sábado, 24 de julho de 2010

Sem competição, melhor parar as máquinas::Alberto Dines

DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

A questão não é bairrista ou regional, é institucional, estratégica: este país-continente, diversificado, vital, ainda incógnito, necessita de uma imprensa nacional. Já tem uma mídia que cobre seus quatro cantos – as redes de TV, abertas e privadas –, mas TV é um espetáculo capaz de condicionar padrões, incapaz de irradiar conceitos.

Falta uma imprensa – mídia impressa – diária ou semanal, atenta e responsável, voltada para a missão de desomogeneizar e requalificar a mensagem televisiva oferecendo outros teores, sabores, sentidos. A rede regional de jornais, herdeira de um admirável passado, salvo raras e honrosas exceções não consegue cumprir esse papel porque está associada a emissoras afiliadas às redes televisivas.

Este problema não existe nos EUA e não adianta chorar: a simples clonagem da regulação ianque é uma maravilhosa utopia tão irrealizável quanto a nossa propalada reforma eleitoral.

A costura do país só poderá ser feita por um jornalismo impresso efetivamente nacional. Nossos semanários já cumpriram este papel num passado recente. Perderam o apetite. Iludiram-se com as maquinetas do gênio Steve Jobs, que no outro dia botou a mão na cabeça (não tem cabelos para arrancar) e declarou patético: "Não somos perfeitos!".

Referência nacional

Temos três jornais ditos nacionais (pela ordem alfabética para não ferir suscetibilidades –Estadão, Folha, Globo), mas é imperioso reconhecer que são, no máximo, veículos de referência nacional, influenciam de raspão as elites locais. Durante algumas décadas, dos anos 50 aos 90 do século passado, o Jornal do Brasil fez parte e em certo momento capitaneou o pelotão de diários nacionais. O nome ajudava. Além disso, o Departamento de Circulação tinha como objetivo converter o JB na segunda opção do leitor das capitais estaduais.

O Globo, apesar da versatilidade, sempre teve uma imagem metropolitana, carioca; Folha e Estadão são marcadamente paulistanos e não apenas pelos respectivos títulos.

Seus cadernos locais são mistificações, muda-se o nome do caderno e ele continua absolutamente paulistano, jardineiro ou jardinense (relativo aos bairros chiques, os Jardins).

O anúncio da liquidação do JB aumenta de forma dramática a concentração no segmento dos "quality papers" justo no momento em que a expansão econômica promove uma salutar ascensão social. A base da pirâmide está sendo atendida por uma imprensa popular extremamente competente, ágil, geograficamente diversificada, mas no topo o processo revela-se perigosamente estagnado, não obstante as periódicas piruetas no visual.

Revoluções jornalísticas

A imprensa diária paulista não tem tradição federal, seus méritos e atributos são outros e muitos. A mudança da capital em 1960 demorou para completar-se e no âmbito do jornalismo diário começou a se materializar quinze anos depois, em 1975, quando a Folha fez a segunda mais duradoura revolução jornalística: a valorização do material opinativo. A primeira foi a reforma do JB em 1956.

O lançamento do Jornal da Tarde quase uma década depois (1965, projeto tocado pelo mineiro-carioca Murilo Felisberto, comparável ao brilho da Semana de Arte Moderna) não influiu nacionalmente porque a empresa O Estado de S. Paulo jamais demonstrou vocação para cruzar as fronteiras do estado. Acreditava na imanência do vigor paulista e a considerava suficiente para impor-se ao país.

A Editora Abril foi a única empresa jornalística paulista montada para explorar estrategicamente a dimensão do país. Não poderia ser diferente, já que especializou-se em revistas, gênero obrigatoriamente nacional. Quatro Rodas, Cláudia, Realidade, Veja e, depois, Playboy estabeleceram novos contextos e novos paradigmas jornalísticos e culturais. A revolução feminista no Brasil foi em grande parte inspirada pela psicanalista Carmen da Silva em Cláudia; o mensário Realidade desvendou o gênero "grande reportagem" que os grandes diários do país não tiveram estofo para imitar e continuar. Veja driblou a fatalidade de ter sido lançada pouco antes do funesto AI-5 e nas duas primeiras décadas de sua existência ofereceu à elite nacional a oportunidade de nivelar por cima.

Imprensa cosmopolita

O esvaziamento do Rio de Janeiro relaciona-se em grande parte com a perda da sua capacidade de "falar" com o Brasil. A imprensa carioca, mesmo depois da mudança da capital e durante a ditadura, continuou centralizando o país e alimentando a indústria cultural com seu cosmopolitismo. Esta matriz esgota-se rapidamente.

O arrendamento pelo empresário Nelson Tanure fez do Jornal do Brasil um jornal de bairro. E livrou o concorrente, O Globo, da obrigação de substituí-lo. Não foi o formato berliner (tablóide mais alongado) que apequenou aquele gigante arruinado (o esplêndido jornal espanhol El País usa o mesmo desenho). A causa mortis do JB foi o modelo de negócio imposto pelos arrendadores e inspirado no vampirismo, na rapinagem de moribundos.

A imprensa brasileira precisa de empresários qualificados e apaixonados por seu negócio. Só eles apostam na competição, só eles terão coragem de abandonar os pools corporativos. Sem competição, melhor parar as máquinas.

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Em tempo: especialistas em Nelson Tanure não descartam a possibilidade de uma derradeira astúcia deste especialista em astúcias. O largo intervalo de 50 dias entre o anúncio do fim da versão impressa e a completa parada das rotativas – 14/7 a 1/9 – teria sido concebido justamente para permitir que a onda de protestos venha a criar as condições psicológicas para uma operação emergencial de salvamento. Qualquer solução para salvar o Jornal do Brasil será bem-vinda. Desde que sem a participação de Nelson Tanure – o mestre é capaz de matar o cadáver duas vezes.

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