domingo, 11 de outubro de 2009

Dois prêmios, uma escolha

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


Ele não conseguiu ganhar as Olimpíadas, porém uma semana depois, na mesma Escandinávia, foi empurrado para o Olimpo, como um dos campeões da paz. Barack Obama não é um sortudo, nem é engraçado, nem é "o cara". É a quintessência da fé: o visionário, o homem que acredita. Sonha e mostra que o sonho é possível.

Mal começou a sua jornada, ainda não completou um ano na Casa Branca, mas os seus compromissos com o desarmamento nuclear, com a paz no Oriente Médio, com o policentrismo, a distensão e as instituições internacionais, estão na ordem do dia. Suas bandeiras foram desfraldadas por inteiro, tremulam inconfundíveis, transformadas em convocações para aquela parte da humanidade que não esqueceu os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial e não deseja repeti-la.

Desta vez, o Nobel da Paz está conectado ao Nobel da Literatura anunciado um dia antes. A ficção e a biografia da romeno-alemã Herta Müller escancaram os dois totalitarismos que flagelaram o mundo – o nazifascismo e o stalinismo – e cujos herdeiros estão ativíssimos em todos os quadrantes e sob inúmeros disfarces.

O pai de Herta foi soldado das temidas SS (Schutzstafell, de Himmler), permaneceu na Romênia ocupada pelos soviéticos e sua mãe (da minoria romena de fala alemã), passou cinco anos num campo de trabalhos forçados na União Soviética. A própria escritora foi perseguida e censurada por recusar-se a colaborar com o regime do ditador Ceausescu, escapou com o marido para a Alemanha pouco antes da queda do Muro de Berlim. Herta é a Segunda Guerra e a Guerra Fria juntas e redivivas, simbiose do terror político que marcou grande parte do século 20.

Barack Hussein Obama é o símbolo do mundo liberado das algemas do rancor ideológico. Pós-racial, pós-capitalista, pós-socialista, negro, tem nome árabe, seus auxiliares mais próximos são judeus e representa como ninguém o sonho americano – isso explica a ferocidade da minoria direitista americana e dos seus vitriólicos blogueiros.

O Comitê Nobel e a Real Academia Sueca desta vez anteciparam-se. Ao invés de consagrarem um saldo de façanhas já realizadas, preferiram sancionar intenções, fortificar promessas, reforçar esperanças e estabelecer uma ousada agenda mundial que poucos ousarão contestar.

Este Nobel da Paz diferencia-se nitidamente dos 100 anteriores porque foi alçado da esfera do evento que se assiste passivamente para converter-se num movimento galvanizador do qual todos gostariam de participar. Ao menos como testemunhas. A era da globalização econômica está sendo promovida à era do internacionalismo. O sinal já foi dado, basta segui-lo.

Assim como reacende antigos preconceitos em seu país, Barack Obama estimula admirações no resto do mundo. E os seus conterrâneos, aparentemente, ainda não aprenderam a conviver com esta sua nova contribuição à humanidade. Em 12 de Outubro de 1492, o genovês Cristóvão Colombo chegava a uma terra que não sabia onde ficava.

Barack Obama, 517 anos depois, tenta reavivar a noção de Novo Mundo com a decisiva ajuda do sueco Alfred Nobel. O inventor da dinamite, não poderia imaginar que o seu legado em algum momento conseguiria implodir com tamanho ímpeto as xenofobias e ressentimentos que alimentam as guerras. Inclusive as xenofobias e ressentimentos fomentados pelo fanatismo religioso.

O Nobel é uma escolha, conjunto de círculos, espiral. Não é casual, pode ser causal.

» Alberto Dines é jornalista

A "mãe" das reformas

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O livro “Brasil pós-crise”, coordenado pelos economistas Fabio Giambiagi e Otavio Barros, está sendo publicado exatamente um ano antes das eleições, com o objetivo de estimular o debate sobre o governo que começa em 2011. Multipartidário, num sinal de que pode haver diálogo entre pessoas educadas, na definição de Giambiagi, o livro tem entre suas atrações um capítulo do presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, e a orelha com um texto do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, além do prefácio de Luiz Carlos Mendonça de Barros e artigos de autores ligados ao governo FH.

O ponto central é um grupo de capítulos sobre as diversas reformas estruturais que precisariam ser feitas pelo futuro governo, mas que dependem de uma delas, a reforma política, considerada “a mãe” de todas as reformas, mais complexa e delicada, que pode colocar a perder o clima político que permitiria a aprovação das demais.

A característica do artigo do economista político Alexandre Marinis, da Consultoria Mosaico, é exatamente tratar dessas delicadezas de “timing” e procedimentos para se atingir os objetivos de uma verdadeira reforma política: “O timing de uma reforma política é extremamente importante, determina na verdade o seu êxito. Nenhuma proposta é de fácil implementação e garante os frutos prometidos. Muitas vezes podem até mesmo jogar contra a intenção inicial, e ficarmos até pior do que estamos”, analisa Marinis.

Ele chama a atenção para a concentração de poderes nas mãos do presidente da República, gerando um hiperpresidencialismo de fato, um fenômeno não apenas brasileiro, mas que se espalha pela América Latina.

“A perspectiva de reformas estruturais passa a depender da figura central, que é o presidente da República.

Se ele não tiver a intenção de promover as reformas, o processo não deslancha”, ressalta o autor, lembrando que no governo Lula aconteceu justamente isso: logo no início ele aprovou uma reforma tributária “cujo único objetivo era fazer com que a CPMF se tornasse permanente, e depois nunca regulamentou a reforma previdenciária”.

A lógica do nosso sistema político, segundo Marinis, permite que haja uma coalizão para dar sustentabilidade ao governo, com os líderes partidários tendo força para negociar as reformas, mas sem poder suficiente para levar adiante as reformas sem o apoio do Executivo.

“O objetivo central de uma reforma política deve ser o de conciliar representatividade e governabilidade a fim de impedir que parlamentares, governantes e os três principais lobbies rentistas (corporativista, político e empresarial) se comportem de maneira oportunista e personalista”, escreve Marinis em seu texto.

Para ele, “é preciso encontrar meios para superar esses grupos que hoje capturaram o orçamento público para aprovar projetos que os favorecem: representantes de grandes corporações, empreiteiros, funcionalismo público”.

Outra peculiaridade do sistema representativo brasileiro, segundo Marinis, é o que define como “desequilíbrio representativo dos estados na Câmara dos Deputados”.

Estando a maioria eleitoral nas regiões Sul e Sudeste, os presidentes quase sempre saem dessas regiões, com raras exceções como a eleição de Collor, que Marinis considera “uma anomalia”.

“Mas, na hora de implementar as reformas, esse presidente vai ter que lidar com um Congresso baseado nas outras regiões do país, especialmente Norte e Nordeste”, comenta Marinis, para quem, embora considere “simplismo” resumir a questão a disputas regionais, “elas são estruturalmente importantes”.

A reforma política a ser feita, por isso, “vai muito além das soluções anunciadas, como o voto distrital misto, a fidelidade partidária; é muito mais complexa”.

Para Marinis, é preciso “quebrar esse paradigma para que sejam aprovadas as reformas estruturais de que precisa o país”.

Ele chama a atenção em seu texto para “as possíveis implicações que mudanças no processo decisório político podem ter sobre a capacidade de os futuros presidentes construírem coalizões majoritárias no Parlamento e retomarem o processo de reforma estrutural do país”.

Como a dinâmica de funcionamento do atual sistema político faz com que a coalizão majoritária no Congresso seja crescentemente formada por parlamentares avessos à mudança do status quo, “a priorização de uma reforma política poderia adiar indefinidamente a retomada do processo de outras reformas estruturais, pois parte das mudanças sugeridas pode dificultar a capacidade de o presidente cooptar parlamentares para a sua coalizão e reduzir o predomínio do Executivo sobre a produção legislativa”.

Dependendo da maneira como for feita, adverte Marinis, “a reforma política pode criar dificuldades para o próximo presidente fazer uma coalizão majoritária no Congresso”.

Sem partidos solidamente comprometidos com programas, “teríamos vários PMDBs”. Ele não afirma em seu texto, mas está implícita nele uma ideia que desenvolveu em conversa comigo: a saída para superar esses impasses poderia ser a convocação de uma Constituinte específica para a reforma política.

Para evitar surpresas, a convocação seria limitada a temas específicos, e as reformas só valeriam para o próximo governo. “Desse modo, poderiam ser eleitos representantes da sociedade civil que contornariam esses grupos de pressão que dominam hoje o Congresso”, sonha Alexandre Marinis.

Dou um descanso aos leitores até o dia 27, quando a coluna volta a ser publicada.

Fora do foco e de propósito

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A imagem da derrubada do laranjal da Cutrale no interior de São Paulo conseguiu tirar da toca o presidente Luiz Inácio da Silva, que, loquaz para questões que o interessam, sabe ser discreto quando o assunto não lhe convém.

Invasões e toda sorte de transgressões cometidas pelo dito movimento social dos sem-terra, por exemplo.

"Todo mundo sabe que sou defensor das lutas sociais e de que o povo se manifeste. Agora, entre uma manifestação para reivindicar alguma coisa e aquela cena de vandalismo feita na televisão. Obviamente que não posso concordar com aquilo, porque não tem explicação para a sociedade você derrubar tantos pés de laranja apenas para mostrar que você está reivindicando", disse o presidente.

Como se vê, a imagem não foi suficiente para que o presidente abordasse o problema em sua real dimensão: a da opção pela transgressão à lei feita pelo MST, de forma premeditada desde o momento em que optou atuar sem ter configuração jurídica.

Lula, assim como seus ministros - à exceção do titular da pasta da Agricultura, Reinhold Stephanes -, continua fazendo de conta que não estamos diante de um problema de criminalidade.

Para o presidente, o problema reside na forma, não no conteúdo. Enquanto o MST invadiu, depredou, feriu, houve casos em que matou, tudo certo. No momento em foi flagrada uma imagem que - como reza o lugar-comum - fala por mil palavras, a coisa passou do limite. Ou seja, o problema não é o MST desrespeitar a lei, mas fazê-lo de maneira acintosa, taticamente incompetente. E mais grave: em pleno Jornal Nacional.

O fato de a transgressão ser sustentada com dinheiro público tampouco entra no rol de preocupações de Lula e seus ministros.

Ao contrário, esse aspecto é liminarmente condenado. Na teoria, o governo critica o recurso ao vandalismo. Na prática, porém, protege os vândalos quando mobiliza os partidos governistas no Congresso para impedir a instalação de uma CPI para investigar os repasses de verbas públicas ao MST.

Entidades como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União falam em transferências de milhões, mas ninguém sabe ao certo o que se passa nessa relação entre os cofres do Estado e o MST.

Antes da divulgação das imagens que provocaram as declarações de Lula, a "base" foi mobilizada para enterrar a CPI. Depois disso, a oposição voltou a coletar assinaturas, mas o governo não mudou de posição.

O líder na Câmara, Henrique Fontana avisa que continua contra, o ministro da Reforma Agrária, Guilherme Cassel, tergiversa: "Se quiserem uma CPI geral sobre a agricultura, incluindo os repasses à CNA, tudo bem. Mas, uma CPI contra um movimento social, acho perseguição."

Não sendo ignorância, é má-fé. Contra o Estado de Direito.

Fino trato

O presidente licenciado do PMDB informa: não briga com Orestes Quércia, muito menos cogita de intervenção no diretório paulista por causa do apoio do ex-governador à candidatura presidencial do PSDB.

Não porque não desejasse um enfrentamento que pudesse levar São Paulo para o lado dos defensores da aliança com o PT. O problema é falta de condições objetivas para tal.

Antes de vencido o prazo de filiações partidárias, Temer até tentou convencer o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a se candidatar a governador pelo PMDB e enfrentar o grupo de Quércia na convenção.

Skaf medrou, foi para o PSB e a chance passou. Agora, Temer reafirma o acordo fechado há dias com Quércia: cada um cuida do respectivo rebanho e, lá na frente, voltam a conversar sob a luz das circunstâncias.

Segundo a direção do PMDB, os apostadores do conflito ou não pertencem ao partido ou estão sendo mais realistas que o rei.

200%

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, avisa que Dilma Rousseff deve deixar o governo em fevereiro para se dedicar "100%" à campanha presidencial.

Não informou quem, atualmente, se dedica 100% aos afazeres da Casa Civil enquanto Dilma roda o País em campanha.

Em cena

Avaliação do cineasta Fernando Meirelles de que o presidente Lula é o "maior ator do Brasil" não significa necessariamente um elogio.

Emblema

A propósito da leniência do poder público com as invasões o MST, o leitor S.P. conta a seguinte história: "Sete anos atrás, pedi à Prefeitura de São Paulo que cortasse um "ficus", que eu mesmo plantei e que destruía minha calçada, meu muro e parte da rua. Passaram-se três anos e ninguém apareceu.

"Resolvi acabar com o problema, pois a árvore crescia. Cortei a árvore e 15 dias depois recebi da prefeitura uma multa de R$ 289.

"Quanto ao MST, nem Ministério Público nem os defensores do meio ambiente nem ninguém causa dano algum."

A Belíndia sem Índia

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os índices sociais e de distribuição de renda têm melhorado nos últimos 20 anos, mas o Brasil ainda está muito longe de deixar de ser uma Belíndia, ficar com sua porção Bélgica e eliminar a porção Índia. Os indicadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (Pnud), divulgados na segunda-feira, mostram que desde o Plano Real o País tem trabalhado para reduzir as desigualdades sociais, mas ainda é lento o deslocamento da renda dos mais ricos para os mais pobres.

No epicentro dessa melhoria está a maneira de distribuir a renda por meio de programas sociais. Ao transferir dinheiro público diretamente para as famílias mais pobres, o Bolsa-Família (nascido Bolsa-Escola no governo FHC) eliminou a intermediação de governadores, prefeitos e deputados em programas politicamente manipulados do tipo Vale-Leite (do governo Sarney), em que o político distribuía o benefício para quem nele votasse, e não para quem dele precisasse. Com seu cartão magnético a mulher pobre recebe o dinheiro no banco e ponto final, não há político enganando.

Mas, para suprimir a porção Índia e continuar a avançar na porção Bélgica, o Brasil tem de investir muito em educação, saúde e tratar de manter a inflação bem baixinha. A ação da hiperinflação sobre a renda dos mais pobres foi destruidora no passado, sobretudo no governo Sarney, quando ela chegou a 80% ao mês. Espécie de imposto perverso pago pela população pobre, a inflação destrói tudo o que encontra, desorganiza a economia, impede planos de investimento, arruína a moeda, promove o caos.

O poder da queda da inflação sobre a renda fica evidenciado nos números do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Pnud. O período em que o Brasil mais acelerou seu IDH se deu entre 1995 e 2000, em que foi mais forte o impacto do Plano Real sobre a queda da inflação e seus efeitos econômicos e sociais. Nesses cinco anos o IDH avançou de 0,734 para 0,790 e começou a caminhada para classificar o Brasil entre os países de desenvolvimento humano elevado, consolidada em 2005. Nesse período todos os indicadores sociais avançaram: a expectativa de vida do brasileiro saltou de 68,2 para 70,3 anos; a taxa de matrícula escolar evoluiu de 74,4% para 90,2%; a taxa de alfabetização dos adultos, de 84,7% para 86,9%; e o PIB per capita cresceu de US$ 7.798 para US$ 8.085.

Inflação quietinha, combinada com políticas públicas eficientes nas áreas de educação e saúde, faz a diferença na eliminação da pobreza.

Na educação o progresso maior se deu no ensino fundamental e no governo FHC, quando a taxa de matrícula acelerou e, segundo o IBGE, 96% das crianças entre 7 e 14 anos frequentavam a escola em 2002 (hoje essa taxa subiu para 98%). Nessa faixa etária o investimento agora deve focar a qualidade do ensino, qualificar e remunerar professores, reduzir o analfabetismo funcional e criar políticas para o pré-escolar - crianças entre 4 e 7 anos. Um bom preparo nessa fase diminui muito o analfabetismo funcional adiante. No ensino médio, o governo Lula tem investido com sucesso na criação de escolas técnicas voltadas para qualificar a mão de obra - de operários da indústria a operadores de serviços (comércio, informática e bancos). E nas universidades a ação do Estado tem se voltado para obrigá-las a melhorar a qualidade do ensino. Em educação a evolução tem sido lenta, mas contínua e sem retrocessos.

O drama maior é na saúde. É onde as políticas públicas não funcionam - os hospitais vivem desaparelhados; o déficit de leitos é enorme; é cruel e por vezes inútil o prazo de espera por uma cirurgia ou uma simples consulta; o sistema de emergência nos hospitais é inoperante e o doente morre sem atendimento. Essa situação é amplificada e piora muito em regiões mais pobres, justamente as que mais precisam de saúde pública e gratuita.

Não há políticas comuns nem conexão entre o governo federal, Estados e prefeituras. O Sistema Único de Saúde (SUS) foi bem concebido, mas pessimamente implementado, não funciona, o dinheiro é mal aplicado, quando não é desviado. E há ainda um criminoso déficit em saneamento básico, que faz com que só metade da população tenha água e esgoto tratados, com efeito destruidor na saúde humana. Enquanto o governo federal aumenta os gastos com novas contratações e aumento de salários, o Senado tem centenas de funcionários fantasmas e cresce o repasse de verbas para ONGs suspeitas, os gastos com saúde estão limitados a 7,2% do PIB e não há um sistema eficaz de fiscalização que elimine a corrupção e impeça a ação de quadrilhas, como as dos vampiros e sanguessugas.

É isso, leitor, falta muito para tirar a Índia de nossas vidas.

Os Brics - Os números do IDH mostram que não basta crescimento econômico para fazer avançar o progresso social. É verdade que o crescimento gera empregos, expande e melhora a renda assalariada. Porém, países onde o analfabetismo e outros indicadores de pobreza ainda são marcas fortes precisam de políticas sociais, sobretudo na área da educação, para levar progresso à população marginalizada.

China e Índia têm em comum populações gigantes, com parcelas expressivas vivendo em péssimas condições (sem serviços públicos, sistema de saúde precário e enorme déficit previdenciário) e um crescimento econômico elevado e contínuo há mais de uma década. Mas, como é lenta a ação da expansão econômica na superação da pobreza, os indicadores sociais são muito baixos, o que leva a China a ocupar a 92ª posição e a Índia, o 132º lugar no ranking de países do Pnud. Enquanto Brasil e Rússia são classificados como nações de desenvolvimento elevado, China e Índia estão na lista de desenvolvimento médio.

A China vive uma situação de contraste inusitada no mundo. No mercado financeiro é vista como potência econômica com poder de desafiar os EUA. Dentro do país, potente ainda é a pobreza.

*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

Socorro, começou a campanha

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Promete, ah como promete, a campanha eleitoral de 2010. A julgar pelo que estão dizendo os principais potenciais concorrentes, será de primeira classe.

De um lado temos Ciro Gomes, com sua habitual boca mole, dizendo que José Serra é mais feio na alma do que no rosto. Tem até alguma graça, mas com esforço, muito esforço, Ciro será capaz de dizer alguma coisa inteligente sobre os problemas da pátria, que, obviamente, não serão resolvidos com uma plástica n"alma de Serra.

Do outro lado, temos o PSDB dizendo que Ciro é "nanico de Dilma". Também é engraçado, mas, se Ciro crescer, o país fica melhor?

Aliás, não me parece que o tamanho de Ciro ou de Dilma, ou de quem quer que seja, esteja na lista dos problemas que puxaram o Brasil para o vexatório 75º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.

Até porque, enquanto esteve no governo, o PSDB fez muito pouco para melhorar a classificação do pobre país tropical.

No meio desse tiroteio verbal de grande lucidez, coragem e inteligência, vem Dilma Rousseff, outra potencial candidata, para propor mais um PAC, desta vez para a Copa e para a Olimpíada. Beleza: o PAC original não conseguiu gastar nem a metade da verba prometida e à sua "mãe" não lhe ocorre mais do que mais do mesmo?

Não tem obra ou tem pouca obra?

Não importa. Chama um bom marqueteiro e tome PAC para cá, PAC para lá.

E olhe que nem apareceram, ainda, os nanicos de verdade, se é que é justo com eles chamá-los depreciativamente quando os "grandes" parecem tão pequenos.

Todos os envolvidos nesses episódios têm formação universitária.

Vai ver que é por isso que o país supostamente de primeira classe não consegue colocar uma só universidade, umazinha só, no ranking das 200 melhores do mundo.

A outra Olimpíada no Rio

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Serra tem São Paulo, e Aécio, Minas. Candidatos e Estados, somados, têm uma força enorme. Mas o Rio tende para Dilma. Como Paris, o Rio é uma festa.

Considera-se a cidade mais maravilhosa do mundo, adora novidades e modismos, faz e desfaz carreiras políticas em ritmo meteórico.

Entra década, sai década, em São Paulo lá estavam ou estão, com suas qualidades e defeitos, Lula, FHC, Covas, Maluf, Marta, Serra, Alckmin. As exceções dos que ficaram pelo caminho confirmam a regra, como Pitta (aliás, carioca).

Já no Rio há um rastro de políticos que chegaram ao pico da onda e morreram na praia no dia seguinte: Brizola, Marcello Alencar, Moreira Franco, Miro Teixeira, Garotinho, Rosinha Matheus, Luiz Paulo Conde. Todos tiveram grandes votações. Todos minguaram, recolheram-se à Câmara ou a prefeituras do interior, como Rosinha.

A novidade no Rio é a Olimpíada, que, subjetivamente, torna o clima mais favorável a Lula-Dilma. E, objetivamente, eles podem ter quatro palanques no Rio em 2010.

O governador Sérgio Cabral, candidato à reeleição, foi do PSDB e é amigo pessoal de Serra, mas está no PMDB e tem bajulado o Planalto e sido bajulado por ele. Como o prefeito Eduardo Paes, que tem a mesma trajetória e também estava na festa de Copenhague com Lula.

Há ainda as pré-candidaturas do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), de Garotinho (PR) e de Wagner Montes, deputado estadual e homem de comunicação, que é do PDT, partido disputado por todos os demais e cada vez mais pró-Lula, ops!, pró-Dilma.

Do outro lado, o PSDB não tem para onde correr nas praias cariocas depois que o PV de Fernando Gabeira passou a ter uma candidatura própria, a de Marina Silva. O DEM não está em forma para a corrida, e o jeito pode ser montar um palanque mambembe para o prefeito de Duque de Caxias, o tucano Zito. Chance zero de medalha e pódio.

Metódica descontinuidade

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A crise fez do pecado de gastar uma virtude redentora; legitima arquivar a receita de Palocci para zerar o deficit

ISOLADA do resto do governo, a recente deriva da política externa não parece fazer muito sentido. Por que afagar o Irã e hostilizar a Colômbia? Por que tentar constranger Obama como réu em encontro da Unasul e armar o circo da embaixada em Honduras?

As fichas começam a cair quando se constata que, de oito meses para cá, o governo se empenha em sistemática afirmação de uma identidade própria. Ficaram para trás os incertos tempos do começo do primeiro mandato. Mesmo a contragosto, o presidente tinha então de resignar-se aos elogios ambíguos de que só acertava porque dava continuidade à obra do antecessor.

Forte agora de popularidade inabalável, inebriado pelo êxito contra a recessão e pelo aplauso internacional, Lula vê chegada a hora de imprimir à sua herança marca pessoal inconfundível. Se a privatização se tornou a ideia-força de Fernando Henrique Cardoso, o retorno do Estado e a criação de estatal para o pré-sal darão o tom do governo atual.

O pré-sal e a crise financeira fornecem as duas oportunidades para justificar a descontinuidade em relação ao período anterior. O primeiro permite revogar toda a política de concessões, leilões e reforma da Petrobras. De sobra, promete recursos para viabilizar o fator previdenciário, a consolidação dos programas sociais contra retrocessos, a redução da semana de trabalho.

A crise fez do pecado de gastar uma virtude redentora. Legitima arquivar em definitivo a receita vinda de Palocci e Delfim para aumentar o superavit primário até zerar o deficit nominal. A nova política econômica, que mercados financeiros e agências de risco confundem com a antiga, consiste no crescimento puxado pelas despesas do governo e pelo consumo de massa.

Até os leilões de rodovias federais, que serviram para projetar a candidata oficial, tornaram-se vítimas do temor da detestada privatização. As Parcerias Público-Privadas, de que se falou tanto, foram juntar-se ao Fome Zero, ao Primeiro Emprego, ao etanol talvez, no cemitério dos slogans abandonados. Os heróis do agronegócio terão de exercitar o heroísmo cumprindo os índices de produtividade desejados pelo MST.

Fiquemos por aqui. A cara definitiva da era Lula não é a dos amargos cortes da gestão Palocci. O presidente se sente bem mais à vontade banhado no suculento caldo de benesses que lhe assegure, como admite, um lugar ao lado de Vargas no panteão dos benfeitores.

Para isso, já reconstituiu a velha e provada aliança das massas urbanas com as chefias tradicionais, do PT-PTB com o PMDB-PSD. Afinal, basta deslocar umas poucas letras... Não se trata apenas do desejo de emancipação da tutela do passado governo, do anseio da glória própria.

Como preparar melhor a iminente campanha sucessória do que oferecendo ao eleitor a possibilidade de uma escolha nítida entre dois projetos de país? Se a oposição não quiser se associar ao do passado recente, terá de construir uma visão de futuro com apelo para neutralizar a formidável multidão dos pequenos e grandes que dependem não do setor produtivo privado, mas das transferências e rendas do Estado.

A diplomacia é um dos elementos que se encaixam nesse conjunto. Para quem acha que algumas dessas mudanças não fazem sentido, é bom lembrar a reação de Polônio ao desvario de Hamlet: embora seja loucura, existe nela boa dose de método.

Rubens Ricupero , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Marx no tempo da dispersão

José Arthur Giannotti*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Autor vê nas teses do filósofo um sistema aberto: não foi por falta de tempo que O Capital ficou inacabado

Minha obsessão em estudar Marx como clássico sempre esteve ligada ao projeto de examinar suas teses em vista das aberturas teóricas e práticas que propiciam. Nunca as vi como um sistema fechado, até mesmo O Capital, sua obra máxima, atira em várias direções, e tenho fortes suspeitas de que não foi por falta de tempo que restou inacabada.

O próprio Marx se recusava a ser identificado como marxista. Suas teses valem antes de tudo para serem prosseguidas. É sintomático que, analisando os Grundrisse, Antonio Negri tenha escrito Marx Oltre Marx. Meu novo título, Marx - Além do Marxismo, obviamente inspirado neste último, tenta sublinhar que a base a ser negada é o marxismo cristalizado numa profissão de fé ou numa corrente de pensamento que não se deixa correr. Se a obra de Marx procura desvendar os meandros das estruturas capitalistas de produção, é seu próprio equipamento intelectual que precisa ser renovado, na medida em que o objeto de estudo explode em várias direções.

Meus críticos irão dizer que tento confinar o marxismo aos muros das universidades, que apenas sublinho o lado filosófico da obra de Marx, quando a tarefa, antes de compreender, é transformar o mundo combatendo o capital. O conhecimento não se integra numa práxis? Mas tanto o capital como o mundo explodiram em várias direções, de sorte que nem mesmo podemos falar deles se não levarmos em conta essa dispersão. Além do mais, como detectar o empuxo transformador quando, hoje em dia, o que se tomou como motor da história, o proletariado, não encontra a unidade do capital social total para se contrapor como classe unificada? Não é por isso que as lutas de classe de hoje se fazem por direitos, por conseguinte, repondo o Estado em vez de contestá-lo?

"Marxismo" e "socialismo" se tornaram palavras equívocas. Enquanto havia Estados e partidos que se diziam marxistas, a adesão a ambos tinha, ao menos, um sentido político razoavelmente determinado. Na medida, porém, em que a revolução desaparece do horizonte efetivo da política, que sentido pode ter se assumir como marxista ou socialista? Não somos todos social-democratas nos seus mais variados sentidos? Diante da obra de Marx, sobra apenas tentar pensá-la pela raiz, vale dizer, a partir dela, como somos obrigados a fazer quando procuramos entender Aristóteles ou Kant, ou até mesmo Wittgenstein. Quando alguém ainda se identifica como marxista ou socialista, sem explicar o sentido dessa invocação, logo desconfio que está querendo fazer política sem sujar as mãos no seu jogo efetivo, muitas vezes contentando-se em votar num candidato cuja irrelevância parece ser compensada pela vácua sonoridade de seu discurso.

A crise econômica atual recoloca o problema do automatismo do capital e das contradições do sistema capitalista de produção. Depois de uma longa hegemonia do pensamento liberal, volta-se a falar em Keynes, e Marx passa a ser olhado sob novas perspectivas. Não é significativo que este opúsculo venha a ser reeditado neste momento? Essa crise atualiza certos conceitos marxistas, em particular aquele de um modo de produção cuja reposição passa por crises específicas. Não sei como as ciências sociais contemporâneas lidarão com esse tópico. Mas não vejo como escapar desse conceito de modo de produção, a não ser deixando de lado a específica historicidade de nosso modo de se repor em sociedade. Não é o próprio conceito de história que precisa ser considerado, nos seus dois vetores, história categorial, de um lado, a história do vir a ser, de outro. Esta me parece a primeira grande contribuição de Marx para o pensamento social.

O sistema capitalista se mostrou muito mais lábil do que se imaginava. Por certo essa maleabilidade não apagou suas contradições, continua sendo um extraordinário processo de criação de riqueza e de miséria, mas desapareceu de cena aquele vetor da história, o proletariado, que poderia contestá-lo pela raiz. Além do mais, as experiências do socialismo real mostraram a impossibilidade de uma produção da riqueza social sem as informações produzidas pelo mercado. Para Marx, dado o mercado, ele naturalmente se desdobraria no sistema do capital. Nosso desafio é impedir essa continuidade, por conseguinte, dar liberdade suficiente para que os agentes marquem os preços de seus produtos, sem que sejam levados pelo automatismo de um sistema produtivo, que se transforma num robô visando produzir e acumular riquezas em vista da simples acumulação.

Diante da tarefa de conciliar dois processos contraditórios, uma economia de mercado e uma política que se legitime na medida em que impeça a alienação desses mesmos mercados, pouco vale lamentar-se diante da miséria criada pela exploração capitalista. Mas qual seria a prática adequada para lidar com esses processos contraditórios? Creio que, nessa explosão dos mercados e na necessidade de repô-los num patamar mais humano e racional, no fundo se percebe a urgência de uma política capaz de se controlar a si mesma, em resumo, uma política democrática.

Se a questão é política, então façamos política. Mas eficaz, que tome como ponto de partida as condições dos sistemas políticos atuais, e examinemos teórica e praticamente suas possibilidades de mudança. Foram desmoralizados os arautos do novo homem, ou políticos que imaginavam suprimir o Estado à medida que o reforçavam. Marx desconfiava da democracia formal e, depois da Comuna de Paris, acreditou que uma ditadura do proletariado seria mais democrática do que ela. Mas esse conceito de ditadura serviu para justificar o lema "Todo poder aos sovietes", e hoje sabemos o golpe que ele significou na democracia russa.

Não me parece mais adequado pensar numa política que desemboque numa negação política, a partir da qual uma nova história teria início. Desconfio dos profetas do "novo homem" ou dos Zaratustras da vida. Aceito a política como ela é, mas sempre procurando seu dever ser. Por conseguinte, política democrática, sempre inacabada, precisando começar de novo.

Sob esse ângulo privilegio os textos de Marx que mostram como ações humanas terminam tendo consequências imprevistas e até mesmo indesejadas por elas enquanto atos individualizados. Sob esse aspecto, interessa-me particularmente o conceito hegeliano de alienação, mas torcido de tal forma que escape dos perigos do idealismo absoluto. Daí a necessidade de ler esses textos com lupa fina, cuidando de detectar as torções por que passam os conceitos quando tratam de configurar uma nova forma de práxis dialética. Por isso, depois de minha introdução, achamos conveniente apresentar alguns textos do próprio Marx, mas traduzidos de tal forma que pelo menos deixam transparecer essas torções conceituais. É o que procura fazer a tradução de Luciano Codato. Tarefa difícil, a ser retomada pelos leitores, porque o próprio Marx, numa carta ao tradutor d"O Capital para o francês, aconselha que deixe de lado essas nuances, pois os franceses não são dados a elas. Espero que os leitores de língua portuguesa compreendam a importância filosófica dessas torções.

*Professor emérito de filosofia da USP e pesquisador do Cebrap. É autor, entre outros, de Trabalho e Reflexão e Origens da Dialética do Trabalho. Este texto é o prefácio à segunda edição do livro Marx - Vida e Obra, agora renomeado Marx - Além do Marxismo (L&PM Pocket)

De silvícola a Sua Excelência

José de Souza Martins
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO /ALIÁS

Índios já não se contentam em ser reconhecidos como humanos: querem cadeiras na Câmara e Assembleias

As eleições de 2010 nos reservam a novidade histórica das candidaturas indígenas à Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas. Índios de várias nações e línguas anunciaram nessa semana consultas que estão fazendo junto a diferentes tribos para definir metas e rumos de seu movimento. Eles esperam eleger cinco deputados federais e constituir uma bancada indígena, além de deputados estaduais em 19 Estados. Eles já têm 90 vereadores e 5 prefeitos. As populações indígenas são a última parcela do povo brasileiro a conquistar o direito de representação política. Dos 700 mil índios brasileiros, apenas 150 mil conseguiram o título de eleitor, atravessando barreiras legais e adquirindo o direito de votar e ser votado. Só houve, entre nós, a exceção da representação política das populações indígenas no período do Brasil Holandês, sob o governo do conde Maurício de Nassau, numa espécie de conselho de representantes dos índios para o trato dos temas de seu interesse.

Mas desde o período colonial até aqui tem sido longo e trágico o caminho das populações indígenas para ter o reconhecimento de sua humanidade e, mais recentemente, de seus direitos políticos. Durante a colônia, foi frequente a dúvida quanto aos índios terem alma ou não. Eu mesmo, durante os anos 1970 e 1980, quando fazia pesquisa na Amazônia, ouvi em diferentes povoados do sertão, muito próximos de aldeias indígenas, afirmações diretas de negação da condição humana ao índio.

Só muito lentamente e muito tardiamente o Parlamento brasileiro reconheceu os índios como personagens da lei e como sujeitos de direito. A primeira vez em que se tornaram presença numa Constituição brasileira foi em 1934, definidos como silvícolas, habitantes da selva, do mesmo universo dos animais, numa sociedade que por largo tempo tem considerado os citadinos como sendo os únicos humanos e cidadãos. As populações caipiras, descendentes dos mestiços de branco e índia, ainda hoje são objeto de anedota.

A mera obrigação da União quanto à incorporação dos índios à comunhão nacional desaparece na Carta Constitucional de 1937 e reaparece na Constituição de 1946, apesar da experiência da Marcha para o Oeste, durante o governo Vargas, quando os irmãos Vilas Boas, seus participantes, tiveram seus primeiros encontros com nativos. No entanto, dessa experiência humana nascerão formas mais efetivas de proteção aos índios, na perspectiva de sua manutenção isolada da sociedade nacional, como meio de tê-los protegidos do convívio com os brancos e das concepções genocidas que dele tinham.

É sob a égide dessas concepções limitadas que, já na vigência do regime militar de 1964, se dá a grande expansão econômica da fronteira da sociedade nacional sobre o que veio a ser definido como Amazônia Legal, dois terços do território brasileiro, com estímulos econômicos e fiscais do governo federal para derrubada da mata e abertura de fazendas, geralmente de gado. Populações desconhecidas foram contatadas pela primeira vez e, com frequência, o contato se deu no cenário de verdadeira guerra interétnica, como ocorreu com os índios waimiris-atroaris, no Amazonas e em Roraima. A disseminação de doenças de branco, como a gripe, provocou reduções demográficas que não raro chegaram à metade da tribo contatada. Povos arredios e valentes, como os panarás, do norte de Mato Grosso e sul do Pará, foram reduzidos à mendicância. Muitos outros grupos tribais foram culturalmente aniquilados nos 20 anos de duração da ditadura. Darcy Ribeiro, em seu livro essencial Os Índios e a Civilização, diz com razão que o contato com os índios tem sido feito pelos piores representantes da sociedade brasileira. No sistema de classificação dos índios xavantes, os brancos estão na mesma categoria da onça, porque animal violento e predador.

Nesse período, em nome da luta pela democracia surgiu também a luta pelos direitos humanos e foi nessa chave que a Igreja Católica reformulou radicalmente sua pastoral indígena, relativizando o missionarismo de conversão, que nos vinha desde o período colonial, em favor de uma prática missionária de proteção e fortalecimento da identidade tribal de cada grupo. Os luteranos seguiram essa mesma linha. Os antropólogos, e as organizações que criaram nesse sentido, foram fundamentais no andamento de um significativo combate cultural contra a ideia reducionista e violenta de um índio genérico, própria do difundido equívoco ideológico de um país que seria formado por três raças: brancos, negros e índios. Nossos índios estão distribuídos por 220 etnias, que falam 180 línguas, uma rica diversidade cultural e social de concepções da condição humana e da relação entre o homem e a natureza e não simplesmente entre o índio e a selva.

Apenas na Constituição de 1988 os índios foram objeto de várias referências e de um capítulo inteiro relativo a seus direitos, consequência da ação dos setores que atuaram em seu favor e da própria ação de vários grupos indígenas que já durante o regime militar haviam descoberto o caminho de Brasília e o sentido de percorrê-lo. Foi nesse duplo movimento que o índio se propôs à consciência nacional como sujeito da diversidade cultural e, portanto, da diversidade política. Se o movimento de agora quer dizer que os índios finalmente chegam ao Brasil político com voz própria, quer dizer também que os políticos brasileiros terão que passar por intenso aprendizado de convivência política multicultural. O que será complicado porque a maioria dos nossos senadores e deputados não está minimamente preparada para isso. A própria língua portuguesa se tornará relativa, para que não ocorra o que ocorreu com o xavante Mário Juruna, primeiro índio eleito deputado federal (1983-1987), que quase foi cassado por ter usado, numa afirmação relativa ao caráter de um político, a língua portuguesa imprecisa e maliciosa, de duplo sentido, na suposição de ser ela uma língua precisa como são as línguas indígenas.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor, entre outros livros, de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

A CPI do MST é a solução do problema?

Diogo Tourino de Sousa
Cientista Político (UFJF) e pesquisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ)

Essa semana a sociedade brasileira ficou, mais uma vez, chocada com a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), após a destruição de uma fazenda no interior de São Paulo.

Sem dúvida, a imagem de um trator derrubando uma plantação de laranja, somada ao que assistimos nos últimos anos com a invasão de prédios públicos – mantendo, inclusive, funcionários em cárcere privado –, a ocupação de postos de pedágio, o bloqueio de estradas e a destruição de pesquisas científicas colaboram para que a opinião pública, parlamentares e mesmo o Poder Judiciário classifiquem as recentes ações do MST como criminosas.

Entretanto, é preciso que olhemos com cuidado para a questão agrária no país, problema antigo e não resolvido, com o qual a democracia entre nós nunca será igualitária. Isso porque, mecanização, concentração fundiária, poluição ambiental, ênfase no agronegócio e o inchaço da periferia das grandes cidades, com o aumento da violência urbana e a degradação do tecido social, talvez sejam fenômenos relacionados, conseqüência de decisões políticas equivocadas.

Concordo que o MST em anos recentes tem dado provas de que sua causa se perdeu aos olhos do restante da sociedade, como também concordo que não há qualquer possibilidade de sermos uma sociedade justa enquanto grande parte da população permanecer sem as mínimas condições de subsistência, no campo e na cidade, ao mesmo tempo em que observamos o acúmulo de políticas ineficazes ao longo de décadas, privilegiando o modelo econômico e social errado. A tentativa da oposição de criar, novamente, uma CPI para descobrir se o governo tem financiado ações ilegais é justa da parte de quem defende a lei e de determinadas estratégias políticas pontuais, mas não garantirá, sozinha, a justiça na sociedade brasileira.

Mesmo porque punir os excessos cometidos pelo MST não deve, em momento algum, confundir a opinião pública sobre a legitimidade que os movimentos sociais têm, não só o MST, na contestação do modelo político vigente, sem mencionar, é claro, a importância de o governo financiar tais movimentos, questão que merece ainda mais cuidados.

A perda de referência do MST no debate mostra como precisamos, acima de tudo, pensar melhor o problema da terra no Brasil, que tem dado sinais de esgotamento. Sem isso, nunca seremos uma sociedade verdadeiramente democrática.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Gargalo na indústria ameaça o país

Regina Alvarez e Martha Beck, Brasília
DEU EM O GLOBO


Com a reação da economia brasileira, em meio à crise global, diversos setores da indústria estão próximos do limite da capacidade de produção. Isso pode pressionar a inflação e levar o BC a aumentar juros, caso as empresas não aceleram investimentos.

Retomada com o pé atrás

Gargalo na indústria pode levar BC a subir juros para conter inflação, caso setor não acelere investimentos

A discussão sobre os riscos de uma retomada rápida e vigorosa do crescimento alimentar o dragão da inflação — que opõe técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) — ganha consistência e fôlego, a partir de uma análise do nível de utilização da capacidade instalada nos diversos setores da indústria.

Estudo do economista Julio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica, mostra que em alguns setores a utilização já está próxima dos níveis pré-crise, o que reforça a necessidade e a urgência de novos investimentos na indústria, como antídoto às pressões inflacionárias e ao aumento dos juros.

Na média, o nível de utilização na indústria de transformação chegou perto de 82% em setembro, com crescimento de 0,85 ponto percentual por mês no último trimestre. Em agosto de 2008, pouco antes do auge da crise, a utilização estava em 86,6%. Almeida calcula que se o grau de utilização continuar crescendo no mesmo ritmo dos últimos três meses, em seis meses chegará perto de 85%, nível que prevaleceu no período de exuberância da indústria no pré-crise.

Na visão do economista, esse é um nível que levaria os empresários a fazerem planos de novos investimentos.

Por outro lado, poderia acender um sinal de alerta no BC, com consequente aumento dos juros para conter pressões inflacionárias.

— Esse é um problema geral que pode se apresentar já em março ou abril do ano que vem. O ideal é que nesse momento, ou um pouco antes, na virada do ano, houvesse um claro sinal de que os investimentos estão sendo retomados, para evitar que o Banco Central eleve cedo demais a taxa de juros — afirma Almeida.

Em alguns setores da indústria, os gargalos são mais evidentes — caso de material de construção (cujo indicador já atingiu 89,3%) e bens de consumo em geral (84,4%), que são preocupações evidentes a curto prazo.

Já nos setores muito afetados pela crise e naqueles que não contaram com compensações fiscais do governo (redução do IPI) há ainda alguma folga. Esse é o caso dos setores mobiliário e de bens de capital.

“São setores em que o grau de utilização já é hoje elevado e que estão em um processo de crescimento expressivo. Isso pode dificultar ou encarecer programas como o Minha Casa, Minha Vida e abrir caminho (no caso de bens de consumo) para que a importação tome o lugar da produção doméstica”, alerta a análise do economista.

Fábricas já não atendem à demanda

O comportamento da produção permite a mesma leitura. Segundo o IBGE, dos 27 subsetores pesquisados, seis já ultrapassaram o patamar de setembro de 2008, o mais alto da série histórica. Outros três — mobiliário, refino de petróleo e álcool e alimentos — devem ter alcançado esse ritmo de produção no mês passado.

— O ideal seria que o nosso sistema de planejamento se antecipasse e, com os instrumentos de que dispõe (incentivo fiscal e de crédito), evitasse problemas de oferta, especialmente nos casos indicados — afirma Almeida.

Especialista em inflação, o professor de economia da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha considera que já existem sinais concretos de pressão inflacionária em 2010. Cita como exemplos o reaquecimento da indústria no segundo semestre de 2009 e os elevados gastos do governo, que já subiram 12% em termos reais até agosto.

Esses fatores, combinados com o setor de serviços — que pressionou a inflação em 2007 e 2008 e não desaqueceu durante a crise — tenderiam a puxar para cima os preços no ano que vem. Mesmo assim, Cunha não vê riscos de descumprimento da meta de inflação, de 4,5%: — O quadro inflacionário para 2010 não é de tranquilidade total.

Mas não imagino que haja risco de descumprimento da meta — disse.

Cunha destaca que a retomada do crescimento mundial virá acompanhada de um quadro inflacionário no mundo inteiro. No Brasil, o setor de linha branca (geladeiras, fogões, máquinas de lavar e tanquinhos), por exemplo, que foi beneficiado pela diminuição do IPI entre abril e o final de outubro, teve forte aquecimento e já aponta dificuldades para atender à demanda do varejo para o fim do ano.

Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), afirma que a redução do IPI para a linha branca foi importante para estimular as vendas em 2009. O problema é que a demanda foi tão forte que agora as empresas já enfrentam dificuldades para atender aos pedidos para o fim do ano. Segundo Kiçula, a redução do IPI para a linha branca, que acaba no fim de outubro, deveria ser prorrogada.

— As lojas querem que fabriquemos em apenas um mês o que vão vender em três meses. Por isso, esperamos que o governo prorrogue o benefício — afirma.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, reconhece que o setor foi muito beneficiado pela redução do IPI e pelo aumento do crédito com a retomada da atividade econômica. No entanto, evita falar em pressão inflacionária. Segundo ele, é preciso ver como o mercado se comportará a partir do aumento das alíquotas, que começa em outubro e será concluído no início de 2010.

Na construção, risco maior será em 2011

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Simão Safady, concorda que o setor está aquecido, mas considera que esse fator não deve pressionar a inflação em 2010. Segundo ele, a construção civil — que recebeu incentivos com o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida — deve crescer entre 2,5% e 3% este ano e mais de 5% em 2010.

— O setor está absolutamente tranquilo e equilibrado. Estamos nos preparando para o aquecimento da demanda com várias ações, como um programa de inovação tecnológica muito profundo — diz Simão.

Ele alerta, no entanto, que gargalos poderão aparecer em 2011. Por isso, considera que é preciso continuar trabalhando em medidas que aumentem a competitividade das empresas e reduzam custos. Simão também defende investimentos em mão de obra qualificada. Já o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, não vê espaço para aumento de preços na indústria: — Não corremos qualquer risco e não será preciso subir juros. Qualquer bem que subir de preço será substituído pelo importado. Com esse câmbio (valorizado) já tem muito industrial deixando de produzir para importar.

Em Petrolina, Serra critica retenção do IR

Jorge Cavalcanti
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Principal adversário do PT na disputa presidencial, tucano visita o Sertão e classifica iniciativa do governo como um “empréstimo compulsório sem lei”, que revela desequilíbrio nas contas fiscais

PETROLINA - Após almoçar linguiça de frango e carne de bode, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), classificou o atraso na restituição do Imposto de Renda (IR) como “uma espécie de empréstimo compulsório sem lei”. Para ele, o atraso na devolução de quem pagou tributo a mais em 2008 é fruto do aumento dos gastos fixos do governo federal, e não das medidas para reduzir o efeito da crise, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). “É consequência de um desequilíbrio crescente nas contas fiscais. O grosso das medidas para enfrentamento da crise não foram gastos temporários. Mas permanentes que já vinham antes, como elevação de custeio, contratação de pessoal. O atraso na restituição foi uma espécie de empréstimo compulsório sem lei”, avaliou o presidenciável tucano, no Bodódromo, espaço que reúne bares e restaurantes especializados no prato.

O empréstimo compulsório precisa ser estabelecido por uma lei específica. O contribuinte paga uma determinada quantia ao governo para depois resgatá-la, seguindo as determinações dessa lei. Só pode ser instituído pela União para atender a situações excepcionais, como guerra externa (ou a iminência dela) ou calamidade pública que exija ajuda federal além dos recursos disponíveis no Orçamento.

Para Serra, o fato de o governo ter afirmado que vai restituir o valor corrigido pela taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) não significa que o contribuinte ficará livre de prejuízos. “Você pode ter despesas comprometidas. Aí vai pegar emprestado e os juros são muito maiores”, disse. É a primeira vez que o governador - líder nas pesquisas de intenção de voto para o Planalto - comenta o atraso no IR, confirmado pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) na última quinta.

O atraso na restituição do IR também foi criticado por parlamentares que acompanharam Serra na quarta visita ao Estado este ano. Entre eles, o senador Marco Maciel (DEM), que mesmo avesso a polêmicas, censurou a medida, para ele, uma “perda salarial indireta” para o trabalhador. “A devolução é um direito do cidadão, que já pagou o tributo. Não tenho dúvida que o presidente Lula vai rever a posição”, disse. Ao ser indagado, o senador garantiu que a restituição não sofreu atraso nos oito anos do governo de Fernando Henrique, de quem foi vice.

A agenda de Serra em Petrolina começou com um atraso de quase duas horas. Ele só chegou ao ateliê de Ana das Carrancas – falecida há um ano, aos 85 anos – às 12h10. Cumprimentou José Vicente, marido da artista, e viu algumas peças. “Tem que salvar o acervo. Tem muita obra dispersa”, disse. Todas as carrancas feitas por Ana têm uma característica em comum: os olhos vazados, em homenagem ao marido, cego de nascimento.

Em seguida, Serra e o prefeito Júlio Lossio (PMDB) visitaram o Hospital Dom Malan, o principal de Petrolina. Inicialmente, visitariam o Hospital de Traumas, mas o prefeito preferiu levar o tucano a outra unidade médica. Depois, Serra visitou o ex-deputado Osvaldo Coelho (DEM). Osvaldão, como é chamado, tem fama de bom anfitrião. Ninguém vai embora de barriga vazia, comentam aliados. Mesmo antes do almoço, foram oferecidas ao tucano frutas produzidas no Vale do São Francisco.

Serra quer Jarbas na briga com Eduardo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Uma crise alérgica impediu que o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) acompanhasse o governador José Serra (PSDB-SP) na visita a Petrolina. “Ele ligou e disse que tomou remédio, mas nem conseguiu sair da cama direito”, informou a deputada Terezinha Nunes (PSDB). Mesmo na ausência, Serra fez um apelo para que o peemedebista dispute a eleição em 2010. “Acho que seria muito positivo para Pernambuco se Jarbas fosse novamente candidato a governador”, disse.

Integrantes da extinta União por Pernambuco avaliam que o senador seria o único nome capaz de alguma competitividade com o governador Eduardo Campos (PSB). Argumentam ainda que sua participação é fundamental para garantir um palanque para Serra em um Estado onde o presidente Lula é muito forte. Mas o tucano negou que o incentivo a Jarbas tenha ligação direta com a eleição presidencial. “Não avalio se é importante para mim ou não. Tem que ser importante para Pernambuco, e eu acho que é”, desconversou.

No Bodódromo, durante o almoço, Serra teve contato direto com potenciais eleitores em Petrolina. Antes de sentar, passou por várias mesas, cumprimentou pessoas e posou para algumas fotografias. Ele negou-se a comentar as críticas do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), que mudou seu domicílio eleitoral para São Paulo. “Tenho mais o que fazer”, resumiu.

Ministra insiste na tese de ''confronto de dois projetos''

Eliana Lima
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em visita ontem a obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, voltou a defender a ideia de polarização entre PT e PSDB na campanha presidencial de 2010. A ministra considerou, porém, normal a opinião divergente do governador de São Paulo Jose Serra sobre o tema. "Acredito no confronto entre os dois projetos, embora isso não desabone os demais candidatos, mas é normal que dois projetos sejam objeto de avaliação do eleitor. Não existe nada de complexo nisso", afirmou Dilma.

A ministra teceu elogios ao deputado Ciro Gomes (PSB-CE), também pré-candidato ao Planalto. Segundo ela, Ciro é um "grande companheiro" que participou do governo Lula e demonstrou "grande solidariedade política" com o governo no primeiro mandato. "Tenho por ele uma grande admiração, então, obviamente, tenho certeza de que estaremos juntos em algum momento. Ciro necessariamente será uma pessoa do nosso campo popular, do nosso projeto. Ele já demonstrou essa intenção", afirmou.

Sobre a eventual candidatura de Marina Silva (PV-AC), a ministra disse que a senadora tem tudo para também compor com o PT.

Diferentemente de sexta-feira, quando afirmou que Marina "não representa mais o projeto Lula", Dilma ontem preferiu ver na senadora uma provável aliada. "Tem tudo para estar com a gente", disse. "Não acredito que ela ficará do outro, não."

Ontem a ministra visitou três pontos do canteiro de obras da via expressa em Salvador, empreendimento incluído no PAC. Dilma também passou pelo congresso estadual do PC do B e seguiu para Belém, no Pará.

Guerra entre Dilma e Serra chega à TV ainda em 2009

Christiane Samarco
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Comerciais de PT e PSDB a serem exibidos em novembro e dezembro antecipam tom da campanha

Os candidatos do PSDB e do PT à Presidência só se enfrentarão no palanque eletrônico do horário eleitoral gratuito em 2010, mas as duas legendas já se preparam para a guerra na televisão que será deflagrada já no fim deste mês. Um dirigente tucano avisa que o PSDB também está se organizando para fazer uma "campanha de guerrilha" na internet. O partido quer entrar no ano eleitoral pronto para combater os adversários.

A cúpula tucana bem que pressionou seus presidenciáveis - os governadores José Serra (São Paulo) e Aécio Neves (Minas Gerais) - para que apressassem uma definição de modo que o partido pudesse apresentar seu candidato a presidente na televisão este ano, em seus comerciais e no programa partidário garantido pela lei eleitoral. Mas os dirigentes foram atropelados por um acordo entre os dois tucanos de segurar a definição até dezembro.

Acertados, Serra e Aécio queriam dividir o espaço do partido na televisão. Também não conseguiram. A direção nacional avalia que apresentar dois nomes só serve para confundir o eleitor.

Na falta de um candidato definido para exibir ao eleitorado, a direção do PSDB se reunirá na quarta-feira, em Brasília, para tentar dar cara nova à velha fórmula da crítica ao governo e ao PT. É claro que, com o presidente Lula, que está em alta nas pesquisas de opinião, ninguém mexe. Mas os tucanos planejam ser impiedosos com "o governo que fala muito e faz pouco", mostrando o atraso geral nas obras do Executivo.

O PSDB começará sua ofensiva pelo Maranhão do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A direção nacional do partido vai usar os três minutos de rádio e televisão a que a regional maranhense tem direito, em dois comerciais de um minuto e meio que irão ao ar nos dias 21 e 23 de outubro.

Em novembro, o tucanato vai espalhar suas críticas em mais 12 Estados (ES, RJ, PR, RS, SC, CE, SE, PI, AP, RR, GO e MS). A legenda tomará cerca de cinco minutos da programação de mais quatro regionais (DF, PE, PA e TO) em dezembro. As quatro inserções nacionais do partido estão programadas para os dias 17, 19, 24 e 26 de novembro.

O PT leva a vantagem de falar por último ao eleitor. Terá a oportunidade de rebater todas as críticas nos comerciais que serão exibidos nos dias 1º, 3, 5 e 8 de dezembro. O programa partidário do PT, com 10 minutos de duração em cadeia nacional de rádio e televisão, está previsto para 10 de dezembro. Neste caso, quem vai levar a melhor é o PSDB. O programa nacional dos tucanos só será exibido na segunda quinzena do mês, fechando a temporada de propaganda partidária de 2009.

Newtão, agora aliado exigente do PT

Fábio Fabrini
DEU EM O GLOBO

Ele se diz traído por petistas e defende de novo aliança, mas com PMDB na cabeça

BELO HORIZONTE. Aos 71 anos, o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso (PMDB) é hoje uma sombra do poder que acumulou nos anos 80. Sem cargo desde o fim de 2002, quando perdeu as eleições para o governo do estado, é acusado em inúmeros processos de corrupção.

Terá de disputar votos para a Câmara dos Deputados com a ex-mulher, a deputada Maria Lúcia Cardoso (PMDB), na região de Contagem, cidade da qual foi prefeito três vezes. Depois de se aliar ao PT e perder a campanha para o Senado em 2006, se diz traído pelo presidente Lula e seus aliados. Mas, ao mesmo tempo, conta com a aliança petista em 2010 para se reeguer e ainda faz exigências.

Para afiançar a composição do PMDB com o PT para o Palácio da Liberdade em 2010, quer que seu partido tenha o ministro das Comunicações, Hélio Costa, na cabeça de chapa — o que significaria, para o PT, abrir mão das pré-candidaturas do ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome) e do ex-prefeito de BH Fernando Pimentel.

Diz que é preciso retardar a entrada de seu partido na chapa da ministra Dilma Rousseff à Presidência até que o PT assegure espaço para os peemedebistas nos estados.

— Fui usado pelo PT aqui em Minas, inclusive pelo Lula, que me prometeu mundos e fundos e não cumpriu. Não queria sair para senador, e a primeira coisa que fizeram foi retirar o apoio a mim. Fiquei sozinho.

O polêmico Newtão voltou recentemente de encontros com Orestes Quércia (PMDB), aliado do tucano José Serra em São Paulo, e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), que tenta viabilizar sua candidatura ao governo da Bahia.

— Não aceito composição minoritária.

Se o PMDB for mais uma vez caudatário do PT em Minas, acabou-se o partido — afirma, acrescentando que o Planalto não pode “querer tudo”.

Houve tempo em os recados de Newtão causavam estrondo entre os peemedebistas de Minas.

Ele era o “dono” do partido no estado. Hoje até aliados questionam sua influência.

— É um cacique, mas nem todo mundo escuta mais o apito.

Sua imagem se desgastou e o partido quer se renovar — diz um ex-prefeito do PMDB.

A trajetória política de Newtão começou aos 19 de idade, quando se filiou ao Partido Republicano (PR) — extinto pela ditadura militar. No PR, Newtão militou no movimento estudantil, mas no MDB começou a disputar cargos eletivos.

Além de governador (19871991), foi três vezes prefeito de Contagem (1973-1977, 1983-1986 e 1997-1998), segunda maior cidade de Minas, duas vezes deputado federal (1979-1983 e 1995-1996) e uma vez vice-governador do estado (1999-2003).

Ainda é alvo de investigações de corrupção por cargos que ocupou há mais de 20 anos.

O mais recente inquérito aberto pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) está prestes a ser concluído e enviado à Justiça. Apura esquema de pagamento de propina a Newtão em seu segundo governo em Contagem. Segundo os promotores, empresários de ônibus repassavam cheques a ele, em troca de decretos autorizando a prestação de serviços. Ele teria recebido pelo menos um milhão de cruzeiros (valor não atualizado) para sua campanha vitoriosa ao governo de Minas.

No comando do Palácio da Liberdade, sofreu pelo menos dois pedidos de impeachment na Assembleia Legislativa por desvios em obras, bens não declarados e outras irregularidades.

Uma comissão para apurar as denúncias foi aberta, mas as apurações não avançaram.

— Na época, o PMDB tinha maioria no Legislativo. O presidente da comissão, José Laviola (falecido), abriu os trabalhos agradecendo ao governador pela indicação — lembra o ex-deputado e atual vice-prefeito de BH, Roberto Carvalho (PT).

Newtão foi acusado pela oposição de sumir com lustres do Palácio da Liberdade e presentear secretárias da prefeitura de Contagem com ouro comprado com dinheiro público. As denúncias foram arquivadas.

Ação civil pública pede a devolução de R$ 120 milhões e o bloqueio dos bens do ex-governador e seu antecessor, Hélio Garcia, por abandonarem a obra do Cardiominas — um hospital da capital mineira — só finalizada há dois anos. Não houve julgamento.

Em outro processo, Newtão foi condenado a restituir os cofres públicos por viajar às suas fazendas em helicóptero do estado, quando vice-governador.

Recorreu.

Promotores apuram prejuízos na obra de um sistema de trólebus (ônibus elétrico) em BH. Ela começou com Hélio Garcia, mas Newtão desistiu da ideia para implantar o VLT (veículo leve sobre trilhos). Dois veículos foram comprados e parte da infraestrutura instalada, mas nenhum passageiro foi transportado.

A Justiça de Contagem analisa mais dois casos por uso de servidores da prefeitura em proveito particular.

— Se tivesse cometido erro, não estaria de pé até hoje — responde ele. Sobre as obras paradas, diz que não teve responsabilidade.

Rio: Disputa para o Senado

DEU EM O DIA

Se as eleições fossem hoje, senador do PRB estaria reeleito, segundo pesquisa do Gerp

Rio - O senador Marcelo Crivella (PRB) estaria com a reeleição para o Senado garantida se as eleições fossem hoje, de acordo com pesquisa do Instituto Gerp. Com 31% de intenções de votos nos dois cenários pesquisados, Crivella praticamente já teria uma das duas vagas de senador em disputa em 2010, segundo o presidente do Gerp, Gabriel Pazos.

“Estatisticamente, hoje Crivella estaria com a reeleição garantida. A disputa seria pela segunda vaga”, explica Gabriel. O deputado federal Fernando Gabeira (PV) é o que teria a maior chance de ser o segundo senador do Rio. No primeiro cenário, ele obteve 24% de intenções de votos e, no segundo, com Cesar Maia (DEM) e Benedita da Silva (PT) entre os candidatos, Gabeira ficou com 22%.

“Se Crivella e Gabeira não cometerem nenhum erro até as eleições, os dois podem aumentar suas chances de serem eleitos”, avalia o presidente do Gerp. Para ele, a posição de Crivella se deve ao fato de o senador estar “com visibilidade desde 2002”. “Ele participou de três disputas majoritárias (prefeito do Rio em 2004, governador em 2006 e, novamente, prefeito em 2008) que o deixaram à mostra para os eleitores”, explica.

Uma das surpresas na pesquisa foi a ex-juíza e ex-deputada Denise Frossard (PPS). Apesar de estar afastada da política desde 2004, quando perdeu a disputa para o governo do estado para Sérgio Cabral, Frossard foi a terceira colocada nos dois cenários pesquisados.

“É muito cedo para avaliar a intenção do eleitor, mas não deixa de ser um bom índice”, afirmou o deputado estadual Comte Bittencourt, presidente regional do PPS, sobre a posição de Frossard. Fernando Gabeira disse que não tem o hábito de comentar pesquisas, mas comemorou. “Começar em segundo lugar já é um bom começo. Em geral, costumo começar com 3%, 4%”, disse ele, rindo.

‘GENEROSIDADE’

Crivella atribuiu o resultado “à enorme generosidade do povo do Rio”. “Estar em primeiro lugar aumenta minha responsabilidade”, diz. Já o ex-prefeito Cesar Maia contestou os números. “Tenho pesquisas no mesmo período com números diferentes”, disse Maia, por e-mail.

O quadro para o Senado, porém, pode mudar em 2010 porque Gabeira pode concorrer para governador, em uma coligação que uniria o PV, PPS, DEM e PSDB. Ele disse que até o fim deste mês vai se definir sobre a candidatura. A pesquisa foi encomendada pelo Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias.

Votação em todas as regiões do estado

Os dados do Gerp mostram que Marcelo Crivella tem intenções de voto consolidadas em todas as regiões do estado. Na Baixada e na periferia do Rio, o senador obteve índices acima da média da sondagem, chegando a 49% em um dos cenários, na periferia carioca.

Fernando Gabeira também obteve bons índices em todas as regiões, especialmente na capital, onde ganha de Crivella nos dois cenários.

O ex-prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), aparece com maior rejeição: 17%, seguido de Crivella e Benedita, com 13% cada. Gabeira é rejeitado por 9% dos eleitores, mesmo índice do presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), Jorge Picciani (PMDB). Este atinge apenas o máximo de 4% de intenções de votos.

Para Gabriel Pazos, porém, as intenções de voto em Picciani devem crescer com a campanha. “A máquina do governo pode colocá-lo na disputa”, avalia o presidente do Gerp.

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