quarta-feira, 7 de julho de 2010

Nem o Barão nem o Chefão:: Rolf Kunts

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dom Vito Corleone jamais cursou uma faculdade e nunca foi diplomata, mas sabia falar com economia e precisão. Dava um recado sério quando usava as palavras "só negócio, nada pessoal". Falta essa clareza à diplomacia brasileira, talvez porque a sua percepção dos interesses e valores seja menos clara que a do chefão criado por Mario Puzo. O chanceler Celso Amorim teve uma educação e uma experiência internacional inacessíveis ao velho mafioso, mas seu discurso é muito menos convincente. "Negócios são negócios", disse o ministro à imprensa brasileira, na Guiné Equatorial, para explicar - e justificar - a boa vontade do governo brasileiro em relação ao ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.

A Guiné Equatorial foi a segunda escala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem à África iniciada no último fim de semana. Foi uma visita de Estado e o presidente africano foi convidado, como era previsível, a retribuí-la. Este convite foi um dos poucos detalhes normais nessa operação diplomática. A maior parte dos outros atos só se explica pela combinação das duas marcas principais da diplomacia petista, a vocação para as trapalhadas e a atração pelo autoritarismo.

O mau uso da palavra "negócio" nas explicações do chanceler brasileiro reflete essa dupla característica da atual política exterior. Para começar, o governo brasileiro pagou certamente mais que o necessário para promover os interesses do País na relação com a Guiné Equatorial. Quase nulo até o ano 2000, o comércio bilateral chegou a US$ 414,22 milhões em 2008 e no ano seguinte, em consequência da crise, recuou para US$ 302,84 milhões. A Guiné tem sido superavitária, exportando hidrocarbonetos e importando alimentos e produtos industriais do Brasil. Só para equilibrar o intercâmbio, os brasileiros deveriam exportar uns US$ 200 milhões a mais.

Há, portanto, boa margem para expansão das trocas. Um bom trabalho de promoção de comércio e investimentos poderia facilitar o aumento dos negócios. Mas o governo brasileiro aceitou pagar um sobrepreço por esse resultado. Comprometeu-se a apoiar o ingresso da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, embora esse idioma não seja o seu idioma corrente. Além disso, o presidente Lula e seu colega Obiang "renovaram", na declaração conjunta, "sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito dos direitos humanos e ao Estado de Direito". Poderia ser uma boa piada, se o presidente Lula não envolvesse nessa jogada o nome do Brasil.

Não houve nesse lance nem a fidelidade a princípios, nem o cálculo estritamente realista. As melhores tradições da diplomacia brasileira foram abandonadas em 2003, quando o presidente Lula recauchutou a velha bandeira do terceiro-mundismo. O distanciamento aumentou quando o governo passou a usar essa bandeira para promover uma ambição irrealista de liderança em relação aos países em desenvolvimento.

Os preços pagos por uma liderança nunca reconhecida de fato fora das fronteiras do Brasil foram sempre muito altos. O governo brasileiro se dispôs a engolir e a justificar desaforos dos parceiros sul-americanos, como se isso bastasse para consolidar sua preeminência regional. Nunca deu certo.

No comércio, a retribuição veio na forma de barreiras contra produtos brasileiros e de aumento de importações da China. No campo dos investimentos, houve ações contra interesses da Petrobrás e tentativas de rompimento de contratos. Na articulação diplomática, o Brasil colecionou derrotas incomuns. Não obteve apoio para eleger candidatos à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) nem à presidência do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID). No caso da OMC, os africanos apresentaram candidato próprio e acabaram, na rodada final, apoiando o nome apresentado pelos europeus.

Na América Latina, os governos das maiores economias têm rejeitado a pretensão brasileira de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quando o presidente Lula resolveu intrometer-se nas discussões sobre o programa nuclear do Irã, ficou falando quase sozinho. Os dois Brics com assento permanente no Conselho de Segurança, Rússia e China, apoiaram as sanções propostas por americanos e europeus.

O Barão do Rio Branco certamente não reconheceria princípios nem interesses nacionais nesse arremedo de estratégia diplomática. Dom Vito Corleone acharia estranhíssimo o uso da palavra "negócio". Mas gente como Teodoro Obiang Nguema Mbasogo deve gostar muito.


Jornalista

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