segunda-feira, 29 de março de 2010

A crise estrutural do euro e a Alemanha:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Embora possa ajudar, a criação de um FMI europeu não resolverá o problema dos países da eurozona

O euro está enfrentando uma crise estrutural que não põe em jogo a União Europeia, mas põe em risco sua própria existência. Dependendo de como se desenrolar a crise, alguns países poderão voltar a suas moedas nacionais ou, o que é mais grave, o euro poderá se tornar inviável para todos. A UE, depois de algumas hesitações, sinalizou o apoio necessário à Grécia para que esta continue a cumprir seus compromissos financeiros, mas o problema mais geral do seu desequilíbrio interno não está resolvido e não tem solução fácil.

Qual a razão estrutural da crise?

Seria a irresponsabilidade fiscal de alguns governos, a começar pela Grécia? Ou então a expansão fiscal ocorrida em 2009 para enfrentar a crise financeira global? Essas são duas boas razões, mas, se fossem suficientes para explicar a crise europeia, bastaria que os governos gastadores apertassem os cintos e o problema seria resolvido. O verdadeiro e grande problema é o desequilíbrio das contas-correntes entre os países europeus, é o endividamento crescente do setor privado de um grande número de países e o crédito de outros, principalmente da Alemanha.

É um desequilíbrio que pode decorrer de gastos excessivos de outros países, mas é principalmente consequência da poupança alemã: da estagnação dos salários, não obstante o aumento da produtividade, e, em consequência, da redução do custo unitário da mão de obra em cerca de 20% nos últimos dez anos, enquanto nos outros países europeus esse custo unitário permanecia constante ou mesmo aumentava.

Os trabalhadores alemães aceitaram a redução relativa de seus salários para enfrentar a concorrência do trabalho barato da Ásia e assim salvar seus empregos. O governo alemão, por sua vez, implementou uma série de reformas reduzindo direitos trabalhistas que contribuíram para que essa redução relativa de salários fosse possível. Enquanto isso, os demais países europeus não lograram replicar essa política. O que é, aliás, compreensível; é preciso um povo disciplinado e austero como é o povo alemão para aceitar uma política econômica.

O problema não seria estrutural se não existisse o euro. Se cada país continuasse com sua moeda nacional, a desvalorização cambial seria uma solução para os países deficitários. Foi o que aconteceu com o Reino Unido, que não está no euro. Através da desvalorização em relação ao marco alemão, cada país reduziria seus salários reais, e assim recuperaria sua competitividade de um dia para o outro.

Naturalmente neste caso a redução de salários não seria relativa ao aumento da produtividade, como aconteceu na Alemanha, mas seria real. Esta, entretanto, é uma forma de redução de salários e de resolução do endividamento dos países mais simples e muito mais rápida do que aquela baseada em acordos salariais.

Já que a alternativa da desvalorização não existe, o que acontecerá com o euro? É difícil dizer. Embora possa ajudar, a criação de um FMI europeu não resolverá o problema.

Como também é inútil acusar os parceiros por uma situação da qual a Alemanha é também responsável ao ter agido unilateralmente. Resolveria a questão uma política de aumento do salário real e de estímulo ao aumento do consumo na Alemanha? Creio que sim, mas essa é uma questão que dependerá da decisão do povo alemão de preservar o euro mesmo que seja à custa de alguma perda de competitividade internacional.

Definitivamente, não é uma decisão fácil, porque nela estão envolvidas mais perdas do que ganhos.


Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

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