domingo, 8 de novembro de 2009

Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso

"Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições."

Fernando Henrique Cardoso, em artigo, domingo passado (1/11/2009)

Alberto Dines:: Antes do muro

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A entusiasmada rememoração da queda do Muro de Berlim ora em curso contrasta visivelmente com a parcimônia, quase penúria, das lembranças sobre o início da Segunda Guerra Mundial. Separados por um intervalo de meio século, o início da maior catástrofe dos últimos 500 anos (1939) e o desabamento do Muro de Berlim (1989) fazem parte do mesmo processo. Diferentes e igualmente sanguinárias – uma quente, incandescente, a outra erroneamente chamada de "fria" – as duas guerras que compõem o Século das Ideologias o abreviaram decisivamente: no lugar de 100 anos, apenas 73. A centúria começou atrasada, em 1918, quando acabou a Primeira Grande Guerra e terminou em 1991 quando depois do Muro, ruiu toda a Cortina de Ferro.

Neste panorama contínuo, ininterrupto e extraordinariamente dinâmico, não fazem sentido festejos parciais para valorizar momentos ou porções. Envolvida ainda pela brutalidade e pelo luto, a Segunda Guerra Mundial em geral é mantida como um impreciso pano de fundo. Não consegue sequer funcionar como advertência de que o nazifascismo está morto mas não enterrado. Mais recente, a Queda do Muro está na lembrança de muita gente, foi um evento, tem o seu folclore, virou cult.

Daí os retumbantes equívocos que produziu. Nestes dias é imperioso lembrar o tropeço do pensador norte-americano Francis Fukuyama que, tomado pela euforia com os acontecimentos em Berlim, proclamou o Fim da História. Para ele, a derrota do socialismo e o triunfo da dupla capitalismo-democracia burguesa significavam o início de um período harmonioso, sem conflitos, reprise da Dourada Era de Segurança (expressão usada por Stefan Zweig para designar o fin-de-siècle 19).

O fim do Muro de Berlim representou o lance final da disputa entre os dois vencedores da Segunda Guerra Mundial (os aliados ocidentais e o império soviético), mas neste confronto não deve ser minimizada a tenacidade do povo alemão em purgar seus pecados, assumir suas culpas e assegurar a extinção do nacional-socialismo. Hitler foi, de certa forma, o pai da Guerra Fria: sua carreira política começou logo depois da Primeira Guerra, quando participou de um curso no exército alemão para a formação de líderes antibolcheviques. Entrou para o Partido dos Trabalhadores Alemães, de direita, com a missão de mostrar que o comunismo era uma invenção judaica para dominar o mundo. Juntou as duas paranoias (antissemita e anticomunista) e com elas tomou conta da Alemanha, grande parte da Europa e tocou fogo no mundo.

Benito Mussolini, mestre-escola e jornalista panfletário, era um inflamado socialista, de esquerda. A Itália nem de longe se comparava ao poderio alemão. Mas ainda nos anos 30 do século passado o fascismo de Mussolini teve fortíssima penetração no mundo latino-europeu, latino-americano, eslavo e quase tomou conta da Áustria se Hitler não mandasse assassinar Engelbert Dollfuss. A derrubada do Muro de Berlim não acabou com o veneno que o gerou. Este é um dado que não deve ser esquecido: o fascismo tem uma incrível capacidade de mutação. Outro dado que não pode ser ignorado é aritmético: o idolatrado Fim da História durou apenas 12 anos.

Em 11 de setembro de 2001, sem pedir licença a Fukuyama nem a seus mentores na Casa Branca, introduziu-se no cenário mundial um poderoso e até agora imbatível protagonista: o terrorismo islâmico. Logo em seguida, no final de 2008, o sempiterno capitalismo exibiu toda a sua fragilidade quando uma das bolhas que periodicamente fabricava o arrastou para o brejo. De onde ainda não saiu, apesar do esforço dos estatísticos.

O Muro de Berlim foi derrubado com martelos e picaretas, uma festa. Mas antes dele a humanidade entrou em colapso, um horror. Esta moeda, como todas, de qualquer valor, tem duas faces. A transmissão de informações e a capacidade de armazená-las constituem a mais preciosa faculdade da nossa espécie. A memória tem sido uma ferramenta fundamental para a sobrevivência do ser humano. Lembrar é vital. Lembrar fragmentos pode ser mortal.

» Alberto Dines é jornalista

Merval Pereira:: Nivelando por baixo

DEU EM O GLOBO

Já pelo próprio nome, dado pela imprensa — mensalão mineiro —, a situação do senador Eduardo Azeredo e do seu partido, o PSDB, do qual já foi presidente, é difícil no sentido político do julgamento, que é o que interessa na nossa análise, pois as consequências penais de eventuais processos só se materializarão daqui a muitos anos, se é que esses processos darão em alguma coisa para algum dos envolvidos.

A distinção entre uso de caixa dois, que aconteceu na campanha de Azeredo para o governo de Minas em 1998, e a compra sistemática de votos, que foi a evolução do esquema para o mensalão petista, é sutil demais para o grande público, mas não deveria sê-lo para o Supremo Tribunal Federal.

O operador do esquema foi o mesmo, o publicitário mineiro Marcos Valério, os bancos foram os mesmos, e as práticas são tão parecidas que o ministro Joaquim Barbosa propõe, numa aparente coerência, que os processos do mensalão petista e do mineiro sejam julgados ao mesmo tempo.

Mas, se isso é verdade, por que no processo do mensalão não aparece o nome do presidente Lula, e no do mineiro o candidato a governador Eduardo Azeredo é o principal culpado? Se é porque no caso do mensalão o esquema foi coordenado pelo então chefe da Casa Civil, José Dirceu, que o ministro considerou o chefe da “quadrilha criminosa”, e no caso mineiro o coordenador da campanha, o ex-ministro Mares Guia, não tinha autonomia para tal ação criminosa, é preciso que o ministro Joaquim Barbosa nos diga de onde tirou essa conclusão.

O tal recibo de R$ 4,5 milhões, que Azeredo acusa de ser falso e ter sido incluído no processo pelo relator Joaquim Barbosa, parece ser prova frágil que deve ser descartada.

Mas parece ter havido, por parte do relator dos dois processos, um temor reverencial pelo presidente da República, apesar de todos os indícios de que ele foi o maior beneficiado pelo esquema corrupto, que não poderia acontecer sem a sua aquiescência.

Assim como é improvável que o senador Eduardo Azeredo não soubesse de nada do que seu coordenador Mares Guia estava negociando, por baixo dos panos, com o publicitário Marcos Valério.

Mas, que o “aperfeiçoamento” do esquema mineiro acabou gerando um dos ataques mais sérios à democracia brasileira, com a compra de votos no Congresso para a base de apoio do governo petista, disso não há dúvidas.

O caixa dois de campanhas eleitorais, uma tradição política brasileira que o presidente Lula tratou com a leniência que concede aos companheiros envolvidos em ilegalidades, já é uma distorção de nosso sistema político que mereceria muito maior rigor no combate pela Lei Eleitoral.

O esquema do mensalão instituído pelo PT acabou de vez com a pouca organicidade dos partidos políticos e, mesmo depois de denunciado, continua fazendo seus estragos na nossa frágil institucionalidade.

Não apareceram mais indícios de que continue havendo a distribuição de dinheiro constatada no mensalão, quando os políticos iam receber a verba na boca do caixa. Mas a divisão dos cargos e do orçamento público para beneficiar os aliados está sendo feita de maneira tão escancarada que certamente está tendo o mesmo efeito do antigo método.

Além de escapar ileso, o presidente Lula, que a certa altura da crise de 2005 disse que fora traído, passou a se dedicar à tarefa de tentar legitimar a ação de cada um dos mensaleiros, não perdendo a oportunidade de apoiá-los em público, baseado em sua imensa popularidade.

Como a demonstrar que qualquer político pode fazer acordos com o governo que será protegido pelo presidente carismático, no melhor estilo mafioso.

Também o PSDB agiu desta maneira com relação a seus políticos envolvidos em denúncias, em vez de colocar-se como um contraponto à política petista.

Quando o senador Eduardo Azeredo foi acusado de ter sido o iniciador dos esquemas fraudulentos do lobista Marcos Valério na disputa pelo governo de Minas em 1998, o partido recusou-se a enfrentar o assunto, dando margem até mesmo a que o PT espalhasse a versão de que a campanha tucana havia sido o embrião do mensalão, quando deveria ter assumido desde logo uma atitude crítica severa.

O partido está assumindo a mesma atitude de proteção dos companheiros com relação ao ex-governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, cassado por unanimidade pelo TSE por abuso do poder econômico na campanha de 2006.

As provas são irrefutáveis, o comportamento de distribuir cheques aos eleitores condenável, mas o PSDB acha que deve defender seu cacique, especialmente os potenciais candidatos Aécio Neves e José Serra, pois ele é um dos principais líderes políticos do Nordeste, onde o PSDB perde para o PT de Lula.

Os três partidos mais influentes do país — PT e PSDB se revezam na Presidência da República desde 1994 e o PMDB é presença permanente em todos os governos — se confundem nos métodos de fazer política, embora aqui e ali possam restar traços de atuação mais ideológica ou programática no PT e no PSDB, resquícios dos tempos em que a política era feita com pelo menos mais pudor.

Já o PMDB pós-Ulysses Guimarães se caracteriza pela falta completa de ideologia, dedicando-se exclusivamente à conquista do poder e seu usufruto.

O problema do senador Eduardo Azeredo, e por extensão de seu partido, o PSDB, é que fica muito difícil se defender pedindo isonomia ao tratamento dado a Lula, se não for para concordar que o presidente realmente não sabia de nada do que ocorria embaixo de seu nariz, e para beneficia-lo politicamente.

Dora Kramer:: Tempo de estio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não chega a ser espantoso, mas é curioso que a análise político-partidária mais precisa sobre o artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, destrinchando o "autoritarismo popular" do governo Luiz Inácio da Silva, tenha partido de um ministro petista.

Os tucanos não vestiram a carapuça do chega para lá naqueles que acham mais confortável fingir que "está tudo bem", evitando questionar "os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei", que levam o País "devagarzinho a amoldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco tem a ver com nossos ideais democráticos".

Fizeram-se de desentendidos, mas o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi ao ponto. Disse que FH com sua capacidade de elaboração mental tenta "suprir a deficiência da oposição", imersa numa "colossal mediocridade".

De fato. Para sorte do governo, e azar do País, a pobreza de espírito grassa. Em todas as searas partidárias, faltou o ministro acrescentar para fazer justiça à precisão do diagnóstico.

Ele mesmo, depois do primeiro tiro certeiro, caiu na vala da banalidade ao comparar Lula a Mozart e FH a Antonio Salieri, a encarnação da inveja na relação dos dois maestros. Nem o atual presidente é um gênio nem o ex é um ente sem talento.

Só para ficar na política: Lula bateu duas vezes o partido de FH nas eleições, mas este ganhou daquele outras duas, ambas no primeiro turno.

Embora tenha perdido a oportunidade de fazer o debate político e preferido se aliar aos companheiros que atribuíram a escrita - confirmando-a pela falta de argumentos e recurso à zombaria - a ciúmes, Paulo Bernardo acertou no enunciado do problema.

O ex-presidente realmente tenta suprir praticamente sozinho um espaço de discussão que normalmente deveria ser ocupado, não só, mas também, pelos partidos de oposição.

Estes não o fazem, pelo menos não de maneira consistente, no Parlamento nem na sociedade. A reação dos correligionários de FH às questões postas por ele comprova a aridez.

O PSDB dividiu-se entre o silêncio sepulcral dos dois pré-candidatos à Presidência da República, os elogios comedidos de alguns que preferiram reduzir as coisas a um exercício de reflexão intelectual do ex-presidente e as críticas veladas dos estrategistas anônimos que acham eleitoralmente inadequado Fernando Henrique se manifestar.

Perde-se a chance de cotejar raciocínio apresentado com a realidade e de qualificar o debate político, porque FH é impopular, aparece nas pesquisas de opinião como um fator de constrangimento ao desejo da oposição de voltar ao poder.

É de se perguntar se é justo que seja subtraída do eleitorado a oportunidade de saber o que pensam a respeito do que se passa no País as pessoas que pretendem voltar a comandá-lo.

O governador José Serra, o principal postulante, está convicto de que só deve assumir a candidatura daqui a cinco meses. É um direito dele.

Serra faz seu tempo, assim como Aécio Neves estipulou o dele quando avisou que espera até dezembro e depois vai "cuidar de Minas". É um direito dele.

Agora, também é direito do cidadão e da cidadã brasileiros que se interessam pelo embate de ideias saber o que pensam aqueles que lhes pedirão votos.

Se o que disse Fernando Henrique é importante para determinado estrato mais informado da população - e pela repercussão do artigo é óbvio que despertou interesse - por que se deve aceitar que as razões táticas e estratégicas dos pré-candidatos e dos respectivos partidos se sobreponham ao indispensável diálogo com a sociedade?

Lula há muito estabeleceu o próprio tempo ao ocupar com a candidatura de Dilma Rousseff o espaço eleitoral que a oposição acreditava reservado para si por ação da lei da gravidade. Fala sozinho, cria fatos, comete equívocos, erra a mais não poder, galvaniza todas as atenções, atenta contra princípios, inverte valores, mas atua.

Já a oposição não pia. Não quer briga com quem é popular. Mas para discutir as questões do País é preciso brigar? É perfeitamente possível fazê-lo com civilidade, elegância, consistência, firmeza e fundamento.

Desde, evidentemente, de que se disponha de tais atributos e não se tenha como eixo de atuação o retraimento travestido de segurança estratégica. Do contrário, é como diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a impressão que dá é de uma "colossal mediocridade".

Bumerangue

O MST tenta fazer o papel de vítima internacional ao denunciar à OEA que está sendo reprimido e tratado como criminoso no Brasil.

Pode obter o efeito oposto caso seja feita uma verificação ou mesmo se alguém se der ao trabalho de contraditar e enviar ao organismo um histórico dos atos dos sem-terra.

É um ato ousado. Típico de quem percebeu que internamente perdeu a batalha com a opinião do público.

Werneck Viana - Teses sobre o governo Lula: Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Crítico do governo Lula, o cientista político Luiz Werneck Viana, do Iuperj, inspirou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a caracterizar o governo Lula como um projeto de poder que mistura o nacional-desenvolvimentismo com o resgate do populismo da Era Vargas. No texto intitulado Tópicos para um debate sobre conjuntura (http://www.acessa.com/gramsci), Werneck sintetiza a série de artigos que escreveu nos últimos anos sobre o atual governo.

Para o cientista político carioca, a crise de 2008 serviu como teste do capitalismo brasileiro e do atual governo, que projeta externamente “uma ordem grã-burguesa”. O presidente Lula desenvolve uma estratégia de Estado consciente dos seus objetivos econômicos e políticos de maximização de poder, em estreita articulação com o grande empresariado. Segundo Werneck, a crescente mobilização de recursos e fins da política para a condução da economia “já indicam uma via de capitalismo politicamente orientado, velha conhecida da tradição republicana brasileira, a partir da qual, em conjunturas diversas — a de Vargas, a de JK, e a do regime militar — realizou-se o processo de modernização do país.”

Efeito da crise

A crise trouxe de volta o tema do Estado e de seu papel como agência organizadora da economia. Na opinião de Werneck Viana (foto), atualizou, imprevistamente, o repertório da tradição republicana brasileira, “com os patéticos postulados de grandeza nacional que já se fazem ouvir”. Para ele, políticas estratégicas são conduzidas pelo Estado sem anuência explícita da sociedade civil e de suas instâncias de deliberação. “É toda uma forma de Estado que ressurge, em particular no novo papel concedido às corporações e à representação funcional. O Estado se amplia com a incorporação de representantes das entidades classistas de empresários e de trabalhadores”, destaca.

Equívoco

Para Werneck, porém, é falso e anacrônico conceber a próxima sucessão eleitoral como a reedição dos embates entre a UDN e o PTB. “Estado forte, sim, mas sob controle da sociedade, e não sobreposto assimetricamente a ela”, avalia. Segundo ele, o capitalismo brasileiro é um experimento bem sucedido, com parque industrial diversificado, mercado interno em expansão, um pujante agronegócio e um sistema financeiro racionalizado, que se mostrou capaz de atravessar sem maiores abalos a crise mundial de 2008. E o Judiciário promove uma reforma que vai racionalizar ainda mais o Estado.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Dilma sobe o tom e ataca também a imprensa

DEU EM O GLOBO

Em evento com prefeitos petistas, ministra fala como candidata e pede empenho do partido para "buscar a vitória"

Soraya Aggege

SÃO PAULO. Depois de se apresentar como a possível sucessora do presidente Lula, na noite de sexta-feira, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, subiu o tom dos ataques à oposição, que voltou a chamar de “patética e desconexa”, e também criticou a imprensa. A uma plateia de cerca de mil prefeitos e viceprefeitos petistas, além dos principais líderes do partido, Dilma falou como candidata à Presidência e pediu que os petistas buscassem a vitória em todos os municípios do país. Ela disse que seria a continuidade do governo Lula e reforçou o tom plebiscitário que o presidente pretende dar à disputa de 2010.

Segundo Dilma, diante das realizações dos dois mandatos do presidente Lula e sem projetos, a oposição se sente ameaçada e substituiu a “oposição partidária pela partidarização de setores da mídia”: — A consequência é o crescente isolamento da oposição, que se vê sem projetos e cada vez mais sem apoio da base social.

Talvez seja essa a explicação por terem trocado a oposição partidária por uma oposição midiática, com a crescente partidarização de alguns segmentos da imprensa. Mas o fato é que a própria realidade destruiu os dogmas da oposição (aplicados nos oito anos de governo tucano) — discursou Dilma, ovacionada ao som de palavras de ordem e dos antigos jingles das campanhas de Lula.

Ela prosseguiu listando esses dogmas que, segundo afirmou, teriam sido destruídos pelo governo petista: — O dogma de que distribuir renda era incompatível com o crescimento econômico; de que havia um teto para o Brasil crescer ou haveria inflação; o dogma de que o salário mínimo não poderia crescer. Também foi destruído o dogma de que o Estado mínimo é uma exigência da modernidade.

Foi esse Estado, que não era mínimo, que não privatizou e que tinha bancos públicos que pôde investir no setor privado. Foi destruído o dogma de que o povo precisa de formadores de opinião; o dogma de que o desenvolvimento econômico é incompatível com a sustentabilidade foi destruído.

Berzoini: tucanos têm medo da autoridade do povo Dilma deu as diretrizes para os petistas iniciarem a campanha, com ênfase na comparação entre o governo Lula e a administração tucana.

— O que se jogará no ano que vem é o confronto entre dois Brasis: o que terminou em 2002 e o de 2009 e 2010. Para nós, (a eleição) será dar continuidade, o que significa sempre avançar.

As políticas sociais precisam ser defendidas por todos nós com unhas e dentes. É por isso que falo aqui da nossa grande, enorme, imensa responsabilidade em dar continuidade a esse governo e fazer avançar.

O presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), afirmou que a campanha eleitoral só começa oficialmente em junho, mas admitiu que a pré-campanha já se iniciou. Ele rebateu as críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, feitas em artigo publicado no último domingo no GLOBO, quando disse haver “subperonismo” e “autoritarismo popular” no governo.

— O ex-presidente “Fracassando Henrique Cardoso” escreveu um artigo e disse que o Brasil caminha para o autoritarismo popular. Ele está confundindo. O que acontece é que o povo se identifica com o governo Lula. A frase do Fernando Henrique demonstra que eles têm medo da autoridade do povo.

E provocou os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), pré-candidatos: — Vocês viram uma só frase do Serra ou do Aécio defendendo o Fernando Henrique? Não, porque os dois têm medo desse debate

FH diz que não vai 'baixar nível' com Lula e Dilma

DEU EM O GLOBO

Preciso evitar que isso se transforme em acusações de pessoas"

Lino Rodrigues

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que não quer entrar no debate eleitoral com o presidente Lula e com a pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, porque não está em campanha e não quer “baixar o nível das questões”. Lula e Dilma o atacaram duramente na noite de sexta-feira, no 12oCongresso do PCdoB, em resposta ao artigo do tucano publicado domingo passado, no GLOBO. Segundo Dilma, o governo passado teria “dilapidado o patrimônio do Brasil”. Lula acusou Fernando Henrique e o PSDB de “apostarem no fracasso da gestão petista” para voltar ao poder.

— Não vou mais falar sobre esse assunto. Não quero entrar nesse debate de baixo nível das questões — disse, após participar de conferência sobre clima e governança mundial, organizada pelo instituto que leva seu nome (iFHC).

Ele evitou comentar o artigo, no qual falou em “subperonismo” no governo: — Escrevi pensando no funcionamento de um sistema, não em pessoas. Preciso evitar que isso se transforme em acusações de pessoas. Não é do meu feitio e não faz parte do meu estilo

Tucanos dizem que Lula tem viés autoritário

DEU EM O GLOBO

"Toda vez que Fernando Henrique fala, ele se desespera"

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Os tucanos reagiram com veemência aos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que anteontem, em São Paulo, comparou as práticas do PSDB às do nazista Adolf Hitler.

Dirigentes do PSDB disseram que Lula mostrou um viés autoritário com suas declarações e ainda sua dificuldade de aceitar críticas. Para eles, o presidente passou dos limites.

Os tucanos também se disseram surpresos com a postura ofensiva da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à sucessão de Lula em 2010. Dilma chamou a oposição de “patética e desconexa”.

Para o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP), o presidente sempre reage de forma exagerada diante de críticas feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em artigo publicado no GLOBO, domingo passado disse haver “subperonismo” no governo petista.

Na sexta-feira, em encontro do PCdoB, em São Paulo, Lula ainda disse que a estratégia tucana de treinar cabos eleitorais no Nordeste era “um pouco o que o Hitler dizia para os alemães pegarem os judeus, ou seja, vamos treinar gente para não permitir que eles sobrevivam”.

— Toda vez que o presidente Fernando Henrique fala, ele (Lula) se desespera. Fernando Henrique pôs o dedo na ferida, que é a propensão de Lula a uma postura autoritária. Essa comparação com Hitler não vou nem responder, não se pode levar a sério.

Os (cabos eleitorais) deles já estão treinados e muito bem remunerados pelo aparelho do Estado — disse José Aníbal.

“É conversa de quem não sabe o que falar” O líder tucano acrescentou que Lula acaba atacando a liberdade de opiniões e a democracia: — Querem criar uma situação de interdição do debate e das críticas. A oposição tem que testar cada vez mais o comportamento do presidente, a propensão ao autoritarismo.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou que o presidente Lula e a ministra Dilma passaram dos limites.

— Patética é essa fixação em querer provar ao Brasil todo que Dilma não é Dilma, é Lula.
Faltaram argumentos e ideias na cabeça da ministra na hora daquele discurso. É conversa de quem não sabe o que falar, é falta de experiência política — disse Guerra

Tucanos: Presidente passou dos limites

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Presidente compara treinamento de cabos eleitorais no Nordeste feito pelo PSDB a práticas usadas por Hitler. Tucanos dizem que Lula passou dos limites

BRASÍLIA – Os tucanos reagiram com veemência aos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que anteontem, em São Paulo, comparou as práticas do PSDB às de Adolf Hitler. Dirigentes do PSDB disseram que Lula mostrou um viés autoritário com suas declarações e ainda sua dificuldade em aceitar críticas. Para eles, o presidente passou dos limites.

Em discurso, anteontem, Lula rebateu críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – que, em artigo, disse haver “subperonismo” no governo petista – e ainda comparou os métodos do PSDB a práticas usadas por Hitler. Ao comentar uma reportagem que dizia que os tucanos estavam treinando cabos eleitorais no Nordeste, Lula disse que isso era “um pouco o que Hitler dizia para os alemães pegarem os judeus, ou seja, vamos treinar gente para não permitir que eles sobrevivam”. Os tucanos também se disseram surpresos com a postura ofensiva da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à sucessão de Lula em 2010. Dilma chamou a oposição de “patética e desconexa”.

Para o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), Lula e Dilma exageraram. “Estamos fazendo cursos é de democracia. Nós não gostamos de Hitler nem de Chávez (presidente da Venezuela, Hugo Chávez), por isso não discutimos ditadores. Se o presidente Lula tiver curiosidade, podemos mandar nossas apostilas para ele. Custo a acreditar que suas declarações seja sinceras”, disse Sérgio Guerra.

Para o tucano, Dilma mostrou que não tem argumentos e prefere partir para o ataque. “Faltaram argumentos e ideias na cabeça da ministra na hora daquele discurso. É conversa de quem não sabe o que falar. É falta de experiência política.”

Para o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP), o presidente Lula sempre reage de forma exagerada diante de críticas feitas pelo ex-presidente FHC. “Toda vez que o presidente Fernando Henrique fala, ele (Lula) se desespera. Fernando Henrique pôs o dedo na ferida, que é a propensão de Lula a uma postura autoritária. Essa comparação com Hitler não vou nem responder, não se pode levar a sério. Os (cabos eleitorais) deles já estão treinados e muito bem remunerados pelo aparelho do Estado”, disse José Aníbal.

O líder tucano acrescentou que Lula acaba atacando a liberdade de opinião e a democracia: “Querem criar uma situação de interdição do debate e das críticas. A oposição tem que testar cada vez mais o comportamento do presidente, a propensão ao autoritarismo”.

Historiador acha lulismo pior do que peronismo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Há no Brasil hoje um “superpresidencialismo desbussolado e pitoresco”, em que se produz “a montagem de um novo bloco de poder”, diz o historiador Carlos Guilherme Mota em entrevista a Gabriel Manzano Filho. Para ele, é algo pior que o subperonismo apontado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O populismo de Perón politizava, enquanto o pobrismo do Brasil avilta”.

""Defino cenário como superpresidencialismo""

Para estudioso, descolamento de Lula do PT foi ruim para a consolidação de uma cultura de partidos no País

Gabriel Manzano Filho
Entrevista Carlos Guilherme Mota: professor de História Contemporânea


O que se vê no Brasil, hoje, é um "superpresidencialismo desbussolado e pitoresco", em que se produz "a montagem de um novo bloco de poder". Talvez não seja um subperonismo, como alertou no domingo passado, em artigo no Estado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - mas algo pior. "Porque o populismo de Perón politizava, enquanto o pobrismo do Brasil avilta."

A comparação é do historiador Carlos Guilherme Mota, professor titular de História Contemporânea da USP (aposentado) e de História da Cultura na Universidade Mackenzie, para quem Lula pratica "uma forma cordial, mas matreira, de evitar a implantação de uma moderna sociedade civil". Respondendo ao "para onde vamos" de FHC, Mota diz que "há um fenômeno novo, estimulante, de uma nova esquerda liberal, republicana, socializante", aparecendo nos EUA, na União Europeia, no Chile e até no Brasil, com figuras como Barack Obama, Michelle Bachelet, Segolène Royal.

O ex-presidente FHC acertou ao dizer que o governo Lula conduz o Brasil para um subperonismo?

Não sei se o termo é esse, mas concordo que se trata da crise mais grave desde os anos 80. Prefiro definir o cenário como um superpresidencialismo desbussolado e pitoresco. A nação assiste, bestificada, à montagem de um novo bloco de poder. O tratamento dado ao segmento social que o governo entende por povo tem algo em comum com o dos descamisados de Evita e de Perón, mas é pior.

No que é pior?

Porque o populismo de Perón politizava e o pobrismo daqui avilta. O assistencialismo brasileiro é deprimente, pois trata esses condenados da terra como fracassados. E as condições de melhoria social - tão sonhada e ensinada por figuras como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro ou Florestan Fernandes - são pífias. Aqui o capitalismo andou para um lado e a política social andou para outro. Basta ver que o governo não consegue encaminhar a questão dos sem-terra, por exemplo. Mas há, de fato, uma semelhança até física de um certo tipo de "neossindicalista" brasileiro de hoje com aqueles pelegos dos tempos de Getúlio Vargas, Perón, Ademar de Barros...

Como Perón nos anos 50 e nos 70, Lula tem uma enorme aprovação para si e para seu governo.

Ele consegue isso porque põe em marcha uma mobilização autoritária em que aplica, magistral e perversamente, a velha metodologia da conciliação. O autoritarismo popular ao qual FHC se referiu, praticado por Lula, é uma forma cordial, mas matreira, de se evitar a implantação democrática de uma moderna sociedade civil. Com valores e regras respeitados, que valorize a formação da cidadania.

O governo não caminha nessa direção?

Os indicadores vão bem, mas a sociedade vai mal. E o poder é algo muito tentador quando os indicadores se tornam favoráveis. O governo Lula vem instaurando o que um de seus ministros, Franklin Martins, denominava "lambança". O Brasil assiste atônito a uma guerra civil nos grandes centros urbanos e a outra, menos estridente, no campo. O presidente chegou a declarar na semana passada que não sabe como equacionar o problema do narcotráfico. À semelhança da Argentina de Perón, existe aqui o assalto às estatais, que desviou o PT de seu papel histórico de criador de um trabalhismo moderno.

FHC não poupou grupo nenhum, nem o PSDB, ao afirmar que "os partidos estão desmoralizados". Por que as oposições não conseguem fazer nada?

A sociedade brasileira, que vinha se politizando até o final do primeiro governo Lula, perdeu o pique com o aviltamento dos partidos, sobretudo o PSDB na oposição, depois da opaca atuação do ex-candidato a presidente Geraldo Alckmin e das sucessivas indecisões dos pré-candidatos. O descolamento de Lula do seu partido não foi nada educativo para a consolidação de uma cultura de partidos no País.

Há um esvaziamento dos oposições que não acontece apenas no Brasil.

Esse esvaziamento dos partidos de esquerda é um fenômeno mais amplo. Faltam lideranças firmes, falta transparência nas negociações do interesse público. A quebra de confiança nos políticos é geral. Isso resulta, em grande parte, de uma reorganização da ordem mundial, mas, sobretudo, de uma brutal concentração de poder do Estado, por toda parte. Esse fenômeno dá força a Lula para um percurso despolitizante, em que a cada semana se anuncia uma novidade, desde o biodiesel ao pré-sal, à Olimpíada... O PAC e os discursos grandiosos do presidente lembram um pouco os projetos de impacto de Ernesto Geisel. Mas os projetos militares ainda deixaram o País mais estruturado. Lula está deixando pencas de aspones pendurados em altos salários nas estatais.

Por isso o debate direita-esquerda perdeu importância?

A direita se modernizou, a globalização a beneficia com o avanço das novas tecnologias e formas de dominação turbinadas pela cultura digital. Esta acelerou a vida econômico-financeira num ritmo que pulveriza as iniciativas da velha esquerda.

Repetindo FHC, para onde o País vai?

O Brasil duplicou sua população em 40 anos, mas a elite dirigente não se planejou nem criou mecanismos para um crescimento tão desafiador. Não tivemos uma revolução burguesa criativa, como a de outros momentos da História, mas sim uma burguesia em geral predadora, associada a interesses do capital internacional. Mas a crise de agora é mais profunda. Ela vem fazendo com que algumas lideranças se deem conta de que, em uma sociedade de massas, e com a pesada herança de uma mentalidade escravista-bragantina, só pode esperar um desastre. Que virá mais cedo ou mais tarde, e em algumas cidades já começou. Falta um estadista de pulso para, nesse contexto de guerra civil disfarçada, mobilizar a Nação.

Perdeu-se, ao que parece, o caminho para uma social-democracia. Como recuperá-lo?

O que falta a partidos social-democratas, como PSDB e PPS imaginam ser, um conteúdo programático e uma liderança - coisa que FHC cobrou com ênfase. Mas há lideranças surgindo, novas gerações de professores, juízes, promotores, pesquisadores, militares, profissionais liberais com boa formação e visão moderna do País.

Como a política detesta o vácuo, vai aparecer alguma coisa no lugar?

Acredito que sim. Há um fenômeno novo, muito estimulante, de uma nova esquerda liberal, republicana, bem formada e socializante. Ela vem aparecendo nos EUA, na União Europeia, no Chile, aqui mesmo no Brasil - onde é menos visível porque, neste momento, Lula ofusca tudo. Obama, Michelle Bachelet no Chile, Segolène Royal na França, são algumas pontas desse iceberg.

Rubens Ricupero:: Inversão de oportunidade

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Deveríamos usar a alta das commodities como semente de investimento para ampliar nossa pauta de exportações

NUNCA PENSEI que leria um documento do Pentágono que descrevesse o México como ameaça potencial à segurança dos Estados Unidos devido ao risco de se transformar em Estado falido. A avaliação, repudiada pelo governo norte-americano, pareceu-me absurda e exagerada. Contudo, o mero fato de que tal despautério fosse incluído num estudo oficial indica a que ponto mudou a situação, comparada à que conheci quando embaixador em Washington, entre 1991 e 1993.

Foi a fase da negociação e da assinatura do Nafta, o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. Este era o xodó dos norte-americanos e seu embaixador, conviva da Casa Branca, quase nunca se dignava participar do grupo latino-americano. O Chile se ralava de inveja porque desejava ser o primeiro a assinar um acordo do tipo, considerado então como o bilhete de entrada para o paraíso.

Eram os tempos do fim da União Soviética, da globalização triunfante. Rezava a verdade convencional que o mundo se dividiria em três blocos comerciais, cada um dominado por um país e uma moeda, as Américas, sob a égide do dólar e de Washington, a Europa, da Alemanha e do marco, e a Ásia, do Japão (a China era uma luzinha distante) e do iene.

Quem ficasse de fora, como o Brasil, estaria condenado às trevas exteriores, onde haveria choro e ranger de dentes.

Passados mais de 15 anos, quase nada da profecia se realizou. O México de fato atraiu investimentos americanos, multiplicou por três ou quatro suas exportações de manufaturas, mas cresceu pouco e mal, sem agregar muito valor. Hoje, a China e o Vietnã deslocam exportações mexicanas do mercado ianque porque conseguem preços que superam as vantagens tarifárias.

Enquanto isso, a teoria dos blocos não se tornou realidade, o Japão minguou, os Estados Unidos entraram numa de suas piores crises, mas a China, principal beneficiária da globalização, transformou com seu apetite voraz o mercado mundial de commodities. Países como o Peru e o Chile, exportadores de cobre e, em menor grau, Argentina e Brasil, de produtos agrícolas, passaram a desfrutar de demanda crescente com preços firmes.

Durou pouco a glória asteca, do ingresso na OCDE, o grupo das economias avançadas, da conquista do ansiado grau de investimento anos antes de nós. Quanto tempo durará a nossa? Será eterna a valorização das matérias-primas sustentada pela China? Ou não passará de uma janela, como foi a de que gozou o México no início do Nafta e que o país não soube aproveitar para aumentar o valor agregado de suas maquiladoras?

Se a valorização não for eterna, deveríamos fazer com que fosse infinita enquanto dure. Isto é, teríamos de utilizar as commodities como fez, 40 anos atrás, a Malásia com a borracha, o óleo de palma, o estanho, como sementes de investimento na diversificação e na sofisticação da sua pauta exportadora, sem abandonar as matérias-primas.

Mas será possível fazer isso com a moeda que mais se valoriza perante o dólar enquanto a China vincula o yuan à moeda americana, não cedendo um centímetro na disputa de mercados? E como faremos quando ainda por cima teremos o petróleo do pré-sal? A lição mexicana é que as oportunidades não duram para sempre e que é preciso convertê-las em vantagens duradouras. Sem a solução dessas contradições, o México de hoje será o retrato do Brasil de amanhã.

Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Entrevista com Eric Hobsbawn: O muro interior

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / +MAIS!

O historiador Eric Hobsbawm diz que a queda do Muro de Berlim, em 9/11/1989, desestabilizou a ordem mundial e criou um estado generalizado de insegurança

Marcos Flamínio Peres

Editor do Mais!

Ícone da historiografia de esquerda, o britânico Eric Hobsbawm não perdoa: para ele, o principal efeito da queda do Muro de Berlim, em 1989, foi a desestabilização da geopolítica mundial em prol da única superpotência remanescente -os EUA.Como consequência, o mundo se tornou mais perigoso.

Em "A Era dos Extremos" (Cia. das Letras), ele já defendera os desdobramentos da queda do muro como cruciais para o século 20. Mais do que isso: cruciais para encerrá-lo antes da hora. Daí o termo que cunhou, "breve século 20".

Já do ponto de vista econômico, Hobsbawm afirma que o pós-1989 levou a um recorde de desigualdade social nos países da antiga Cortina de Ferro -termo que designava, durante a Guerra Fria, os países comunistas europeus sob influência soviética.

Sobre Berlim, cidade que cristalizou a derrocada da velha ordem e o início da nova, o pensador se mostra decepcionado, na entrevista que concedeu por e-mail à Folha.

Apesar de haver se tornado a capital do Estado mais rico da União Europeia, Berlim não se tornou a virtual capital da Europa -como se esperava 20 anos atrás- nem ficou à altura de seu glorioso passado anterior à ascensão do Terceiro Reich (1933).

Coerente, Hobsbawm vê a crise financeira que assolou os mercados financeiros em 2008 como o "Muro de Berlim do neoliberalismo". Ele detecta nesse aparente revés capitalista a possibilidade de rearticulação do pensamento de esquerda -mas desta vez, alerta, em bases "mais realistas".

FOLHA - Passados 20 anos, qual é o legado político e econômico da queda do Muro de Berlim?

ERIC HOBSBAWM - O legado econômico é certamente menos dramático do que o político. Economicamente, significou a destruição do que restara de um sistema socialista planejado na União Soviética e na Europa do leste -que já estava em declínio- e a integração da antiga região socialista à economia capitalista global.

Isso levou a um colapso social e econômico na ex-União Soviética, embora, posteriormente, a Rússia e algumas ex-repúblicas soviéticas tenham visto alguma recuperação, baseada nos altos preços da energia e dos insumos industriais.

Com algumas exceções, a região provavelmente permanece, em termos relativos, mais atrás do Ocidente do que estava antes da queda do muro. Ela desenvolveu um nível chocante de desigualdade econômica.

Os efeitos políticos, por sua vez, têm sido enormes. Eles reduziram a Rússia de superpotência a um Estado não maior do que era no século 17.

Além disso, a União Europeia saltou de 15 para 27 Estados, e foi criada uma Alemanha unificada no coração do bloco.

Também foi reintroduzida a guerra [conflito nos Bálcãs nos anos 90] e a instabilidade política na Europa, após o colapso do único Estado comunista, a Iugoslávia. Isso acabou por tornar os Bálcãs mais "balcanizados" do que antes.

Outro efeito da queda do muro foi a destruição de um sistema internacional estável.Isso porque se atribuiu aos EUA a ilusão de que poderiam, como única superpotência global, exercer sua hegemonia no mundo todo -o que acabou por transformar o mundo no lugar perigoso de hoje em dia.

FOLHA - Berlim não se tornou uma das principais capitais europeias, como se previa 20 anos atrás, e a Alemanha, embora rica, foi há pouco superada economicamente pela China. Nesse sentido, a queda do muro foi um fracasso?

HOBSBAWM - Berlim não se tornou uma grande capital europeia porque a reunificação política das Alemanhas Ocidental e Oriental não teve como recriar um país genuinamente unido.

A antiga Alemanha Oriental -embora seus habitantes estejam hoje muito melhor do que estavam antes de 1989- perdeu sua base econômica para a Alemanha Ocidental. Além disso, apresenta índices de desemprego elevados e continua a perder sua população para a antiga Alemanha Ocidental.

Berlim tem muito poucos habitantes para uma cidade com sua importância histórica.Para quem a visita, ela parece uma pessoa encolhida usando um sobretudo grande demais para seu peso atual. Culturalmente, nunca reconquistou a posição que detinha entre 1871 [quando o Império Germânico inaugurou o Segundo Reich] e a ascensão de Hitler [em 1933].

Isso não quer dizer que a Alemanha como um todo esteja em declínio. Ela, por exemplo, não pode ser comparada com a China (80 milhões de habitantes contra 1,3 bilhão).

Mesmo com um PIB maior do que o da Alemanha, a China é muito menos desenvolvida, muito mais pobre e menos capaz em áreas como tecnologia de ponta.

Se há perigos futuros para a Alemanha como potência econômica, eles nascem da relativa lentidão do desenvolvimento econômico da UE.

FOLHA - A queda do muro representou o colapso do pensamento de esquerda?

HOBSBAWM - Ela simbolizou, mas não foi a causa, da crise do pensamento de esquerda, que já vinha desde os anos 1970.

Estritamente falando, ela apenas demoliu a crença de que o socialismo de corte soviético (economia planificada comandada por um Estado centralizador que eliminou o mercado e a iniciativa privada) era uma forma factível de socialismo.

Na verdade, como foi a única tentativa de realizar o socialismo na prática, seu fracasso desencorajou os socialistas como um todo -embora a maior parte deles tenha sido crítica do sistema soviético.

Entretanto as raízes da crise da esquerda retrocedem ainda mais. Ela ainda não chegou ao fim, mas o colapso do capitalismo financeiro global em 2008-9 -que foi uma espécie de queda do Muro de Berlim para a ideologia neoliberal- oferece uma chance de reabrir as perspectivas para a esquerda. Mas, espera-se, em uma base mais realista do que no passado.

Míriam Leitão:: Perigos da floresta

DEU EM O GLOBO

Quanto a floresta aguenta? Qual é o limite de desmatamento que a Amazônia suporta? Essas perguntas têm sido feitas pelo climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que, junto com seus alunos, tem escrito estudos publicados em revistas científicas do exterior. O último estudo conclui que 40% é o limite. Acima disso a floresta entra em colapso

Quem sobrevoa a Amazônia com olhos leigos, como os meus, tem a impressão de que ela será eterna, que aquele mundo imenso de cobertura verde é indestrutível.

A verdade científica é que ela é mais frágil do que parece. Quem olha o percentual da floresta que já está desmatada — em corte raso — acaba pensando que é pouco. Hoje, estão desmatados 18% da Amazônia e outros 10% a 12% estão em estado de degradação ou fragmentação. Essa é a parte da floresta que começou a ser desmatada, mas não foi completamente limpa em corte raso. Parece pouco, mas na verdade estamos perigosamente perto do que os cientistas definem como tipping point, o ponto a partir do qual tudo se precipita, tudo se acelera, e a floresta começa a morrer.

O tamanho do verde e o percentual da destruição só enganam os leigos, não os cálculos de climatologistas e especialistas. Eles sabem de um fenômeno assustador: que a partir de um determinado ponto, a floresta começa a se savanizar, perde a capacidade de regeneração, fica mais vulnerável ao fogo e às secas, muda de natureza. Deixará de ser a Amazônia como a conhecemos.

— Pelos nossos estudos, o desmatamento não pode chegar a 40%, do contrário, o clima muda permanentemente.

E quando mudar o clima, a floresta não volta.

Ela perde a capacidade de se regenerar, perde sua resiliência.

Na floresta tropical úmida, o solo precisa de água o ano inteiro, o que não acontece numa vegetação savanizada, onde chove apenas uma parte do ano, seguido por longo período de seca — disse Carlos Nobre.

Esse tema tem sido objeto de estudo dele e de seus alunos desde 2003. Alguns desses estudos estão em várias publicações científicas de primeira linha no mundo inteiro. O último estudo, “Tipping Points for the Amazon Forest”, escrito por Nobre e Laura De Simmone Borma, também do Inpe, chega a este número de que perto de 40% a floresta está em perigo.

— Temos feito avaliação também de quanto de aumento de temperatura a floresta aguenta antes de se desestabilizar. E concluímos que é três graus centígrados.

Com um aumento além desse nível, a floresta também se savaniza. São esses os dois tipping points, como dizemos, os dois pontos de quebra, a partir do qual a floresta não aguenta — explica Nobre.

Quanto mais a floresta é desmatada, mais ela afeta o clima. Quanto mais o clima é afetado, mais põe em risco a floresta. No estudo recente, eles incluíram o efeito do fogo na análise, mostrando que isso aumenta o risco. A explicação é que na Amazônia o fogo não prospera além de um certo ponto, ao contrário do cerrado, em que o fogo é parte da dinâmica do bioma. Quanto mais seca e mais quente a Amazônia for ficando — como efeito do desmatamento —, mais o fogo tem capacidade de penetração e destruição, alimentando o círculo vicioso que pode levar à destruição completa da floresta.

— É uma ameaça: mais quente e mais seca, ela acelera o processo que poderá levar à savanização — afirma Nobre.

Com todos esses riscos é preferível nem testar o nível de 40%. O mais sensato é conter já o desmatamento.

O corte raso é diferente de área degradada, explica o pesquisador. Na área degradada, há perda de biodiversidade, mas a floresta, dependendo do estágio da destruição, pode ainda se regenerar. Mas somando-se o que há de corte raso e degradação, o estrago já seria de 30%, perigosamente perto do ponto de não retorno.

O cientista recomenda que o país não teste a floresta além desse ponto.

A Amazônia se espalha por nove países, mas — alerta o estudo — 80% do desmatamento ocorrem no Brasil. O desmatamento da Amazônia corresponde a 47,8% da perda mundial de florestas tropicais, numa taxa que é quatro vezes o segundo lugar, que é da Indonésia.

E a destruição no nosso caso está concentrada em áreas muito bem definidas, que formam o arco do desmatamento. Deter o avanço da destruição não apenas é responsabilidade brasileira, como está no horizonte das nossas possibilidades.

Quem vê a Amazônia assim tão gigante e isolada pode pensar que ela não está no centro de um problema que aflige o mundo inteiro. No texto, os cientistas afirmam que “o equilíbrio do clima e vegetação na Amazônia tem sido identificado como um dos tipping points do sistema climático global”.

Isso tem que estar na mente dos tomadores de decisão no Brasil antes de pensar pequeno na preparação da posição brasileira para Copenhague, ou na tentativa de ceder à pressão dos ruralistas. Eles querem mais liberdade para desmatar, chances de plantar árvores exóticas em áreas destinadas a reserva legal, querem a possibilidade de compensar desmatamento ilegal com uso de fragmentos em outras áreas. Tudo pode parecer razoável para quem quer manter um status quo que nos levou a perder 18% da floresta e colocou sob ameaça imediata outros 10%. Um pouco mais de desmatamento pode nos levar a um terreno desconhecido. Portanto, a pergunta relevante deve ser feita aos cientistas: quanto mais a Amazônia aguenta de desmatamento? Eles dirão que está tão perto o tipping point que o mais sensato a fazer é não desafiar mais a sorte.

Bom dia! Maria Teresa Madeira - Fon Fon e Odeon de Ernesto Nazareth