmou que não tem mais dúvida sobre a disposição de Serra. Negou, no entanto, que tenha recebido qualquer telefonema do tucano nos últimos dias, após a entrevista que concedeu ao jornal O Globo, no domingo (7). Na ocasião, reclamou da morosidade dos aliados e reconheceu que a oposição estava sendo atropelada pelos fatos, uma vez que a presidenciável do PT, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), cresceu nas pesquisas de intenção de voto.

Há muita expectativa sobre o anúncio. Tenho certeza de que iremos conversar. Sei que ele é candidato. Mas ele tem uma agenda (administrativa) grande, falou Jarbas em tom mais moderado. O ex-governador lembrou, inclusive, como foi delicado para ele administrar os aliados antes de lançar sua candidatura à reeleição em 2002. As duas situações, porém, conservam uma diferença fundamental: Jarbas confirmou a candidatura e permaneceu na função. Serra tem que renunciar para enfrentar as urnas, sabendo que vai ser cobrado por não concluir o mandato.

Mesmo adotando um discurso mais sereno, Jarbas reafirmou que tinha mudado de postura. Minha posição inicial era a de aguardar (até o fim do prazo de desincompatibilização da Justiça, ou seja, 3 de abril), mas fomos atropelados (pelos governistas) e mudei, enfatizou. O senador, contudo, não alterou a sua disposição de só oficializar sua candidatura depois do anúncio oficial de Serra. Isso porque vincula o seu projeto político local ao do governador.

Antes de conversar com a reportagem do JC, ontem à noite, Jarbas foi ao gabinete do senador Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB, no Senado. Mas não conseguiu encontrar com o tucano porque tinha muita gente. Ele queria saber o resultado da reunião que Guerra manteve com Serra em São Paulo, anteontem à noite. Estou aguardando o telefonema. Sei que vamos nos encontrar, reiterou. Jarbas explicou que está preocupado não apenas com Pernambuco, mas com outros Estados, como Paraná e Rio Grande do Sul, onde a situação é bem mais complicada. Todos estão esperando por Serra.

Aécio aposta no debate para fortalecer Serra

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Governador de Minas Gerais acredita que colega de São Paulo se beneficiará de confronto de ideias com concorrentes para se firmar na liderança da corrida pelo Palácio do Planalto

Daniela Almeida, Thiago Herdy

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), negou ontem, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, que o PSDB estaria pagando o preço pela demora do seu colega paulista José Serra em assumir a pré-candidatura à Presidência da República. A declaração sobre a situação do partido foi feita na segunda-feira pelo presidente do PSDB paulista, deputado Antonio Mendes Thame, antes de um encontro no diretório em São Paulo para discutir as estratégias para as eleições.

Na avaliação de Aécio, que visitou ontem as obras do Hospital Municipal de Uberlândia, a campanha está longe de seu ápice. Não tenho essa aflição que vejo em muitas figuras hoje, não apenas do meu partido, mas entre os que nos apoiam. No momento em que houver o debate entre os candidatos, o governador Serra terá todas as condições de enfrentá-lo e vencer essas eleições, afirmou.

Já o deputado federal e presidente do PSDB-MG, Nárcio Rodrigues, acredita que a demora da sigla pode ter complicado a estratégia para fazer alianças. Discutimos que o PSDB deveria definir o candidato antes para haver tempo de construir a coligação. Como não foi possível, é preciso respeitar a posição do nosso candidato e tomar o nosso rumo, afirmou. O rumo, no caso, seria a candidatura de Aécio ao Senado.

Para Rodrigues, a possibilidade de o governador ocupar o posto de vice em uma chapa pura-sangue com Serra teria sido finalmente enterrada semana passada. Conseguimos sepultar essa imposição de lideranças. Eu disse que o governador não é pneu de estepe. Quer um espaço que lhe permita exercitar sua liderança nacional. E o Senado dará isso a ele.

A decisão foi reforçada pelo governador, que voltou a prometer que trabalhará pela campanha nacional a partir de Minas. É preciso que nós paremos de uma vez por todas com essas especulações de que é possível haver mudança. O momento é dele (de Serra). Caberá a mim apoiá-lo, afirmou. Segundo Aécio, seu papel na campanha será trabalhar para eleger seu sucessor no estado, o vice-governador Antonio Anastasia (PSDB). A estratégia garantiria, assim, um forte palanque para o candidato à Presidência pelo PSDB em Minas, segundo maior colégio eleitoral do país.

Rodrigues refutou notícias recentes sobre uma pesquisa qualitativa apontando que Serra seria visto pelo eleitorado mineiro como um adversário de Aécio, o que poderia enfraquecer o palanque do governador paulista no estado. Ele também negou que possa haver racha interno entre aecistas e serristas. Nossa irritação era em relação à tentativa de fazer Aécio vice. Ele foi um adversário circunstancial do governador, mas é nosso aliado e será nosso candidato se quiser ser, disse o deputado.

Batalha

Aécio Neves orientou ontem seus secretários de governo a se prepararem para o que chamou de batalha de informação dos próximos meses, quando a oposição tentará questionar eventuais avanços do governo tucano com foco nas eleições de outubro. Embora tenha dito, em entrevista, que nos próximos meses os secretários deverão apenas administrar o estado e não misturar campanha eleitoral com ações administrativas, na reunião a portas fechadas o governador cobrou do primeiro escalão a entrega de um grande balanço das ações de cada secretaria, comparando dados de 2002 (início do primeiro governo) e 2006 (início do segundo) com 2010.

O pedido foi feito na primeira reunião de trabalho do governador na Cidade Administrativa, inaugurada na semana passada, no Bairro Serra Verde, na Região Norte de Belo Horizonte. Os números em defesa do governo serão apresentados na próxima reunião com os secretários, a última de Aécio como governador, marcada para o dia 25.

Os dados também subsidiarão a campanha do vice-governador Antonio Anastasia, escolhido por Aécio como seu candidato à sucessão estadual. Teremos a oportunidade de mostrar, não com discursos, mas com números claros, o que ocorreu em Minais Gerais de 2003 até aqui. E o que vai ocorrer em Minas Gerais até o fim deste mandato e com reflexos para além de 2010, disse o governador.

Na reunião de ontem, Aécio cobrou dos secretários fidelidade e compromisso com Anastasia, que assumirá o governo em seu lugar, no início do próximo mês, para que Aécio possa ser candidato nas eleições de outubro.

“É preciso que nós paremos de uma vez por todas com essas especulações de que é possível haver mudança. O momento é dele (de Serra). Caberá a mim apoiá-lo”

(Aécio Neves, governador de Minas Gerais)

Lula coloca maior parte da agenda a serviço da campanha da ministra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tânia Monteiro, Leonencio Nossa

BRASÍLIA – Na reta final antes da despedida da ministra Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dedica boa parte do seu tempo a ajudar na campanha da sua candidata à sucessão no Planalto. Dos cinco dias úteis desta semana, Lula estará três deles com Dilma a tiracolo pelo País e nos outros dois dias se dedicará às discussões do PAC 2. Lula quer lançar a segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento no dia 29, cinco dias antes da data-limite para a saída de Dilma do cargo.

Na tarde de ontem, houve mais uma rodada de reuniões do PAC. Mas o governo evita detalhar os projetos que quer deixar assegurados no Orçamento da União do ano que vem porque quer lançá-lo com uma grande festa, para inflar a candidatura de Dilma. Originalmente, a reunião de ontem seria para tratar de energia, transportes e portos. Mas a agenda de energia foi transferida para amanhã, quando Lula dedicará todo o seu dia a nova reunião de avaliação do programa.

EXPOSIÇÃO

A ideia do presidente e assessores é que Dilma deve aproveitar ? com as viagens e decisões em relação ao PAC ? o espaço no noticiário que a oposição, sem candidato formal, não consegue preencher. O Planalto está convencido de que Dilma deve exibir ao máximo o rosto de candidata e não esperar pelo anúncio oficial da candidatura do governador paulista, o tucano José Serra. Lula orientou a ministra a aumentar, neste mês, a exposição pública em eventos.

Hoje, Dilma estará com Lula em São Paulo, principal reduto tucano, onde inauguram uma usina termelétrica em Cubatão. Depois, sozinha, ela visita a Feicana, feira promovida pelo setor do álcool em Araçatuba. Na sexta-feira, Dilma viajará com Lula para Curitiba, onde visitarão a Refinaria do Paraná, da Petrobrás. Ela ainda poderá esticar sua viagem a Londrina, onde visitaria um call center.

Antes de se afastar do ministério, o que deve ocorrer até o dia 3 de abril, Dilma deve fazer um giro pelo principal reduto eleitoral do presidente. Ela acompanhará Lula numa viagem ao sertão nordestino no próximo dia 23. O roteiro inclui canteiros de obras da ferrovia Transnordestina em Salgueiro, semiárido pernambucano, e Paulistânia, no Piauí. No dia 26, a dupla vai à Bahia, onde deverá anunciar entrega de residências do programa Minha Casa, Minha Vida em Salvador e visitar as obras de um gasoduto em Itabuna, no sul do Estado.

Governador fica até fim do prazo, afirma Guerra

DEU EM O ESTDO DE S. PAULO

Christiane Samarco

BRASÍLIA - O governador José Serra (PSDB) vai ficar no Palácio dos Bandeirantes até o fim do prazo legal de desincompatibilização, quando os candidatos são obrigados a deixar o governo. Em conversa com o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), na madrugada de ontem, Serra afirmou que faz questão de cumprir o mandato até o limite legal, tirando a esperança da cúpula tucana que o pressiona a antecipar o lançamento da candidatura presidencial.

"Ele é candidato a presidente e, até o dia 30, não sai do governo", resumiu Guerra. "Pode sair dia 1º ou 2 de abril, mas antes do dia 30 não sai." Outro tucano da direção nacional lembra que, como 31 de março é data do golpe militar de 1964 e 1º de abril é conhecido como "dia da mentira", Serra tende a oficializar sua participação na corrida sucessória dia 2 de abril, último dia de governo para os candidatos às eleições.

"Tenho muito trabalho para fazer, muita inauguração para ir", teria justificado Serra, segundo relato de Guerra. "Não me custa terminar o mandato; estamos por 15 dias." A decisão contraria conselhos de aliados e apelos de auxiliares próximos, angustiados com a demora ante a campanha antecipada da adversária do PT e ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Guerra passou o dia procurando acalmar correligionários, com o discurso de que "Serra está firme e as coisas estão se equacionando". Argumentou que, mesmo sem admitir a candidatura oficialmente, o governador está "cuidando de estruturar a campanha a presidente". Entre os nomes do PSDB que deverão integrar o staff político do tucano, além de Guerra, estão os senadores Álvaro Dias (PR) e Cícero Lucena (PB). Como têm mais quatro anos de mandato pela frente, ambos estarão mais disponíveis para cuidar da campanha presidencial.

Impaciente com o quadro, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) falou da "falta de entusiasmo que reinou" na recepção a Dilma na sessão para celebrar o Dia Internacional da Mulher. "Estava desanimado com a demora do Serra, mas quando vi a Dilma no palanque que o Sarney arrumou para ela no Senado, me animei. Ela é muito ruim."

FHC faz defesa do resgate do liberalismo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em palestra, ex-presidente diz que discussão no Brasil é se haverá "capitalismo burocrático-corporativo" ou "de competição"

Numa sociedade em que o Estado "é enorme e vai continuar sendo", é preciso valorizar as liberdades individuais, afirma tucano


Claudia Antunes
Da Sucursal do Rio


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou que a "verdadeira discussão" no Brasil hoje é se teremos um capitalismo "burocrático, corporativo", em que o Estado "manda e resolve", ou um "capitalismo de competição", de clara orientação liberal.

Apresentado como "eterno professor", FHC falou a 70 pessoas, que pagaram R$ 100 para ouvi-lo, na Casa do Saber, no Rio. Indagado por que "direita" e "liberal" eram consideradas palavras "feias", brincou: "Liberal e de direita, eu acho feio".

Ele defendeu o resgate do conceito original de liberalismo, de defesa das liberdades do indivíduo e da autonomia da sociedade, num país que "acha que Estado é igual à nação" e no qual o direito individual "vem depois da ideia do coletivo".

"No marxismo, o Estado é visto como expressão da classe dominante. Aqui ele é o libertador da nação, o que inverte as coisas. Já faz tempo que se sabe que competição não significa sufocar liberdade", disse.

Depois, lembrou que o liberalismo e o conservadorismo foram "desmoralizados" ainda no Império, por viverem "montados na escravidão". Mas o "liberal típico não é de direita", ressaltou: nos EUA a palavra quer dizer "progressista".

"É preciso um pouco mais de liberalismo no bom sentido, não contraditório com a ação social do Estado", explicou-se.

O ex-presidente introduziu o tema ao ironizar o PT por romper a defesa que fazia, na Assembleia Constituinte (1987-1988), da pluralidade sindical. Disse que o governo Lula "impôs a unicidade" e cooptou as centrais, ao legalizá-las e estabelecer "ligação direta entre cofre público e cofre sindical".

"Dá a impressão de que essas formas corporativas se comunicam mais facilmente com o sistema decisório político do que a multiplicidade de opiniões, o debate aberto."

A palestra tratou do fosso entre a "opinião pública" e o poder. FHC lembrou que por décadas os partidos foram o elo principal entre as classes e sua representação política.

Hoje, disse, "mesmo que ainda haja distinção entre possuir e não possuir", a sociedade "é muito mais fragmentada em seus interesses". "Achávamos que o florescimento da sociedade seria retransmitido aos partidos e ao poder, mas isso não parece acontecer."

Para ele, embora as informações circulem mais rápido, a ideia de "deliberação consciente" do eleitor deu lugar a uma identificação de sentimentos que, embora brote também de interesses concretos, surge no calor das campanhas.

"Ao invés de você ter um papel menor do indivíduo, ele é maior. [Barack] Obama ganhou porque simbolizou algo, o Lula se elegeu assim também."

À plateia desejosa de medir chances de mudança num sistema político que "olha com desdém" FHC disse que é preciso "lideranças morais, aceitas como virtuosas", para acelerar fatores de "ignição" das transformações. Disse que isso é mais difícil quando a situação econômica é boa.

À Folha o ex-presidente disse que na atual campanha o "ponto de interrogação" é sobre quem "terá capacidade de sintonizar com a sociedade". "Você sabe que eu tenho candidato.

O que tem que ser feito no Brasil ele vai ter que dizer."

Hesitando entre o político e o sociólogo, FHC rebateu um ouvinte que criticou o Legislativo.

Disse que "o baixo clero dominou de tal maneira que hoje não tem mais alto clero", mas viu um ponto positivo. "A camada que começa a mandar é nova. O próprio sindicalismo, sociologicamente é uma nova gente. Sem a erudição dos antigos, expressam o novo Brasil."

Política e Agrarismo no Brasil:: Raimundo Santos*

Revista Estudos Sociedade e Agricultura, vol 17 n. 1 abril de 2009, - CPDA/UFRRJ

Fazer o inventário discursivo do sindicalismo camponês praticado pelo PCB constitui exercício útil aos mediadores ativos nas ações rurais ora em curso no país. O presente texto se limita a tecer algumas considerações sobre o pensamento de Caio Prado Jr., Alberto Passos Guimarães e Luiz Werneck Vianna, sendo os dois primeiros clássicos reconhecidos e o terceiro, nome dos mais expressivos do chamado “campo da revolução passiva”, a sugestiva matriz da nossa esquerda histórica. A presente recensão põe ênfase no tema da debilidade do campesinato,[1] aqui visto como uma chave de leitura que não só leva a realçar o sentido construtivo do agrarismo pecebista como enseja pontos à discussão cada dia mais oportuna acerca da expectativa que várias áreas intelectuais e organizações defensoras da reforma agrária alimentam em relação aos grupos camponeses brasileiros.

Em boa hora vemos Eric Sabourin sugerir temas para essa controvérsia quando responde à insatisfação de alguns estudiosos, dentre ele, José de Souza Martins, ante o desempenho dos sem-terra na reforma agrária brasileira. Citemos Sabourin: “Segundo Martins, a facilidade com que as organizações de luta pela reforma agrária mobilizam massas para uma identidade provisória de sem-terra – inclusive entre a população urbana – mostra a vitória da propriedade sobre o trabalho, como valor de referência. Expressa a orientação dos comportamentos políticos e das suas aspirações sociais como projeto político e opção histórica” (SABOURIN, 2008: 169).[2] Sabourin assim equaciona essa decepção ante um grupo pobre que “não dispõe de opções”: “Ao esperar dos sem-terra um comportamento diferente ou até exemplar, ao procurar transferir exigências cidadãs àqueles que têm menos acesso à cidadania e ao reconhecimento dos outros, o autor (José de Souza Martins) mostra atitude não muito diferente das tendências que denuncia. Vale dizer, a dos dirigentes do MST, que projetam uma visão dos sem-terra como vanguarda de uma revolução socialista, bem como a dos quadros do Incra, que sonham com produtores modelos, inseridos em projetos produtivos cooperativos” (idem).

O primeiro tópico destas notas começa com o constructo com que Caio Prado se distingue tanto do seu partido comunista como em relação aos campesinismos revolucionários propostos por alguns ambientes das esquerdas latino-americanas (DEBRAY, 1967) e brasileiras da segunda metade dos anos 1960. Em seguida esse tópico inicial se refere a Alberto Passos Guimarães como publicista que não só oferece fundamento à reorientação do PCB anunciada na Declaração de Março de 1958, como propicia referência à nova tática pecebista de “criar sindicatos para mobilizar as massas camponesas”. Em um segundo momento, o texto alude a duas passagens da obra de Luiz Werneck Vianna que qualificam sua expectativa em relação às mobilizações dos sem-terra do tempo mais próximo. Estas notas terminam com duas referências ao tema antigo da “forma de luta” estimulada pelo protagonista mediador do conflito agrário (ações de autodefesa, armadas; legais e pacíficas, mobilizações expansivas no território); tema visto pelos clássicos comunistas como questão decisiva para a eficácia da pressão dos grupos “de baixo” no processo de reforma do mundo rural.

Desencontro “estrutural”, sindicalismo rural e campesinato

A presença recorrente de Caio Prado no debate agrário se explica pelo programa de renovamento nacional com que o historiador interpelava as esquerdas do seu tempo, em primeiro lugar, o seu próprio partido. Quando o historiador se referia à reestruturação do país como uma “revolução agrária e nacional” não estava apenas invertendo o modelo nacional-libertador da Internacional Comunista (IC). Caio Prado particularizava o Brasil como uma nação portadora de movimentos e vida que o ator revolucionário precisaria compreender através de uma teoria apropriada. O “agrário” da fórmula caiopradiana aludia a uma economia e a uma população – eis o ponto – marcadas pelo dissídio entre produção e consumo desde a instalação da colônia de produção voltada ao mercado internacional (PRADO JR., 1942; 1945). Ao radicar o dinamismo da vida nacional nesse tipo de estruturação, Caio Prado visualiza o programa da “revolução brasileira” como uma obra de reversão daquela dissociação com base na valorização produtiva do trabalho nacional, o agrário da fórmula “agrária e nacional” tendo assim dimensão estratégica, não obstante os constrangimentos estruturais impostos à revolução brasileira “programática” imaginada por Caio Prado.[3] A colônia de produção aqui organizada sob formas escravistas marcara profundamente a força de trabalho trazida de fora para ter uso instrumental no empreendimento mercantilista. Mesmo após a Abolição, ela subsistirá debilmente incorporada ao sistema econômico construído no nosso “país sem povo”, lembrando a imagem com que Louis Couty ainda via no século XIX a grande marca “estrutural” da gênese. A dissociação entre produção e consumo se reproduzirá na fase industrialista, depois da Revolução de 1930. Inclusive nos anos nacional-desenvolvimentistas (1945-64) continuava grande o desencontro entre uma economia sob impacto modernizador e a “maioria da população”, sobretudo rural, endemicamente pobre.[4] Caio Prado atribui toda a importância a esse descompasso, visto por ele como raiz da debilidade das formas de sociabilidade e da política brasileira a ponto de tomá-lo como chave das suas próprias análises de conjuntura (PRADO JR., 1945; 1956; 1962; 1977 in PRADO JR., 2007). A esse tema do desencontro “estrutural”, em última instância, se referenciavam as divergências diretamente políticas de Caio Prado com as esquerdas brasileiras, bem visíveis nas suas controvérsias com o PCB nos anos 1940 e nas décadas de 1950 e 1960.

Aquele dissídio entre produção e consumo dá o sentido geral da renovação que o historiador dizia que o país necessitava para tornar-se uma nação moderna (PRADO JR., 1947). A formulação dessa grande transformação “programática” a que chegará a propor Caio Prado passa por uma crítica simultaneamente dirigida ao industrialismo “superficial” e “caótico” e à fraqueza da nossa vida política movida por “agitações estéreis”, “lutas políticas individualistas”, interesses mesquinhos e “personalismos”. Enquanto no plano econômico a revolução brasileira tinha por grande meta construir um capitalismo “rooseveltiano” mediante a valorização do trabalho e o monitoramento estatal dos interesses da generalidade da população (idem), a reestruturação da “política brasileira” consistia em uma espécie de dinamização social e ideológico-partidária da esfera política e do nosso Estado fortemente cartorial.[5] O historiador propõe movimentos de adensamento da vida política e do poder público, sendo temas estratégicos da primeira dimensão a opinião pública e os partidos representativos de interesses e ideológicos; e da segunda, as eleições com formação de governos político-administrativos. A própria ideia de revolução aparece no autor associada à “dialética” dessas assimetrias da circunstância brasileira. O historiador visualiza a concretização da revolução nacional por meio de um processo de “polarização de forças” que realinhasse de modo real, de um lado, os interesses e o associativismo populares e as vertentes progressistas do mundo político e cultural-ideológico, e, de outro, o campo do atraso, abrindo assim caminho para o país trilhar curso novo. O sentido produtivista-“programático” dessas duas grandes reestruturações da vida nacional lembra o capitalismo americano ao qual Elias Chaves Neto – o principal divulgador político de época da obra do historiador – busca associar a acepção caiopradiana da revolução brasileira (SANTOS, 2001). Lembra o primeiro industrialismo europeu (e americano) cujo “produtivismo” propiciava o progresso, ao qual Caio Prado recorrentemente comparava nossa trajetória de modernização de baixo dinamismo produtivo e sem grande incorporação social.

Já na obra de 1933, Evolução política do Brasil, Caio Prado se refere à questão da debilidade da sociedade civil ao fazer comparação entre a colonização por povoamento das zonas temperadas da América e a colônia de produção brasileira. A Independência é apresentada como uma revolução sem guerras e conflitos armados. O jovem autor descrevia as derrotas dos “de baixo” durante o que seria nossa “revolução francesa de 1848”, descritas por Marx nos seus textos políticos. São instigantes as observações a respeito das “agitações políticas” urbanas e o desfecho reacionário da revolução independentista (PRADO JR., 1933). Esse tema do protagonismo dos grupos populares segue em Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e em textos posteriores. Inclusive nesse livro, a pouca relevância do setor de subsistência aparece como traço “estrutural” do sistema econômico montado para fora, esta marca dando andamento lento e irregular à formação da pequena propriedade, mantendo debilitados os “camponeses”-agregados.[6]

Na contracorrente, Caio Prado sustentava que a luta pela terra em sentido propriamente camponês não possuía potencial para generalizar conflitos e estender associativismo no extenso país. Para Caio Prado, a questão camponesa não era a questão central da revolução, a grande tensão a ser maximizada. O historiador radicava o ponto nevrálgico da revolução agrária no Brasil na contradição entre os monopolizadores das condições de trabalho e de emprego e a grande massa dos despossuídos. Daí advinha a mobilização sindicalista dos continentes dos “empregados agrícolas” assentados nos grandes setores da agropecuária. Viria desse sindicalismo e da pressão pela vigência generalizada da lei trabalhista (o Estatuto do Trabalhador Rural, de significado semelhante à Abolição) o impulso a se generalizar por baixo para a renovação da economia rural. E ainda: a questão das terras era uma questão subordinada àquela “dialética econômica” (sic), ou seja, seria aquele “grande movimento social” (sic) de natureza sindicalista que, incidindo no mercado de trabalho rural, viria facilitar o acesso à terra aos grupos pobres disseminados pelos “poros dos grandes domínios” (PRADO JR., 1966).[7]

A fórmula caiopradiana da revolução “agrária e nacional” significava uma espécie de ida a um oeste americano diverso da Marcha para o Oeste longínquo do Estado Novo. Em Caio Prado, este oeste era um “Oeste próximo” a ser ativado por um sindicalismo, cuja malha suscitava a dinamização das regiões, estendendo ao interior rural e aos pequenos municípios um continuum organizacional estimulante de formas novas de sociabilidade (idem). Esse sentido programático-“estrutural” da revolução brasileira se traduzia assim na ideia caiopradiana de revolução agrária não camponesa levada adiante do começo ao fim pelo trabalhismo sindical.[8] Essa ideia de revolução brasileira e agrária diferia do cálculo militar-revolucionário que outros grupos de esquerda esperavam de ações rurais (DEBRAY, op. cit.) como ia além do sindicalismo tático encontrado pelo PCB para dar curso a uma revolução agrária imaginada como meio para abrir caminho a um processo de reforma agrária redistrutivista no Brasil.

Sumariemos agora o referido sindicalismo camponês na versão de Passos Guimarães, autor importante na ratificação no V Congresso do PCB (1960)do novo modo de pensar dos comunistas anunciado em 1958. Na Tribuna de Debates deste evento, com o tema das etapas revolucionárias – indo além da doutrina e com ele trazendo o ator para seu tempo presente – Passos Guimarães, como outros publicistas do PCB, buscaria desconstruir o radicalismo oriundo do tempo da perseguição aos comunistas nos primeiros piores anos da Guerra Fria. Chama atenção o empenho de Passos Guimarães em esboçar uma estratégia (a “arte” da política, como o autor dizia citando Lênin) que levasse os comunistas a operar de modo efetivo na conjuntura então existente no país.

No tema agrário, Passos Guimarães não apenas interpelara a orientação de autodefesa camponesa do Manifesto de Agosto de 1950, como viria oferecer validação à práxis não campesinista inaugurada por militantes comunistas no início dos anos 1950 com a volta da atuação nos sindicatos legais, levando o PCB a abandonar o paralelismo associativo. Se parte dessa prática, ao buscar suporte à sua formulação agrária, Passos Guimarães recorre aos conceitos leninianos de revolução agrária não camponesa e de via prussiana de evolução agrária.

O primeiro provinha da hipótese de Lênin acerca de países já capitalistas ou daqueles cujo “regime agrário” já estava tão amalgamado com a “economia capitalista em geral” que seria impossível destruir tal regime sem destruir o próprio capitalismo, caso em que a revolução agrária poderia ser liderada por outras classes com o objetivo de abrir passagem para o capitalismo agrário. Passos retinha desta outra passagem de Lênin sugestão para particularizar o caminho brasileiro: “É possível pensar uma revolução burguesa em um país de considerável população camponesa e que, não obstante, essa revolução não seja camponesa, isto é, seja tal que não revolucione as relações agrárias que afetam em especial os camponeses e não destaque estes entre as forças sociais, sequer ativas, executoras da revolução” (cf. LÊNIN, 1907, apud PASSOS GUIMARÃES, 1960a). Do segundo conceito, Passos Guimarães terá em conta as referências leninianas à evolução agrária “pelo alto” que modernizava conservando a ordem pretérita com elevados custos para os contingentes despossuídos. A ida mais rápida ao capitalismo de tipo ocidental seria mais proveitosa, segundo Lênin, se o processo seguisse o caminho americano farmer. Passos Guimarães trazia deste excurso leniniano a perspectiva aqui também posta aos revolucionários brasileiros de que era possível multiplicar “as transformações burguesas de conteúdo revolucionário” – o autor tomava como exemplo a expropriação do Engenho da Galileia, em Pernambuco –, “obtidas por meios pacíficos, mediante ´reformas´ (que) igualmente não são raras. Entre estas podem ser citadas várias das lutas vitoriosas dos posseiros pela validação de títulos das propriedades” (PASSOS GUIMARÃES, 1960b: 89).

No entanto, Passos Guimarães não permanece entre a intuição pecebista e a remissão a Lênin. O autor procura traduzir em orientação partidária o novo modo de olhar a circunstância brasileira da Declaração de Março radicalmente diverso do estagnacionismo prevalecente no PCB até 1958, segundo o qual o país corria o risco de tornar-se – em meados dos anos 1950 –, colônia dos Estados Unidos. Passos Guimarães via o país como uma estruturação social articulada. O que exigia – continua o autor seu argumento ao modo da época – pensar uma revolução nacional de novo tipo, cujas transformações agrárias adquiriam, por seu curso farmer, função estratégica à dinamização do mercado interno, nisso lembrando Caio Prado e em certo modo o nacional-desenvolvimentismo daqueles anos. O ponto a realçar é que, em Passos Guimarães, o tema do desenvolvimento capitalista (mesmo ainda baixo) e da inexistência de um campesinato rebelde desafiava a velha ortodoxia arraigada ainda no PCB. Assim, não se tratava de uma revolução a ser movida por forças anticolonialistas em defesa da autarquia nacional. Ao contrário, o “grau de desenvolvimento capitalista” já alcançado pelo país e o “grande atraso” dos nossos camponeses levavam o autor a aludir a um tipo especial de revolução agrária como sugeria Lênin. Era possível pensar uma revolução agrária no Brasil “inicialmente não camponesa” que evoluiria à medida que o campesinato disperso fosse ativado por um processo educativo-organizacional de tipo sindical e tivesse curso – por meio de governos da frente única nacionalista e democrática – um reformismo agrário gradual em apoio ao protagonismo propriamente camponês. Essa construção de Passos Guimarães punha ao ator revolucionário dois cometimentos: a) dispor-se a agir no tempo presente, operando a partir de questões concretas (dispersão, reivindicações específicas) e b) empenhar-se na afirmação de uma condição geral favorável – construindo deliberadamente um “movimento camponês” por meio dos sindicatos estruturados entre os estratos mais mobilizáveis dos assalariados e semiassalariados. No PCB, esses giros apontariam em direção a um agrorreformismo concebido como via não revolucionária, com resultados exequíveis – por meio de “medidas parciais de reforma agrária” – no regime democrático (PASSOS GUIMARAES, 1960b).[9]

Passos Guimarães ia adiante buscando extraía orientação para o protagonista. O sentido para a ação agrária não provinha de uma reflexão meramente doutrinária sem referência à vida real. O autor trazia para sua construção, de um lado, o fato de os agrários brasileiros ainda estarem em processo de formação – determinação “estrutural” que o levava a ver nossos camponeses como uma “classe nova” (sic), inovadora se mobilizados contingentes seus por meio da “luta de classes” e, de outro, o fato de não terem uma trajetória de rebeldia que permitisse se esperar deles dissidência frontal à ordem oligárquica. Daí a imensa tarefa posta ao ator partidário: levar um grupo disperso, economicamente frágil e de difícil organização, a dinamizar a revolução agrária até convertê-la em um movimento reformista farmer em larga escala. Como já referido, os comunistas já haviam descoberto, por intuição, a trilha sindical que lhes potenciava a atuação rural. Agora, por ocasião da refundação pecebista do final dos anos 1950, Passos Guimarães vinha dar inteligibilidade a esse tipo de mediação organizativo-sindical, eficiente caso o ator partidário reconhecesse a questão da debilidade camponesa e com ela balizasse todo o seu agir. Se bem compreendida essa versão brasileira do “problema camponês”, bem compreendida também seria a questão da “forma da luta” pela terra, percepção da qual dependia, segundo Passos Guimarães, a multiplicação dos “engenhos da galileia” no território nacional se os acontecimentos seguissem desenvolvimento “normal” (idem).

Tanto a fórmula “agrária e nacional” caiopradiana como o pecebismo agrorreformista aqui associado a Passos Guimarães não estimulavam ações camponesas dirigidas à derrubada da ordem. Ao tempo que díspares e filiadas a um mesmo paradigma – a revolução burguesa de novo tipo de Lênin –, as acepções de revolução agrária dos clássicos não dissociavam o conteúdo reivindicado na revolução agrária (em Caio Prado, ligado à reestruturação da economia; em Passos, visando constituir agricultores farmers) da forma mobilizatória a ser conduzida pelo mediador. Nesse nexo conteúdo-forma, os dois autores convergem na prefiguração da arena aberta ao encaminhamento do conflito agrário: do primeiro clássico, vinha a associação sindicatos-lei trabalhista (ocupação e condições de emprego); e do segundo, sindicalismo camponês legalizado-“medidas parciais de reforma agrária” (terra).

Diferente do modelo revolucionário de Lênin, no caso brasileiro conteúdo e forma compunham faces de um mesmo movimento de renovação rural sob o sistema econômico (capitalista) e nos quadros do regime político (liberal-democrático) existente. Esse reformismo se assentava em um processo mobilizatório “estruturalmente” expansivo conquanto radicado na “dialética econômica” (Caio Prado) do mundo rural brasileiro. Não era obra arbitrária dos mediadores, mas processo amparado nas potencialidades associativas dos “empregados agrícolas”. Este tema do voluntarismo do mediador também era questão decisiva para Passos Guimarães. Ao ator partidário cabia (fundando sindicatos) criar condições favoráveis à extensão do movimento agrorreformista não desestabilizador. Embora diferenciadas, as construções dos clássicos apontam dimensões complementares em apoio à ação dos comunistas daqueles anos do pré-1964, não obstante sua recepção no PCB ter sido apenas parcial, especialmente no caso das ideias caiopradianas.

Enquanto, com sua teoria de Brasil, Caio Prado concede função estratégica ao associativismo trabalhista, em sua versão do “problema camponês”, Passos Guimarães põe todo realce na montagem do ponto de apoio de onde seriam ativados contingentes rurais que mais adiante haveriam de se afirmar como um campesinato dotado de impetuosidade farmer. Era um caminho longo – como, aliás, se é possível dizê-lo, se veria depois. Tanto o movimentalismo sindical tático do PCB como o sindicalismo estratégico caiopradiano, para terem êxito, necessitavam prosperar ao nível da superfície por meio de um associativismo legal e institucionalizante. E ainda, como insistia Passos Guimarães, do estímulo de um ator disposto a agir no curto prazo com muita lucidez.

Constituição e sociabilidade em Werneck Vianna

Revisitar os clássicos desperta particular interesse na expectativa que Luiz Werneck Vianna manifesta na ativação camponesa liderada pela Igreja e pelo MST. Em pronunciamento público por ocasião dos acontecimentos de El Dorado dos Carajás, o sociólogo do Rio de Janeiro dizia que naquela época de “incorporação seletiva” e de “imobilização do grande número”, a irrupção dos sem-terra na cena pública trazia grande novidade.[10] É, no entanto, no livro A revolução passiva brasileira – iberismo e americanismo no Brasil (1997; 2004) onde encontramos o contexto ao qual podemos associar a expectativa de Werneck Vianna. Sua valorização dos rurais não provém de uma dissertação sobre o mundo rural, mas de uma retomada do tema da sociabilidade, questão antiga desde seu livro sobre a revolução burguesa débil no contexto de 1930, o já clássico Liberalismo e sindicato no Brasil (1976). Agora, em textos de 1995, 1996 e 1997, publicados em 1997, o autor tem como referência já não tanto os temas da revolução passiva brasileira e da baixa movimentação dos atores sociais, mas as novas formas de animação do mundo popular que estariam emergindo dos numerosos casos de demandas por interesses e direitos estimulados pela vigência da Constituição de 1988.

O excurso de Vianna nos instiga a continuar lendo o agrarismo brasileiro em autores e publicistas orientados pelo marxismo, registro de considerável apelo entre mediadores ainda ativos nas mobilizações agrárias de hoje. A referência a Werneck Vianna enseja considerações úteis ao debate sobre outras expectativas de mediadores e áreas intelectuais em relação aos camponeses brasileiros e seus movimentos sociais. Pode-se dizer que as mobilizações agrárias ainda continuam sendo vistas como ações de tipo revolucionário, como se pensou no passado distante? Essas ações seguem despertando a imaginação para “projeto de sociedade” (ideia que não poucos alimentavam nos anos subsequentes à derrota de Lula em 1989)? Ou devem ser valorizadas como possibilidades de inovação social, no dizer de José de Souza Martins? Essa bem antiga discussão sobre a função e o destino do campesinato é reposta nesta hora de impasse a que chega o próprio MST agora desafiado a institucionalizar-se no Estado democrático de direito que vivemos plenamente. O mais militante mediador camponês estaria sendo interpelado por sua própria – e bem adiantada – condição de operador de facto neste novíssimo tempo das inúmeras políticas públicas, dos muitos programas específicos, de diversificada legislação e de um largo voluntariado de apoio e assessoria; contexto que vem concluir a conversão da reforma agrária brasileira em uma “reforma agrária ampliada” (a propósito, ver PRADO JR., 1964; 2007; RANGEL, 1962; SILVA, 1996 e MARTINS, 2009).

Vejamos duas passagens da obra de Werneck Vianna de momentos diferentes que a nosso ver qualificam o tema do pouco protagonismo e das potencialidades mobilizatórias dos nossos grupos agrários. A primeira do livro Liberalismo e sindicato no Brasil (1976) no qual o autor faz esta anotação a propósito do contexto de 1930: “Na situação do campo brasileiro, a ausência de um campesinato dinâmico, resultante da sua falta de vínculo com a sociedade mercantil, barraria um processo de transformações agrárias à americana” (VIANNA, 1976: 133). O campesinato brasileiro vive a circunstância de termos aqui uma revolução “pelo alto” que lhe interdita a ativação com que – como no exemplo Revolução russa de 1905, realçada por Lênin – poderia melhorar a participação dos “de baixo” na configuração das classes sociais na economia capitalista por ocasião daqueles decisivos acontecimentos da nossa história. Diferentemente dos estratos médios urbanos que cumpriram papel fundamental na Revolução de 1930,[11] os agrários não tiveram presença no movimento revolucionário liderado por Vargas. A segunda passagem da obra de Vianna, já referida (textos de meados dos 1990), será aqui resenhada com vistas a realçar o tema da sociabilidade. O autor revisita o seu livro de 1976 na questão-chave que percorre sua obra: o dissídio entre a democratização social e a fraqueza de uma institucionalidade que não dá passagem livre a formas societais novas nem generaliza modernismo. Esse movimento dos anos 1990 tem como ponto alto uma segunda ida à matriz gramsciana que vai ampliar o seu registro, com a qual então o sociólogo do Rio de Janeiro buscará compreender a vida política nacional na contemporaneidade mais próxima de nós.

Com efeito, em 1976, Werneck Vianna chama a atenção para o pouco dinamismo do campesinato na Revolução de 1930. Refere-se a uma circunstância em que oligarquias agrárias ligadas ao mercado interno haviam se aliado a setores médios urbanos dando partida à revolução “pelo alto” no curso da qual o país caminharia para o industrialismo. Como já observado, devido à dispersão dos grupos burgueses (Florestan) e à debilidade produtiva do mundo econômico (Caio Prado), conheceríamos uma revolução burguesa débil durante a qual o industrialismo tomaria vulto sob os auspícios de um Estado desde há muito intervencionista, como ensinara Furtado. Segundo Vianna, teríamos um Estado operante muito além da esfera econômica, que não só se tornaria potência econômica ao generalizar sua trama institucional em preparação à passagem para a indústria, como iria exercer funções transformistas em relação a grupos sociais incorporados subordinadamente à construção de uma nova ordem competitiva, aqui com endogenia, ritmo e traços sociopolíticos e culturais distintos da experiência do industrialismo europeu.

Por essa configuração de “revolução passiva”, propõe o autor, o dissídio entre modernização e institucionalidade marcava nossa ida ao mundo moderno indutrializante; dissociação subsistente nas épocas posteriores da industrialização de mercado restrito e de incorporação social seletiva, como Vianna chama o tempo mais recente. Essa marca “estrutural” calibraria o processo desencadeado em 1930 não só porque lhe faltara uma aliança revolucionária entre classes econômicas urbanas e grupos subalternos rurais, como ainda devido à ausência de pressão camponesa por baixo. Como já aludido, o caso brasileiro se distanciava da experiência russa na qual uma forte ativação camponesa viria pôr abaixo o regime autocrático e interditar a modernização prussiana em curso na Rússia desde as últimas décadas do século XIX. Segundo Lênin, lá a rebeldia camponesa abriria a porta para um outro tipo de revolução democrático-burguês.[12]

O Brasil tinha uma trajetória distinta da daquele país propício para a primeira revolução camponesa socialista vitoriosa em 1917 (MOORE, 1983). Segundo Passos Guimarães, os camponeses brasileiros haviam-se consolidado na segunda metade do século XIX no contexto da imigração que viria instituir a pequena propriedade no país (PASSOS GUIMARÃES, 1963). Após a Abolição, diversos grupos rurais recorreram a “agitações esporádicas”, e em algumas zonas os conflitos assumiram formas armadas e de autodefesa. Somente em tempo mais contemporâneo conhecemos movimentos sociais agrários propriamente ditos, especialmente na época em que se afirmara uma abertura democrática no país após o suicídio de Getúlio em 1954. Esse novo tempo não viera de um processo revolucionário, mas trazido por uma mobilização pluriclassista que se expandiria rapidamente de 24 de agosto de 1954 até 1964, alargando a distensão política. Eram os anos da “pré-revolução” brasileira, como Furtado chamava aquela ativação da vida nacional. Nesse último decênio, diversos grupos agrários emergiram na cena pública por meio de ações camponesas (Ligas) e sobremaneira sob formas sindicais pressionando um sistema político (CARVALHO, 2001) já tensionado pela dinamização nacionaldensenvolvimentista desses anos. Após a renúncia de Jânio, tem curso um processo crescente de instabilidade política. Sem se afirmarem possibilidades de encaminhamento “normal” dos acontecimentos sustentadas pelo mundo partidário-ideológico, então tenso e bem fracionado, a crise política avançaria nos primeiros anos da década de 1960, terminando por levar o país ao golpe militar de 1964.

Em Liberalismo e sindicato no Brasil, Werneck Vianna recorre à noção de revolução passiva como critério de interpretação atento ao tema do baixo dinamismo dos atores sociais, quer dos setores econômicos que se beneficiariam da modernização quer dos grupos subalternos, especialmente os rurais dispersos e inorganizados. O que queremos realçar é que dessa leitura brasileira depreende-se aos protagonistas revolucionários um cânone de ação já não extraído do paradigma marxista-leninista clássico (LÊNIN, 1902; 1905; 1975). O publicista de esquerda situado naquela época (e depois) era chamado a ter cometimento de outro tipo: convencer os protagonistas partidários da mudança social de que por aqui também se vivia um processo de transformação social sob um condicionamento de revolução passiva que enfraquecia a possibilidade de reformas radicais. Ou seja, que estavam imersos em uma situação bem determinada pelos “fatos”, como se estes fossem os verdadeiros protagonistas do processo modernizador.[13] O publicista de época – ou, dizendo melhor, o “intelectual coletivo” partidário – era chamado a mostrar aos grupos social-revolucionários que, no curso da “revolução sem revolução”, tinham diante de si a “possibilidade realista” de desencadearem pressões de sentido democrático a favor das maiorias; possibilidade com grande margem de êxito se atuassem por meio de uma política potenciada no contexto da frente única. Tal era o cânone pecebista, como já foi sugerido no tópico anterior destes notas.

Quanto a Werneck Vianna, publicista de meados da década de 1970 e primeiros anos de 1980, viria estimular a renovação do pensamento do seu PCB. Com aquela leitura de 1930, o autor novo ia além dos pecebistas que antes dele haviam tentado fundamentar a “nova política” de frente democrática de 1958. Por assim dizer, Vianna seguia a mesma trilha apontada por Sodré no livro de 1962, quando, citando Lênin, o historiador então aludia a uma evolução capitalista entre nós “ao modo prussiano” (sic) e realçava a função estratégica da democracia para o renovamento do país (SODRÉ, 1962). Não por acaso a filiação partidária de Vianna se desvela na centralidade que concedia ao tema da presença oportuna e competente do ator na sua circunstância. Esse traço é bem visível nos artigos que publica no jornal Voz da Unidade e em outros textos escritos nos anos 1980. As análises de conjuntura de Werneck Vianna dessa época acentuam o papel da política como campo privilegiado de operação do protagonista comprometido com o andamento da transição democrática subsequente à anistia de 1979 (VIANNA, 1983; 1988).

Façamos a seguir referência à questão da sociabilidade na ensaística posterior de Werneck Vianna. Diferente de 1976, desta feita o autor nos põe – na segunda metade da década de 1990 – diante da circunstância de estarmos assistindo a expressões de um processo de “americanização ´por baixo’”, embora tardio entre nós. Assistíamos a um dinamismo societário de novo tipo emergente desde o último quartel do século XX, novidade que ganhava força nesses anos 1990 em áreas do mundo popular, em particular entre os rurais. O seu “fermento”, diz Vianna, “já não estava mais no liberalismo”, “nem na questão social, como no momento da incorporação dos trabalhadores ao mundo dos direitos sociais sob a ação protetora e organizadora do Estado” (VIANNA, 1995; 1997: 23). Então, argumentava Vianna, o ´fermento´ é a democracia tal como se manifesta no processo de massificação da cidadania” (idem), cuja “expressão paradigmática” (sic) justamente o autor divisa nos sem-terra. Pela singularidade das suas demandas sociais – a terra, “um bem político” – segue propondo Vianna –, “cada avanço seu na agenda da democratização social tem incidido positivamente no avanço da democracia política, inclusive porque leva ao isolamento os setores mais retrógrados das elites, cuja sustentação política tradicionalmente derivou do exclusivo agrário” (ibidem). O sociólogo do Rio de Janeiro depositava muita expectativa na possibilidade de um encontro da nova irrupção camponesa com uma política de orientação democrática que desse curso livre – àquela e a outras dinamizações do “homem comum” – em evidência no final do século.

A ida resoluta de Vianna às notas que o marxista italiano escreveu sobre a América viria reforçar-lhe a hipótese segundo a qual a nova ativação poderia estar indicando mudança no nosso padrão de estruturação social. O autor não mais centrava seu foco no cânone oriundo da reflexão sobre as grandes revoluções clássicas, incluídas as revoluções passivas europeias. Ao valorizar a sociedade americana igualitária e democrática, Gramsci instiga os publicistas da hora em que entrara em crise o Welfare State e a URSS acabara de se extinguir a caminharem rumo a um paradigma de revolução de tipo “programático” diverso do modelo dos Oitocentos europeu.[14] A América representara para Gramsci um tipo novo de estruturação social, sem a composição demográfica dos países do Velho Continente e suas atividades “parasitárias” que secretavam estratos para cimentar relações assimétricas entre sociedade e Estado; traço por demais acentuado nos países de modernização tardia. A partir dessa singularidade da América em relação ao tipo de sociedade e vida estatal nascido dos processos clássicos (Inglaterra e França) e das “revoluções sem revolução” (Alemanha e Itália com sua revolução passiva), Gramsci enseja mais uma reflexão: pensar uma sociedade cuja modernização não exigira um “tremendo esforço”; sobremaneira os decisivos auspícios estatais ativados por uma aliança de uma débil classe econômica (sem o dinamismo produtivo e vocação hegemônica da “classe universal” burguesa descrita em O manifesto do partido comunista) com estratos burocráticos, como é exemplar no capitalismo autoritário alemão (MARX e ENGELS, 1847-48; 1975; ENGELS, 1895; 1975; MOORE, 1983). Ainda a propósito do paradigma da revolução dos Oitocentos, recorde-se novamente que dessa via “estadolatra” de revolução “vinda de cima” se valera Lênin não só para particularizar a circunstância russa como para realçar o papel decisivo dos atores jacobinos e teoricamente preparados, como já mencionado [ver nota 12]. Lembre-se mais uma vez que, à sequência da controvérsia trazida ao Brasil pelo Relatório Kruchev (1956-60), alguns publicistas leninianos do PCB também tiveram em mente aquele modelo de capitalismo prussiano, ao fim, oferecendo pontos de referência a um campo de esquerda que iria se caracterizar ao longo dos anos por sua forte compulsão a atuar na esfera da política.

Nos anos 1990, Werneck Vianna, com curiosidade renovada, busca divisar traços dos 15 anos subsequentes à anistia de 1979 (década e meia de anos nada “perdidos”). Vianna não se detinha no uso corrente do conceito de revolução passiva como cânone interpretativo mobilizado em Liberalismo e sindicato no Brasil; cânone com qual o autor inclusive vira o agir do PCB na “guerrra de posições” levada adiante pelas forças coligadas em torno do objetivo de redemocratizar o país (MDB). Em sua interlocução com o Gramsci do americanismo, Werneck Vianna retorna à equação do Prefácio marxiano de 1859, redimensionado o prisma de 1976 – do nexo economia-sociedade-“Estado ampliado” (com o qual explicara nosso primeiro industrialismo) – passando a deter-se no tema da sociabilidade em registro positivo. A propósito, diga-se que essa questão da sociabilidade fora o ponto de chegada de outros publicistas importantes no campo da resistência democrática à hora que o regime de 1964 começara a exaurir-se.[15] Situado anos depois, o alinhamento do foco de Vianna – da revolução passiva (que leva a sublinhar o nexo protagonismo baixo-ênfase no ator) à aposta no “degelo da sociedade civil” –, tem por referência outra circunstância.

Como o da investigação de 1976, o novo movimento de Vianna não consiste em uma operação gramscista sem correlação com a circunstância realmente posta aos atores sociais e políticos. O publicista novo também testava sua retematização referenciando-se no nosso pensamento social com quem melhor lhe propõe atenção à marca ibérica da nossa estruturação social, Oliveira Vianna. Mesmo naqueles anos 1990, o autor não perdia de vista os condicionamentos oriundos do passado (da gênese, do “risorgimentismo” do Estado Novo) que ainda marcavam a dinâmica da vida nacional. No entanto, o seu olhar se fixa na “americanização ´por baixo´” do largo pós-64, seu ponto passando a ser o impulso societário por assim dizer de “auto-organização do social” emblematizado na movimentação dos sem-terra, símbolo que despertava muito interesse naquela segunda metade dos anos 1990.[16]

Lembrar o nexo Europa-América visando chegar ao tema das mediações camponesas desses dias de hoje requer duas qualificações. Uma primeira para observar que a “americanização ´por baixo´” a que se referia Vianna não se apresentava aqui com a mesma robustez americana. Instigado pelo paradigma “programático” de Gramsci, o autor brasileiro visualizava na nossa modernização econômico-social mais recente (de “incorporação seletiva”) e no associativismo expansivo (mais e mais diferenciado) uma espécie de “estrutura” propiciadora de dinamismos que, se ainda não tinham o ímpeto do americanismo, em certo sentido a este se assemelha. A segunda qualificação diz respeito às condições de ordem geral (não dependentes da ação voluntarista) que Vianna sublinhava como firme amparo daquele protagonismo – a democracia política e sua institucionalização na Constituição de 1988.

Certamente o autor de A revolução passiva brasileira via que o dinamismo societário dos anos 1990 diferia do americanismo conquanto na América a esfera econômico-produtiva permeava a vida social a ponto de diminuir a distância entre “dirigidos e dirigentes”; traço, como acima referido, das experiências dos Oitocentos europeu, especialmente nas revoluções “pelo alto”. Na América, os interesses materiais, o social e a esfera estatal se aproximavam, tornando ociosa a vocação demiúrgica das burocracias e das inteligentsias, devido ao lastro de uma cultura cívica fundada em “interesses bem compreendidos” e na sua tradução “imediata” à vida social.

No Brasil do final do século XX estaríamos ante um dinamismo novo entre os contingentes mais desvalidos, embora a novidade não alcançasse o “homem comum” como no exemplo gramsciano. A ativação social dos anos 1990 assemelhava-se em parte ao americanismo, à medida que o despertar generalizado de interesses e a diferenciação social ensejavam cada vez mais reivindicações e numerosas formas associativas. De andamento irregular, nossa “americanização ´por baixo” se bem sucedida – a rigor, um processo de transformismo “de registro positivo”, usando esta noção de Vianna – ainda estava longe de sustentar processos de “auto-organização do social” ao modo americano, principalmente sem o concurso do seu suporte na democracia e em condições suplementares fundamentais. Citemos, neste ponto, o próprio autor: “Se a revolução passiva das elites territorialistas traduziu o seu programa de criar uma nação para o seu Estado, a nação que vem emergindo do processo de conquista de direitos e da cidadania por partes das grandes maiorias não concebeu o seu Estado. A história da sua constituição tem-se dado mais no plano societário, americanização tardia, ´por baixo´, que se realiza em movimento de rupturas moleculares com o que importa constrangimentos à sua autonomia e em suas ações em defesa dos seus interesses e direitos. A política, porém, não é especular à sociologia, e somente ela concede acesso à questão do Estado, sem o domínio da qual um grupo dirigido não se converge em dirigente” (VIANNA, 1997; 1997: 24). E seguia Vianna (citando ele próprio texto de Gerratana de 1975) pondo a democracia “como palavra-chave da esquerda sobre a sua forma de inserção na revolução passiva à brasileira, para que se converta na base de um transformismo ativo, suportado pela ação do ator, ainda está aguardando que essa nova força emergente do social se encontre com a política, incluída aí a sua história no país e as suas melhores tradições” (ibidem).

A segunda qualificação diz respeito ao balizamento novo que o próprio protagonista partidário haveria de extrair se entendesse (como em Vianna) o sentido das determinações do dinamismo social, vale dizer, enraizado no plano “estrutural” dos interesses e animado pelo já citado influxo vindo do mundo “superestrutural” (das instituições democráticas, da Constituição de Ulisses Guimarães). Assim, se devidamente lida no presente texto a ensaística de Vianna, observemos, por um lado, que na circunstância dos anos 1990 as múltiplas ações em defesa de interesses, direitos e outras demandas suscitavam energias sociais novas. E, por outro, que, a seguir seu curso expansivo, esse dinamismo alcançaria de modo transversal os mais diversos grupos e contingentes sociais, nessa medida vindo fortalecer a vida social, embora ainda não se tenha notado no país relevante massificação de uma cultura cívica aggionarta aos tempos de já sermos uma sociedade em processo de modernização considerável sob vigência plena do Estado democrático de direito.

Posto o tema da dinamização social nesse registro de Vianna, retornemos ao ponto pecebista do nexo debilidade-protagonismo dos grupos rurais. Observemos que a novidade dos anos 1990 descrita nas páginas anteriores também viria do fato de aquela mobilização diferir da presença camponesa dos anos 1950 até 1964, tempo de revolução passiva sob ativação de ambientes bastante dinâmicos (associativismo sindical, movimentos estudantil e cultural, ativação do mundo político e de áreas da opinião pública significativas). Radicado num largo mundo dos interesses, o dinamismo social mais contemporâneo emergia sob condições bem mais firmes que, como vimos, Vianna localiza na democratização do país em marcha mais célere desde 1979.[17] A indagação que se põe agora é saber até que ponto, afirmada uma presença cada vez mais disseminada do “homem comum” na esfera pública – como a que Vianna esperava dos sem-terra –, as formas de mediação desses nossos tempos de plena vigência do Estado democrático de direito já seriam de vocação “institucionalizante”, orientadas segundo referências diferenciadas dos modelos clássico e mais contemporâneo (partido revolucionário e inteligentsias; agentes interpeladores movidos por valores). Ou seja, o ativismo interpelador não mais se legitimaria aos olhos da opinião pública (que lhe é afim e nacional) pela energia utópica do agir diruptivo ou em razão de causas finais (ideia de mudança radical, sociedade futura, socialismo).[18] Para se desenvolverem, os movimentos sociais ainda dependem tanto das vanguardas ideológico-intelectuais e do apelo religioso? Como diz Vianna no citado texto de 1996, fixando sua posição em relação aos sem-terra: “O nosso papel não é substitutivo em relação a eles. O nosso papel é conquistar posições na política para que eles possam passar” (VIANNA, 1996a: 35).

Como nos clássicos pecebistas que levam muito em conta a debilidade “estrutural” do campesinato, o autor mais novo também se refere a esta questão como ponto importante da sua leitura do contexto modernizador de 1930. Ao trazer o tema de um dinamismo “americanista” pedindo passagem entre nós na segunda metade da década de 1990, Vianna está propondo uma ideia de mudança social diversa do modelo estadolatra da nossa tradição. Sua referência às notas gramscianas sobre o americanismo sugere uma concepção de “autocomposição do social” de tipo “programático” alternativa ao paradigma rupturista da transformação social. Nesse registro, os agrários brasileiros não são vistos como seres outsiders propensos a confrontismo anti-sistêmico nem sua reivindicação pela terra se reveste de atributos anticapitalistas ou utópicos.

A meu ver a narrativa de Vianna atualiza a tradição pecebista ainda hoje não bem compreendida num ponto crucial: a permanente busca por parte dos protagonistas da melhor condição à movimentação continuada dos grupos sociais em relação aos quais há expectativa de inovação social – a essa busca subordinando todo o seu agir. A condição do impulso que tem animado nossos desvalidos, em particular os agrários, tem sido – e será – o terreno da democracia com mais e mais recursos que ela disponibiliza (liberdade e associativismo livre, legalidade democrática e espaços públicos; convergência e alianças, repercussão nacional e apoio na opinião pública; eleições, partidos, governos e políticas públicas e, acrescentamos, cena discursiva propícia à desideoligização do ativismo mediador).[19] Terreno hoje bem mais firme, diferentemente do sistema político dos anos do pré-64 quando as Ligas Camponesas e especialmente os sindicatos da Contag vieram à cena pública.

Considerações finais

A passagem da obra de Werneck Vianna acima apresentada lembra Caio Prado e o sindicalismo camponês do Partido Comunista formulado por Passos Guimarães. No sentido da expectativa que o autor de Quatro séculos de latifúndio nutria em relação à contribuição da luta de classes dos camponeses à reforma do mundo rural brasileiro (PASSOS GUIMARÃES, 1963). Inovação a ser desenvolvida no terreno da política na acepção que lhe dava Lênin em Que fazer?, como uma função a se construir mediante vivo aprendizado no campo das interações entre todas as classes em busca do poder (conflitos, disputas hegemônicas, colaboração intragrupal). Esse terreno da generalidade da política seria o terreno privilegiado para o dinamismo e conscientização dos próprios grupos sociais. Vale dizer, campo no qual o protagonismo popular se forjaria, no caso dos nossos agrários – proposto pelo PCB – por meio de certo caminho: no decurso de uma revolução agrária não camponesa radicada inicialmente num associativismo sindical, caminho indicado como base da ativação propriamente camponesa e assim por diante. Por conta dessa particularidade do movimento camponês brasileiro, Passos Guimarães insistia na tarefa posta aos atores, sobretudo ao protagonista partidário. No caso das “forças progressistas e democráticas” do pré-64, construir sindicatos ao largo do mundo rural.

Já em Caio Prado, a principal condição favorável aos desvalidos rurais – um “grande movimento social” (sic) – por seu amparo “estrutural” (sindicatos enraizados nos grandes setores da economia agrária) ela própria tinha sentido “programático” conquanto esse associativismo se estenderia pelo território nacional levando formas societárias novas e dinamização regional de modo sustentável (PRADO JR., 1964; 2007). Enquanto o sentido último da tática organizacional pecebista apontava aos grupos desvalidos o caminho da sua institucionalização como economia camponesa, aquela dimensão estratégica do trabalhismo caiopradiano acenava com o seu apoderamento mediante a experiência e os conhecimentos moderno-associativos da rede sindical com vistas a incorporá-los à esfera produtiva de onde poderiam seguir adiante (PRADO JR., 1963 in PRADO JR., 2007). Paradoxalmente, este caminho indicado por Caio Prado – e nunca compreendido plenamente pelo seu partido – é o caminho que os comunistas do PCB terminaram dando vida ao fundarem sindicatos, criarem a União dos Trabalhadores da Agricultura Brasileira (ULTAB), em 1954, e quase dez anos depois, estruturarem a Contag, em 1963.

Por fim, dois comentários a propósito da questão da forma do conflito agrário seguindo lições que os clássicos trazem até nós. O primeiro diz respeito à sugestão que vem do sentido geral que orienta seus agrarismos – ser parte da reestruturação “produtivista” do conjunto da formação social, em Caio Prado, e do sentido prático-político do agir gradualista dos protagonistas, em Passos Guimarães. Ao privilegiarem a forma sindical moderna, os clássicos não situavam a questão da institucionalização dos conflitos e suas mobilizações em um tempo posterior ao desencadeamento das reivindicações (condições de trabalho e emprego, em um; e “medidas parciais de reforma agrária” e terra, no outro). Concebiam a forma sindical da mobilização como associativismo que viria para permanecer. Em Caio Prado, o horizonte do processo mobilizador coincide com a renovação da economia e da vida local onde o conflito era potenciado pelo trabalhismo sindical. Em Passos Guimarães, o sindicalismo camponês tinha por fim consolidar em larga escala a institucionalização da pequena propriedade emergente desde os grandes ciclos imigratórios passados do século XIX.

Um segundo e último comentário a respeito da relação entre a natureza “programática” da mobilização agrária e o modo de agir dos mediadores, particularmente do protagonista partidário ainda hoje de presença importante. O tema da forma do conflito estimulada pelos mediadores – violenta ou legal-pacífica; de caráter intensamente mobilizador (ligas; movimentalismo pós-89 ou ao modo continuado da Contag – não é questão menor, como não o foi no passado. Para os clássicos, dela dependia a progressão, e por conseguinte a força, do influxo vindo “de baixo” que só um associativismo legalizado aportaria ao processo reformista agrário e rural de modo permanente. Inscrito no processo político efetivamente existente, os protagonistas agrários de hoje são chamados a aceitar sem reservas o Estado democrático de direito, já lhes sendo oneroso buscar legitimidade e eficácia fora dos significados do seu próprio agir, em ideologia interna ou em essencialismo de grupo social.[20] A questão da “forma da luta” dirigida pelo protagonista continua minimizada no campo agrário-militante e dos intelectuais gravitantes nas mobilizações pela terra destes nossos tempos, ainda que este tema venha se juntando à questão da institucionalização dos movimentos agrários em curso – ora tensionada tanto pelas suas organizações que a temem como por seus adversários da outra ponta. Hoje, estes últimos cifram algum cálculo na desorientação dos atores como lá no passado distante? Não é de se crer que, entre os defensores da reforma agrária, prospere expectativa ante os acirramentos que só atraem obstáculos ao já adiantado processo de reforma do mundo rural, contraditório mas que segue em frente no sentido da democratização.
* Raimundo Santos é professor da UFRRJ. E-mail: raimundo.santos@gmail.com.

[1] Nas Teses para o V Congresso do PCB (1960), no ponto relativo ao “papel dos camponeses na revolução”, lembrando aqui uma expressão daquele tempo, vê-se o seguinte parâmetro: “Entretanto, o movimento camponês se ressente de grande atraso e é muito baixo o seu nível de organização” (PCB, 1960).

[2] Sabourin segue, citando o próprio sociólogo da USP: “Trata-se do tipo de latifúndio o mais difícil de combater, aquele das mentalidades populares colonizadas pelo caráter central da ´renda fundiária`”. Sabourin esclarece que Martins acusa os sem-terra de recriarem uma mediação “insidiosa” e aderirem “ao lucro fácil que o aluguel das suas terras a terceiros lhes proporciona, mecanismo este que ele qualifica de ´renda fundiária de retalho, porque praticada por `pobres`” (ibidem).

[3] Para Caio Prado, a reestruração da vida econômica resultaria da valorização do elemento produtivo ao modo do primeiro industrialismo europeu (e americano), curso clássico no qual a associação dinâmica entre produção e consumo levara a uma grande expansão do progresso na sociedade. Aqui a chamada Lei de Say, segundo a qual “a produção cria o seu próprio mercado”, esbarrava na circunstância de estarmos na periferia capitalista (PRADO JR., 1954). Esta era uma determinação “estrutural” a ser tida na devida conta pela Economia Política, levando o historiador, por sua parte, ao tema do sentido “produtivista” das reestruturações da nossa formação social.
[4] Esse dado “estrutural” leva o autor a se diferenciar também da Economia Política marxista. Leia-se no texto de 1954 esta passagem a propósito da Cepal e do desenvolvimentismo “economicista” da época: “Quanto àqueles que insistem no processo de capitalização – o historiador referia-se ao debate acerca da “solução do problema econômico brasileiro” – é óbvio que suas preocupações estão essencialmente voltadas para os empreendimentos produtivos de que a capitalização seria uma preliminar. Evidentemente essas questões não podem ser excluídas de qualquer solução a ser dada, no momento atual, aos problemas brasileiros. As minhas reservas são relativas ao destaque que lhes é dado, sem a consideração que a meu ver deveria ser preliminar, ou pelo menos conjunta e no mesmo plano, da questão do problema do consumo e do mercado. No caso brasileiro, e entre os dois polos do mecanismo econômico, a produção e o consumo, a oferta e a procura, escolheria o segundo como ponto de partida e baliza do assunto” (PRADO JR., 1954; 2007: 147).
[5] No adendo “Perspectivas em 1977” apensado a A revolução brasileira (PRADO JR., 1966; 1978), Caio Prado identifica o sentido geral da sua obra com o emblema do “Estado cartorial” que Hélio Jaguaribe apresenta em 1962 (cf. JAGUARIBE, 1962).

[6] Devido à pouca importância da agricultura de subsistência na economia nacional (atividade complementar “medíocre” e “desprezível”), Caio Prado se refere à “subcategoria colonial”, ao agregado (o elemento “indefinido socialmente”), aos “desclassificados”, aos “inúteis e inadaptados” e os “desocupados permanentes” (VASCONCELLOS, 2009). Depois Caio Prado, como se verá a seguir, divisaria nos trabalhadores da grande exploração os contingentes estratégicos para pressionar a transformação do mundo rural.

[7] Já no texto escrito para o V Congresso do PCB (1960), Caio Prado dizia que a grande concentração da propriedade agrária não importava na luta imediata pela terra como questão central da renovação da economia agrária (“Esta alternativa somente se apresenta em proporções capazes de influir no equilíbrio do mercado de trabalho e na oferta e demanda de mão de obra, quando o acesso dos trabalhadores à propriedade agrária se tornar uma possibilidade que hoje praticamente não existe (PRADO JR., 1960; in PRADO JR., 2007: 243). E aduzia, referindo-se à tributação como outra “condição geral”: “A questão prática, que portanto se propõe, é a maneira adequada às condições atuais, de facilitar aos trabalhadores rurais o acesso à propriedade da terra” (ibidem: 244).

[8] Antiga, essa acepção da revolução brasileira “programática” aparece clara no livro de 1966, especialmente em 1977, quando o historiador enfatiza o tema do “capitalismo burocrático” (PRADO JR., 1966; 1977 in PRADO JR., 2007. Em 1966, alguns comunistas políticos estranhavam o sentido de A revolução brasileira e cobravam do historiador não haver se interessado pelo empenho do PCB na frente democrática contra o regime de 1964. O historiador apresenta sua ideia de reestruturação econômica do país minimizando (antes do AI-5) a circunstância ditatorial que então se vivia (SANTOS, 2001).

[9] Lê-se nas Teses do V Congresso: A fim de impulsionar a organização das massas do campo, é necessário atribuir uma atenção primordial aos assalariados e semiassalariados agrícolas. Em virtude de sua condição social de proletários ou semiproletários, como também do seu grau de concentração, os assalariados rurais são mais susceptíveis de organizarem-se em sindicatos e podem constituir as bases iniciais para a mobilização das massas camponesas. Esta mobilização exige, igualmente, que se parta das condições atuais do movimento camponês e se tome por base as reivindicações mais imediatas e viáveis como a baixa das taxas de arrendamento, a prorrogação dos contratos, a garantia contra os despejos, o pagamento do salário mínimo, a legitimação das posses etc. Não devendo ser propostas, no trabalho prático, palavras de ordem que ainda não encontrarão condições maduras para sua realização” (PCB, 1960: 73).

[10] Era o tempo do governo de Fernando Henrique Cardoso, circunstância ante a qual o autor punha esta indagação: “O que é que nós queremos? Thatcher ou Mitterrand? Eu penso que queremos Mitterrand e penso que podemos ter um Miterrand melhor, ou queremos atalhar o rumo deste governo e derrubá-lo com um impeachment, ou num processo de rua? Isso interessa a quem? Eu pergunto: interessa a quem atalhar o processo da democracia política em curso? Então a questão não é por aí. Chiapas interessa a quem? O que interessa ao conjunto das forças democráticas no Brasil? Trazer esse fermento, essa vida, esse fogo novo para dentro do sistema político, para dentro da arena pública, e a partir daí renovar a agenda de todos os atores” (VIANNA, 1996a).

[11] Continua sendo instigante à pesquisa o nexo 1930-“revolução democrático-pequeno-burguesa”, recordando esta última noção “estranha” com que Otávio Brandão aludia à época ao ativismo rebelde dos grupos médios nos anos pré-revolucionários da década de 1920 ( cf. ZAIDÁN, 1988).

[12] Recordemos neste ponto que a revolução burguesa russa, por sua circunstância periférica, caracterizar-se-ia pela fraqueza das classes burguesas e proletárias e pela participação ativa de protagonistas e classes pretéritas chamadas a promover a construção do capitalismo na Rússia. O tema da revolução burguesa débil indicava a Lênin que a possibilidade da ida da Rússia ao mundo moderno requeria a intervenção de atores enérgicos (e a presença de grupos partidários e intelectuais bem determinados). A teorização de Lênin encontra-se em Que Fazer? (1902) e em Duas Táticas da Social-democracia Russa (LÊNIN, 1902; 1905; 1975).

[13] Vianna espelha a famosa definição gramsciana de “revolução passiva” (GRAMSCI, 2002) naquela sua referência a curso modernizador sem presença de atores eficientes (VIANNA, 1995; 1997).

[14] “Programático” no sentido da “revolução social” (sic) apresentada no emblema estrutura-superestrutura anunciado por Marx no Prefácio de 1859 (dialética forças produtivas-relações de produção). Vianna atenta para um Gramsci que no tema americanista não seria um teórico “superestruturalista” a que a temática risorgimentista (dialética do novo-velho) fazia crer (VIANNA, 1995; 1997).

[15] É o caso de Fernando Henrique Cardoso. Já em Dependência e desenvolvimento na América Latina (1967), Cardoso (e E. Falletto) sinalizavam uma interpelação à matriz estagnacionista que levava a prever um esgotamento do regime de 1964 a curto termo. Na sua ensaística da primeira metade dos anos 1990, a atenção de Fernando Henrique tanto se volta para a crítica do nexo catástrofe econômica-revolução como para o tema do “degelo da sociedade civil”, novidade então em curso (CARDOSO, 1974) que seria referência para a oposição balizar sua resistência naqueles anos de chumbo. Ver também, no registro da valorização da política, o texto partidário “Resolução política do Comitê Estadual do PCB da Guanabara” (março de 1970), elaborado por Armênio Guedes (GUEDES, 1981).

[16] Citemos esta passagem do sociólogo do Rio de Janeiro a propósito da possibilidade então aberta para reverter o tipo de incorporação “à inglesa”, segundo ele, expressiva do governo de Fernando Henrique Cardoso: “... devemos pretender uma incorporação à americana, devassar as fronteiras, abrir o mundo aos setores subalternos, aos novos interesses emergentes, aos sem-terra, aos sem-texto, aos sem coisa nenhuma, a todos os que chegam agora, num movimento de ´americanização por baixo´”, orientado por uma política democrática que governe este movimento e vá fazendo com que eles passem” (VIANNA, 1996a: 35).

[17] A propósito da transição democrática dessa época, lê-se no citado texto de 1996: “Foi a via possível, e, como vemos hoje, interessante e importante para o avanço da democratização social, vide Movimento dos sem-terra, que prospera no caminho deixado pelo avanço da democracia política no Brasil” (VIANNA, 1996a: 33).

[18] No texto “A institucionalização das ciências sociais e a reforma social: do pensamento social à agenda americana de pesquisa” (VIANNA, 1994; 1997), o autor nos apresenta o tema por assim dizer da “diluição” do protagonismo de inteligentsia ao modo da externalidade da relação teoria-prática segundo o nexo Kautsky-Lênin (cf. LÊNIN, 1902, op. cit.).

[19] No pronunciamento de 1996, lê-se esta passagem acerca da recepção em Vianna do sentido dos acontecimentos de El Dourado dos Carajás: “Trazer este fermento, essa vida, esse fogo novo para dento do sistema político, para dentro da arena pública, e a partir daí renovar a agenda de todos os atores. Para isto temos que ter uma oposição. E não uma oposição que apenas esgrime o social como uma histeria, mas que não se manifesta e não incide diretamente no plano da política, que não faz alianças, o que agora, felizmente, começa a mudar” (VIANNA, 1996a: 35).

[20] A respeito, ver a crítica de José de Souza Martins ao “popularismo” (sic) da Igreja no mundo rural brasileiro (MARTINS, 2000).

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Resumo: (Política e agrarismo no Brasil). O texto reconstitui os elementos discursivos do sindicalismo camponês do Partido Comunista Brasileiro (PCB) consolidado no pré-1964. O autor propõe que esse agrarismo enseja pontos à atual discussão sobre as expectativas que áreas intelectuais e mediadores alimentam em relação ao desempenho dos sem-terra na reforma agrária brasileira. Serão revisitados Caio Prado Jr. e Alberto Passos Guimarães tendo como chave de leitura o tema da debilidade do campesinato. O texto ainda procura associar àquela matriz clássica as ideias com que o ensaísta de origem pecebista Luiz Werneck Vianna vê na mobilização dos sem-terra de meados dos anos 1990 o emblema do dinamismo social que o Brasil conhece após a reconquista da democracia política, particularmente com a vigência da Constituição de 1988.

Palabras-chave: campesinato, reforma agrária, PCB, MST.

Abstract. (Politics and agrarism in Brazil). The text reproduces the discursive elements of the peasant unions of the Brazilian Communist Party (PCB) consolidated pre-1964. The author proposes that this agrarism may highlight the current discussion about the expectations of intellectuals and mediators regarding the performance of the landless in the Brazilian agrarian reform. The paper revisited Caio Prado Jr. and Alberto Passos Guimarães and it focus the theme of the weakness of the peasantry. The text also seeks to associate this classical ideas with the Luiz Werneck Vianna interpretation of the landless mobilization of the mid-1990 as the emblematic social conquest of brazilian political democracy, particularly with the enacte 1988 Constitution.

Key words: peasantry, agrarian reform, Brazilian Comunist Party, MST.