domingo, 26 de setembro de 2010

Tráfico de influência com conta no exterior

DEU EM O GLOBO

Quícoli, que denunciou esquema na Casa Civil, diz que propina iria para Hong Kong

Tatiana Farah

SÃO PAULO - O esquema de tráfico de influência instalado na Casa Civil contaria até com duas contas em Hong Kong, na China, para onde deveriam ser enviadas as propinas pagas pelas facilidades obtidas, segundo o empresário Rubnei Quícoli, de Campinas. Esse esquema seria comandando pelo ex-diretor de Operações dos Correios Marco Antonio de Oliveira, seu sobrinho Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, e Israel Guerra, filho da exministra da pasta Erenice Guerra.

A denúncia, que consta de reportagem da revista Veja desta semana, foi confirmada ontem por Quícoli. O empresário que, em parceria com as empresas de energia EDRB e KVA, tentava um empréstimo de R$ 9 bilhões no BNDES enviou ontem ao GLOBO, por email, os números de duas contas no HSBC de Hong Kong, em nome de Right Day Enterprises Limited e Tartar International Limited, que seriam do genro de Marco Antonio, o empresário Roberto Ribeiro. Este negou ao GLOBO ter passado os dados com o propósito de que fosse depositado dinheiro fruto de propina, mas confirmou ter se reunido com Quícoli.

Pedido de propina de R$ 5 milhões

Segundo Veja, Marco Antonio chegou a pedir que o genro, que mora em Miami, viesse ao Brasil para se reunir com Quícoli. O encontro, conta a reportagem, ocorreu em 12 de junho, no Hotel Inter Continental da Alameda Santos, em São Paulo.

Essa conta (no exterior) é do genro do Marco Antonio. Após o Vinícius não ter sucesso comigo, o M.A. (como Marco Antonio é chamado) tomou frente para arrecadar R$ 5 milhões dizendo que seria para a Erenice apagar um incêndio dela e da Dilma e outro valor não mencionado pelo M.A. para ajudar na campanha do Helio Costa respondeu Quícoli, por e-mail, ao GLOBO.

O e-mail de Ribeiro a Quícoli é datado de 25 de maio deste ano.

No dia 6 de maio, Quícoli já havia recebido um e-mail que seria de Vinícius, em que é apresentada uma conta para depósito no Brasil, em nome da Synergy Assessoria e Consultoria Empresarial LTDA, de Brasília.

No texto, Vinícius pede que, tão logo possível, (Quícoli) encaminhe minuta do contrato para levarmos ao jurídico e providenciarmos o preenchimento da respectiva nota fiscal.

Primeiro, o Vinícius me enviou essa conta (a da Synergy). Eu enrolei e, lógico, não aceitei jamais respondeu Quícoli ao GLOBO.

O contrato seria feito com a Capital Assessoria, empresa da mãe de Vinícius Castro e de Saulo Guerra, outro filho de Erenice Guerra. O serviço prestado pela Capital seria a intermediação do empréstimo no BNDES para a construção de uma usina de energia eólica no Nordeste do país.

O grupo de lobistas teria se contentado em receber R$ 5 milhões para viabilizar o empréstimo. Esse é o dinheiro que deveria ter sido depositado nas contas de Hong Kong. Segundo Veja, os números das contas no exterior foram oferecidos a Quícoli como uma opção mais discreta para o recebimento da propina. Quícoli, porém, afirma que não aceitou a proposta e não pagou a propina. Segundo o empresário, o empréstimo do BNDES foi suspenso depois que ele se negou a pagar pelo lobby.

Apesar de negociar com a Capital, Quícoli já afirmara ao GLOBO que nunca se encontrou com os irmãos Saulo e Israel Guerra, filhos de Erenice.

Mas disse que participou de várias reuniões na Casa Civil, a primeira com a então secretária do ministério, Erenice Guerra. Na ocasião da entrevista, Quícoli disse não saber se os R$ 5 milhões pagariam dívidas de campanha, nem se Dilma e Erenice sabiam do pedido milionário: Não me disseram que era (para cobrir) um rombo da campanha.

Acho que eram dívidas particulares.

Alguma coisa assim que o partido não tinha como sustentar.

Acho que eram coisas particulares e não tinham nada a ver com o partido, em si. Ele (Marco Antonio) me disse que era dos três, na verdade, Dilma, Erenice e Helio Costa.

Ex-braço direito de Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, Erenice negou ter permitido um esquema de facilitações a empresas na Casa Civil. O PT ingressou com uma ação na Justiça Eleitoral contra o empresário de Campinas, alegando calúnia e difamação contra o partido.

Helio Costa também negou ter pedido dinheiro. O BNDES negou a existência de lobby para favorecer as empresas ligadas a Quícoli.

Veto foi estopim da denúncia

Perguntado sobre sua motivação e a data escolhida para fazer a denúncia, publicada pela Folha de S. Paulo há duas semanas, o empresário respondeu que aproveitou o momento das denúncias do empresário Fabio Baracat sobre a Capital: Como uma ministra coloca os filhos dela lá para viabilizar aporte de R$ 9 bilhões? Quando vi que o contrato que eu tinha, da empresa (Capital), era a mesma, conversei com a empresa (ERDB) e falei: vou me manifestar.

Primeiro, chequei no BNDES e deu que o meu projeto estava totalmente anulado. Daí, deu a entender que, realmente, o poder deles, por eu não ter assinado o contrato, foi de vetar.

Foi o estopim para mim.

Empresário diz que foi usado

Ribeiro confirma encontro, mas nega envolvimento em propina

BRASÍLIA. O empresário Roberto Ribeiro confirmou ontem ao GLOBO, por telefone, que foi apresentado a Rubnei Quícoli por intermédio de seu sogro, o ex-diretor dos Correios Marco Antônio de Oliveira, no primeiro semestre deste ano. Segundo Ribeiro, que mora em Miami e tem uma locadora de carros e uma empresa de tabaco, Quícoli estaria interessado em investir em sua empresa.

Para tanto, teria US$ 30 milhões no banco Mitsubishi, no Japão.

Segundo Ribeiro, em momento algum do encontro houve menção a eventual pagamento de propina ou repasse de recursos à ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ao seu filho Israel ou à campanha de Dilma Rousseff.

Antes de os dois se conhecerem pessoalmente, o que ocorreu em junho, num hotel em São Paulo onde Ribeiro estava hospedado, Marco Antonio de Oliveira fizera a ponte entre ambos. Por causa disso, disse Ribeiro, ele enviou a Quícoli, a quem nunca vira antes, dados de duas contas que mantém em Hong Kong.

A informação adiantada, prática pouco usual no mundo dos negócios que não foram concretizados, serviria para que Quícoli pudesse checar se haveria possibilidade de transferência dos recursos do Japão para Hong Kong.

A reunião entre Ribeiro, Quícoli e Oliveira se deu em 12 de junho. Na ocasião, relembra o empresário, seu sogro nada falou. Quícoli, relembrou Ribeiro, queria saber quanto ganharia com o investimento e deu a entender, de acordo com o empresário, que queria um adiantamento.

Eu lhe disse que só poderia lhe dar algum retorno financeiro depois que começássemos a dar lucro afirmou Ribeiro, desmentindo que tenha vindo ao Brasil somente para a reunião, e alegando um compromisso pessoal, na região de Sorocaba (SP).

Ribeiro disse que Quícoli, depois, informou-lhe que não era possível fazer a transferência do dinheiro no Japão para os bancos em Hong Kong. Após o encontro no hotel, os dois, segundo Ribeiro, não voltaram a se falar. Ribeiro declarou que acabou realizando investimentos sozinho na firma, comprando máquinas para sua empresa em Hong Kong e na França, numa transação de US$ 1,8 milhão.

Ribeiro negou que no encontro em São Paulo tenha tratado de pagamento de propina ou doação para a campanha política de Dilma ou ao candidato ao governo de Minas Gerais, Hélio Costa, como afirmou Quícoli.

Não se tocou no nome de Dilma, de Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil), ou de Israel (Guerra, filho de Erenice, acusado de tráfico de influência).

Para Ribeiro, se o objetivo do encontro era facilitar o pagamento de eventual propina por meio de suas contas em Hong Kong, ele foi usado.

Se o que estão dizendo é verdade, eu fui usado, inclusive pelo meu sogro. Prefiro não acreditar nisso afirmou.

Entenda o caso

Ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra deixou o cargo no dia 16 deste mês, após seu filho, Israel Guerra, ter sido acusado de tráfico de influência. Segundo as denúncias, a Capital Consultoria e Assessoria, a qual Israel foi ligado e pertence a seu irmão, prestou serviços para a Anac em 2009, e teria apressado a renovação da concessão da Master Top Airlines (MTA), que este ano fechou contrato, sem licitação, de R$ 19,6 milhões com os Correios. Segundo a Folha de S. Paulo, Israel participou ainda de reuniões com representantes da EDRB do Brasil Ltda, que tentava financiamento do BNDES. A EDRB foi aconselhada a procurar a Capital, que teria mediado uma audiência, em novembro de 2009, com Erenice. A Casa Civil confirma a reunião, mas nega que ela tenha participado.

Os donos da EDRB, Aldo Wagner e Marcelo Escarlassara, e o consultor da empresa, Rubnei Quícoli, dizem que foram informados que a empresa teria acesso a um financiamento de R$ 9 bilhões do BNDES, desde que pagassem uma comissão pela intermediação.

Vinícius Castro, assessor da Casa Civil que pediu demissão depois de uma reportagem da Veja, teria, segundo a Folha de S. Paulo, viabilizado o encontro entre Quícoli e Erenice, e foi apresentado a Quícoli por Marco Antônio de Oliveira, seu tio.

Enquanto Erenice esteve no governo, alguns parentes assumiram cargos públicos, entre eles o marido, que trabalhou na Eletronorte, e os irmãos, que ocuparam cargos no Ministério das Cidades, na Controladoria Geral da União e na Empresa de Pesquisa Energética.

Um comentário:

Rubnei Quícoli disse...

Muito bem explicado.....mesmo alguns tópicos comentados pelo RR não exercer a verdade de sua visita no dia 12.