domingo, 24 de janeiro de 2010

Serra arma o palanque

Revista ÉPOCA

O governador inicia o ano com acordos fechados em mais de 20 Estados e comemora os sinais da adesão de Aécio Neves a sua campanha presidencial

José Serra faz pouco alarde e negocia nos bastidores alianças até com partidos da base de Lula


Há três meses, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), afirmou ter “nervos de aço em política” ao explicar, durante uma entrevista, por que resiste a se declarar candidato à Presidência da República. Na época, Serra ainda enfrentava as pretensões do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, de ser indicado pelos tucanos para disputar a sucessão de Lula. Os últimos dias demonstraram que, pelo menos por enquanto, o mais experiente dos concorrentes ao Palácio do Planalto segue à risca a disposição de manter o controle das emoções na corrida eleitoral.

A tarefa de responder às provocações dos adversários e atacar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ficou para a direção nacional do partido. “Não vou entrar em nenhum bate-boca eleitoral, de baixaria, não há a menor possibilidade”, afirmou Serra na quarta-feira, quando repórteres pediram que ele comentasse um discurso feito no mesmo dia por Dilma.

Mais cedo, no interior de Minas, Dilma dera uma demonstração de que, se depender dela, a campanha transcorrerá em clima de alta tensão. “Em 2006, eles quiseram acabar com o Bolsa Família. Agora, em 2010, o objetivo é acabar com obras como essa”, disse Dilma, referindo-se à barragem de Jenipapo, obra que inaugurava naquele momento ao lado de Lula.

O discurso de Dilma deu início a uma troca de acusações entre tucanos e petistas. Em nota divulgada no mesmo dia, a executiva do PSDB afirmou que Dilma usa a “retórica do medo” contra a oposição. O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), retrucou e chamou os adversários de descontrolados. Na quinta-feira o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), distribuiu nova mensagem com um conteúdo ainda mais agressivo. O texto acusa Dilma de “mentirosa” e de ser gerente, não de um governo, mas de uma “embalagem publicitária”.

A reação do dirigente tucano serviu para mostrar que Lula tem os nervos mais flexíveis e a língua mais solta do que Serra. “O Sérgio Guerra é um babaca”, disse Lula durante uma reunião ministerial.

O sangue-frio de Serra foi adquirido em mais de quatro décadas de atividade política e está servindo a uma bem calculada estratégia de campanha. Para não ser acusado de abandonar o governo de São Paulo, ele até hoje não assumiu em público a intenção de se candidatar à Presidência. Esse comportamento causou irritação em muitos tucanos e aliados interessados em amarrar acordos nos Estados.

De um mês para cá, no entanto, o planejamento de Serra começou a dar resultados. Um levantamento feito por ÉPOCA entre dirigentes do PSDB mostra que as negociações nos bastidores avançam. Se a campanha oficial começasse hoje, Serra teria palanques certos em 22 Estados. Nos dez maiores colégios eleitorais, o Ceará é o único onde Serra ainda não tem o apoio confirmado de um candidato a governador.

O objetivo dos tucanos é unificar o apoio a Serra em cada Estado, ao contrário do que ocorreu em 2002 e 2006, quando pulverizaram os palanques e perderam a disputa. Na costura dos acordos, a maior vitória aconteceu em Minas Gerais, onde o governador Aécio Neves deixou de se comportar como um concorrente de Serra.

Em dezembro, Aécio anunciou a desistência da candidatura ao Planalto. O temor dos tucanos paulistas é que ele repita o jogo duplo de 2002 e 2006. Nas duas eleições, ele pouco fez pelas campanhas de Serra e Geraldo Alckmin para não brigar com Lula e facilitar a própria eleição, por duas vezes, para o governo de Minas Gerais.

Na semana passada, os tucanos comemoraram, porém, alguns gestos de Aécio, interpretados como sinais de que, desta vez, ele se empenhará na campanha de Serra. Em visita ao Rio de Janeiro, Aécio se comprometeu em garantir a vitória de Serra em Minas.

“Estou cada vez mais convencido de que vencer em Minas Gerais é muito importante para o nosso candidato à Presidência”, disse Aécio depois de uma reunião com o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ). Também na semana passada, Aécio não quis participar das inaugurações de obras que Lula e Dilma fizeram em Minas – parte do esforço de “mineirização” da ministra, que nasceu no Estado, mas fez carreira pública no Rio Grande do Sul.

Na relação com Aécio, Serra ainda não obteve seu grande prêmio: a aceitação de uma candidatura à Vice-Presidência, o sonho dos tucanos. Aécio continua a dizer que prefere ser candidato a senador, mas, na semana passada, deu uma declaração que infundiu esperança no PSDB. Perguntado se a opção pelo Senado não poderia mudar, Aécio respondeu que “só a morte é irreversível”. A estratégia de Serra na aproximação com Aécio para convencê-lo a ser candidato a vice é não ficar nem tão longe, que pareça desinteresse, nem tão perto, que pareça uma pressão indevida.

Maior partido de oposição a Lula, o PSDB tem 16 candidatos próprios aos governos dos Estados. Entre eles, São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais. Nos próximos dias, Sérgio Guerra retomará as viagens pelo país para tentar confirmar as alianças amarradas até o fim do ano passado. “Começamos este ano em uma situação confortável. O Serra em primeiro lugar em todas as pesquisas e nossas forças organizadas nos principais Estados”, diz Guerra.

No Rio, o acerto com o deputado Fernando Gabeira, que vai concorrer ao governo do Estado pelo PV, prevê um tucano como vice. Formalmente, Gabeira vai apoiar a candidatura à Presidência da senadora Marina Silva, mas ele vai ajudar Serra. Para evitar problemas legais, Gabeira vai se engajar abertamente na campanha do tucano apenas no segundo turno, se Marina não emplacar.

Para ter palanques em todos os Estados, o PSDB acertou alianças até com partidos da base de Lula. É o caso de Pernambuco, onde o senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, vai concorrer ao governo contra a orientação do partido. Na Paraíba, os tucanos admitem apoiar o prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, ex-sindicalista, fundador do PT e hoje no PSB. Incentivada pelo ex-governador Cássio Cunha Lima, cassado pela Justiça Eleitoral, a aliança anunciada na Paraíba, além dos tucanos, poderá unir DEM, PT, PCdoB, PV, PTB, PPS e PP contra o candidato do PMDB, o governador José Maranhão.

No Maranhão, o PSDB decidiu se aliar ao maior adversário do senador José Sarney (PMDB), o ex-governador Jackson Lago, também cassado por abuso de poder econômico. Na Bahia, para juntar forças, vale até se aliar a antigos desafetos. Lá, os tucanos formarão chapa com os herdeiros do grupo político do ex-senador Antônio Carlos Magalhães.

Serra ainda tem questões a resolver no próprio partido. Em Santa Catarina, o PSDB espera que o vice-governador Leonel Pavan livre-se de denúncias de irregularidades para indicá-lo como candidato. No Rio Grande do Sul, quinto colégio eleitoral, Serra tem a opção de se aliar ao peemedebista José Fogaça, bem colocado nas pesquisas para o governo. Mas a aliança esbarra na disposição da governadora Yeda Crusius de se candidatar à reeleição, apesar do desgaste polítco enfrentado por ela pelas denúncias de caixa dois.

Um dos maiores problemas para Serra está no Ceará. O nome natural do partido para concorrer ao governo seria o do senador Tasso Jereissati. Mas Tasso, que já foi governador por três mandatos, resiste a assumir a empreitada. Prefere disputar a reeleição e apoiar a recondução do atual governador, Cid Gomes, do PSB. Apesar dessa pendência, o início do ano eleitoral revelou que, ao contrário do que parecia, os tucanos avançaram nas montagens dos palanques de Serra.

Pelo menos por enquanto, Serra pode comemorar o acerto da tática do silêncio e de se manter com os nervos de aço.

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