domingo, 23 de agosto de 2009

Corações partidos

Ivan Marsiglia
ENTREVISTA - LUIZ WERNECK VIANNA, cientista político, professor e pesquisador do Iuperj
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /ALIÁS

Saída de Marina Silva e Flávio Arns e crise com Aloizio Mercadante no Senado expõem rachaduras do PT na aliança para 2010

No Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, foram cinco horas de conversa, que se estenderam até 1 da manhã. Como se não bastassem, ao raiar do dia já estava nas mãos do senador Aloizio Mercadante um novo apelo, por escrito. Embora rumores em Brasília dessem conta de que o governo daria de ombros ao pedido de renúncia "em caráter irrevogável" do líder no Senado - por causa do arquivamento sumário de todas as denúncias contra o presidente da Casa, José Sarney, e o senador tucano Arthur Virgílio, na quarta-feira -, o conhecido faro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter sentido o tempo mudar. E achou prudente não permitir novo desfalque no Partido dos Trabalhadores, na mesma semana em que os senadores Marina Silva e Flávio Arns pediram sua desfiliação.

"O governo errou, meu partido errou, eu errei", chicoteou-se Mercadante na tribuna ao anunciar, ao povo, que fica. As rachaduras, no entanto, permanecem. Marina Silva deu sinal verde para uma candidatura de terceira via pelo PV, enterrando a disputa plebiscitária entre Dilma Rousseff e José Serra desejada pelo Planalto. E o PT de São Paulo já começa a sinalizar com um plano A para Dilma - "a" de Antônio Palocci. Com tudo isso, o cálculo político de Lula ao manter Sarney no Senado para garantir o PMDB na chapa da candidata petista em 2010 não fecha.

"O operador político, por mais competente que seja, tem lá seus desmaios. Acho que houve um erro aí", avalia o cientista político carioca Luiz Werneck Vianna, professor titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), para quem a estratégia de Lula ao dissuadir Sarney da renúncia à qual já estava resignado acabou por trazer um desgaste maior do que o esperado. Um equívoco logo da parte do político que ele considera "o grande prestidigitador", capaz de trazer a pluralidade da sociedade brasileira "para dentro do Estado" e arbitrar ali suas gritantes contradições. Daí as recentes evocações à herança de Getúlio Vargas por parte do sindicalista que criticava o peleguismo no ABC dos anos 70 e 80 - em um processo que Werneck Vianna define como "o Estado Novo do PT".

Na entrevista a seguir, o professor fala da presença ofuscante de Lula em seu partido - hoje "inteiramente dependente de seu carisma" -, do enigma de uma sucessão a cada dia mais imprevisível e o futuro do PT em caso de derrota em 2010. Discute também as dificuldades do Brasil em deixar para trás o patrimonialismo incrustado no Estado e em sua vida social. E vê, ao final do ciclo dos "presidentes cordiais" Fernando Henrique Cardoso e Lula, a possibilidade de superação do "infantilismo político" que retarda a modernização do País.

Na esteira da crise no Senado, em uma mesma semana, dois senadores do Partido dos Trabalhadores, Marina Silva e Flávio Arns, pediram desfiliação. E o líder da bancada, Aloizio Mercadante, só não entregou o cargo após um apelo pessoal do presidente. Lula engoliu o PT?

A vida partidária no PT está muito ofuscada pela presença dominante de Lula. O presidente tomou conta do partido, que é hoje um instrumento dele.

Quem dá as cartas é mesmo Lula, a bordo de seus 80% de popularidade, o deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT, que enquadrou a bancada do Senado a votar a favor do arquivamento das denúncias contra Sarney, ou José Dirceu, que voltou à cena recentemente?

São todos políticos pragmáticos que, postos diante de uma encruzilhada, escolhem um caminho possível, independentemente dos princípios, de sua história imediata e de sua formação de origem. Lula tem um gênio para se adaptar às circunstâncias e tirar delas a posição mais favorável para ele. E tem ido nessa direção. Não se pode esquecer que, depois da crise do mensalão, mais profunda e longa que esta, houve uma recomposição de forças e o PT ganhou o segundo mandato. Só que agora, uma vez que o PT abdicou de exercer um comportamento autônomo quanto ao governo, o partido se encontra inteiramente dependente de seu carisma.

Qual foi o cálculo político de Lula na crise do Senado?

Ao que parece, o governo trabalhou para conter uma eventual CPI da Petrobrás, que talvez nem tivesse efeito tão explosivo, no fim das contas. A defesa do presidente em relação a Sarney não era obrigatória nem inevitável. Foi um caminho tomado que não deu volta. O operador político, por mais competente que seja, tem lá seus desmaios. Nem sempre consegue realizar o melhor movimento a cada instante. Acho que houve um erro aí. Veja, eu não gostaria de satanizar o Sarney: me recusei esse tempo todo a fazer isso. Mas ele ficou sem defesa. Lula fez um cálculo eleitoral, para manter próximo o PMDB, que acabou trazendo um desgaste maior do que se esperava.

A candidatura Dilma Rousseff, sobre a qual o PT nunca foi consultado, será a maior vítima desse erro? Circulam rumores de que petistas paulistas já sugerem substituí-la pelo ex-ministro Antônio Palocci, nome que ?empolgaria mais?.


Certamente. Pode haver uma rebelião no partido, e a esta altura os indicadores começam a aparecer. Se o mensalão não tivesse ocorrido, tenho certeza absoluta de que o candidato seria José Dirceu. Mesmo com Palocci no páreo, Dirceu teria removido tudo da frente. Mas, diante do cenário que restou, Dilma tornou-se a única alternativa confiável para Lula. Resta ver se o presidente terá força, faltando um ano para o fim do seu mandato, de segurar esse tecido tão complexo, variado, que é o PT, com todas as suas tendências. Mantê-lo unido em torno de uma candidatura que não saiu do seu seio - uma candidatura de dedo, indicada - é possível, mas não será fácil.

Em um artigo recente, o senhor lança mão de uma metáfora utilizada pelo historiador Raymundo Faoro, a da 'viagem redonda' do Brasil - que se moderniza, sem remover o patrimonialismo de seu caminho - para descrever mudanças pelas quais o PT passou nos últimos anos. O que quer dizer?

O PT começa seguindo o mapa que Faoro desenhou, dos recifes a serem evitados. Mas em seus dois governos ele assume esse mapa e passa a governar com ele. É o que qualifiquei de "viagem quase redonda" do PT - que em sua origem recusava o modelo do nacional-desenvolvimentismo da era Vargas, sua estrutura sindical corporativa e o processo de modernização imposto pelo Estado à sociedade. E o que se viu, por astúcia da razão, foi o partido acabar se identificando com esse mesmo inventário.

Que tipo de ?astúcia da razão? fez com que o PT abandonasse o que o senhor chama de ?DNA contestador da modernização à brasileira?, que o partido possuía?


Governar é ser posto diante de escolhas difíceis, de encruzilhadas. E, à medida que foi se colocando diante delas, Lula foi fazendo opções que acabaram recuperando a tradição da era Vargas, sem que houvesse intenção clara nisso. Acho que não houve uma estratégia: incidentes no meio do caminho foram tangendo o PT a se identificar com temas, trajetórias e formas de conceber a política que antes denunciava como males do Brasil - como o corporativismo sindical, por exemplo. Outro dia mesmo saiu estampada nos jornais uma frase do presidente Lula repudiando o processo de denúncias que Getúlio sofreu. No governo, ele passa a ser o grande defensor de uma tradição republicana que o PT sempre criticou. E não estou fazendo juízo de valor com isso: em boa parte, sou até favorável à valorização dessa tradição.

Em que sentido?

Publiquei um conjunto de ensaios com o título Tradição Republicana Brasileira, que afirma sobretudo a importância do Estado. Este país não pode ser pensado sem essa instituição: ele foi criado a partir dela. E tem sua história de modernização diretamente atrelada à ação estatal. É evidente que ela assumiu sempre uma função assimétrica em relação à sociedade, em alguns momentos, autoritária, em outros, autocrática, como em 1937. Mas, ao longo do processo de modernização brasileira, o Estado foi sendo obrigado a se democratizar. E se encontra hoje, apesar de tudo, mais democratizado do que em qualquer outro momento de nossa história - no que a Carta de 1988 exerceu papel fundamental. É preciso valorizar o público. Especialmente após a crise financeira que se abateu sobre o mundo. É importante ter um Estado com capacidade de intervir e certo patrimônio para defender dimensões capitais da economia.

Alguns analistas políticos afirmam que as forças de oposição ao governo Lula foram fracas e desarticuladas. O senhor concorda?

A oposição ficou muito difícil de se fazer porque o presidente levou a sociedade toda para dentro do governo. O capitalismo agrário foi para dentro. O MST também. Os empresários da indústria, assim como várias centrais de trabalhadores, idem. Costumo dizer brincando que só eu estou fora (risos). Então, como se pode operar em um contexto que o governo mantém uma enorme capacidade de envolver a sociedade e trazê-la para si, dando-lhe posições de governo e, além do mais, cativando a massa da população desorganizada com um programa do tipo Bolsa-Família. Não sobra espaço para a oposição. Agora, na medida em que o governo Lula se aproxima do final, as contradições que o animam vão aparecendo. Porque a única possibilidade dessas contradições conviverem, coexistirem, era a ação dele. Lula foi o grande prestidigitador, o alquimista capaz de trazer a pluralidade da sociedade para dentro do Estado e fazer com que suas controvérsias se desenvolvessem lá dentro - e não fora -, sob sua arbitragem. Essa é a arquitetura getuliana que eles incorporaram, e que descrevi no artigo O Estado Novo do PT.

Um outro percurso teria sido melhor para o partido?

Eu não sou nem nunca fui um intelectual do partido, não penso a partir do PT. Mas foi uma trajetória possível. Outra teria sido necessariamente mais ousada, mas provavelmente não teria feito o segundo mandato. E, se o tivesse feito, teríamos hoje um presidente enfraquecido, incapaz de interferir no processo de sua sucessão.

Essa interferência de Lula em sua sucessão fica prejudicada pela entrada de Marina Silva na disputa?

Acho que o fenômeno Marina é de enorme importância, de um tamanho que a gente ainda não consegue estimar direito. Não o vejo como mero episódio de luta eleitoral. A ida da Marina para o Partido Verde e sua candidatura à Presidência da República são fatos de enorme importância para a estruturação do sistema partidário brasileiro. O PV será, sem dúvida, revitalizado com a chegada de um quadro da expressão nacional e internacional de Marina. Ela é carismática, tem uma vida que se pode mostrar e milita em um tema de relevância mundial. Não é uma perda que um partido possa sofrer impunemente. Sua entrada no jogo vai mudar muito as eleições e a política brasileira. Sua candidatura é imprevisível, especialmente nesse contexto de desmoralização da política, dos quadros políticos, dos partidos. Ela parece alguém fora de tudo isso, uma pessoa limpa no meio de um mundo contaminado.

O PV tende a se aproximar mais do PSOL, que está no campo da esquerda, ou do PPS, mais próximo do PSDB?

Acho que o PV deve seguir uma trajetória independente, consultando as conveniências. A esquerda brasileira faz um movimento com a Marina que pode ser metaforicamente compreendido pela migração do ABC de São Paulo, a classe operária moderna do Brasil, para Xapuri, a selva, o Acre - um território de outro tipo, onde o capitalismo é fraco, as dimensões materiais não são tão valorizadas, há uma ênfase na dimensão espiritual e nas relações solidárias. Vejo nela uma outra forma de expressão para as lutas anticapitalistas no Brasil, que não passam por setores modernos, mas por essa mística do camponês, do interior, de uma cultura não contaminada pelos interesses materiais.

Em que sentido isso pode ser renovador?

Veja, não estou aqui me identificando ou sendo mobilizado como cidadão. Mas para se ter uma ideia da importância, basta pensar que a Amazônia é um tema estratégico para o Brasil e para o mundo. Acredito que a candidatura Marina vá atrair a atenção de ONGs da Noruega, da Dinamarca, da Alemanha e dos EUA em torno de uma liderança de natureza quase messiânica. Sua entrada na campanha deixa a sucessão mais imprevisível do que era. E não descarto a possibilidade de ela ter boa recepção nas urnas. Efeitos Obama são possíveis aqui.

Em um cenário de tantas concessões em nome da ?governabilidade? e da aliança para a sucessão de Lula, o que pode restar ao PT caso perca a eleição de 2010?

2010 é para o PT de hoje questão de sobrevivência. Se perder, terá de fazer uma grande reavaliação, discutir sua trajetória recente e as razões da derrota. E aí ou o partido sai renovado, com uma linha mais definida na qual o lulismo terá sido enterrado, ou viverá uma crise permanente até perder o resto de sua identidade original. Como eu sempre digo, partidos não morrem, mas podem diminuir, se apequenar. Aquele PT pré-2002 já é um capítulo do passado.

Há algumas semanas, o pré-candidato Ciro Gomes falou do dilema de se governar o País com ou sem o PMDB: da difícil convivência com esse ?centrão? conservador. Para ele, apenas Lula, a bordo de sua enorme popularidade, resiste a tanto desgaste. E previu uma crise para 2010 pois ninguém - Serra, Dilma, Marina ou ele próprio, Ciro - será capaz de administrar essa realidade política. Ele tem razão?

Quem tinha força e representação política para segurar esse difícil equilíbrio de contrários era o Lula. Sem ele, esse tecido tende a esgarçar, o que não quer dizer se romper. Mas as dificuldades serão bem maiores. E, inclusive, obrigarão o governo a ter uma linha mais definida, com menos conciliação - o que pode vir a ser bom.

De que maneira?

Pode nos obrigar a uma maturidade política que não fomos obrigados a ter, submetidos que fomos ao infantilismo político que advém do fato de termos sidos tutelados 16 anos por essa social-democracia que optou pela indefinição: a do PSDB e a do PT.

Então o senhor concorda com a tese de Fernando Henrique Cardoso segundo a qual não resta ao PSDB nem ao PT mais do que exercer o papel de ?vanguarda do atraso?, conciliando as forças conservadoras para se manter no poder?

Sem dúvida. A única possibilidade de Fernando Henrique me citar é para dizer que eu sempre sustentei isso (risos). O Brasil moderno, sozinho, não tem força para se afirmar sem o apoio da tradição. Mas é o moderno que tem que dirigir a tradição.

Em 2010 será possível ir um pouco além nessa ?liderança do atraso?, pelo menos?

Acho que tanto Serra quanto Dilma teriam identidades mais bem definidas e poderiam governar a partir do moderno, da extensão das riquezas materiais. Eles têm um perfil muito parecido, na verdade. Iriam conviver com esses grupos mais conservadores, mas manteriam com eles relações menos próximas que as existentes nos governos FHC e Lula. Inclusive por temperamento. Fernando Henrique e Lula são dois brasileiros cordiais. Você não pode dizer isso do Serra nem da Dilma.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Mercadante virou suco

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Estava na sexta-feira no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, esperando a hora de embarcar de volta para o Rio, quando minha atenção foi atraída por uma máquina de fazer suco de laranja. A fruta entra por um tubo, é espremida e seu bagaço é jogado numa lata de lixo pelo mesmo tubo que sobe para pegar outra laranja. De vez em quando uma laranja sai do lugar e um balconista tem que abrir a máquina e colocar a laranja no tubo certo com a mão

Enquanto admirava essa maravilha da modernidade, o celular tocou. Era o senador Aloizio Mercadante que, naquela mesma tarde, havia feito um patético discurso no Senado revogando sua decisão irrevogável de sair da liderança do PT no Senado, em protesto contra o acochambramento que livrou o presidente do Senado José Sarney dos processos no Conselho de Ética.

Enquanto ouvia as explicações de Mercadante, não me saía da cabeça aquela laranja que não entrara no fluxo normal de produção de suco e que a mão do balconista teve que recolocar no devido lugar.

O balconista tinha a cara do Lula, e a laranja era o próprio Mercadante, que acabou virando suco. Essa não é lá uma grande metáfora, mas foi assim mesmo que me ocorreu.

O senador petista tem 54 anos, mas mantém uma relação infantilizada com o presidente Lula, a quem não consegue dizer não.

Como se todos os seus eleitores, e os que acompanham sua vida pública, fossem obrigados a entender seu drama pessoal.

Até entendo, mas não compreendo que com seus avanços e recuos Mercadante tenha jogado fora uma carreira política que, embora também marcada por avanços e recuos, tinha lá sua importância dentro do PT.

Ele me diz que está convencido de que a tarefa que tem pela frente é lutar, dentro do PT, para retomar as origens do partido que ele considera abandonadas pelo pragmatismo político que domina as relações partidárias no Congresso.

A versão de Mercadante para a conversa de cinco horas com o presidente Lula não coincide com relatos muito mais cruéis vazados pelo Palácio do Planalto e por setores petistas, que dão conta de que a conversa “amiga e franca, relembrando momentos históricos dos últimos 30 anos” foi, na verdade, um “puxão de orelhas” do presidente Lula em seu pupilo, a quem teria dito: “Não dá para vacilar diante do primeiro embate. As alianças têm duas mãos”.

Ora, o presidente Lula assume nessa frase todo o pragmatismo que levou o PT a apoiar primeiro Renan Calheiros, e agora José Sarney, episódios em que o senador Aloizio Mercadante vacilou, ficando sem apoio de nenhum lado.

Na votação para salvar Renan Calheiros da cassação no plenário do Senado, ele se absteve e deu o sinal para que sua bancada seguisse o caminho que aparentemente era o mais fácil para cumprir as determinações do Palácio do Planalto e não sujar as mãos publicamente.

Não ganhou o reconhecimento de Renan Calheiros e perdeu credibilidade diante dos seus eleitores. Desta vez, tentou uma manobra mais coerente com seu discurso e a direção nacional de seu partido passou por cima dele como um trator, desautorizando-o publicamente, seguindo orientação pessoal do presidente Lula.

Ao anunciar que renunciaria à liderança do partido, Mercadante estava fazendo o gesto político que o reconciliaria com a opinião pública, mas o colocava em choque com todo o aparato partidário e com o Palácio do Planalto.

O senador Eduardo Suplicy passou por esse mesmo problema em 2006, e só não foi boicotado pela cúpula do PT porque ela não tinha, àquela altura, força política para retalia-lo, ferida de morte pelo mensalão, a gota d’água que transbordou o copo de mágoas do establishment petista contra Suplicy, que defendeu as investigações.

Mas Suplicy por pouco não se elegeu, quase sendo atropelado pelo candidato do DEM Afif Domingues.

A revogação da palavra por parte de Mercadante pode significar seu suicídio político na reeleição de 2010, mas ele não tinha opção, pois o partido já o avisara que poderia não ter a legenda para disputar uma das vagas para o Senado se persistisse nessa posição de dissidente.

Concomitantemente, a exprefeita Marta Suplicy lançou sua candidatura ao Senado, e dificilmente Mercadante terá força política para demovê-la do intento.

Mas para um político que pretende representar a ala moderna do partido — tem twitter, Orkut, myspace, facebook, blog — e que defende a retomada dos princípios éticos que teriam fundamentado o Partido dos Trabalhadores em outras épocas, Mercadante, que queria passar a ideia de ser um peixe fora d’água nesse novo petismo, agora parece uma caricatura de si mesmo — na feliz percepção do Chico Caruso — pendurado num cargo que sabe que não tem condições políticas de exercer.

O episódio dos “aloprados” na eleição de 2006, em que um grupo de petistas comprou dossiês contra José Serra, então seu adversário ao governo de São Paulo, e Geraldo Alckmin, candidato tucano à Presidência da República, já marcara sua vida política, pois seu principal assessor de campanha eleitoral era o comandante da operação ilegal que ele alega até hoje ter sido montada à sua revelia.

Mas Mercadante tem uma utopia: a aliança política entre PT e PSDB para garantir a governabilidade, sem a necessidade de negociar com o PMDB a cada passo, como aconteceu agora no episódio Sarney.

A julgar pela reação irada dos petistas diante da revelação de que acatara também pedidos do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e do líder tucano, Arthur Virgilio, essa será mais uma utopia a ser arquivada.

E, do lado dos tucanos, se depender de José Serra, o “mitômano” Mercadante também não terá vez nessa eventual coligação. Se é que ele terá um mandato para defende-lo no próximo Congresso.

Casa de Zumbis

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Na Presidência, José Sarney não tem condições de presidir sessão nenhuma, arrastando os pés tristemente do gabinete ao plenário sob uma nuvem de ostracismo. Sua voz e sua mão nunca mais vão parar de tremer na tribuna.

Na liderança do PT, Aloizio Mercadante é um fantasma dele mesmo, numa função fantasma. Líder de uma bancada subjugada pelo Planalto e que se desfez em pedaços e em intrigas, ele não fala mais para seus pares petistas, nem para a base aliada, nem para a oposição.

Na liderança do PSDB, o principal partido da oposição, Arthur Virgílio engaveta os seus discursos irados e recheados de um certo lustre intelectual para conviver hoje, amanhã e sempre com o depósito feito por Agaciel Maia para pagar hotel em Paris e com os milhares de reais que saíram do público para financiar o estudo privado de um amigo assessor.Sarney, Mercadante e Virgílio são zumbis de um Senado zumbi. E não só do Senado, mas da política.

Sarney, o veterano de fala mansa e conversa agradável, não teve mais condições de eleger a filha Roseana ao governo do Maranhão e levou um suadouro de uma delegada negra e estreante nas eleições no Amapá. Enfraquecido em seus três feudos -o Maranhão, o Amapá e o Senado-, vai se agarrar desesperadamente a Lula, ao preço da aliança formal do PMDB com Dilma.

Mercadante, que se regozijava com a condição de senador mais votado do país, hoje já não dá para o gasto. Vêm aí as eleições para o governo de São Paulo, mas ninguém fala no nome do senador mais votado do Estado. Aliás, como veio o governo "do amigo" Lula, mas ninguém falou no seu grande assessor econômico para a Fazenda.

E Virgílio, uma ilha nos mais de 80% de Lula no Amazonas, entrou na política como jovem brilhante e está para sair como neurótico estridente e inconsequente. É um resumo cruel.

Mas, infelizmente, verdadeiro.

Eis a depuração?

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Com desligamentos, o partido faz de conta que continua sendo o mesmo para ser o oposto

A saída de Marina Silva do PT amplia o elenco das perdas identitárias que vêm drenando de seus quadros algumas de suas figuras mais emblemáticas: Luiza Erundina, Cristovam Buarque, Heloísa Helena. Na sua diversidade, são nomes expressivos na relação do partido com setores moralmente sensíveis da sociedade brasileira. Faces visíveis de alguns dos grandes eleitores ocultos, decisivos na trajetória de qualquer partido político.

O PT é uma frente partidária que vem se estreitando. Nasceu como coalisão de tendências políticas e sociais de perfis muito desencontrados. Nasceu dos descontentamentos residuais em relação a partidos e tendências, de esquerda e conservadores. O PT se constituiu numa organização partidária fracionada mas articulada, em cujo interior podem ser identificadas duas grandes facções, que são as protagonistas de sua dinâmica e de sua crise atual. De um lado, a facção do poder, dos que, em linhas gerais, procedem da esquerda convencional e do aparelho sindical. De outro lado, a facção religiosa que, mesmo tentada pelo demônio do poder, só tem legitimidade quando expressa o profetismo cristão, particularmente o católico, tão forte em nossa cultura popular.

Nesse embate, o profeta invisível se alça contra o rei, aponta-lhe o dedo, questiona-o em nome da verdade do povo, derruba-o moralmente em nome da utopia de um tempo de fartura, justiça e esperança. Nesses dias, um dos desiludidos com o PT disse que o partido jogou a moral no lixo.

Na verdade, no lixo jogou mais do que a moral. Jogou a utopia que lhe deu cerne e estrutura, jogou sua própria alma. O PT oportunista corrompeu a identidade do PT inovador, o dos novos sujeitos da política que nasceram das exclusões cujo sentido se deu a ver durante os tempos repressivos da ditadura militar.

Lula, oriundo do sindicalismo de resultados e não propriamente do sindicalismo de luta, tornou-se um líder carismático porque em grande parte refabricado na mística do grupo de origem religiosa e, também, nos setores de esquerda que estavam ansiosos pelo poder para demonstrar sua competência como gestores não capitalistas do capital. Foi o modo de fazer com que o que era igual parecesse diferente. Seu carisma protegeu-o não só contra os descontentamentos populares em face de desregramentos como o do mensalão, e os possíveis descontentamentos das elites, mas sobretudo contra os descontentamentos no interior de seu próprio partido. A consequência tem sido o fortalecimento de seu absolutismo, o que se manifesta particularmente quando age como porta-voz da convenção partidária que não houve, do seu e de outros partidos, ao indicar Dilma Rousseff como candidata à Presidência, Ciro Gomes para o governo de São Paulo e Henrique Meirelles para o governo de Goiás. Hoje o PT é governado pelas conveniências do poder.

No entanto, o poder impôs ao PT a missão de transformar-se em partido político, o que tem implicado abrir mão de sua rica diversidade ideológica e suas conflitivas ideologias internas. As expulsões e desligamentos resultam desse processo de depuração, para que o partido faça de conta que continua sendo o mesmo para ser o oposto do que dizia ser. A crise de oportunismo que estamos vendo é a crise de nascimento do novo PT. Se o PT nasceu batizado como partido popular e religioso, está agora passando pelo rito do crisma, tendo como padrinhos Sarney, Collor, Jucá, Calheiros. Renasce modelado segundo as exigências de uma concepção retrógrada e rústica do poder, tendo como referência o reacionário oligarquismo da dominação patrimonial e o fisiologismo que lhe é próprio. Na rendição, ninguém escapa nem Aloizio Mercadante nem Ideli Salvatti cujos radicalismos se perdem na satanização do outro, na incompetência para a radicalidade, a de ir às raízes dos fatos e expô-las. Tornaram-se meros cúmplices.

Parasitando os movimentos sociais, o PT esperava transformar-se num sucedâneo civilizado do populismo rural e urbano. Aliou-se aos partidos e às figuras exponenciais do nosso atraso político na esperança de apossar-se de seu eleitorado. Mas na dialética desse tipo de interação acabou parasitado. Na sessão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para ouvir a sra. Lina Vieira, alta funcionária técnica do governo, recém demitida no confronto com a ministra da Casa Civil, a candidata de Lula à Presidência, o que se viu foi o governo do PT sendo defendido na primeira fila pela tropa de choque do oligarquismo e do fisiologismo. O partido substituído e representado por aquilo que foi no passado objeto de sua crítica e de sua contestação. E não faltou um PT policialesco, na retaguarda, inquirindo a depoente como se estivéssemos no tempo da ditadura, como se fosse ela que tivesse que explicar os arranjos que fazem do PT o que ele é hoje.
Os ingênuos dos dois lados do embate não se deram conta de que a depoente, sem nada dizer, fê-los engalfinharem-se contra e a favor do que era até então um mero fantasma, o fantasma de Dilma Rousseff, dando-lhe corpo e alma. Nem mesmo faltou a palavra inoportuna do presidente da República na tarefa que não lhe cabia, a de defender sua criatura desqualificando a funcionária.

O fato de que Marina Silva já apareça como opção eleitoral antes mesmo de ser oficialmente candidata dá bem a medida da ansiedade que setores ponderáveis do PT e do eleitorado têm por uma candidatura que represente o retorno aos valores que deram carnalidade a Lula. O fenômeno Marina Silva é o primeiro e poderoso indício de que o carisma de Lula tem sido silenciosamente abalado em seus fundamentos, mesmo que as pesquisas de opinião dêem-lhe altas porcentagens de apreço popular, que não é a mesma coisa que opção eleitoral e partidária.
Por outro lado, ao revelar que Ciro Gomes tem o mesmo índice de opções da candidata de Lula, as pesquisas indicam que a perda do seu carisma se desdobra também aí, na imaterialidade política da candidatura de Dilma Rousseff, mesmo com as poderosas verbas do PAC. Ou, talvez, por isso.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

Qualidade da democracia e a crise do Senado

José Álvaro Moisés
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Que impacto na opinião pública terá a decisão do Senado de arquivar as denúncias contra José Sarney e o líder do PSDB, Artur Virgílio? Políticos e alguns analistas desqualificam os efeitos desse tipo de desempenho para o funcionamento da democracia, mas é indiscutível que a desconfiança dos cidadãos de instituições como os Parlamentos e os partidos (hoje em torno de 80%) vai aumentar. Instituições não deixam de funcionar por causa disso, mas para bem cumprirem a função de assegurar direitos e a igualdade de todos perante a lei precisam de credibilidade pública.

O que distingue a democracia das alternativas autoritárias não é apenas a possibilidade de os cidadãos escolherem os seus governantes, mas também a de poderem avaliar se o processo de tomada de decisões de governos e Parlamentos atende a seus interesses e preferências. Quando isso falha ou é eliminado, o que está em questão não é se a democracia existe, mas a sua qualidade, ou seja, a capacidade do regime de efetivamente assegurar a liberdade e a igualdade por meio do controle e responsabilização de governos e políticos pelos eleitores, assegurando o primado da lei e a participação das pessoas comuns.

É um engano analítico sério considerar que, porque o chamado presidencialismo de coalizão garante a governabilidade, a democracia brasileira não enfrenta problemas. A governabilidade, na democracia, não diz respeito somente à capacidade do governo de fazer o que quer, o seu sucesso se mede também por quanto as suas ações asseguram os direitos, inclusive, de os eleitores efetivamente influírem nos rumos do processo político. No Brasil, a despeito dos altos índices de popularidade do presidente Lula, a maior parte das pessoas está insatisfeita com o funcionamento prático da democracia.

Esse regime perde qualidade quando a obrigação de governantes e representantes parlamentares de prestar contas de sua conduta e de suas ações é fraudada. Essa obrigação envolve tanto o direito dos eleitores de serem informados do que está sendo feito em seu nome, com base nas promessas eleitorais (responsabilização), quanto a obrigação do Legislativo e do Judiciário de controlarem e fiscalizarem a conduta e a lógica de ação do Executivo (accountability horizontal). A singularidade da democracia está no monitoramento pelas instituições da ação de quem tem poder, se e quando elas cumprem a sua missão.

Nesse sentido, a atual crise do Senado revela três questões inter-relacionadas.

Em primeiro lugar, há a sua crise propriamente institucional. Se quiserem recuperar o seu papel na democracia brasileira, os senadores terão de abrir mão de suas práticas corporativistas e de benefícios próprios, retomar a produção legislativa e responder às grandes questões nacionais. Mas isso implica ter respostas claras e inovadoras para temas delicados, como o das medidas provisórias ou a primazia do Executivo em definir unilateralmente a agenda do Legislativo, e para as propostas de extinção do Senado. Hoje a maioria não dá sinais de perceber a relevância dessas questões. Nem de querer enfrentá-las.

Em segundo lugar, a crise evidencia a sobrevivência da cultura política patrimonialista. Representantes tradicionais dessa cultura, como Sarney e os seus, ganharam sobrevida política nos últimos tempos com o apoio do presidente Lula e do PT. Ao contrário da promessa de sua fundação, o PT e o presidente escolheram uma forma de fazer política essencialmente conservadora, temerosa de qualquer mudança, conivente com o que há de pior na política brasileira. Para manter o poder tanto o "mensalão" como as irregularidades de Sarney, Renan Calheiros e outros são apresentados ao País como "normais" ou parte de um estilo de governança que não se envergonha de ferir as regras republicanas nem o princípio de que todos são iguais perante a lei.

Por fim, a retórica de Lula e dos seus aliados para convencer a opinião pública de que tudo vai bem não esconde as consequências antidemocráticas da estratégia dominante. Para assegurar a governabilidade e o apoio do PMDB em 2010 o presidente, mais uma vez, absolve os acusados de irregularidades antes dos ritos e investigações devidos e, como já fizera com outros partidos políticos, quando estimulou a migração de parlamentares de pequenas legendas para as que apoiavam a sua coalizão governista, ou no episódio do "mensalão", quando partidos e parlamentares receberam recursos "não contabilizados" para votar em projetos do governo, ele não hesita em desconstruir institucionalmente o seu próprio partido, humilhando seus líderes e fragilizando a conexão entre representantes e representados (Aloizio Mercadante que o diga).

Essas escolhas comprometem a responsabilidade esperada das lideranças políticas na construção da democracia. Este regime depende sempre da existência de boas instituições, mas só cumpre as suas promessas se e quando quem se supõe que sejam líderes democráticos mostre à sociedade, por sua conduta e por seu exemplo, não só que a democracia precisa ser defendida contra os seus inimigos, mas que ela é a melhor opção mesmo quando pune os políticos supostamente democráticos que atentam contra a dimensão republicana da democracia.

A tragédia da situação atual é que nem os líderes do governo nem os da oposição conseguem apontar uma saída eficaz para a crise. Todos parecem solidários em suas causas e efeitos. O acordão político que selou a decisão do Conselho de Ética do Senado de arquivar sem exame as acusações contra Sarney e Virgílio sinalizou esse entendimento para o público.

José Álvaro Moisés, professor de Ciência Política e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, é autor do livro Os Brasileiros e a Democracia (Ática, 1995)

O meio e a mensagem

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
/ILUSTRADA

Certos políticos lidam mal com a imprensa, como Lula, que sempre a acusa de parcialidade

A IMPRENSA também erra. Alguns importantes jornais brasileiros apoiaram o golpe militar de 1964, que pôs abaixo o governo de João Goulart. Tornou-se célebre o editorial de primeira página do "Correio da Manhã", intitulado "Basta!". Foi como um sinal para que os militares conspiradores deflagrassem a sublevação que derrubou o presidente legítimo e colocou em seu lugar um general até então desconhecido de todos.

O erro daqueles jornais foi fruto do temor de que a aliança de Jango com as lideranças de esquerda, por favorecerem a mobilização dos descontentes nas cidades e no campo, propiciaria a tomada do poder pelos comunistas. Temor injustificado, que os fez confiar nos militares como guardiões da democracia. Alguns meses foram suficientes para mostrar-lhes o engano em que haviam incorrido e, a partir de então, passaram a questionar o novo regime. A reação dos milicos não se fez esperar: das ameaças iniciais contra jornalistas, passaram à censura dos jornais, chegando ao ponto de instalar censor nas Redações.

Imprensa livre e regime autoritário não podem coexistir, e a razão é óbvia: a informação livre e a opinião independente são intoleráveis a quem se julga dono da verdade e inseguro quanto à legitimidade de seu poder.

É verdade, porém, que não são apenas os ditadores e os tiranos que odeiam a imprensa livre. As pessoas, de modo geral, não aceitam ser criticadas, e os políticos, especialmente, uma vez que o bom êxito de sua carreira depende da opinião pública.

Deve-se considerar, no entanto, que uma coisa é não gostar de ser criticado e outra é querer calar quem o critica. Aqui mesmo, como cronista, tenho sentido isso, quando abordo algum tema polêmico; há os que escrevem apenas discordando, mas há os que, indignados, sugerem que a direção do jornal me obrigue a calar. "Muito me admira que um jornal como a Folha publique artigos que ofendem a verdade..." Assim também pensava a ditadura: quem discordava dela, ofendia a verdade e, por isso, era legítimo calá-lo.

Certos políticos lidam mal com a imprensa, como é o caso do presidente Lula, que está sempre acusando-a de parcialidade e má-fé. Mas esse é um caso muito especial, já que nunca neste país um presidente da República teve tanta cobertura da imprensa. Sua figura e suas palavras estão permanentemente na tela da televisão e nas páginas dos jornais.

Não obstante, ele também permanentemente se queixa de que a mídia o persegue e a seus aliados. Recentemente, afirmou que os jornais estão condenando as pessoas, sem que a Justiça as julgue, quando, na verdade, o que a imprensa tem feito é divulgar informações, que podem ser desmentidas, no caso em que não sejam corretas ou verdadeiras. Mas espanta que Lula faça tais afirmações quando, de fato, ninguém acusou tanto seus adversários políticos como, durante 20 anos, o fizeram ele e seu partido. Lembro-me de sua cara na TV, com olhar furioso, exigindo o impedimento do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a propósito de acusações que a Justiça considerou falsas contra um auxiliar do gabinete presidencial.

Lula sabe muito bem de tudo isso, porque bronco ele não é. Sabe e diz o que diz, porque confundir a opinião pública é uma velha tática sua. Na verdade, ele é um presidente midiático, aliás, mais midiático que presidente, já que passa 90% de seu tempo a discursar em comícios e a fazer pronunciamentos. O que menos faz é governar, uma vez que quase nunca está em Brasília e, quando se reúne com seus ministros, é para discutir questões políticas ou providências que preservem sua boa imagem e a de seu governo.

Discursar é preciso, governar não é preciso...

E agora, quando se aproxima o ano eleitoral de 2010, novas iniciativas estão sendo tomadas para incrementar ainda mais a sua presença em todos os cantos e recantos do país. Além dos programas de televisão e rádio, em que se autopromove diariamente, terá agora uma coluna assinada em centenas de jornais pelo país afora.

Como não pode impedir que a imprensa noticie e opine sobre os atos de seu governo, vai tentar abafar-lhe a voz, escrevendo (?) e falando sem parar, todo o tempo e em todos os lugares, na esperança de que só sua voz seja ouvida. De qualquer maneira, melhor isso do que fechar os jornais e as redes de televisão, como continua fazendo seu amigo Hugo Chávez.


Apelo ao prefeito do Rio: legalize a atividade dos que vendem livros usados nas ruas, em vez de mandar apreender-lhes a mercadoria. São honestos trabalhadores.

PT em crise debate ética e pragmatismo

Isabel Braga e Cristiane Jungblut Brasília
DEU EM O GLOBO

A três meses de eleger novo presidente, o PT mergulhou numa crise em razão da sua posição no esforço de enterrar as investigações sobre José Sarney (PMDB-AP). Petistas alinhados com o governo dizem que o partido não abandonou a defesa da ética, mas outras correntes criticam a aliança com o PMDB e a opção pelo pragmatismo, visando às eleições de 2010.

O eterno dilema do PT

Partido se debate entre valores históricos e pragmatismo de Lula diante da eleição de 2010

Acrise no Senado e o apoio incondicional ao presidente José Sarney (PMDB-AP) e ao PMDB em nome de uma aliança em torno da candidatura Dilma Rousseff à Presidência racharam o PT e reacenderam o debate sobre a submissão do partido aos interesses do Planalto. A polêmica aumenta a menos de três meses da escolha do novo presidente da legenda, que conduzirá o partido nas eleições de 2010. Virá à tona a eterna dicotomia entre os que defendem a volta do PT às suas raízes éticas e os que agem de forma pragmática para garantir a manutenção do poder em 2010.

Nome escolhido pelo Planalto e pelo presidente Lula, o ex-senador e ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra defende a mesma linha de ação do atual presidente, Ricardo Berzoini (SP): a aliança com o PMDB é estratégica. Dutra é o candidato da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), do antigo Campo Majoritário. Defensores de outras candidaturas afirmam que a crise do partido remonta aos problemas enfrentados em 2005, quando integrantes da cúpula se envolveram no escândalo do mensalão. E esperam que a disputa, hoje favorável a Dutra, inclua o debate sobre a necessidade de diferenciar os interesses do PT e os do governo Lula.

— As eleições internas estão aí, e existe um grupo, ao qual me integro, que se opõe a uma postura de submissão e apoio cego a qualquer iniciativa do governo, especialmente no campo político. Às vezes é preciso discordar do governo que, em nome da governabilidade, toma um rumo que não é o do partido — afirma o deputado Antonio Carlos Biscaia (RJ), que apoia a candidatura de José Eduardo Cardozo (SP).

‘O PT não está a reboque do governo"

Um dos fundadores do PT e integrante da corrente Movimento PT, que tem como candidato à presidência do partido o deputado Geraldo Magela (DF), o deputado Fernando Ferro (PE) diz que a atual crise parece a reedição do filme de 2005, quando foi anunciada a morte do partido: — A conta está sendo cobrada basicamente do PT. É preciso uma reflexão séria. As denúncias têm de ser investigadas. O presidente Lula tem suas razões, que são razões de governo, e são diferentes das razões do PT.

Maioria no partido, os integrantes do antigo Campo Majoritário ou de tendências que apoiam Dutra negam que o PT viva uma crise. Para eles, está em jogo não um debate ético, mas político, porque há uma ação da oposição para afetar a candidatura Dilma. Insistem que não há como não priorizar a aliança com o PMDB, que é estratégica para 2010, e negam qualquer ato de obediência cega ao Planalto. Para Dutra, a crise é localizada no Senado e não influirá nas eleições internas: — O PT não está a reboque do governo.

O PT defende o que o governo está defendendo.

Dutra enfatiza que o PT no Senado sempre foi pela apuração de denúncias, mas que o partido entendeu que o Conselho de Ética não era o local adequado: — No Conselho, virou uma disputa política, na medida em que o DEM , que votou na eleição do Sarney, adotou uma postura de oposição. Por isso, o PT também agiu politicamente. No Senado não há um debate ético, mas político.

O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), afirma que, apesar dos últimos acontecimentos, o partido nunca esteve tão unido: — O presidente Berzoini fez uma nota (em defesa do arquivamento das denúncias contra Sarney) e não teve um membro do Diretório Nacional que a tenha questionado. Isso é inusitado no PT. Falar em submissão cega do PT é uma bobagem! O que há é uma aliança positiva, que tem maioria na Câmara e no Senado e que dá estabilidade ao governo. Nenhum partido tem mais moral do que o PT para defender a ética na política.

Defensor ferrenho do governo e da candidatura Dilma, o deputado Gilmar Machado (MG) lamenta a saída de figuras como Marina Silva (AC) e Flávio Arns (PR) do partido. Para ele, a pauta da eleição de novembro incluirá a conduta do PT.

— Deixamos claro que a prioridade era o PMDB. Fizemos essa opção, e não escondemos de ninguém — disse Machado, que apoia Cardozo.

Apontado como um dos mais críticos no PT desde o mensalão, o exprefeito de Porto Alegre Raul Pont (RS) condena a aliança com o PMDB: — A situação no Senado é resultado direto do sistema eleitoral. As alianças são espúrias, sem identidade e, neste caso, estamos no governo e somos reféns de um sistema que não temos controle.

O raciocínio do presidente Lula é o de que ruim com Sarney, pior sem ele. Entendo, mas o PT não pode ficar refém desse pragmatismo.

O g o vernador da Bahia, Jaques Wagner, diz que há uma luta política subjacente a um problema no Senado, que tem que ser investigado. Mas alerta que não pode haver ingenuidade.

— Às vezes, tenta-se tomar, a partir de um problema, a bandeira da ética, como se fosse patrimônio de um lado ou de outro. Esta deve ser a bandeira de todos os partidos. Não reconheço ninguém, nem do meu partido nem dos outros, como dono do patrimônio da ética. Esta é uma coisa anterior à formação partidária.

Com PT fraco, PMDB pede mais por aliança

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Partido quer que Lula enquadre petistas para acordos em 2010

BRASÍLIA. Se o presidente Lula e a cúpula do PT pensam que o sacrifício imposto ao partido no episódio do Senado garantirá que o PMDB fique amarrado à candidatura Dilma Rousseff à Presidência, podem ter uma surpresa.

Na mesma semana em que o Palácio do Planalto comandou operação para salvar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de investigação no Conselho de Ética, Lula foi alertado que o preço do PMDB para fechar a aliança com o PT, em 2010, será muito mais alto.

Ele foi cobrado por caciques peemedebistas para que marque para os próximos dias reunião de emergência com o PMDB.

Integrantes do partido avisaram que, se não houver um enquadramento do PT nos estados, a legenda pode desembarcar da pré-candidatura de Dilma.

Mesmo com problemas de imagem, o PMDB continua cobiçado tanto por Lula, como pelo PSDB. Mas, diferentemente do Planalto, os tucanos já trabalham para ficar com setores do partido e evitar o desgaste público de uma aliança.

No núcleo do governo a avaliação é pragmática: mesmo com os escândalos recentes, o PMDB é mais desejado do que nunca.

Com a insistência do PSB de lançar a candidatura presidencial do deputado Ciro Gomes e da entrada da senadora Marina Silva na sucessão, a ordem é tentar manter o PMDB na aliança para dar sustentação a Dilma.

“Nesse ritmo, a aliança corre risco”, ameaça Eduardo Alves Os peemedebistas vão jogar pesado para impor candidaturas regionais em sacrifício de petistas.

A conversa com Lula deve ficar centrada nos palanques regionais.

No Rio Grande do Norte, semana passada, o presidente foi advertido sobre isso: — As dificuldades são cada vez maiores nos estados. Já não existe solução em muitos casos.

Se continuar nesse ritmo, a aliança corre risco — ameaçou o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves.

Os tucanos apostam que o PMDB mais uma vez deverá se dividir na eleição de 2010 — mesmo que consiga emplacar o vice na chapa de Dilma.

Ao perceber o tom de ameaça do PMDB, Lula tenta empurrar a negociação e pagar um preço mais baixo pela aliança e faz uma aposta de risco: vai esperar até o próximo ano para bater o martelo. Ele acredita na consolidação da candidatura de Dilma, o que obrigaria o PMDB a entrar na aliança em qualquer condição. Mas se a Dilma estiver fraca nas pesquisas, Lula já tem a convicção de que o PMDB não irá para o palanque, mesmo com um acordo prévio. Ou seja, não adianta agora pagar um preço ainda mais caro.

Discreto, Serra traça perfil de candidato

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Ele fala com aliados e aos poucos amplia agenda e contatos regionais

A pouco mais de um ano da eleição presidencial de 2010, o governador de São Paulo, José Serra, principal nome do PSDB na disputa pelo Palácio do Planalto, conversa discretamente com aliados, aos poucos aumenta o espaço na agenda para a política e atua cautelosamente para desembaraçar nós nos palanques regionais. Temerário de virar alvo da oposição, Serra é contra a antecipação do debate eleitoral e, até para aliados mais próximos, mantém cautela e demonstra indefinição sobre sua entrada na disputa.

O que o governador tem dito: que não é fato consumado sua candidatura à Presidência da República e não seria nada constrangedor tentar a reeleição em São Paulo, onde sua popularidade alcança quase 60%. Reclama de quando é tratado como "pré-candidato" pelos jornais. O que os aliados entendem é que ele vai mesmo tentar chegar ao Palácio do Planalto.

Para Serra, o lançamento precoce da candidatura contribui para antecipar o término do governo. Com alguma dificuldade, ele tem atendido à pressão de seu partido e concedido um pouco mais de espaço na agenda para eventos políticos. Este mês, visitou cinco Estados do Nordeste - a região, onde os tucanos perderam na última eleição presidencial, é vista como determinante para 2010.

Em Exu, a mais de 600 quilômetros do Recife, o PSDB chegou a se mobilizar para fazer uma grande recepção na cidade em que nasceu o sanfoneiro Luiz Gonzaga. Segundo integrantes do partido, Serra pediu que não fosse dado caráter político ao evento. O beija-mão acabou sendo esvaziado.

O silêncio sobre a candidatura causa, de tempos em tempos, críticas no partido. Em reunião da Executiva Nacional há duas semanas, a direção foi cobrada sobre a data de definição da candidatura. Acabou marcando reunião para discutir o tema - o "Encontro sobre Conjuntura e Estratégia para 2010" ocorrerá em 27 e 28 de agosto. "Eu achava que seria melhor antecipar a candidatura. Cobrei isso dele. Mas fui convencido de que não era a hora", disse Roberto Freire, presidente do PPS.

Nas viagens, Serra acaba ajudando a desatar as alianças regionais. Avalia-se que o PSDB errou nas eleições de 2002, com Serra, e de 2006, com Geraldo Alckmin, ao não costurar corretamente acordos nos Estados. O caso mais emblemático é o de 2006 no Amazonas, onde Alckmin teve apenas 176.338 votos contra 1.159.709 de Lula.

Na Bahia, no começo do mês, após encontrar o governador Jaques Wagner (PT), Serra ajudou a solucionar um grande contencioso político no Estado. PSDB e DEM estavam se engalfinhando, mas um armistício viabilizou um acordo para lançar o ex-governador Paulo Souto.

A aliança com o PMDB na esfera nacional é vista cada vez mais com ceticismo. Na sigla, o governador tem um grande aliado, o senador Jarbas Vasconcelos (PE). "Se o PMDB não apoiar a Dilma, para nós já é uma vitória", disse um tucano. "Estamos fechando os acordos nos Estados, caso a caso", completou o presidente do partido, Sérgio Guerra (PE).

Serra ajudou no acordo com o PMDB em 2008, que foi determinante para reeleger o prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM). Também se reaproximou de setores da sigla que apoiaram Lula em 2006, caso do governador do Paraná, Roberto Requião. Após romper com o PT baiano, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), também está mais próximo de Serra. Tucanos apostam ainda na aproximação no Pará com o deputado Jader Barbalho. Em outros Estados, como Rio, Mato Grosso, Sergipe, Alagoas, Ceará e Amazonas, a possibilidade de composição está bastante difícil.

Do ninho tucano, o aliado que Serra mais escuta é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Conta ainda com sua "tropa de choque" para aparar o dia a dia político. Esse núcleo duro, composto pelo vice Alberto Goldman, o secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, e o secretário de Subprefeituras, Andrea Matarazzo, se reúne quase semanalmente fora do expediente.

RÁDIO

Outra movimentação que tomou força foram as entrevistas para rádio, embora o governador diga que sempre as fez. Há dois meses Serra tem um programa de rádio semanal, que disponibiliza no site do governo. Cerca de 200 estações de rádio no Estado retransmitem as palavras do governador. Além disso, Serra fez uma maratona de entrevistas em rádios do Nordeste. No último mês, chegou a atender 15 emissoras.

Com Serra evitando se expor, o governador de Minas, Aécio Neves, que postula a indicação para a disputa presidencial, corre por fora. Conseguiu a formalização, por parte do PSDB, de que as prévias seriam instaladas. Ele realmente quer disputar o Planalto e diz não aceitar ser vice de Serra. Aposta-se no PSDB que, se até o fim do ano, o mineiro perceber que não conseguiu condições internas para concorrer, abrirá mão das prévias.

Se eleito, Dutra assumirá nos bastidores

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Plano é não esperar posse para incluir novo presidente do PT na campanha

Preocupados em garantir o melhor palanque possível para a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o Palácio do Planalto e a cúpula do PT traçaram um plano para fortalecer a ministra nos Estados e evitar que a eleição interna da sigla, agendada para novembro, dificulte esse trabalho. Depois de um encontro na última quarta-feira, ficou acertado que, assim que for eleita, a nova direção petista vai assumir nos bastidores todas as negociações relacionadas à candidatura presidencial.

Grupo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de nomes como o ex-ministro José Dirceu, a corrente petista Construindo um Novo Brasil já dá como praticamente certo que o ex-senador José Eduardo Dutra vai suceder o atual presidente Ricardo Berzoini (SP). Isso apesar de outros cinco candidatos terem se apresentado para a disputa.

O plano traçado na quarta-feira pretende incluir Dutra em todos os encontros com potenciais aliados, por exemplo, sempre monitorado por petistas escalados pelo presidente Lula para liderar esse trabalho, como é o caso de Dirceu. O primeiro desafio será desatar nós na negociação em Estados como Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, Santa Catarina e Paraná. Ao fim desse processo, acreditam dirigentes do partido, Dutra chegará em 2010 credenciado para ajudar nos acertos finais da política de alianças e na coordenação da campanha.

SOLUÇÃO

A estratégia foi a solução encontrada para evitar um "vácuo" na direção petista entre os meses de novembro deste ano e janeiro do ano que vem, considerados cruciais para a definição dos últimos detalhes antes da largada do ano eleitoral. Petistas avaliam que a atual direção perderá automaticamente poder, assim que for anunciado o resultado da eleição interna.

Desta vez, em especial, a preocupação de petistas com a renovação do comando partidário é ainda maior. Isso porque praticamente todos os integrantes da Executiva Nacional da sigla estão impedidos, pelo estatuto, de permanecer na direção. Há no regulamento do partido um item que proíbe de continuar na comissão quem tiver exercido dois mandatos consecutivos no mesmo cargo ou três mandatos em qualquer posto.

A estratégia acaba também com a polêmica sobre a antecipação da posse da nova direção, que começou a circular nas conversas petistas nos últimos meses. Parte da cúpula partidária, incluindo a própria Dilma, vinha cogitando a possibilidade de remover Berzoini do cargo e substituí-lo pelo novo presidente assim que fosse concluída a contagem dos votos da eleição interna. Além de não agradar a setores ligados à atual direção, a ideia esbarraria no regulamento interno da legenda.

Lula consolida domínio sobre PT

João Domingos, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com pragmatismo, intuição e frieza política, ele caminha para 30 anos de mando no partido

Quando entregar o governo ao sucessor, em 1º de janeiro de 2011, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá completado 30 anos de domínio absoluto sobre o PT. Se o vencedor for a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), Lula somará mais quatro anos às três décadas de mando no partido que fundou. Se for alguém da oposição, pode estar chegando ao fim o mais longo reinado partidário da história do País, embora ninguém duvide de que ele continuará à frente do PT por muito tempo.

Para superar Getúlio Vargas, que teve o comando do PTB por 24 anos, e Ulysses Guimarães, que foi o homem forte do MDB e do sucessor PMDB por 26 anos, Lula aliou o pragmatismo à intuição e à frieza política. Não titubeou em pisar em companheiros de primeira hora nem nos que surgiram depois e que se juntaram à legião de seguidores que arrumou nesse tempo. Lambeu feridas, curou cicatrizes e buscou novos aliados onde parecia improvável, como o ex-presidente Fernando Collor, aquele que há 20 anos foi seu grande inimigo.

No período que vai da fundação do PT, em 1980, até a eleição de 1986, nada se fez no partido sem as bênçãos de Lula. E, quando foi eleito deputado federal em 1986, obtendo a maior votação do País, com 650 mil votos, Lula pegou o cargo mais importante reservado ao partido, o de líder na Assembleia Constituinte de 1987/88. No ano seguinte, foi candidato a presidente da República, feito que repetiu em 1994, 1998, 2002 e 2006. Perdeu as três primeiras e venceu as duas últimas eleições para presidente. Não tentará a sexta candidatura porque a Constituição o proíbe.

Na Presidência da República não se esqueceu do PT. Com o escândalo do mensalão, em 2005, que derrubou toda a direção partidária, Lula obrigou o então ministro da Educação, Tarso Genro, a assumir a direção da legenda. Passado o terremoto, ungiu Ricardo Berzoini para o comando petista. Em seguida, obrigou-o a assumir mais um mandato de presidente, embora ele insistisse em dizer não. Agora, lançou à presidência do PT o ex-senador José Eduardo Dutra (SE), forçando-o a largar a presidência da BR Distribuidora, uma das sinecuras mais desejadas do País.

Assim como cuidou do PT, Lula não se descuidou do Congresso nem da composição de sua base de apoio parlamentar. O pragmatismo o fez perceber que havia errado muito no primeiro mandato, ao não chamar o PMDB para compor o governo. No segundo, acabou por dar aos principais chefes peemedebistas o controle dos ministérios das Comunicações, Saúde, Defesa, Integração Nacional e Minas e Energia.

Entre os aliados estão o presidente do Senado, José Sarney (AP), o líder no Senado, Renan Calheiros (AL), o líder do governo, Romero Jucá (RR), o presidente da Câmara, Michel Temer (SP), e o líder Henrique Eduardo Alves (RN).

Lula entregou para o PP o Ministério das Cidades, cuja estrutura foi totalmente construída sob a ótica do PT. Para o PR, Lula deu o Ministério dos Transportes; para o PTB, o Ministério das Relações Institucionais; para o PCdoB, o dos Esportes; para o PV, o da Cultura; para o PDT, o do Trabalho; para o PSB o de Ciência e Tecnologia; para o PRB o de Assuntos Estratégicos.

"Não se pode negar a extrema competência, a genialidade política do Lula para se manter no poder", diz o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), um dos petistas que o presidente derrubou e deixou pelo caminho. "Mas falta a Lula uma bandeira para onde levar o Brasil. Ele a perdeu. Hoje faz qualquer tipo de acordo. E isso acaba por constranger o PT", afirma. "É preciso reconhecer que Lula não faz um mau governo, embora erre. Faz a distribuição de renda entre os mais pobres pela simples distribuição, sem pensar na forma de encontrar uma escada para tirar a pessoa da miséria. Isso levou o presidente a encarnar a figura do velho político, embora tenha uma origem diferente da maioria."

Lula não quis comentar as informações de que, para obter domínio do PT e do governo, atropelou aliados e amigos. Sua assessoria informou que o presidente buscou garantir a governabilidade e o desenvolvimento econômico do País, além da distribuição de renda para cerca de 45 milhões de pobres.

Racha expõe desconforto de petistas com aliança

Vera Rosa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O acordo que rachou o PT e pôs na berlinda o pragmatismo do presidente Lula escancarou o desconforto petista com o protagonismo do PMDB no governo. Mais que isso, a operação para salvar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), expôs com todas as letras a crise do casamento entre os dois partidos.

Em conversas reservadas, deputados, senadores e até dirigentes do PT dizem que o partido de Sarney tem uma "montanha de cargos" no governo, mas a qualquer sobressalto faz chantagem no Congresso. Agora, para obter o apoio do PT a Sarney, o PMDB ameaçou criar dificuldades na CPI da Petrobrás.

Apesar da convicção de Lula de que tudo deve ser feito para atrair o PMDB para a campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff, muitos petistas querem discutir a relação. Além disso, em São Paulo, Rio, Bahia, Minas, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a briga entre os dois partidos está cada vez pior.

"O PMDB tem de compreender que não se pode pôr panos quentes sobre assuntos que ferem a ética", afirmou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Em entrevista à revista Veja, em julho, o senador Tião Viana (PT-AC) classificou o PMDB de "a essência do fisiologismo". Levou um pito de Lula

"Quem critica tem de propor alternativas e dizer como vamos governar", diz o presidente do PT, Ricardo Berzoini. "Fazer política na teoria é o mesmo que contratar um arquiteto e não chamar o engenheiro para o cálculo de estrutura. Tudo pode ser muito bonito, mas, se não fica de pé, não resolve."

Lula vai tirar Dilma de cena e reforçar blindagem

Vera Rosa e Tânia Monteiro, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Alvo de ataques da oposição, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) sairá de cena por no mínimo uma semana, após o anúncio do marco regulatório do pré-sal, marcado para o dia 31. As férias de Dilma, pré-candidata do PT à Presidência, coincidem com a nova estratégia do Planalto para reforçar sua blindagem: a partir de agora, líderes do governo e do PT no Congresso, dirigentes petistas e ministros ficarão responsáveis por uma espécie de comitê de reação na Esplanada, informam Vera Rosa e Tânia Monteiro. A ordem é partir para o confronto e, se o alvo do ataque for relacionado a alguma medida administrativa, comparar com a gestão de FHC. Além disso, Lula quer que Dilma apareça só em compromissos positivos.

Planalto vai tirar Dilma de cena e reforçar sua blindagem

Ministra sai de férias em setembro, enquanto ministros e líderes do PT são escalados para responder à oposição

Alvo de constantes estocadas da oposição, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sairá de cena por no mínimo uma semana, em setembro, após o anúncio do marco regulatório do pré-sal, no próximo dia 31. As férias da ministra, pré-candidata do PT à Presidência, coincidem com a nova estratégia do Planalto para reforçar sua blindagem. A partir de agora, líderes do PT e do governo no Congresso, dirigentes petistas e até ministros ficarão responsáveis por uma espécie de "comitê" da pronta resposta na Esplanada.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva constatou que Dilma continua "assoberbada" de trabalho e não pode mais acumular a gerência do governo com a coordenação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os projetos sobre o pré-sal e as atividades de campanha. O descanso foi sugerido pelos médicos logo depois que a ministra terminou, na semana passada, o tratamento de radioterapia para combater um câncer no sistema linfático.

Dilma está preocupada com o bombardeio na sua direção. Em reunião realizada na quarta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB)- sede provisória do governo -, a ministra negou diante de colegas e dirigentes do PT que tenha feito qualquer solicitação à então secretária da Receita Federal Lina Vieira. Demitida do cargo, Lina acusou Dilma de ter pedido a ela para "agilizar" investigações do Fisco sobre a família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Convocada pelo chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, para definir o roteiro que seria cumprido poucas horas depois pelo PT no Conselho de Ética, a fim de salvar Sarney, a reunião daquele dia também tratou da blindagem de Dilma. A avaliação foi de que os ataques à chefe da Casa Civil vão crescer e é preciso protegê-la.

Dilma disse não entender por que Lina quis arrastá-la para nova crise. "Eu nem sabia que ela seria demitida", afirmou. Para o Planalto, o depoimento de Lina à Comissão de Constituição de Justiça do Senado, na terça-feira, exibiu uma mulher "contraditória e evasiva", que não conseguiu provar as acusações.

Mesmo assim, o governo está convencido de que é necessário tomar providências para evitar que a oposição cole em Dilma o carimbo de "mentirosa". A ordem é partir para o confronto e, se o alvo for relacionado a alguma medida administrativa, comparar com a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

"Faz tempo que nossos adversários querem desconstruir a imagem da Dilma", afirmou o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP). "Quem tem de fazer o contraponto na política somos nós, e não ela."

Um ministro disse ao Estado que os governadores José Serra (São Paulo) e Aécio Neves (Minas), pré-candidatos do PSDB à sucessão de Lula, também escalam secretários para a contraofensiva, quando não querem mexer em vespeiros. Seu argumento é: por que Dilma tem de pôr a cara para bater antes da campanha?

Lula quer que a concorrente do PT apareça apenas em agendas positivas, como o anúncio do novo modelo de exploração do petróleo, daqui a oito dias. O Planalto vai transformar o pré-sal em trunfo político da campanha de 2010 e prepara grande cerimônia, salpicada de verde e amarelo, para anunciar as medidas. Dilma será a estrela da solenidade, mas não deverá comparecer à festa do 7 de Setembro, pois planejou seu descanso para esse período.

DEBANDADA

Embora tenha dito que pretende trocar a maioria dos ministros que disputarão eleições por secretários executivos, Lula não aplicará essa regra na Casa Civil. "A eleição vai desmontar uma parte da equipe, mas o palácio eu não vou desmontar", avisou o presidente.

Para a vaga de Dilma, o mais cotado, até agora, é o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e não a secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra. Gilberto Carvalho e os ministros Franklin Martins (Comunicação Social) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) também continuarão em seus postos e vão integrar o time da defesa de Dilma.

O ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu exercerá a mesma função, por meio de seu blog.

Em conversas reservadas, logo que foi informada sobre sua doença, Dilma admitiu a possibilidade de deixar o cargo em janeiro de 2010, para fazer campanha, caso seu tratamento a impedisse de conciliar as atividades. Lula a convenceu a mudar de ideia, sob a alegação de que o governo é "uma vitrine". O plano do presidente é liberar os candidatos da Esplanada em 3 de abril, prazo fixado pela Lei Eleitoral. Dos 35 ministros, 17 querem entrar na corrida de 2010.

Objeto do desejo do PT e também do PMDB, a cadeira do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro - que está de malas prontas para o Tribunal de Contas da União (TCU) -, pode ser ocupada pelo deputado Antonio Palocci (PT-SP). Lula só não bateu o martelo ainda porque espera o julgamento de Palocci pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira.

Ex-ministro da Fazenda, Palocci é acusado de ter violado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. O governo confia na sua absolvição. Se isso ocorrer, o ex-homem forte da economia será reabilitado. No xadrez político de Lula, Palocci tanto pode ser o articulador do Planalto, no lugar de Múcio, como candidato do PT ao governo de São Paulo, caso o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) insista na ideia de disputar a Presidência, e não o Palácio dos Bandeirantes.

Turbulência à vista

Os problemas na pré-candidatura à Presidência da ministra

Dilma Rousseff (Casa Civil)

AS DÚVIDAS

Plebiscito

Lula quer uma campanha plebiscitária, isto é, levar o eleitor a escolher o candidato sob a promessa de que as políticas públicas não vão mudar. Com Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva, pelo PV, interessados em disputar a sucessão, cresce o número de candidatos e fica mais difícil o modelo plebiscitário

Mulher

A ministra Dilma já usa o marketing da "mulher candidata" ao Palácio do Planalto para conquistar a simpatia do eleitorado. Se Marina decidir mesmo concorrer, essa bandeira deixa de ser exclusiva de Dilma. E o apelo pode ser ainda menor se Heloísa Helena (PSOL) também disputar o Planalto

Imposição

Parte considerável do PT e dos partidos da base aliada do governo Lula não engoliu até hoje a maneira como o presidente impôs a pré-candidatura da ministra da Casa Civil. A esquerda do PT, que faz mobilização popular, acha Dilma uma tecnocrata que está aprendendo a fazer discurso político

Saúde

Na base do governo, alguns aliados falam até em preservar a ministra - que na semana passada terminou tratamento de combate ao câncer, no Hospital Sírio Libanês - de uma desgastante corrida à Presidência. A avaliação geral é de que a sucessão de Lula exigirá uma carga exaustiva de viagens e compromissos, sem falar nos embates com adversários

Aliados inquietos

No PMDB, principalmente entre as lideranças da Câmara, há um debate aberto, mas de bastidor, sobre o temor de que o partido esteja entrando em uma "canoa furada" com o apoio a Dilma. Há peemedebistas que não desistiram de Aécio Neves (PSDB) e insistem em um movimento para cooptá-lo

Estados

Se o PMDB não for unido para a candidatura da ministra da Casa Civil à Presidência, haverá uma polarização nas alianças regionais, com os demais concorrentes ao cargo tendo palanques duplos e até triplos nos Estados. Isso é tudo o que o Palácio do Planalto não quer para a sua candidata

AS EXPLICAÇÕES

Varig/Teixeira

Dilma tentou esconder os encontros com o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, que intermediou a venda da Varig.

Só depois da pressão da mídia é que ela admitiu ter recebido o advogado pelo menos duas vezes na Casa Civil

Cartões/Dossiê

Na crise dos cartões corporativos, a Casa Civil informou que montava uma planilha sobre despesas do ex-presidente Fernando Henrique, a pedido do TCU. Dilma alegou que o dossiê era apenas um "banco de dados"

Doença

Dilma omitiu, em um primeiro momento, que enfrentava doença grave. Chegou a pensar em deixar o cargo. Quando a informação veio à tona, porém, ela concedeu uma entrevista coletiva em São Paulo e expôs publicamente a sua luta

Diplomas

O site da Casa Civil dizia que a ministra tinha mestrado em Ciências Econômicas, feito na Unicamp. Tratava-a, também, como doutora nessa especialização. Teve de admitir que não tinha nem mestrado nem doutorado

Lina Vieira

A ex-secretária da Receita Federal diz que foi chamada por Dilma ao gabinete da Casa Civil e recebeu pedido para "agilizar a fiscalização" nas empresas do filho do Sarney, Fernando.

Para Lina, havia interesse em "encerrar" apuração

Verônica Ferriani com Quinteto BP nos Arcos da Lapa/RJ

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