sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Processo distorcido:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A briga no Congresso por vagas no Ministério, da maneira como se dá, é uma deturpação dos valores do presidencialismo e indica mais uma tendência ao patrimonialismo e ao fisiologismo do que propriamente uma disputa de poder, já que, na teoria, um parlamentar que vai para o Ministério abre mão de exercer um papel efetivo como membro de um dos poderes da República para aceitar um papel secundário num outro poder.

O hiperpresidencialismo, regime político caracterizado pelo excesso de poderes concedido pelo Congresso ao Executivo, está em pleno vigor na organização do Ministério do futuro governo Dilma Rousseff.

Tanto ela quanto Lula exercitam seus poderes, cada um à sua maneira. O presidente em exercício tenta prolongar seu comando para além de seu mandato, e a presidente eleita procura dar sinais de que não será manipulada nem pelos partidos aliados nem pelo presidente Lula.

O nosso presidencialismo de coalizão, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches, pode funcionar tão efetivamente quanto o parlamentarismo, demonstram estudos acadêmicos que medem o grau de fidelidade partidária dos partidos-membros da coalizão governamental desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

Mas cada presidente dá seu toque pessoal na maneira como compõe seu ministério e assume compromissos com os partidos da base.

A desagregação cada vez maior dos partidos políticos, e a abrangência sempre ampliada da base governista, com um agrupamento disparatado de partidos que não fazem liga programática, mas fisiológica, leva a que a composição ministerial obedeça cada vez mais a interesses esparsos e pessoais, e os políticos fiquem apenas com a aparência de poder.

Um sinal claro é que, no núcleo decisório do governo Dilma, não há ninguém eleito pelo voto, embora todos sejam da máquina partidária petista.

Como não estamos no parlamentarismo, a maneira como os partidos negociam seus pedaços de poder os transforma em meros coadjuvantes, que não palpitam - e nem desejam - nas diretrizes que porventura vierem a ser adotadas pelo governo a que aderiram por mero desfrute do poder.

Há raras exceções, que só confirmam a regra. É o caso do ex-governador do Amazonas Eduardo Braga, eleito senador. Recusou ser o futuro ministro da Previdência Social simplesmente porque, quando o sondaram, ninguém lhe disse qual era o plano para o setor.

E ele se diz a favor de uma reforma previdenciária, tema que ficou de fora da campanha presidencial porque nenhum dos candidatos se atreveu a dizer a seus eleitores que ela é necessária.

O finalmente escolhido, senador reeleito Garibaldi Alves, não tem a menor ideia do que fazer na pasta e só foi parar lá para deixar o caminho aberto para a recondução à presidência do Senado de José Sarney.

Outro que também está resistindo é o senador eleito Antônio Carlos Valadares, mas quase certamente ele se tornará ministro para que sua vaga seja preenchida pelo suplente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Esse é o típico caso em que se quer corrigir no canetaço o que as urnas vêm rejeitando.

José Eduardo Dutra tem um problema sério com a família Alves, de Sergipe, estado onde atua politicamente, mas principalmente com os eleitores, que teimam em não o eleger.

Disputou o governo de Sergipe em 1990 e foi derrotado por João Alves. Eleito senador em 1994, ao final dos oito anos de mandato candidatou-se novamente ao governo de Sergipe e foi derrotado de novo por João Alves.

Como prêmio de consolação, foi nomeado presidente da Petrobras em 2003. Tentou eleger-se senador novamente em 2006 e, dessa vez, foi derrotado por Maria do Carmo Alves, mulher de João Alves.

Ganhou outro prêmio de consolação, a presidência da Petrobras Distribuidora, de onde saiu para presidir o PT, com mandato até 2012. E finalmente pode retornar ao Senado pelas mãos da presidente eleita, Dilma Rousseff.

Todos os políticos que se digladiam por uma vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam, em teoria, renunciar aos mandatos, não podem servir ao Poder Executivo no exercício do cargo para o qual foram eleitos.

O então senador Aloizio Mercadante teve essa noção rara em político brasileiro e, no primeiro governo Lula, não quis ocupar um ministério porque fora eleito para o Senado por mais de dez milhões de votos e não quis abrir mão do mandato popular.

No presidencialismo, deputados e senadores eleitos governam o país no Parlamento, no Congresso, como parte principal de um dos poderes da República.

Para ser presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás em 2002, teve que renunciar ao mandato.

Abrindo mão do mandato, passam a exercer papel secundário do Poder Executivo, mais secundário ainda quanto mais forte for o presidente da República.

Mas raros são os que têm essa percepção ou essa visão da política. A maioria quer um ministério para, a partir dele, fazer política própria, e não para ajudar a implementar um programa de governo previamente aprovado nas urnas.

E ainda encontram brechas para manter alguns privilégios que o mandato parlamentar lhes confere, como passagens de avião, por exemplo, quando isso era possível, e o salário. E, de quebra, a possibilidade de voltar ao Congresso caso deixem o ministério, por vontade própria ou demissão.

Como os parlamentares ganham mais que os ministros, geralmente estes preferem manter seus salários originais.

O ex-deputado José Dirceu é exemplo desse procedimento, que por sinal lhe custou muito. Ele tentou no Supremo Tribunal Federal anular seu processo de cassação na Câmara dos Deputados sob a alegação de que, sendo chefe da Casa Civil da Presidência, e não estando exercendo o mandato parlamentar, não poderia ser cassado por quebra do decoro parlamentar por fatos acontecidos naquela ocasião.

Mas ele tinha optado por receber o salário de deputado e desistira de continuar participando do conselho da Petrobras porque o artigo 54 da Constituição Federal afirma que, a partir da diplomação, um deputado ou senador não pode exercer, sob penas de perda de mandato, funções remuneradas em órgãos da administração pública, como fundações, empresas estatais, empresas públicas e autarquias.

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