quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Gildo Marçal Brandão::Marco Antônio Coelho

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Amigos e companheiros,
Simone, Joana, Carolina e Lucas,
Dona Eva, dr. Brandão e demais parentes de Gildo

Aqui estamos para prantear o desaparecimento de um personagem singular. É interessante assinalar que Gildo antes de tudo era um sobrevivente na batalha pela sua existência. Segundo o relato de sua mãe, dona Eva, na infância os médicos não acreditavam que o primogênito daquela família, nascido no inóspito sertão de Mata Grande, iria sobreviver. Os diagnósticos eram irrefutáveis. O garoto padecia com a chamada tetralogia di Fallot que afetava de forma total seu sistema cardíaco.

Todavia, dona Eva, com o apoio total de seu esposo, não se curvou diante desse prognóstico. Recorreu a tudo que a medicina naquela época poderia fazer para salvar seu filho. Assim, teve início uma batalha que durou quase sessenta anos, porque exatamente hoje Gildo completaria 61 anos de idade.

Mas essas seis décadas foram sobretudo uma sequência de sofrimentos e sacrifícios inauditos desse alagoano fisicamente fraco, mas com fibra de aço. Volta e meia era internado em hospitais e sempre estava preso a dietas intoleráveis. Duas vezes seu músculo cardíaco teve de ser aberto e na primeira delas sua vida dependeu da perícia do doutor Zerbini. Recentemente, recorreram à implantação de um marca-passo, que, afinal, não impediu o enfarte que o derrotou anteontem.

Sua grande amiga, cardiologista do Incor, a doutora Ana Maria Braga, sempre nos advertiu:

“Fiquem preparados para o que pode acontecer com Gildo”.

Então, na verdade, o sucedido anteontem foi um fato absurdo, mas anunciado, pois a falência de seu sistema cardíaco fora adiada durante seis décadas. Em primeiro lugar pelo extremo cuidado recebido na infância e na mocidade, graças ao carinho de seus familiares.


Outros fatores básicos foram essenciais na formação dessa figura excepcional como teórico e militante político em nosso país. Em segundo lugar contribuiu decisivamente seu profundo amor à vida, ao trabalho que realizava como cientista político, sua convicção de que suas pesquisas seriam de enorme importância para o futuro do país. Note-se que fugiu de São Paulo para uma praia a fim de poder terminar a aula que deveria prestar na segunda semana de março. Todos sentiam como seus deveres como professor o consumiam, embora sempre apreciasse as coisas boas da vida. Não por acaso seu último de vida foi um passeio maravilhoso numa praia.

O outro fator básico que permitiu essa atividade espantosa foi o apoio absoluto, total e vigilante de Simone, sua companheira que tudo fazia para que Gildo pudesse viajar, tomar parte na vida social e manter em sua residência um afetuoso e acolhedor clima de amizade com inúmeros amigos, com estudantes estrangeiros que ali se hospedavam, e auxiliando os pós-graduandos orientados por Gildo. A contribuição de Simone também foi essencial para garantir um melhor padrão de vida da família.

Pois bem, esse alagoano travou essa batalha sem se submeter às normas impostas a uma pessoa fisicamente frágil. Sua vida é um exemplo de um envolvimento permanente com toda a sorte de dificuldades financeiras, políticas, policiais, e de extremo amor a diversas instituições de pesquisa, particularmente a Universidade de São Paulo. Agora a fatalidade o derruba quando dentro de um mês iria disputar o mais alto posto na academia, a função de professor titular da USP.

O ponto de partida de Gildo na universidade foi o estudo sistemático de filosofia, o que lhe deu uma base teórica que sempre lhe permitiu fazer análises profundas na ciência política e na sociologia. Daí suas posições ao lado dos que no movimento comunista assumem uma atitude firme na defesa do valor universal da democracia e da firme disposição de aprofundar a correção dos erros cometidos pelos que se engajam na luta por uma sociedade mais justa.

Com orgulho Gildo Marçal Brandão relatava sua qualidade de militante comunista. Relembro sua disposição de participar ativamente da rearticulação da direção comunista em São Paulo, quando a repressão policial assassinou diversos dirigentes comunistas em 1974 e 1975. Naquele ambiente de absoluto terror, Gildo cuidou de reorganizar a direção estadual dos comunistas e participou do lançamento do semanário Voz da Unidade, que circulou durante vários meses. Essa atuação criou um problema para ele, porque o afastou durante vários meses da vida acadêmica. Assumiu o compromisso de uma participação teórica mais intensa no lançamento da revista Temas de Ciências Humanas, abordando aspectos essenciais da atividade comunista no Brasil e no mundo. Para sobreviver viu-se forçado a trabalhar em várias publicações, na qualidade de free-lancer, inclusive na Folha de S. Paulo, quando foi acolhido por Cláudio Abramo.

Retornando à atuação na academia, Gildo jamais deixou de lado sua atuação destacada como um dos teóricos que dedica parte de seu tempo à elaboração programática do ideário comunista no Brasil e no mundo.

Comecei meus contatos com Gildo depois da minha saída da prisão, em 1979. De início era um relacionamento distante, mas que foi se estreitando cada vez mais. Com o passar dos anos diariamente debatíamos problemas e desafios. Tudo o que eu fazia submetia a ele. E ele sempre exigia minhas opiniões. Raramente discordávamos. Agora fico meio perdido sem saber como vou trabalhar sem antes ouvir suas observações.

Assim minha sensação é de perplexidade e de insegurança.

Mas tenho clareza em relação a um ponto. A contribuição de Gildo foi poderosa e profunda, deixando dois importantes legados. De um lado, foi sua colaboração intensa para a criação na USP — principalmente nos Departamentos de Ciência Política e de Sociologia — de um clima de renovação entre os professores, visando o aggiornamento do ensino superior no Brasil nas ciências humanas. De outro lado, pode-se medir a repercussão de seu trabalho na USP através da formação de um grupo de doutores e mestres que leva em conta suas análises críticas.

Encerro minhas palavras fazendo um apelo para que esforços sejam feitos a fim de ser publicado o memorial preparado por ele para o concurso de professor titular da USP. Documento que, no dizer dele, é um resumo de suas opiniões. Assim, a divulgação dessa derradeira reflexão será a maior homenagem a um mestre cujo exemplo é um orgulho para a comunidade acadêmica brasileira.

Fala de Marco Antônio Coelho, crematório da Vila Alpina em São Paulo, 17 de fevereiro de 2010. Uma das últimas intervenções públicas de Gildo Marçal Brandão, uma das figuras centrais deste sítio, é a entrevista sobre Gramsci e a esquerda brasileira, hoje.

Linhagens do pensamento político brasileiro (I) - Gildo Marçal Brandão (*)

La Insignia, julho de 2007.

Nos últimos anos, um heterogêneo conjunto de pesquisadores, equipados com o instrumental analítico acumulado por décadas de ciência social institucionalizada, vem não apenas revisitando o ensaísmo dos anos 30, mas vasculhando a história intelectual do país e produzindo uma quantidade respeitável de análises, pesquisas empíricas e historiográficas, interpretações teóricas que têm contribuído para renovar nosso conhecimento dos padrões e dilemas fundamentais da sociedade e da política brasileiras. Esboçado em meados do século XX, tendo recebido notável impulso nos anos 70, este campo de estudo chegou à maturidade nos 90, constituindo-se num dos mais produtivos das ciências sociais. Com efeito, além da emergência ou renovação das disciplinas que investigam os fenômenos do viver em transição - como a violência urbana, a pluralização religiosa, a explosão do associativismo, as redefinições das relações de gênero e as raciais, as transformações do mundo do trabalho, a judicialização da política, o papel da mídia na formação da vontade política da população, a financeirização da economia, os novos equilíbrios nas relações internacionais, etc., etc. - uma das características mais salientes das ciências sociais que estamos fazendo é o crescimento e a diversificação desta área de pesquisa que vem sendo chamada, com maior ou menor propriedade, de "pensamento social" no Brasil ou de "pensamento político brasileiro".

Visto retrospectivamente, os seus contornos nunca foram muito claros: como se trata de uma área de fronteira, acolhendo orientações intelectuais provindas das diversas ciências humanas, o estudo do "pensamento político-social" se estabeleceu aqui, como em todo o mundo, no cruzamento de disciplinas tão variadas como a antropologia política e a sociologia da arte, a história da literatura e a história da ciência, a história das mentalidades e a sociologia dos intelectuais, a filosofia e teoria política e social e a história das idéias e das visões-de-mundo. Esta superposição - por vezes conflituosa na medida mesma da indiferenciação - talvez fosse inevitável no caso de país de capitalismo retardatário como o nosso, uma vez que o tratamento da literatura, da arte, da cultura e das ciências aqui praticadas acaba tendo uma importante dimensão política por força da relação urgente que se estabelece entre formação da cultura e formação da nação.

Como em todo lugar, muita coisa menor foi aí escrita, desde história das idéias que não passava de exposição monográfica das concepções de um autor sem a menor inquietação sobre a natureza da empreitada teórica e dos processos histórico-sociais dos quais - pensamento em pauta e forma de abordá-lo - são momento e expressão, até a pretensão de erigir a sociologia da vida intelectual ou a sociologia das instituições acadêmicas em sucedâneo da sociologia do conhecimento, de resolver o problema da qualidade e da capacidade cognitiva e propositiva de uma teoria pela enésima remissão ao grau de institucionalidade da disciplina ou província acadêmica onde ela surge. Isso sem falar nas tradicionais "explicações" de uma obra pela origem social do autor e nas moderníssimas reduções do conteúdo e da forma da produção intelectual às estratégias institucionais ou de ascensão profissional ou social das coteries.

Apesar disso, aquela diversidade favoreceu a acumulação de capital teórico e, de qualquer maneira, não impediu a cristalização de um campo intelectual diferenciado, que arrancava do reconhecimento de uma (rica) tradição de pensamento social e político no Brasil para fazer da reflexão sobre os seus "clássicos" - visconde de Uruguai, Tavares Bastos, Sílvio Romero, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Nestor Duarte, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Vítor Nunes Leal, Guerreiro Ramos, Florestan Fernandes, Celso Furtado, etc. - o instrumento para interpelar inusitadamente a sociedade e a história que os produz. Junto com a "expansão quantitativa da pós-graduação e a concomitante diversificação das formas institucionais que se operaram a partir de meados dos anos sessenta", a existência desta tradição, em boa medida "anterior aos surtos de crescimento econômico e urbanização deste século, e mesmo ao estabelecimento das primeiras universidades", terá contribuído para a constituição e consolidação de uma Ciência Política relativamente autônoma no Brasil (1). A reflexão sobre o pensamento político e social revelou-se, entretanto, demasiada rebelde para ser tratada como mera pré-história ideológica a ser abandonada tão logo se tenha acesso à institucionalização acadêmica da disciplina científica. Demonstrou-se, ao contrário, um pressuposto capaz de ser continuamente reposto pelo evolver da ciência institucionalizada - como um índice da existência de um corpo de problemas e soluções intelectuais, de um estoque teórico e metodológico aos quais os autores são obrigados a se referir no enfrentamento das novas questões postas pelo desenvolvimento social, como um afiado instrumento de regulação de nosso mercado interno das idéias em suas trocas com o mercado mundial.

Parte desta rebeldia e capacidade de interpelação tem a ver, é claro, com a centralidade do papel dos "clássicos" - incluindo os "locais" - nas ciências sociais. Pode ser que resida aí alguma anomalia. Com efeito, numa pesquisa feita artesanalmente com um pequeno, mas sênior grupo de cientistas sociais, sobre quais seriam as obras e autores brasileiros mais importantes do século XX, as respostas indicaram não estudos teóricos ou empíricos executados segundo bons manuais metodológicos, mas Casa Grande & Senzala (1933) e Sobrados e Mucambos (1936), de Gilberto Freyre; Formação Econômica do Brasil (1954), de Celso Furtado; Os Donos do Poder (1958), de Raymundo Faoro; Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda; Coronelismo, Enxada e Voto (1948), de Vitor Nunes Leal; Formação do Brasil Contemporâneo (1942) e Evolução Política do Brasil (1933), de Caio Prado Júnior; A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá (1952) e A Integração do Negro na Sociedade de Classes (1964), e outros, de Florestan Fernandes; Populações Meridionais do Brasil (1920) e Instituições Políticas Brasileiras (1949), de Oliveira Vianna; e Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha (2).

Tomando como padrão as ciências naturais - que progridem esquecendo os seus fundadores - e desconsiderando a natureza das ciências sociais - cujo trabalho, sob certo aspecto, se assemelha ao de Penélope, que para atingir seus fins necessita refazer o seu próprio caminho -, uma interpretação simplista não hesitaria em qualificar tal situação como resistência à adoção dos procedimentos metodológicos e técnicos que caracterizariam a verdadeira Ciência, indicação de quão atrasados estaríamos no terreno da profissionalização e institucionalização do saber. Fora desse sectarismo, no entanto, o que a lista evidencia é que historicistas e anti-historicistas, holistas e individualistas metodológicos, humanistas e cientificistas, aprendemos todos a pensar o país com aqueles pensadores. Esta realidade, parte ineliminável da experiência das gerações intelectuais dos 80 aos 21 anos, é por si só suficiente para tornar risível o dar de ombros com que por vezes se os considera - como alquimistas diante dos químicos, como literatura para deleite dominical do espírito, como relevantes tão somente do ponto de vista da história da ciência. Apesar do caráter datado de muitas de suas proposições teóricas e bases empíricas, o fato é que continuam a ser lidos como testemunhas do passado e como fontes de problemas, conceitos, hipóteses e argumentos para a investigação científica do presente (3).

Nesse sentido, os pesquisadores que aceitaram o desafio de se movimentar nessa zona de fronteira, reconheceram cedo a força da "forma narrativa específica" - o ensaio histórico sobre a formação nacional - que a tradição gerou e, ao mesmo tempo, a necessidade de submeter textos e realidades pesquisadas ao tratamento e controle sistemáticos, segundo os métodos de investigação especializada (4). Como reflexão, a pesquisa sobre o pensamento político-social prolonga uma tradição que se foi acumulando desde, pelo menos, as décadas de 60 e 70 do século XIX, cujo exemplo conspícuo talvez seja a tentativa - sabidamente complicada, mas pertinente - de Sílvio Romero, em um momento de virada e esgotamento de um mundo, de pôr ordem na casa e verificar a evolução da literatura em função da evolução do país (5). Como espécie acadêmica, entretanto, ela ganhou autonomia em relação aos estudos literários apenas nos anos 50 do século XX, quando se torna agudo o debate sobre os rumos a dar ao desenvolvimento econômico, a universidade se consolida, o modernismo se rotiniza, a sociologia desbanca a literatura como forma dominante de reflexão sobre a sociedade, e a direção intelectual e moral até então exercida pelo pensamento católico se vê derrotada por uma variedade de correntes que têm em comum o materialismo e o laicismo. Definiu ou renovou alguns de seus principais esquemas interpretativos na década de 70, quando se torna evidente que a associação "necessária" entre industrialização e democracia não passava de "equação otimista" (6), a investigação sobre a natureza do Estado se impõe, o exame das bases conceituais do autoritarismo - formuladas em grande estilo no início da era Vargas - vem para primeiro plano, e a universidade vai deixando de sofrer a competição de agências produtoras de idéias como as instituições e os partidos programáticos da velha esquerda. E sai da periferia para a cidadania intelectual plena apenas no final do século, quando a exaustão do Estado nacional-desenvolvimentista se manifesta por todos os poros, a especialização exacerba a fragmentação do mundo intelectual, a sociedade se vê diante do imperativo de reformular suas instituições e redefinir seu lugar no mundo; e uma comunidade acadêmica consciente de sua própria força pode, enfim, confessar suas dívidas intelectuais para com os ensaístas.

Parece haver, portanto, uma íntima relação entre o caráter cíclico do interesse por aqueles "intérpretes do Brasil" e a dinâmica histórica e cultural da política brasileira, ou mais especificamente, alguma conexão de sentido entre essa explosão intelectual e a conjunção crítica - mudança global e, sob certo aspecto, concentrada no tempo, que está forçando a reorganização das esferas da nossa existência e a reformulação dos quadros mentais que até agora esquematizavam nosso saber (7) - que estamos vivendo, apenas comparável aos períodos abertos pela Abolição e pela Revolução de 30. Tudo se passa como se o esforço de "pensar o pensamento" se acendesse nos momentos em que nossa má formação fica mais clara e a nação e sua intelectualidade se vêem constrangidas a refazer espiritualmente o caminho percorrido antes de embarcar numa nova aventura - para declinar ou submergir em seguida. Talvez não seja excessivo usar aqui a metáfora da coruja de Minerva, que só alça vôo ao anoitecer - não por acaso, e ao contrário da imagem costumeira, aquela "forma narrativa" que a tradição consolidou está longe de ser um fenômeno de juventude, é um gênero da maturidade, supondo acumulação intelectual prévia e refinamento estilístico -, mas nesse caso conviria levá-la até o fim e reconhecer que se não há como ter "perspectiva adequada sobre a época atual sem recolhermos a exemplaridade dessa herança" (8), a reflexão sobre o pensamento político, totalizante por natureza, pode também vislumbrar sinais do novo mundo.

Dada tal acumulação teórica - e talvez porque além de lutar para produzir "transparência sobre o real", aspire a ser "parte constitutiva dele" (9) -, o (estudo do) pensamento político-social foi capaz de formular ou de discriminar na evolução política e ideológica brasileira a existência de "estilos" determinados, formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, modos intelectuais de se relacionar com a realidade que subsumem até mesmo os mais lídimos produtos da ciência institucionalizada, estabelecendo problemáticas e continuidades que permitem situar e pôr sob nova luz muita proposta política e muita análise científica atual. Também aqui, como em outras partes do mundo, o esclarecimento das lutas espirituais do passado acaba se revelando um pressuposto necessário à proposição de estratégias políticas para o presente.

Pressupostos, hipóteses

O que me interessa, pois, é investigar a existência destas "famílias intelectuais" no Brasil, reconhecer suas principais características formais e escavar sua genealogia. Verificar em que medida os conceitos de "idealismo orgânico" e "idealismo constitucional", formulados originariamente por Oliveira Vianna (10), são capazes - desde, é claro, que trabalhados de modo a neutralizar suas petições de princípio e a esvaziar o que contém de justificação ideológica de um projeto de monopólio de poder e de saber - de descrever e analisar as principais "formas de pensamento" que do último quartel do século XIX para cá dominaram o pensamento social e político brasileiro. Em seguida, circunscrever aquelas que no processo de naturalização do Brasil industrial se esboçaram na contramão e, malgrado suas debilidades, constituíram as primeiras concepções anti-aristocráticas do país, fornecendo os lineamentos gerais de todas as reformas sociais e econômicas propostas até a ascensão do neoliberalismo - como o "pensamento radical de classe média" e o "marxismo de matriz comunista" (11), estes frutos legítimos da "nossa revolução". E formular, por fim, uma hipótese sobre o modo como essas correntes responderam aos desafios postos pelo desenvolvimento histórico-político do país. Sem deixar de examinar o conteúdo substantivo das ideologias e visões-de-mundo, a ênfase analítica será posta na descrição das "formas de pensar" subjacentes - estruturas intelectuais e categorias teóricas, a partir das quais a realidade é percebida, a experiência prática elaborada e a ação política organizada. Mapear estruturas intelectuais que se cristalizam historicamente como a priori analíticos, e ver como se articulam com a perspectiva política mobilizada - eis o núcleo do trabalho.

Centrada no exame dos principais textos e conceitos que materializam tais formas de pensar, a discussão, logo se vê, não se reduz à enésima leitura de autores ou contextos irremediavelmente passados. Aceitemos por um momento, para efeito de argumentação, as premissas skinnerianas segundo as quais o historiador intelectual não deve se preocupar com a validade ou o significado presente das idéias passadas, pois ao lidar com respostas particulares a problemas epocais particulares, a história das idéias e das teorias políticas o faria de tal modo que o significado dos conceitos formulados no passado não teria vida independente fora do contexto em que foi produzido, não poderia ser transportado para o presente senão ilegitimamente (12) - com a conseqüente suposição da incomensurabilidade entre os tempos e a rígida separação entre explicação e interpretação, entre teoria e história, que elas acarretam. Ainda assim seria possível assumir como pressuposto que durante o período abordado por este estudo houve profundas mudanças, mas nenhuma mutação ontológica radical de uma inteira constelação histórica; as modificações cíclicas ocorridas, o aparecimento de novas concepções, teorias e interpretações em resposta aos problemas postos pelo desenvolvimento social, não alteraram ou não esgotaram a estrutura básica da realidade sobre a qual nossos autores refletem.

Por outro lado, o argumento de Skinner comporta dois momentos que deveriam ser tratados separadamente: ele deriva da tese segundo a qual idéias e teorias só se explicam pelo contexto (lingüístico) no qual se inserem a conseqüência de que deve ser recusada toda interpretação que ultrapasse esse estrito significado histórico (ou historista?). O primeiro raciocínio leva a uma crítica feroz e consistente aos anacronismos, especialmente ao modo usual de tratar os grandes textos do pensamento político esvaziando-os de historicidade, como se fossem todos, "contribuições" a alguma espécie de theoria ou de philosophia perennis. O segundo acaba levando à cisão entre teoria e história, entre o momento histórico e o sistemático no tratamento das idéias e da compreensão de um texto, bloqueia qualquer relação entre os interesses teóricos contemporâneos e as pesquisas sobre o significado dos textos históricos (13).

Do ponto de vista aqui explorado, ao contrário, não apenas o objeto a ser investigado não é uma preciosidade arqueológica, mas também sua exposição não pode ser dissociada do debate contemporâneo que lhe é momento e parte constitutiva. Nessa condição, não há como não confrontar leituras distintas do pensamento político-social brasileiro, especialmente os principais modelos de interpretação formulados nas últimas décadas, ao mesmo tempo verificando em que medida há continuidade ou ruptura entre as formulações clássicas dos convencionalmente denominados "intérpretes do Brasil" e o trabalho intelectual que vem sendo produzido na universidade segundo os métodos de investigação especializada. Na verdade, se uma das particularidades do estudo do pensamento político é que ele aspira a ser parte constitutiva do objeto estudado, então, no exame de suas grandes obras a referência àquelas leituras "deve operar aí como elemento de controle e, em vários momentos, como dimensão polêmica contra as análises que buscam entender um pensamento coerente e original a partir de seu exterior" (14). Mas também como elemento de comprovação das hipóteses a seguir sugeridas, na medida em que originais e exegeses confluem para a formação do mesmo campo, cujos impactos político-culturais serão intercambiáveis, mais do que análogos; acabam por formar, em conjunto, a "tradição", as exegeses prolongando-a, reinterpretando-a, renovando-a e, no limite, reinventando-a. Invertido o olhar, a tradição - e com ela, as formas de pensar que discrimina - persiste(m) nessas releituras que, por sua vez, interpelam as obras e os conceitos a partir de agendas e circunstâncias em parte inusitadas, impondo novos recortes e combinações.

Posto isso, assumo como pressuposto que nenhuma grande constelação de idéias pode ser compreendida sem levar em conta os problemas históricos aos quais tenta dar respostas e sem atentar para as formas específicas em que é formulada e discutida; ao mesmo tempo, que nenhuma grande constelação de idéias pode ser inteiramente resolvida em seu contexto (15). Nessa direção, eis as principais hipóteses que pretendo investigar. A primeira delas é se é possível - sem prejuízo de suas mediações internacionais e sem deixar de atentar seja para a especificidade teórica de cada um desses autores, seja para a diversidade de contextos históricos nos quais eles atuam - situar o liberalismo atual numa linha de continuidade que vem do diagnóstico de Tavares Bastos sobre o caráter asiático e parasitário que o Estado colonial herdou da metrópole portuguesa, passa pela tese de Raymundo Faoro segundo a qual o problema é a permanência de um estamento burocrático-patrimonial que foi capaz de se reproduzir secularmente, e desemboca, como sugere Simon Schwartzman e outros "americanistas", na proposta de (des)construção de um Estado que rompa com sua tradição "ibérica" e imponha o predomínio do mercado, ou da sociedade civil, e dos mecanismos de representação sobre os de cooptação, populismo e "delegação" (16).

Da mesma forma, sugiro que podemos ver no conceito de "formalismo", com sua discrepância entre norma e conduta e com sua presunção de estratégia de mudança induzida numa sociedade razoavelmente desarticulada, e na distinção entre "hipercorreção" e "pragmatismo crítico", propostos por Guerreiro Ramos nos anos 60, e nos trabalhos realizados por Wanderley Guilherme dos Santos sobre a práxis liberal e Bolívar Lamounier sobre o pensamento autoritário, na virada dos anos 80, tanto marcos desse interesse acadêmico pela história intelectual brasileira como momentos eles próprios de reconstrução das orientações ideais de correntes ideológicas socialmente enraizadas. Assim, enquanto os conceitos de "formalismo" e "autoritarismo instrumental" configuravam versões espiritualizadas e "axiologicamente neutras" da crítica saquarema ao suposto utopismo dos liberais, a crítica à "ideologia de Estado" acentuava a contraposição entre as propostas de organização da sociedade a partir do Estado ou do Mercado, de modo a recuperar a preocupação com a engenharia institucional dos "idealistas constitucionais". Enquanto os dois primeiros renovavam pela esquerda o "idealismo orgânico" de visconde de Uruguai e de Oliveira Vianna, o terceiro retomava implicitamente Tavares Bastos e Ruy Barbosa, pelo menos ao privilegiar a questão da forma de governo e ao considerar que as reformas políticas e somente elas seriam capazes de tornar representativa a democracia e desobstruir o caminho para as reformas econômicas e sociais (17). No mesmo sentido, não será surpresa constatar que, sem deixar de representar um notável esforço de absorção dos "avanços metodológicos" da ciência social internacional, os (a maioria dos) trabalhos mais importantes que foram publicados no país nas últimas décadas sobre eleições, partidos e sistemas partidários, governo, instituições e políticas públicas, podem ser enquadrados em uma ou em outra orientação. Uma vez situados, torna-se mais inteligível o modo como cada autor e cada corrente responde aos desafios da "nossa revolução", posiciona-se diante da agenda política do dia, expressa tendências sociais - e não apenas acadêmicas ou individuais - de longa duração, luta para ganhar a opinião pública e dirigir intelectual e moralmente a ação de grandes grupos sociais.

Estabelecidas tais hipóteses principais, convém reconhecer não apenas que tais constelações predominaram ou decaíram alternativamente ao longo do tempo, mas principalmente que os anos 1950 representam um notável ponto de inflexão nesse processo de gestação, ou cristalização, das formas de pensar. Neles ocorre tanto a rotinização das "inovações tecnológicas" do pensamento social dos anos 1930 (redescoberta do Brasil, absorção da sociologia como método de abordagem da realidade, reflexão sobre a natureza e a estrutura do Estado, reconhecimento da questão social, etc.), como uma mudança profunda de ênfase, estilo e problemáticas intelectuais, derivada em parte da emergência e consolidação da universidade como principal lócus da produção intelectual, e marcada dessa vez não apenas pela construção do Estado, mas pela emergência da sociedade e de sua transformação como problema. Nesses termos, a idéia-força, organizadora do campo intelectual, é a do desenvolvimento, e a questão subjacente é a da democracia. Prefigurado quando a necessidade de modernização do Estado ocupava o primeiro plano, o problema teórico da estrutura e dinâmica da sociedade tal como se está constituindo torna-se determinante e logo, projetos distintos, aliados e opostos de "superação do atraso" lutam para imprimir à mudança social, direção. Este é um momento em que não apenas novos sujeitos sociais e políticos emergem como é mais discernível a relação - continuidade e descontinuidade - entre novos e velhos atores (intelectuais tanto quanto políticos). Nesse processo, como observei lá atrás, a capacidade de direção intelectual e moral do catolicismo vive os seus estertores, a literatura atinge o seu apogeu e declínio como matriz do modo de ser do intelectual brasileiro, o discurso culturalista perde fôlego e a sociologia - que à diferença dos anos 1930, incorpora a economia política e é produzida academicamente - se torna a principal forma de intelecção da realidade.

Ora, essa notável mutação social e intelectual não afeta apenas as formas de pensar predominantes. Embora "idealismo orgânico" e "idealismo constitucional" sejam as mais antigas e permanentes, não são obviamente as únicas existentes: qualquer exame do conjunto do desenvolvimento intelectual e ideológico não poderá ignorar aquelas socialmente minoritárias - embora intelectualmente influentes - e marcadamente anti-aristocráticas, que só podiam ter sido produzidas numa sociedade revolvida pela urbanização e pela industrialização.

Na entrevista em que apresenta a hipótese da existência de um "pensamento radical de classe média", Antonio Candido sugere que ele envolveu a maior parte dos socialistas e comunistas e se cristalizou a partir dos anos 1940, 1950, especialmente na Universidade de São Paulo e a despeito da intenção elitista de seus fundadores (18). Contra os que cobravam a "revolução", Candido acrescenta que o interesse maior da constelação ideológica estava em "favorecer um pensamento radical, e não assumir (uma impossível) posição revolucionária", o que teria representado enorme avanço diante do "grosso do pensamento (que) era maciçamente conservador, e não raro reacionário". Poderia acrescentar: a despeito do papel desempenhado por aquela universidade - bastante explorado pela literatura, que apontou também a derrota de projeto acadêmico similar no Rio de Janeiro (19)-, o fenômeno estava longe de ser estadual e mesmo regional. Se for assim, talvez seja possível reconhecer a centralidade de Sérgio Buarque de Holanda e recortá-lo de modo a encontrar identidades entre autores tão díspares como Manuel Bonfim, Nestor Duarte, Vitor Nunes Leal, Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso. E talvez não seja exagerado caracterizar esse pensamento democrático como socializante, quase sempre socialista, de matriz liberal, por vezes constitucionalista. Cabe, por isso mesmo, diferenciá-lo do que em outro lugar denominei de "marxismo de matriz comunista", o qual, em um país que não primava pela existência de quadros e de ensino técnico e científico de qualidade, configurou-se, com a precariedade conhecida, como a "única grande escola de ciências sociais de que o país dispôs nas últimas décadas" (20); e, pelo menos a partir da segunda metade dos anos 1950 e em sua vertente "positiva", reconheceu que o processo brasileiro permitiria compatibilizar desenvolvimento do capitalismo e democracia política, recusou qualquer concepção "explosiva" da revolução e também apostou na "revolução dentro da ordem" comandada por uma frente ampla das forças sociais modernas que a "nossa revolução" havia gerado. Além disso, enquanto algum tipo de pluralismo causal marca a primeira, o que caracteriza a segunda, do ponto de vista analítico, é sempre a busca, bem ou mal sucedida, de encontrar a unidade entre, digamos, a infra e a superestrutura na explicação do social (21).

Tomadas em conjunto, tais formas de pensamento não foram ou nem sempre são necessariamente excludentes entre si: como fenômenos sociais e ideológicos se interpenetram e se influenciam reciprocamente. Por outro lado, é claro que outros recortes são possíveis. Nem todos os "pensadores político-sociais" se enquadram nesta ou naquela linhagem, em vários convivem almas contrapostas e nem sempre a proclamada é a real; e como ocorre em toda família, por vezes os mais próximos são os mais distantes, e ninguém pode impedir que um Montecchio se apaixone por uma Capuleto. Sem falar que há sempre figuras marginais, independentes ou bizarras. Mas é aí, felizmente, que está a beleza da análise concreta. Podemos ver em situações como estas misturas menos ou mais consistentes de "ética" de esquerda com "epistemologias" de direita, e vice-versa, polarizações ambíguas ou conciliações produtivas, sublimes coerências ou ecletismos mal temperados, mas o importante é não transformar as "afinidades eletivas" entre idealismo orgânico e conservadorismo, entre idealismo constitucional e liberalismo, entre materialismo histórico e socialismo, em vias de mão única, relações de causa e efeito ou homologias entre ideologias e posições políticas - até porque toda concepção de mundo é um campo de forças, mantém relações e ramificações em vários grupos sociais e manifestações espirituais, supõe uma direita, uma esquerda e um centro, comporta teorias e interpretações diferentes, de modo que alianças intelectuais entre pensadores politicamente distantes, mas próximos pela forma de pensar, são possíveis. Como diz Michel Löwy, a afinidade eletiva:

"não é a afinidade ideológica inerente às diversas variantes de uma mesma corrente social e cultural (por exemplo, entre liberalismo econômico e político, entre socialismo e igualitarismo etc.). A eleição, a escolha recíproca implicam uma distância prévia, uma carência espiritual que deve ser preenchida, uma certa heterogeneidade ideológica. Por outro lado, a Wahlverwandtschaft não é de maneira alguma idêntica a "correlação", termo vago que designa simplesmente a existência de um vínculo entre dois fenômenos distintos: indica um tipo preciso de relação significativa que nada tem em comum (por exemplo) com a correlação estatística entre crescimento econômico e declínio demográfico. A afinidade eletiva também não é sinônimo de "influência", na medida em que implica uma relação bem mais ativa e uma articulação recíproca (podendo chegar à fusão). É um conceito que nos permite justificar processos de interação que não dependem nem da causalidade direta, nem da relação "expressiva" entre forma e conteúdo (por exemplo, a forma religiosa como "expressão" de um conteúdo político e social)." (22)

Notas

(1) Conforme Bolívar Lamounier, "A Ciência Política no Brasil: roteiro para um balanço crítico", in Bolívar Lamounier (org.), A Ciência Política nos Anos 80, Brasília, Editora da UnB, 1982, p. 407.

(2) Cf. Simon Schwartzman, "As ciências sociais brasileiras no século XX", nov. 1999 (mimeo.). O autor esclarece que a amostragem usada, restrita a lista dos cientistas sociais com os quais se corresponde pela Internet, foi de 49 intelectuais, dos quais 10 são sociólogos, 13 cientistas políticos, 14 economistas, 6 antropólogos, alguns historiadores e gente proveniente das áreas de direito, filosofia e administração. Citado como um dos mais influentes, o livro de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Dependência e Desenvolvimento na América Latina (1970), não teria sido reconhecido como de mérito equivalente aos demais

(3) É de justiça lembrar que foi Wanderley Guilherme dos Santos quem primeiro e mais energicamente reagiu contra a tentativa de transformar divisão acadêmica do trabalho intelectual em critério de verdade, no exato momento em que tal perspectiva começava a se tornar hegemônica. Por mais reparos que se possa fazer à sua crítica da periodização da história do pensamento político brasileiro pelas etapas de institucionalização da atividade científico-social, sua reação não só criou um nicho para todos que recusavam o cientificismo - que tinha o seu momento de verdade como arma de combate contra o diletantismo intelectual - como contribuiu para legitimar na universidade o trabalho com história das idéias, ao recusar-se a vê-las como variável dependente das instituições. Cf. seus artigos "Preliminares de uma controvérsia metodológica", in Revista Civilização Brasileira, n. 5-6. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, março de 1966; "A imaginação político-social brasileira", in Dados, n. 2/3. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1967; e "Raízes da imaginação política brasileira", in Dados, n. 7. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1970. Também o termo "pensamento político-social", que a rigor seria mais adequado para caracterizar a natureza da reflexão, foi apresentado por ele e recentemente reafirmado em seu Roteiro Bibliográfico do Pensamento Político-Social Brasileiro (1870-1965). Belo Horizonte-Rio de Janeiro: Editora da UFMG e Casa de Oswaldo Cruz, 2002.

(4) Cf. A expressão é de Bolívar Lamounier, op. cit., p. 411. Sem esquecer o papel pioneiro do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) em quase todos esses pontos, não dá para deixar de assinalar que o projeto da Cadeira de Política da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, dirigida por Lourival Gomes Machado até os anos 1960, recusava a separação entre explicação sociológica e explicação histórica - cerne do projeto do Florestan Fernandes dos anos 1950 e de sua desconfiança para com a história das idéias e a tradição do ensaio histórico à qual se renderia nos anos 70 -, e privilegiava: a) a interpelação dos clássicos da teoria política, de Maquiavel a Marx e a Weber, como se depreende do programa de traduções e das teses do próprio Lourival Gomes Machado sobre Rousseau, Célia Galvão Quirino sobre Tocqueville, Oliveiros S. Ferreira sobre Gramsci, a edição de alguns dos melhores comentadores dos pensadores políticos clássicos, feita por Célia Quirino e Maria Teresa Sadek, e a coletânea tardia organizada com preocupações didáticas por Francisco C. Weffort sobre os clássicos da política; b) a história das instituições políticas, especialmente as brasileiras, abarcando desde as investigações de Paula Beiguelman sobre a formação política do país até as teorias de Weffort sobre o sindicalismo populista e a especificidade da "democracia populista" vis-à-vis a "representativa", das pesquisas eleitorais de Oliveiros S. Ferreira aos estudos de Maria do Carmo Campello de Souza sobre a evolução dos sistemas partidários na república e de Eduardo Kugelmas sobre a difícil hegemonia de São Paulo na Primeira República; e c) a história do pensamento político brasileiro e mesmo latino-americano, incluindo os estudos de Gomes Machado sobre o jusnaturalismo de Tomás Antonio Gonzaga e sobre a ligação entre o barroco e o Absolutismo, de Célia Galvão Quirino sobre a administração colonial e sobre o papel da maçonaria na Independência, de Paula Beiguelman sobre a teoria política do Império, de Oliveiros S. Ferreira sobre Haya de la Torre, etc. Cf. o artigo de Célia Galvão Quirino, "Departamento de Ciência Política" no n. 32, vol. 8 de Estudos Avançados (São Paulo: IEA-USP, set./dez. 1994), comemorativo dos 60 anos da Faculdade. Deve-se a Lourival Gomes Machado, também, a introdução, na segunda metade dos anos 1950, da disciplina "Instituições Políticas Brasileiras", até então, salvo engano, inexistente no currículo dos cursos de ciências sociais. Tudo somado, e sem negar a hegemonia da sociologia naqueles anos, permite relativizar a idéia de que a ciência política no Brasil é uma invenção dos anos 80 ou algo que tem uma pré-história nos anos 30 e 50 e depois o silêncio antes do fiat lux pronunciado pelos heróis fundadores que estudaram nas universidades norte-americanas ou foram financiados pela Fundação Ford

(5) Cf. a "Introdução" de Antonio Cândido à coletânea de textos Sílvio Romero: teoria, crítica e história literária. Rio de Janeiro/ São Paulo: Livros Técnicos e Científicos/ EDUSP, 1978 (6) O diagnóstico é de muitos, a expressão, salvo engano, é de Guillermo O'Donnel, "Democracia e desenvolvimento econômico-social: alguns problemas metodológicos e conseqüentes resultados espúrios". In Cândido Mendes (org.), Crise e Mudança Social. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca Ltda., 1974

(7) Sobre o conceito de critical junctures, ver, entre outros, Kurt von Mettenheim, "Conjunções críticas da democratização: as implicações da Filosofia da História de Hegel para uma análise histórica comparativa". In Célia Galvão Quirino, Cláudio Vouga e Gildo Marçal Brandão (orgs.), Clássicos do Pensamento Político. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 2004, 2a. ed. rev. (8) Francisco C. Weffort, A Cultura e as Revoluções da Modernização. Col. Cadernos do Nosso Tempo. Rio de Janeiro: Edições Fundo Nacional de Cultura, 2000, p. 19

(9) Luiz Werneck Vianna, "A institucionalização das ciências sociais e a reforma social: do pensamento social à agenda americana de pesquisa", em A Revolução Passiva - Iberismo e americanismo no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Revan/IUPERJ, 1997, p. 213

(10) De maneira mais sistemática em O Idealismo da Constituição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, 2a. ed. aumentada.

(11) Cf. Para a primeira, a entrevista de Antonio Candido à revista Trans/form/ação, do Departamento de Filosofia da UNESP-Assis, em 1974, parcialmente republicada em Teresina etc. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Para a segunda, o meu A Esquerda Positiva (As duas almas do Partido Comunista - 1920/1964). São Paulo: Hucitec, 1997, especialmente o último capítulo, em que analiso o impacto cultural e ideológico do que chamei de marxismo de matriz comunista e exploro observações feitas originariamente por Caio Prado Júnior (A Revolução Brasileira (1966). São Paulo: Editora Brasiliense, 1977, 5ª. ed., p. 29), Darcy Ribeiro (O Dilema da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1929, 2ª. ed., p. 201) e Fernando Pedreira (Março 31 - Civis e Militares no Processo da Crise Brasileira. Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1964, pp. 176-177)

(12) Cf. Quentin Skinner, "Meaning and understandings in the history of ideas". In James Tully (ed.), Meaning and Context. Quentin Skinner and his critics. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1988, pp. 29-67

(13) Ver, nesse sentido, a crítica de Jeffrey C. Alexander em "A importância dos clássicos". In Anthony Giddens e Jonathan Turner (orgs.), Teoria Social Hoje. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo, Editora UNESP, 1999.

(14) Aproveito, em função de meu objetivo, regra hermenêutica que Gabriel Cohn formulou em outro contexto. Cf. Crítica e Resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979, pp. XIII-XIV.

(15) Cf. Joseph V. Femia, "A historicist critique of 'revisionist' methods for studying the history of ideas". In James Tully (ed.), Meaning and Context. Quentin Skinner and his critics, op. cit. Embora não desenvolva o argumento, o leitor perceberá que aqui também se recusa outra premissa fundamental do contextualismo lingüístico, aquela segundo a qual o sentido de uma obra só pode ser estabelecido correlacionando-o com as intenções manifestas pelo autor. Não só tal intencionalidade poderia ser tranqüilamente reconstituída como toda interpretação só pode ser válida se compatível com ela, e de um modo que poderia ser aceito pelo próprio autor - o que na verdade supõe uma confiança irrestrita na transparência do mundo social. Sem querer simplificar demais, quem sabe uma boa olhada no capítulo sobre o fetichismo da mercadoria de O Capital ajude a matizar a questão

(16) No mesmo sentido, os trabalhos de Werneck Vianna, especialmente "Americanistas e iberistas: a polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos", in A Revolução Passiva: iberismo e americanismo no Brasil, op. cit., e "Weber e a interpretação do Brasil", in Novos Estudos Cebrap, n. 53. São Paulo: Cebrap, 2002. Salvo engano, um dos primeiros a reconhecer linhagens intelectuais desse tipo foi Guerreiro Ramos em seus textos dos anos 1950, mas elas só foram realmente mapeadas a partir dos estudos de Paula Beiguelman, Roque Spencer Maciel de Barros, Wanderley Guilherme dos Santos, Bolívar Lamounier, Luiz Werneck Vianna, José Murilo de Carvalho e outros. Em todos esses casos - na verdade, na maioria dos trabalhos sobre pensamento político-social no Brasil -, pesou a influência direta ou indireta dos esquemas de Karl Mannheim, especialmente os de Ideologia e Utopia e o estudo sobre o pensamento conservador. Evidentemente, cada um distingue e explica a seu modo o que considera essencial e acidental, central e periférico, o continente e as ilhas, etc., mas os contornos gerais do território foram razoavelmente estabelecidos. As referências feitas acima são a: A C. Tavares Bastos, A Província - estudo sobre a descentralização no Brasil (1870). Apres. Arthur Cezar Ferreira Reis. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975, 3ª. ed.; Raymundo Faoro, Os Donos do Poder - Formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Editora Globo, 1958 (2a. ed. ampliada: 1973); Simon Schwartzman, São Paulo e o Estado Nacional. São Paulo: Difel, 1975 (2a. ed. reformulada: Bases do Autoritarismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1982)

(17) Cf. Guerreiro Ramos, "O formalismo, no Brasil, como estratégia para mudança social", in Administração e Contexto Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983, 2a. ed., e "A inteligência brasileira na década de 1930, à luz da perspectiva de 1980", in A Revolução de 30 - Seminário Internacional. Brasília: Editora da UnB, 1983; Wanderley Guilherme dos Santos, Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São Paulo: Duas Cidades, 1978; Bolívar Lamounier, "Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República. Uma interpretação", in Boris Fausto (org.), História Geral da Civilização Brasileira - T. III. O Brasil Republicano, 2o. vol., cap. 10, São Paulo: Difel, 1985, 3a. ed., e "Representação política: a importância de certos formalismos", in Bolívar Lamounier, Francisco C. Weffort e Maria Victória Benevides (orgs.), Direito Cidadania e Participação. São Paulo: T. A Queiroz, 1981.

(18) Cf. nota 11

(19) Cf. Sérgio Miceli (org.), História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1. São Paulo: Editora Sumaré, 2001, 2ª. ed. revista e corrigida, especialmente os artigos de Miceli, "Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais", e de Maria Hermínia Tavares de Almeida, "Dilemas da institucionalização das ciências sociais no Rio de Janeiro"

(20) O juízo é de Fernando Pedreira, Março 31 - Civis e Militares no Processo da Crise Brasileira, Op. cit., pp. 176-177

(21) A economia do texto não permitirá, adiante, aprofundar estas últimas caracterizações, que serão melhor trabalhadas em outra ocasião.

(22) Em Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa central (um estudo de afinidade eletiva). Trad. Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 18. Os sublinhados são do próprio autor. Löwy extrai as coordenadas do conceito em Goethe e Weber, mas o uso que dele faz para a história intelectual ultrapassa largamente suas fontes. A idéia da mistura tão encontradiça entre ética de "esquerda" e epistemologia de "direita" foi formulada com ânimo polêmico por Georg Lukács no prefácio de 1962 à reedição de A Teoria do Romance. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000, p. 17.

(*) Gildo Marçal Brandão é colaborador de La Insignia e Gramsci e o Brasil, professor associado do Departamento de Ciência Política da USP e coordenador científico do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Democratização e Desenvolvimento (NADD-USP).

Bolero, Ravel - Retratos da Vida - Les Uns et les Autres

O fim da picada:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Mesmo com toda a crise, é improvável que o Supremo Tribunal Federal decrete a intervenção federal na capital.

Sem o apoio de seu partido, o DEM, que deve iniciar o processo de expulsão na semana que vem, e sem ter sido recebido pelo presidente Lula, a quem pediria ajuda para continuar à frente do governo, o governador em exercício, Paulo Octávio, não tem sustentação política para permanecer no cargo.

Ele foi aconselhado a tentar montar uma equipe suprapartidária no governo, com notáveis do Distrito Federal, abrindo mão do apoio da aliança partidária que sustentava o governo de José Roberto Arruda, de quem era vice.

Mas Paulo Octávio, acusado também de participação nos esquemas de corrupção do governo anterior, e enfrentando também pedidos de impeachment, não tem mais nem prestígio político nem condições objetivas para dar essa guinada, ficando cada vez mais patente que a máquina política montada na capital do país está inteiramente contaminada.

Há indicações seguras de que ele chegou a sondar personalidades do mundo político, e não apenas de Brasília, para que assumissem o controle do governo, dando-lhe o respaldo político de que necessita, mas até o momento não encontrou quem se dispusesse a assumir o fardo.

Mesmo porque o tempo de governo é pequeno — dez meses — e a maior parte dos potenciais pretendentes se candidatará nas eleições de outubro.

O fato de o presidente Lula não ter recebido ontem o governador Paulo Octávio deve ser interpretado como mais um passo para a sua saída do cargo.

Lula não quer dar a impressão de que está envolvido em uma operação política para salvar Paulo Octávio, e quer que ele, segundo expressão de um assessor, “sofra um pouco”.

Seu sofrimento, por enquanto, é também o sofrimento do DEM, e isso é bom para os interesses políticos do governo.

Como se vê, depois de uma primeira reação cautelosa, quando chegou mesmo a lamentar a prisão de Arruda, o presidente Lula está utilizando a crise política do DEM de Brasília para fortalecer a posição do PT na disputa eleitoral da capital.

O timing político está contra Paulo Octávio, pois a tendência do DEM é não lhe dar mais tempo para demonstrar sua capacidade de atuação política.

Enquanto ele espera um apoio de seu partido, o DEM exige que ele demonstre ser capaz de unir a sociedade civil da capital para um governo de recomeço, sem estar contaminado pelo escândalo dos panetones, o que é impossível para ele, que só não está mais atolado nos escândalos porque não surgiu, até agora, nenhum filme flagrandoo em situação irregular.

Mas há inúmeros papéis com indícios de que ele foi par tícipe das falcatruas, e depoimentos diversos incriminando-o.

Para tentar evitar a intervenção federal, a Câmara Distrital, que era dominada por Arruda, já tem maioria para cassar três dos principais envolvidos nos escândalos, os que se tornaram mais notórios devido à aparição nos filmes feitos por Durval Ferreira, o ex-secretário de Arruda que entrou no programa de delação premiada da Polícia Federal e detonou o esquema do governador.

O ex-presidente da Câmara, Leonardo Prudente (sem partido), que ficou famoso escondendo dinheiro até nas meias; a deputada Eurides Brito (PMDB), que aparece nas filmagens estufando sua bolsa com maços de dinheiro; e Júnior Brunelli (PSC) que, abraçado a Durval e a Prudente, participa de uma “oração” de agradecimento pelo suborno.

O mais provável, porém, é que as cassações não sejam suficientes para passar a impressão de que a Câmara de Brasília está saneada.

O governador preso José Roberto Arruda não pretende renunciar formalmente ao cargo, segundo pessoas que estiveram com ele, mas está disposto a garantir que ficará fora do governo até o fim das investigações.

Se não for cassado por seus antigos aliados na Câmara Distrital — hipótese possível, mas ainda improvável —, ele continuará governador, embora afastado.

Pela lei, o presidente da Câmara, Wilson Lima, do PR, teria que assumir um mandato-tampão até o final do governo, mas há informações de que ele não aceitará a missão, alegando que teria que se desincompatibilizar no início de abril para disputar as eleições.

Caberia então, nesse caso, ao presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal assumir o governo até o final do mandato de Arruda. Um retrato da decadência da política do Distrito Federal, o fim da picada que Arruda abriu na política, à base da ganância e arrogância, e que o levou à prisão.

A Serra o que é de Serra :: Roberto Macedo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Duas recentes matérias de jornais afirmaram que Serra e Lula têm desempenho fiscal semelhante (Valor, dia 10, e este jornal, dia 11). Surpreso com seu teor, vi como fonte um estudo do economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman, muito crível no setor financeiro e na área acadêmica. Perguntei-me: como veio essa conclusão, a contrariar o que até aqui diziam a imprensa e, na área federal, vários estudos de autores igualmente críveis?

Em Brasília está Lula, gastador-mor por convicção e pela ocasião dada pela bonança externa que marcou seu governo até 2008, a qual trouxe mais crescimento, mais tributos e evitou crises externas mais sérias. E opera também sem limites para o endividamento federal. Mais recentemente, fez do PAC e dos seus maiores gastos o carro-chefe para ter a ministra Dilma como sucessora.

É um baita empregador, pois já admitiu perto de 110 mil servidores, e elevou fortemente os salários da ampliada elite do funcionalismo federal. Segundo estudo do economista Raul Velloso, os gastos (deflacionados) de Serra com pessoal subiram 11,3% entre 2006 e 2009 (seu mandato começou em 2007); os de Lula, no mesmo período, quase três vezes mais (29,6%). Com fortes atrativos, os concursos federais atraem milhões de interessados, e há os muitos admitidos na corte sem concurso.

Em São Paulo, Serra enfrenta a crônica carência de recursos típica dos Estados, para o muito que - mais que a União - têm a fazer em áreas como educação, segurança pública e saneamento, com limites rigorosos ao endividamento. Carência essa que o levou a aceitar a federalização do Banco Nossa Caixa. E segue segurando daqui e dali, inclusive a arrecadação de ICMS, com a tal "substituição tributária", impopular entre muitos empresários, e a Nota Fiscal Paulista, esta muito "pop" (tem 7,2 milhões de inscritos e já lhes creditou a enorme cifra de R$ 2,09 bilhões!). Buscando dinheiro aqui e acolá, toca um enorme programa de obras, algumas saltando aos olhos, como o Rodoanel e o Metrô paulistano, e muitas mais, como a recuperação e ampliação de estradas vicinais e dezenas de escolas técnicas.

Assim, procurei ver para crer o estudo do Santander, gentilmente enviado pelo próprio autor, com o título A fria realidade dos números. Da Fazenda estadual e no site www.fazenda.sp.gov.br obtive mais dados, e confirmei o que imaginava.

De início, ainda que sem enfatizar isso, o próprio estudo do Santander faz justiça a Serra como grande investidor público. Assim, na formação de capital, como estradas e outras obras, os números (que excluem as empresas estatais, mas incluem transferências a estas para tal finalidade, como ao Metrô) revelam que passou de 0,9% do PIB estadual em 2006 para 1,7% do PIB em 2009, ou seja, quase o dobro. Enquanto isso, no governo Lula subiu de 0,7% do PIB nacional para 1,1% no mesmo período.

Schwartsman, contudo, põe maior ênfase nas despesas correntes (com pessoal e outras não-financeiras) e concluiu que as estaduais passaram de 7,8% a 9,1% do PIB entre 2006 e 2009, um acréscimo de 1,3% do PIB. Isso o levou a concluir que cresceram mais que os investimentos, estes em 0,8% do PIB (1,7% menos 0,9%, já citados). Ainda assim, deixou de acrescentar que, relativamente ao ano-base, mesmo com esses números o aumento dos investimentos foi maior (89%) que o das despesas correntes (17%).

Em relação a essas despesas correntes, há a conclusão maior, e que levou às manchetes de jornais citadas. Sempre de 2006 a 2009, no governo Lula tais despesas passaram de 16,2% do PIB a 17,1% (mais 0,9% do PIB), aparentemente crescendo menos do que em São Paulo, pois aqui o aumento teria sido de 1,3% do PIB, conforme o parágrafo anterior. Ora, isso surpreende quem sabe dos apertos do governo Serra, inclusive reclamações de funcionários, exceto dos que vão para cargos federais, onde prevalece o silêncio dos muito satisfeitos.

Entretanto, essa conclusão resultou de uma tecnicalidade envolvida, mas não percebida, a qual funcionou como uma armadilha em que eu também, talvez, cairia, exceto pelo fato de que minhas convicções fariam mais perguntas aos dados para me convencer do que mostravam.

Além de gastos de pessoal, há nessas despesas correntes o item "outras", que surpreendentemente cresce 1,8% do PIB no mesmo período, sendo 1,7% do PIB apenas entre 2006 e 2008! Ora, em 2007 surgiu a São Paulo Previdência (SPPrev), mudando a forma de contabilizar os encargos previdenciários do Estado. Progressivamente, ela passou a receber as contribuições dos servidores e do Estado e a fazer os vultosos pagamentos devidos a aposentados e pensionistas, sendo fortemente deficitária. A tecnicalidade surge porque isso leva a uma dupla contagem de despesas pelas regras contábeis aplicáveis, conforme se vê no site citado. Ou seja, uma vez como obrigações patronais da administração direta, mais o déficit; outra, como outras despesas da SPPrev, da administração indireta - o que não foi percebido pelo estudo do Santander.

Feitos os ajustes, conforme calculados pela Fazenda estadual, o aumento das despesas correntes foi de 6,57% do PIB em 2006 para 6,61% em 2009 e, portanto, insignificante, o que muda radicalmente as conclusões do estudo do Santander.

Escrito em inglês e distribuído aqui e no exterior, ele também entra pelo terreno eleitoral e especula quanto à firmeza fiscal de Serra e de Dilma, o que levou as citadas reportagens a propagar que sob este aspecto não se deveria esperar mais do primeiro do que da segunda.

Contudo, com essa revisão dos dados, o que se conclui mesmo é que Serra é fiscalmente mais firme do que Lula e que Dilma é uma incógnita, na melhor das hipóteses. Na pior e mais verossímil, seguiria a cartilha de seu chefe, da qual também é redatora.

Roberto Macedo, economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo

Festa de noivado sem o noivo:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Para o presidente do PT, José Eduardo Dutra, o 4º Congresso do partido, de hoje a sábado, em Brasília, vai ser um "happening" -em bom português, um oba-oba para Dilma Rousseff.

Mas há uma névoa sobre esse clima de festa: o presidente do PMDB e da Câmara, Michel Temer, ameaça não botar os pés ali. Ou seja, o congresso pode virar um noivado sem o noivo.

"Com tantas pendências, como ir a um ato como esse? Antes, precisamos resolver a vida do Hélio Costa [Minas], do Geddel [Bahia], do Jader [Pará] e, agora, até manter o Cabral [Rio]", me disse Temer ontem, relacionando os atritos PMDB-PT nos Estados e confirmando o ciúme do namorico do PT com Garotinho (PR), que estremece a reeleição de Sérgio Cabral.

O quase noivo não parecia nada apaixonado. Ao contrário, mostrou-se aflito para pressionar Dilma e seus padrinhos a favor das candidaturas do PMDB, por uma conta aritmética simples: sem esses Estados peso-pesados, adeus aliança, noivado e casamento com o PT.

Os votos deles são decisivos para selar o casório na convenção peemedebista de junho. Além disso, há dois outros motivos para Temer temer (eta construção infame!) dar as caras no Congresso e preferir enviar "um ofício" (?!) de congratulações para Dilma.

Um é o constrangimento, já que, dia sim, outro também, saem notinhas maliciosas sobre o flerte da noiva com um outro vice, Henrique Meirelles, do BC. O segundo é o risco de ser recebido debaixo de vaia pela base petista.

Afinal, serão 1.350 delegados, mais simpatizantes, curiosos e adesistas. Que líderes conseguem segurar convidados desse tipo? Os mesmos que não seguram a candidatura de Meirelles a vice? Lula que se vire para levar Temer ao congresso até sábado e o PMDB ao altar nas convenções de junho.

Não precisa dar os dedos, mas é bom já dar as alianças e os anéis.

Subintelectualidades:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Comentários que a candidata Dilma Rousseff compartilhou com Marco Aurélio Garcia, coordenador de seu programa de governo, bem que poderiam servir de epígrafe para o congresso com que o PT comemora 30 anos.

Primeiro comentário: o suposto ou real "retraimento do pensamento crítico". Se há alguma instituição no Brasil que abandonou o pensamento crítico esta é, sem lugar a dúvidas, o PT desde que chegou ao governo.

Antes, criticava tudo e todos, até o que estava correto (vide Plano Real). Agora, o PT é apenas a Tribo dos Adoradores de Lula, em que qualquer mínima dose de crítica, mesmo as mais de acordo com os fatos, são sufocadas.

Segundo comentário: a suposta ou real ascensão de uma "subintelectualidade de direita".

Subintelectualidades, de direita ou de esquerda, existiram sempre, no mundo todo. No Brasil, até desconfio que os subintelectuais sejam mais numerosos e estridentes do que os verdadeiramente intelectuais.

Mas, se há de fato uma subintelectualidade em ascensão, ela é hoje a da esquerda, incapaz de sair com uma ideia, uma só que seja, dos escombros do Muro de Berlim. Que já caiu faz 20 anos, é sempre bom lembrar. Ou, posto de outra forma, o PT teve dois terços do seu tempo de vida, desde a queda do Muro, para produzir alguma ideia. Produziu?

Não, segundo um de seus supostos ou reais ideólogos, Tarso Genro, para quem o partido caiu no "vazio" com a crise do mensalão.

Tão vazio que seu até agora presidente, Ricardo Berzoini, e seu sucessor, José Eduardo Dutra, tiveram a bárbara coragem de, em artigo para esta Folha, "celebrar" um "partido democrático, popular e socialista". Democrático e popular ainda dá para passar, com qualificações que o espaço impede de explicitar. Mas socialista só pode ser exercício de "subintelectualidade".

Ou fraude conceitual.

Congresso do PT abre com disputa e polêmicas

DEU EM O GLOBO

O Congresso Nacional do PT começa hoje em Brasília com uma briga interna por cargos da direção partidária que ameaça manchar o lançamento da pré-candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff, previsto para sábado. As tendências já pensam em adiar o desfecho dessa disputa para uma nova reunião. O congresso também tratará de propostas polêmicas de governo que preocupam aliados, como o PMDB.

Início conturbado no PT

Congresso que lançará candidatura de Dilma começa com teses polêmicas e luta interna

Maria Lima, Cristiane Jungblut, Gerson Camarotti e Soraya Aggege

BRASÍLIA - Além das polêmicas teses do documento batizado “A Grande Transformação” — que divide o partido, contraria o governo em alguns pontos e assusta aliados —, os dirigentes petistas levam para 4oCongresso Nacional do PT, que começa hoje, uma briga de foice pelos postos de poder na legenda. Às vésperas do lançamento da pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff para a sucessão do presidente Lula, as forças ligadas ao novo presidente, José Eduardo Dutra, que têm cerca de 60% do Diretório Nacional do PT, não chegaram a um consenso para montar a Executiva Nacional, que dirigirá o partido na campanha eleitoral.

Caso um acordo não seja fechado até sábado, último dia do congresso, a montagem da cúpula ficará para a próxima reunião do diretório, em março.

O esforço é evitar que divergências internas marquem o lançamento da candidatura de Dilma. A divisão dos cargos com as outras forças internas está praticamente fechada, mas não há acordo no próprio Campo Majoritário, formado por Construindo um Novo Brasil, Novos Rumos e PTLM.

Estratégia eleitoral será tema de debate

A principal pendência está na Secretaria de Comunicação, disputada pelo deputado federal João Paulo Cunha e pelo deputado estadual Rui Falcão, ambos paulistas.

— Os cargos terão que ser discutidos na chapa (que elegeu Dutra). Houve uma indicação nossa para o Rui Falcão assumir a Secretaria de Comunicação, mas surgiram outros nomes. Mas não vamos nos dividir por causa disso.

Se houver problemas, deixaremos para o Diretório Nacional, que se reunirá em março — disse o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, da corrente Novos Rumos.

Para um público maior — os 1.300 delegados com direito a voto — será posto em debate, a partir de hoje (com votação amanhã), os documentos com diretrizes para o eventual governo de Dilma e a estratégia eleitoral para a campanha deste ano.

Os textos finalizados pelos dirigentes, e que já passaram pelo crivo do governo, dizem que Dilma terá “uma herança bendita”, que lhe permitirá enfrentar os críticos do “inchaço” da máquina pública e a “gastança” do governo. Reafirmam o fortalecimento da presença do Estado e os pilares da política econômica, e abordam questões polêmicas em praticamente todas as áreas, como a criação da Comissão da Verdade, a abertura de arquivos dos crimes da ditadura e a “democratização” da comunicação social.

Em meio a sugestões tão diversas e polêmicas, que podem assustar o eleitor conservador, petistas se antecipam e dizem que se trata de um documento do PT, e não do programa de governo de Dilma.

— Uma coisa é o programa do PT.

Outra coisa é o governo e o programa da ministra Dilma. O que vai ser colocado em votação são diretrizes que o PT vai sugerir para a candidata.

O governo não vai se meter nisso — garante Vaccarezza.

Entre os principais aliados na coalizão que sustentará a candidatura Dilma, o PMDB já está preparando um texto para servir de contraponto à proposta do PT.

— Não queremos fazer figuração ou mera numeração nessa coligação.

Queremos, com os outros partidos da aliança, propor um programa de consenso para o Brasil. Essas ideias do PT podem ser muito discutidas e aplaudidas por alguns, mas daí a prevalecerem num programa coerente de governo, são outros quinhentos — afirmou líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

Integrante da Executiva Nacional do PT e do grupo que discutiu os textos, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) concorda que nem tudo que o PT aprovar será incluído no programa de governo: — O PT deve apresentar a sua cara à sociedade e essa é a posição do PT.

Mas os idealizadores das diretrizes evitaram pontos que podem desgastar a candidatura de Dilma: o texto não faz menção, por exemplo, ao aborto.

No documento “Táticas eleitorais para 2010”, além de defender o “centralismo” em torno da candidatura de Dilma, os dirigentes pregam grande mobilização popular na eleição deste ano. E sugerem a realização de uma reforma politica, por meio de uma assembleia nacional constituinte — o que é visto com desconfiança pela oposição.

— É óbvio que, com essa correlação de forças, o que o PT quer é abrir uma brecha para implantar a ditadura do socialismo e se eternizar no poder.

Com uma constituinte tentariam aprovar as ideias mais retrógradas, como a censura, um novo plano de direitos humanos — diz o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Para cerca de 150 convidados internacionais que participam hoje do congresso, Dilma deverá sinalizar que dará continuidade à política externa adotada pelo governo Lula, se eleita. Estarão presentes representantes da esquerda europeia, do Vietnã, de Angola, além de enviados do Partido Socialista Unido da Venezuela, do presidente Hugo Chávez, e do PC cubano.

Uma opção radical... pelo centro ideológico :: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Basta um pouco de bom senso para rejeitar a ideia que se tenta impor, como senso comum, de que o governo Lula deu um passo à esquerda e que a ministra Dilma Rousseff dará a guinada final em direção a alguma coisa parecida com o ex-socialismo soviético, um capítulo arquivado da história que poucos líderes e partidos no mundo tentam ressuscitar. A chance de radicalização à esquerda numa coalizão como a que dá sustentação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva - e dará apoio a um governo Dilma, se o PMDB oficialmente apoiar a sua candidatura e se ela vencer a eleição - é quase próxima a zero. O debate sobre o tamanho e o poder de intervenção do Estado, que se tornou central depois da crise financeira mundial do ano passado, está sendo feito no interior do capitalismo e não é determinante para se apontar o grau de esquerdização de um candidato, de um governo ou de um partido.

O PT não está radicalmente ao centro como quando assumiu o governo, em 2003, mas as alianças feitas para ganhar eleição e governar não autorizam previsões de que o partido caminha inexoravelmente para a extrema-esquerda. Nenhuma tendência de esquerda do PT alimenta essa fantasia porque ela simplesmente não é razoável.

No primeiro governo de Lula, de 2003 a 2005, a gestão foi o produto de um "pacto de governabilidade" que impediu qualquer passo à esquerda, exceto uma política de transferência de renda que inicialmente soou apenas como política compensatória. Aliás, o Bolsa Família só ganhou corpo e se expandiu sem enfrentar uma forte oposição conservadora porque não esteve no centro das atenções até ter se consolidado como instrumento efetivo de distribuição de renda.

Daí foi impossível acabar com o programa.

No pós-eleições de 2002, o grupo de centro era amplamente hegemônico no PT e estava totalmente comprometido com a tarefa de mostrar ao mercado que seu governo era confiável, numa conjuntura de grave crise econômica e fuga de capitais. Não existia espaço para debates à esquerda. Esse partido que se fincava no centro era aliado, no governo, a outras pequenas agremiações à esquerda e à direita - era inevitável que o ponto de equilíbrio fosse o centro, com concessões eventuais à direita e à esquerda.

No segundo mandato, se a reeleição deu alguma sustentação ao presidente Lula para fazer uma inflexão à esquerda - quer como resposta à radicalização da oposição à direita, quer pelo fato de ter sido consagrado por uma população de baixa renda que é altamente penalizada em conjunturas de políticas econômicas conservadoras -, a aliança com o PMDB, que aderiu ao governo depois das eleições de 2006, colocou limites muito precisos a isso. O segundo governo Lula foi à esquerda do primeiro, mas nem tanto. O PMDB é um partido que, na sua trajetória pós-redemocratização, perdeu qualquer referência de esquerda e abriga bolsões ultraconservadores - a maior parte da bancada ruralista, a mais ativa oposição a qualquer política fundiária de qualquer governo, está abrigada naquele partido; lá se acomodam as principais lideranças regionais estaduais mais apegadas a antigas práticas de clientelismo. Os setores mais conservadores do PMDB tiveram protagonismo nas questões fundiárias - o ministro pemedebista Reinholds Stephanes (PMDB-PR) tem maior poder de influência do que Guilherme Cassel, ministro do Desenvolvimento Agrário e integrante da esquerda do PT; Stephanes tem ganhado também as quedas de braço com o Meio Ambiente. O PMDB também foi a referência conservadora na disputa entre o Ministério da Defesa e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), na questão da criação de uma Comissão da Verdade destinada a apurar excessos cometidos pelo aparelho de repressão do Estado.

O PMDB é o parceiro eleitoral que o PT quer e o governo e o partido têm feito todos os esforços para ter um pemedebista como vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff. Não existe razão alguma para imaginar que, se o PT vencer em outubro, um governo de Dilma terá enormes diferenças em relação ao seu antecessor. O PMDB se beneficia eleitoralmente de medidas populares de esquerda do governo Lula, mas os setores mais conservadores do partido estabelecem limites muito claros, que são os seus interesses. Existe uma certa organicidade nessa agremiação de centro partida em pedaços, que é a consciência de que a defesa dos interesses de grupos cimentam a unidade que dá a ela poder de barganha junto a qualquer governo. Como é uma grande agremiação, com grande peso no Congresso, isso tem muita importância na definição ideológica de um governo ao qual está aliado.

Internamente, o PT também tem maiorias consolidadas que por si só mantêm o partido longe dos discursos de ruptura do passado. A queda do Muro de Berlim, há 20 anos, foi um baque para todos os partidos de esquerda no mundo. Muito antes disso, a denúncia dos crimes de Joseph Stálin, em 1956, pelo governo soviético de Nikita Kruschev, já havia colocado a questão democrática no centro dos debates da esquerda mundial. O fracasso da esquerda armada no Brasil e na América Latina, e a vitória de brutais regimes militares de direita que praticamente dizimaram esses grupos revolucionários, são dados que se somaram e solidificaram um processo contínuo de aproximação das esquerdas brasileiras da ideia de socialismo democrático. Quando a democracia passou a ser o instrumento fundamental de formação de hegemonias para esses grupos, logicamente o limite de radicalização à esquerda fica muito claro, independentemente das alianças na política institucional que um partido que se diga socialista faça. Como toda essa água rolou desde que a UDN e os militares udenistas tomaram o poder pela força em 1964, com a justificativa de evitar que a esquerda fizesse uma revolução pela força, o discurso eleitoral que atribui a qualquer partido de esquerda hoje situado na política institucional brasileira intenções de ruptura é, no mínimo, fora de moda; no máximo, terrorismo político-eleitoral.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Com 36%, Ibope mostra Serra à frente da petista

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Realizada entre os dias 6 e 9 deste mês, pesquisa Ibope/Diário do Comércio registra uma vantagem de 11 pontos do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), sobre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), no cenário que inclui o nome do deputado Ciro Gomes (PSB) na disputa presidencial.

Segundo a pesquisa, Serra tem 36% da preferência contra 25% de Dilma. Como a margem de erros é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, Ciro aparece tecnicamente empatado com a pré-candidata do PV, Marina Silva. Ele tem 11%. Ela, 8%.

Na simulação que exclui o nome de Ciro, Serra conta com 41% das intenções de voto contra 28% de Dilma. Marina tem 10%.

Se o segundo turno fosse hoje, Serra venceria Dilma por 47% a 33%.

O Ibope ouviu 2002 eleitores em 144 cidades. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral sob o protocolo 3196/20.

IBOBE mostra Serra 11 pontos na frente de Dilma

AGÊNCIA ESTADO
Gustavo Uribe e Elizabeth Lopes

No cenário sem Ciro, Serra ganharia no primeiro turno

SÃO PAULO - Pesquisa Ibope/Diário do Comércio, encomendada pela Associação Comercial de São Paulo e realizada entre os dias 6 a 9 deste mês, indica que a corrida à sucessão presidencial de outubro continua polarizada pelos pré-candidatos do PSDB e do PT, respectivamente o governador de São Paulo, José Serra, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nessa mostra, Serra tem 36% das intenções de voto e Dilma 25%. Em terceiro lugar está o deputado federal Ciro Gomes (PSB) com 11%, seguido da senadora Marina Silva (PV) com 8%. O porcentual de votos brancos e nulos somou 11% e dos que disseram não saber em quem vai votar atingiu 9%.

A última pesquisa divulgada pelo Ibope foi no dia 7 de dezembro do ano passado. Na mostra, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Serra registrava 38% das intenções de voto, seguido de Dilma Rousseff com 17%, Ciro Gomes com 13% e Marina Silva com 6%. Naquela pesquisa, o porcentual de votos brancos e nulos atingiu 13% e dos que disseram não saber em quem votar ou não quiseram responder somou 12%.

No cenário sem Ciro Gomes, a pesquisa Ibope/Diário do Comércio aponta José Serra com 41%, Dilma Rousseff com 28%, Marina Silva com 10%, brancos e nulos 12% e não sabem ou não opinaram 9%.

Na simulação de um eventual segundo turno entre José Serra e Dilma Rousseff, o tucano lidera com 47% e Dilma registra 33%.

A maior rejeição apontada pela pesquisa é de Ciro Gomes, com 41%, seguido de Marina Silva com 39%, Dilma Rousseff com 35% e José Serra com 29%.

Continuidade

A pesquisa Ibope/Diário do Comércio avaliou também o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para 47% dos entrevistados, a administração de Lula é boa, para 29% é ótima, para 19% é regular, para 3% é péssima e para 2% é ruim.

A mostra indagou ainda o que os eleitores gostariam que o próximo presidente fizesse. Do total de entrevistados, 34% querem a total continuidade do atual governo, 29% querem pequenas mudanças com continuidade, 25% querem a manutenção de apenas alguns programas com muitas mudanças e 10% querem a mudança total do governo do País. Para 78% dos entrevistados, o presidente Lula é confiável, enquanto 18% disseram não confiar no presidente.

A pesquisa, que será divulgada nesta quinta-feira, 18, pelo Diário do Comércio, foi realizada com 2.002 eleitores em 144 municípios de todo o Brasil. O intervalo de confiança estimado é de 95% e a margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Esta pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral, sob o protocolo nº 3196/2010.

Igrejas tentam pautar os debates eleitorais

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Campanha da Fraternidade de 2010 critica os modelos econômicos que priorizam o lucro e o consumismo

Luiza Seixas


Com o tema Economia e Vida e o lema Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro, retirado do Evangelho de São Mateus, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) lançou ontem a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010. O objetivo manifesto é colaborar para a promoção de uma economia a serviço da vida, a partir de um esforço entre Igreja e a sociedade. Nas entrelinhas, há críticas ao modelo econômico, considerado excludente, e uma intenção de incluir os temas caros aos grupos religiosos na campanha eleitoral brasileira.

Entre os principais pontos previstos para enfoque estão a valorização das pessoas, a superação do consumismo e a relação entre economia e desigualdade social. “É importante que todos possam construir um bem comum, visando uma sociedade sem exclusão”, afirmou o secretário geral da entidade, Luiz Alberto Barbosa. Esta é terceira vez que a campanha é organizada pelo Conic, que reúne a Igreja Católica, a Luterana, a Anglicana, a Presbiteriana e a Católica Ortodoxa.

Segundo ele, o tema é estratégico, pois 2010 é ano eleitoral e, nas campanhas políticas, a economia é um dos principais assuntos. Como destacou, as igrejas, ao questionarem o atual modelo, que, segundo a entidade, tem gerado desigualdades, propõem que a sociedade reflita e, em outubro, esteja consciente de seus direitos e deveres e possa ajudar os políticos a pensar melhor na economia.

“Os candidatos precisam ver o que está dando certo para manter e mudar o que está errado para colocar o ser humano em primeiro lugar e não o lucro, que é o que a gente tem observado no país. O atual modelo econômico neoliberal tem feito com que as questões sociais fiquem em segundo plano. Nunca sobra dinheiro para a educação e a saúde, por exemplo, mas a preocupação em socorrer os bancos, aumentar os juros, a tributação e os impostos é sempre prioridade”, afirma.

Divórcio

Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, economista e ex-secretário de Política Econômica do governo Lula, o debate é importante, pois, no momento da crise econômica mundial, uma parcela grande de dinheiro internacional foi desviada para salvar os bancos e, com isso, áreas importantes acabaram sem recursos. “Dou toda razão para a campanha. Todo esse dinheiro daria para acabar com alguns problemas, como tirar a África da miséria, resolver as preocupantes questões ambientais e melhorar a educação e a saúde no mundo. Porém, não posso negar que a alternativa de não socorrer os bancos pioraria ainda mais a situação econômica mundial”, destaca.

Ele afirmou ainda que é preciso lembrar a toda a população que a economia, os bancos e o sistema financeiro não são um fim em si. “É preciso tentar atingir os objetivos das pessoas e da vida. Para isso é que serve a economia. Porém, nesse momento de crise, nos divorciamos desse processo”, reconhece.

"Se a campanha dissesse que a corrupção prejudica, eu concordaria. É a corrupção que tira o dinheiro dos impostos que poderiam ser aplicados, por exemplo, na saúde e na educação"

(Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central)

Rede de proteção

Economista e ex-diretor do Banco Central, Carlos Eduardo de Freitas não vê o Brasil tendo um sistema de capitalismo neoliberal extremado e, sim, um modelo econômico de livre iniciativa. Segundo ele, o país tem uma das maiores redes de proteção social que existem no mundo, materializada no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e no Sistema Único de Saúde (SUS). “O Brasil não é um modelo neoliberal de capitalismo selvagem. Temos uma rede de proteção social, Bolsa Família, ensino público e sistema de saúde. É claro que alguns pontos são defeituosos, mas existem e, portanto, podem ser melhorados”, disse.

Ele defendeu ainda que a campanha teria efeito maior caso o foco fosse contra a corrupção que, como destacou, ainda é grande. “A população não pode ser contra os tributos altos, pois são eles que pagam o SUS, a educação, a aposentadoria das pessoas idosas, o auxílio-doença e muito mais. Então, há uma incompreensão. Se a campanha dissesse que a corrupção prejudica, eu concordaria e o trabalho teria um objetivo melhor. É a corrupção que tira o dinheiro dos impostos que poderiam ser aplicados, por exemplo, na saúde e na educação. É importante que não haja corrupção nos órgãos do governo”, afirmou o economista.

Para Freitas, o sistema de livre iniciativa do Brasil tem os seus defeitos, mas as qualidades são maiores e superam os pontos negativos. “Basta ver nos anos do governo Lula que são muitas as pessoas que passaram das classes D e E para a C, nível de classe média. Então, esse sistema é eficiente. É claro que tem defeitos, que às vezes são perversos, mas para isso existem as redes de proteção social, como o SUS e o INSS”, conclui.

PSDB vai carimbar de ''herança maldita'' contas externas do governo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Documento aponta deterioração na balança comercial e prevê que novo presidente receberá País com déficit recorde

Julia Duailibi

Oito anos após a eleição de 2002, quando foram acusados por petistas de deixar uma "herança maldita" na área econômica, os tucanos apostam agora na expressão para atacar pontos da política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva. No mais recente boletim de conjuntura, elaborado pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV), espécie de think tank ligado aos tucanos, técnicos do partido alertam para a situação das contas externas, dando o tom do que será explorado politicamente pela oposição no debate econômico em ano eleitoral.

Intitulada Com PT, País torna-se mais dependente do exterior, a publicação quinzenal do instituto, chamada Brasil Real, ataca o atual déficit em conta corrente, "em franca deterioração", prevendo um rombo de US$ 60 bilhões até dezembro - o mercado fala em US$ 50 bilhões. "O saldo da balança comercial só faz minguar. Tudo somado, parece certo que a gestão petista legará ao próximo presidente uma situação de déficit externo recorde, verdadeira "herança maldita" para o futuro do País", diz a carta, enviada semana passada para a bancada do partido no Congresso como subsídio ao discurso político do PSDB.

O déficit em conta corrente, somado à política fiscal do governo federal, já ocupa o lugar de principal alvo da política econômica atual e é, portanto, tema obrigatório da agenda da oposição. Ganhou força nos últimos dias com o aumento do debate em torno do crescimento da dívida de países europeus, principalmente a da Grécia. "Com as crescentes suspeitas sobre a solvência de vários países europeus, a instabilidade econômica mundial dá sinais de não ter sido definitivamente superada", afirma a carta.

Mas, apesar do diagnóstico consensual de fragilidade das contas externas, há no PSDB discussões sobre a conveniência de criticar a política econômica de Lula. Os ataques, avalia-se, dariam munição ao governo, que já propaga que haverá mudanças na condução da economia caso os tucanos vençam. A tese baseia-se, especialmente, em declaração feita pelo presidente do partido, Sérgio Guerra, à revista Veja, quando falou de alterações na economia.

PATERNIDADE

O texto publicado pelo ITV fala no "mais alto déficit externo da história", ultrapassando os 4,3% do PIB, durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "A gestão Lula está rifando o futuro e transferindo empregos para o exterior. Esta será mais uma das "heranças malditas" que o governo do PT legará ao próximo presidente", diz o texto.

Especialistas apontam uma combinação entre as políticas fiscal e monetária promovidas pelo governo como responsável pelo déficit - entre 2003 e 2007 houve superávit nas contas externas, que medem a capacidade do País se financiar e honrar seus compromissos externos.

"Há uma mistura inadequada política fiscal com a política monetária que acaba terminando em déficit", disse Simão Silber, professor do departamento de economia da Faculdade de Economia e Administração da USP. "Há gastos em demasia e poupança baixa. Com excesso de gastos, alguém de fora tem de trazer recursos para fechar a conta", completou Silber. O governo aponta o alto nível das reservas internacionais - mais de US$ 240 bilhões - para dizer que a situação não é de risco.

Para os economistas, a política fiscal expansionista é responsável pelo déficit. Mais gastos levam a pressão inflacionária. O Banco Central aumenta os juros para conter a inflação, o que aprecia o câmbio e, portanto, causa queda nas exportações.

Tucanos e petistas trocam acusações sobre a "herança maldita". FHC disse, em recente artigo no Estado, que o País pagou um custo graças a "anos de bravata" do PT. Petistas rebatem e dizem que arrumaram a casa deixada pelos tucanos.

Petrobras volta a importar gasolina após 30 anos

DEU EM O GLOBO

Com consumo maior, por causa dos preços elevados do álcool, país compra de 2 milhões de barris da Venezuel

Ramona Ordoñez

A Petrobras foi obrigada a voltar a importar gasolina depois de permanecer cerca de 30 anos autossuficiente do combustível. A companhia comprou uma carga de dois milhões de barris — suficientes para cerca de cinco dias de consumo — da Venezuela, por aproximadamente US$ 140 milhões.

O diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, explicou que a a importação foi necessária devido ao forte aumento do consumo da gasolina que vem ocorrendo nos últimos meses, em decorrência dos elevados preços do álcool.

O diretor garantiu que a decisão de importar gasolina foi econômica. Ele explicou que, na avaliação da companhia, foi mais vantajoso importar gasolina e manter a produção nacional de nafta petroquímica e óleo diesel, produtos que têm preços mais elevados.

Novas aquisições vão depender de avaliação A decisão de novas compras de gasolina vai depender, segundo Costa, dessa análise: — Foi uma decisão econômica, pois é mais vantajoso produzir óleo diesel e nafta no país e importar gasolina.

O diretor explicou que, desde setembro do ano passado, os preços do álcool vêm subindo, apesar da época de safra da cana-de-açúcar. Isso fez com que o álcool deixasse de ser vantajoso como combustível, levando os consumidores a optarem pela gasolina.

Em janeiro, segundo Costa, o consumo de gasolina cresceu entre 12% e 15%. Por caus a da tendência observada nos últimos meses do ano passado, a Petrobras vinha reduzindo suas exportações de gasolina, que giravam em torno de 100 mil barris por dia. Em janeiro, elas foram totalmente suspensas.

Os produtores de álcool se justificam citando as fortes chuvas, que prejudicaram o corte da cana no Sudeste, e o aumento dos preços do açúcar no exterior.

Demanda de gasolina tende a crescer A demanda de gasolina deve continuar forte, considerandose que em fevereiro foi reduzido o percentual do álcool adicionado ao combustível de 25% para 20%. O governo federal tomou essa decisão justamente para forçar uma redução nos preços do álcool.

Mercado já projeta inflação a 4,80% este ano, com alta de juros em março

DEU EM O GLOBO

Focus eleva estimativa para PIB a 5,47% em 2010. Bolsa de SP avança 2,17%

Patrícia Duarte e Bruno Villas Bôas*

BRASÍLIA, RIO e NOVA YORK. As expectativas do mercado sobre a inflação neste ano estão cada vez piores, aumentando as chances de o Comitê de Política Monetária (Copom) elevar a taxa básica de juros já na próxima reunião, em março. Segundo pesquisa Focus do Banco Central (BC) divulgada ontem, os economistas agora calculam que o IPCA fechará este ano a 4,80% — contra 4,78% anteriormente —, cada vez mais distante do centro da meta para o período, de 4,50%.

Até as projeções para os preços administrados pioraram, depois de ficarem estáveis por 26 semanas. Agora, o mercado projeta essa inflação em 3,55%, 0,05 ponto percentual a mais que anteriormente.

Os IGPs também foram elevados, superando 5%. A projeção para o IGP-M, por exemplo, passou de 4,84% para 5,26% em 2010. As pressões nos preços continuam vindo dos alimentos e, agora, o dólar pode começar a pesar. Para o mercado, a moeda americana deve fechar a R$ 1,80 este ano e a R$ 1,85 em 2011.

Por enquanto, os especialistas continuam apostando que a Selic — hoje em 8,75% ao ano, estável desde julho — encerrará 2010 a 11,25%, sendo que o BC voltaria a subi-la em abril. Mas existem apostas de que esse movimento começará em março, na próxima reunião do Copom. Além dos alimentos e do câmbio, o forte ritmo da atividade econômica influencia as expectativas de inflação, com a demanda crescendo mais que a oferta.

Segundo o Focus, o mercado calcula que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) este ano será de 5,47% — até então, eram 5,35% — e, em 2011, 4,50%. A estimativa para a produção industrial é de expansão de 8,55% neste ano e de 4,85% em 2011.

No campo externo, as projeções também pioraram. Para o déficit em transações correntes, passou de US$ 48 bilhões para US$ 50,05 bilhões, atingindo US$ 57,81 bilhões em 2011. Para investimentos estrangeiros diretos, as estimativas permaneceram em US$ 38 bilhões para 2010 e em US$ 40 bilhões para o ano que vem.

Dólar recua 1,67%, cotado a R$ 1,828 Na volta do feriado de carnaval, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) teve um dia de ajuste com os mercados externos. O Índice Bovespa (Ibovespa) fechou em alta de 2,17%, aos 67.284 pontos. O dólar comercial perdeu força e recuou 1,67%, a R$ 1,828.

Com o pregão aberto às 13h, o mercado corrigiu sua defasagem com as bolsas da Europa e dos EUA, que subiram na véspera puxadas pelo lucro do banco inglês Barclays. Dados divulgados ontem nos EUA também animaram os investidores.

A construção de imóveis subiu 2,8% em janeiro, para o maior patamar em seis meses. E a produção industrial avançou 0,9%, a sétima alta consecutiva.

Em Nova York, o índice Dow Jones fechou em alta de 0,39%, e o Nasdaq, de 0,55%.

— Tiraram um bode da sala, que era a Grécia. Existe preocupação com outros países da Europa, mas notícias positivas estão prevalecendo nesses dias — disse Pedro Galdi, analista da SLW Corretora.

A ação Petrobras PN (preferencial, sem direito a voto) teve alta de 1,33%, cotada a R$ 34,25. Já a Vale PN fechou com ganho de 3,63%, a R$ 44,29. Outros destaques foram AmBev PN (5,84%), MMX Mineração (5,36%) e Natura (5%). Já as maiores quedas foram Redecard ON (1,23%), Brasil Telecom PN (1,14%) e Telemar PN (1,1%).

(*) Com agências internacionais