sábado, 10 de outubro de 2009

À espera de boas notícias

Imprensa
Livia de Almeida
DEU NA VEJA /RIO


Jornal do Brasil e O Dia buscam soluções para estancar a queda nas vendas

Dois jornais cariocas tradicionais enfrentam forte turbulência. Prestes a completar 117 anos de existência, o Jornal do Brasil é alvo de rumores cuja hipótese mais sombria dá conta até de seu fechamento. Fundado em 1951 pelo político Chagas Freitas, O Dia está em situação melhor, mas enfrenta um desafio nada trivial: queda de mais de 40% em sua circulação de janeiro a agosto. O declive vem na sequência de dois aumentos de preço – atualmente o exemplar custa 1,40 real – e de uma ampla reforma gráfica que converteu o jornal em tabloide. Para demonstrar poder de reação, neste sábado (3) chega às bancas o Campeão, novo diário esportivo da empresa, a ser vendido por 0,50 real. Foram contratados quinze profissionais, com a mira voltada para a Copa da África do Sul e, mais adiante, a do Brasil. "É uma espécie de Meia Hora dos esportes", compara Alexandre Freeland, editor-chefe de O Dia, numa referência ao irreverente diário popular do grupo que prima por suas manchetes espirituosas – e, às vezes, apelativas. "Vamos muito bem. O Meia Hora é o sexto jornal em circulação do país, temos 2,8 milhões de acessos mensais em nosso site e uma rádio FM de sucesso", diz. "Ainda somos a brava aldeia gaulesa resistindo aos romanos", acrescenta ele, ironizando a competição com os periódicos da Infoglobo – O Globo, Extra.e Expresso da Informação –, que abocanham quase 70% do mercado local.

É fato: nos jornais cariocas, a crise econômica internacional bateu mais forte que uma marolinha. De acordo com o Instituto de Verificação de Circulação (IVC), em janeiro O Dia vendeu em média 100 000 exemplares por dia, número que despencou para 64 000 em agosto. Desligado do IVC desde julho de 2008, o JB tem sua venda estimada em 18 000 exemplares, bem aquém dos 94 000 da última aferição. Nem o poderoso O Globo, é verdade, escapou ileso do vendaval. Nos últimos meses, o tombo foi de 6% (hoje O Globo vende 250 000). A comparação com o passado mais longínquo mostra, porém, que o quadro é simplesmente devastador para seus rivais. Na década de 90, O Dia teve picos de 1 milhão de exemplares, quando fazia promoções aos domingos e antes de entrar em cena o Extra, lançado em 1997. Com dados mais modestos, porém com maior sofisticação e penetração nas classes mais abastadas do Rio de Janeiro, o JB chegou a vender 380 000 no período do Plano Cruzado.

A questão, claro, tem outras agravantes que transcendem os impactos mais imediatos da economia no hábito de leitura dos cariocas. "Ao longo desta década houve uma mudança no comportamento do leitor e a canibalização do jornal tradicional pela internet", analisa Walter de Mattos Jr., diretor do Lance! e vice-presidente da Associação Nacional de Jornais. Ele vê espaço para o crescimento de periódicos mais segmentados, voltados para públicos específicos. Sobre os jornais tradicionais, é taxativo: "Não existe mais espaço para tantos". Na tentativa de fazer parte do grupo dos sobreviventes, O Dia, hoje comandado pela empresária Gigi de Carvalho, tem apostado na cobertura da cidade e no reforço das colunas de opinião. "Vamos focar ainda nos aspectos da economia do cotidiano, como orçamento doméstico, carreira, concursos, justiça e cidadania", conta Freeland.

No Jornal do Brasil, as palavras-chave são reinvenção e segmentação. Segundo o diretor-geral, Eduardo Jácome, o JB vai voltar-se com força para a elite intelectual da cidade. Ele explica que a distribuição foi reformulada e agora está concentrada na Zona Sul e na Barra da Tijuca, sem revelar, no entanto, estatísticas de venda. "Estamos presentes nas regiões onde não perdemos dinheiro", afirma Jácome, que promete resultados positivos para outubro. É uma meta ambiciosa. Atrasos de salários são crônicos e fazem parte da rotina da redação. No início do ano, foram demitidos vinte jornalistas e, em agosto, seis editores se desligaram de uma tacada só.
Especula-se que por trás da crise estaria a falta de interesse em manter o periódico por parte do empresário Nelson Tanure, que o adquiriu em 2001. Outro título de sua propriedade, a Gazeta Mercantil, deixou de circular em junho passado. Os problemas do JB, que já foi o jornal mais influente do Rio de Janeiro, vêm dos anos 80, decorrentes de operações financeiras malsucedidas, mas, com o tempo, só pioraram. Ao assumir a marca, Tanure iniciou na Justiça uma disputa com os antigos proprietários sobre débitos trabalhistas, na faixa de 2 bilhões de reais. Empresários e políticos fluminenses relatam encontros com o empresário, nos quais ele teria manifestado o desejo de passar o negócio adiante, sob o pretexto de amargar prejuízo mensal de 1 milhão de reais. O leitor carioca segue à espera de boas notícias. Afinal, são jornais que não só relatam a história da cidade, bem como fazem parte dela.

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