sexta-feira, 30 de outubro de 2009

É o fim da crise?

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Não é ainda o fim da crise, mas é oficialmente o fim da recessão americana. No terceiro trimestre, o país cresceu 3,5% em relação ao segundo. Alguns números levantam dúvidas. A renda das famílias caiu 3,4% mas o consumo delas subiu 3,4%. Com uma contradição assim, não se faz um crescimento sustentado. A chave é o desemprego. O fim da crise será no começo das contratações

Mas a notícia de ontem foi boa. O maior país do mundo, e epicentro da crise, colheu o primeiro número positivo do PIB depois de quatro trimestres de diminuição.

Os Estados Unidos, na verdade, entraram em recessão no final de 2007, segundo uma nova forma de fazer o cálculo de períodos recessivos.

“Bem-vindo de volta, crescimento”.

Esse foi o título do vídeo que o “Wall Street Journal” pôs em seu site, assim que os números foram divulgados pelo Departamento de Comércio. Mas na conversa entre os jornalistas, ficou claro que ninguém acredita que isso pode ser apontado como o fim da crise.

De qualquer maneira, para um ano que começou sob o fantasma de 1929, o mundo está chegando ao último bimestre bem mais aliviado.

Já colheram números positivos de PIB a França, Alemanha, Itália, Japão, Brasil.

Ontem, foi a vez dos EUA. A Noruega esta semana já voltou a subir os juros, informando que é a hora de começar a tirar os estímulos fiscais e monetários. Israel, Austrália e Índia também começaram a retirar os estímulos.

Já a Inglaterra continuou no terceiro trimestre com PIB negativo.

O mundo está andando de volta aos trilhos, mas com várias sombras. Uma delas foi registrada em todos os comentários sobre a economia americana ontem: o desemprego continua alto, perto de dois dígitos, e lá permanecerá. As previsões são de 9% em média no ano que vem. As empresas americanas estão esperando a confirmação da retomada da demanda antes de contratar. Isso foi constatado através de uma pesquisa recente feita pelo “WSJ” com vários presidentes de empresas. Eles querem contratar mas preferem esperar um pouco mais para a confirmação da tendência de recuperação.

A segunda sombra é como ficará a economia quando forem retirados os estímulos econômicos. A terceira sombra é o que vai acontecer com a economia americana se não forem retirados os estímulos na hora certa. Os bancos centrais e tesouros pelo mundo afora conseguiram sucesso no que eles se propuseram como prioridade absoluta: evitar um novo 1929. Ainda permanece sem resposta à vista a questão sobre de que forma se fará a retomada sustentada da economia. E o mundo está prisioneiro desse dilema: se os estímulos forem retirados antes da hora, as economias vão de novo deprimir; se eles ficarem mais do que o necessário podem gerar bolhas e pressões inflacionárias.

Na ata do Copom divulgada ontem, o Banco Central brasileiro não encontrava muitos argumentos para manter os juros em níveis tão altos — em comparação com o resto do mundo. A própria ata admitia que o cenário inflacionário é benigno, que o país está crescendo ocupando capacidade ociosa, que a probabilidade de que pressão inflacionária localizada se espalhe é limitada e que é moderada a pressão da demanda.

Com tudo isso, os juros continuaram em 8,75%. O documento aponta três problemas: a existência ainda de mecanismos de indexação na economia brasileira, o impulso fiscal, e o risco de estar se formando no mundo uma nova bolha.

A ata registra desta forma o perigo de se voltar ao cenário anterior à crise: “a recuperação da economia mundial tem em certa medida reproduzido os desequilíbrios observados no período anterior à crise de 2008, poderá ter impacto, ainda que heterogêneo, sobre a dinâmica inflacionária global. A isso se soma a incerteza gerada pelos efeitos da inédita expansão da liquidez em economias maduras, tanto sobre o comportamento de preços de ativos como de commodities.

O Copom enfatiza que o principal desafio da política monetária nesse contexto é garantir que os resultados favoráveis obtidos nos últimos anos sejam preservados.” O crescimento do PIB dos EUA foi em grande parte determinado pelo aumento do consumo das famílias, em 3,4%, coincidentemente o mesmo percentual de queda da renda disponível para elas. Ou seja, a renda cai e o consumo aumenta. Isso, segundo o “Financial Times”, se explica pelos subsídios concedidos para gastos específicos, tanto para compra de casa quanto para compra de carro através do programa “dinheiro por sucata”.

A produção automobilística respondeu por 1.66 ponto percentual do aumento.

Outra parte foi determinada pelos gastos do governo.

Nada disso faz um crescimento sustentado. As famílias estão consumindo mais por programas específicos ou com aumento de dívida. O governo já está mergulhado no maior desequilíbrio fiscal da história e a indústria automobilística só anda empurrada por programas assim.

O indicador-chave sairá na semana que vem. É o desemprego. Há sinais de que o ritmo de crescimento do desemprego diminuiu, mas não está havendo aumento da oferta de emprego.

Sem isso, não é ainda o fim da crise.

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