sábado, 31 de outubro de 2009

Ecologia, saída ou escape?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


No Cairo, a cidade mais poluída do mundo, o tema seria inevitável, assim como as divergências. Durante a XX Conferência da Academia da Latinidade, a questão da ecologia entrou de contrabando na discussão sobre o conflito de civilizações, ainda que como consequência do debate sobre o relacionamento dos países desenvolvidos com os emergentes

Ecoando o debate que se desenvolve dentro do governo, para a definição da proposta brasileira de redução de emissão de CO2 na reunião de Copenhague, em dezembro, houve uma acalorada discussão sobre a importância da questão ecológica na agenda dos partidos de esquerda na América Latina, a partir também do caso brasileiro, em que a dissidência verde da senadora Marina da Silva coloca em xeque a candidatura oficial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, justamente a representante da ala “desenvolvimentista” do governo na definição do compromisso brasileiro.

O seminário aconteceu durante dias em que a poluição podia ser “vista”, e não apenas sentida, com a chamada “nuvem asiática” cobrindo a cidade, responsável por doenças respiratórias e cardiovasculares que provocam a morte de cerca de cinco mil pessoas na região do Cairo todos os anos, segundo estudo atribuído ao Serviço de Toxicologia do Centro Hospitalar Universitário de Kasr el Aïni.

Formada por partículas decorrentes de várias fontes de poluição, urbana e industrial, essa nuvem é um fenômeno recorrente no Cairo nesta época do ano devido ao crescente fluxo de automóveis, grande parte deles de modelos antigos e poluidores, e à falta de normas industriais.

O nome reflete um problema que atinge megacidades asiáticas como Shangai, a segunda cidade mais poluída do mundo, segundo o Centro de Informações e Pesquisa Atmosférica de Londres, Dhaka (Bangladesh), e Karachi (Paquistão).

Regiões metropolitanas com população superior a 10 milhões — a grande Cairo tem hoje cerca de 18 milhões de habitantes — passaram de apenas três em 1975 para cerca de 20 hoje.

O sociólogo Candido Mendes, secretário-geral da Academia da Latinidade, começou sua crítica à atuação da esquerda pelo governo de Hugo Chávez na Venezuela, que classificou como um ditador que tenta controlar os demais poderes e a imprensa para impor sua vontade.

Candido Mendes criticou o estímulo à delação instituído pelo governo de Chávez, e classificou o modelo chavista como uma esquerda ultrapassada.

Ele já havia chamado a atenção, em sua palestra, para o perigo de “paradas sutis” e até mesmo regressões no processo democrático com o “conflito crescente entre a democracia representativa e a plebiscitária”.

No entanto, assumiu também a crítica à ecologia, como sendo uma fuga de certa parte da esquerda, que teria transformado o tema em um fetiche, sem levar em conta a necessidade de desenvolvimento dos países emergentes.

Para Candido Mendes, não há dados cientificamente comprovados em que se basear para a definição de políticas que entravem o desenvolvimento de países como o Brasil, que precisam crescer economicamente e produzir empregos.

As contestações partiram de um uruguaio radicado no Brasil, Enrique Larreta, que preside o Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, e do venezuelano radicado nos Estados Unidos Fernando Coromil, professor de antropologia, presidente do Centro de Graduação da City University de Nova York.

Larreta, que está fazendo pesquisas sobre o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e tem passado períodos na China, relatou os avanços chineses nesse setor, demonstrando que não é incompatível com o crescimento econômico a preocupação com a ecologia, e Coronil, a partir da experiência venezuelana, chamou a atenção para a falta de entendimento da esquerda latinoamericana do que seja a preocupação com a preservação da natureza.

Para ele, a ecologia deveria ser um tema importante para a esquerda da América Latina, mas lamenta que seja um tema importante apenas para grupos minoritários.

“Há grupos que têm uma visão puramente econômica da ecologia, e não a vinculam com o social e o político”, analisa Coronil, para quem o que mais preocupa é que esse não seja um tema para governos progressistas, “ou que se dizem progressistas”, e que “as ações” não sejam “coerentes com as proclamações”.

Coronil diz que a visão deveria ser “não apenas de proteger a natureza, mas de proteger a sociedade dos danos à natureza. Se trata de relacionar o ecológico com o social”, esclarece, na mesma linha de melhorar o nível de bem-estar da população.

Dada a situação da economia, Coronil avalia, quase todos os governos sentem a necessidade de promover o desenvolvimento econômico para resolver problemas sociais. “A vantagem comparativa que a América Latina tem sobre os demais países emergentes como a China não é a mão de obra barata, mas os recursos naturais”, mas os governos, mesmo que tenham boa vontade, “acabam promovendo políticas econômicas que de alguma forma ficam dependentes desses produtos, seja gás, petróleo, cobre, ou os agrícolas”.

Coronil defende que o dinheiro desses recursos naturais, especialmente no caso do petróleo em abundância na Venezuela e no Brasil, deveria ser investido na modernização das políticas energéticas, com a integração dos setores produtivos.

Mas, na sua análise, uma “lógica per versa” acaba aprofundando os danos ecológicos.

Para Fernando Coronil, “o petróleo é um caso típico”.

Ele escreveu um livro, “O Estado Mágico”, em 1997 onde relata os equívocos que foram cometidos devido à abundância do petróleo em seu país.

(Amanhã, o gato verde chinês)

No meio do caminho

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Político a gente deve analisar assim: uma coisa é o que dizem em público, outra bem diferente é o que fazem nos bastidores.

Os governadores José Serra e Aécio Neves, ambos pré-candidatos à Presidência da República pelo PSDB, não fogem à regra que nada tem de espúria quando guardados os limites da legalidade e da boa ética na operação da estratégia político-eleitoral de cada um.

Oficialmente, Aécio exige que o partido defina se fará ou não prévias para a escolha do candidato até dezembro. Depois disso, anunciou nesta semana em Brasília, cuidará de "Minas" e da própria candidatura ao Senado.

Na véspera, já na capital, durante um compromisso social apresentara o vice-governador de Minas, Antônio Anastásia, aos convidados como candidato a governador. "E o Hélio Costa?", quis saber uma curiosa em alusão às negociações com o ministro das Comunicações, que é do PMDB.

"Será candidato a senador." E o Itamar Franco? "Também", informou o governador. Uma de três: ou dissimulava ou posava de candidato a presidente ou admitia a candidatura a vice, já que só haverá duas vagas de senador em disputa.

Serra, por sua vez, para todos os efeitos externos mantém inamovível a posição de só anunciar uma decisão em março. Na verdade, se pudesse, adiaria para junho. Quiçá julho, para ficar o menos tempo possível exposto à luz do sol e às consequências do sereno. Vale dizer, ao contra-ataque do presidente Luiz Inácio da Silva.

Mas, como entre querências e poderências, há uma distância amazônica, a nação tucana trabalha com o meio-termo e considera o mês de janeiro o marco ideal para o início das tratativas públicas dentro de parâmetros mais próximos da realidade.

Isso não quer dizer que não se movimentem nos bastidores. Cada qual faz o jogo que lhe parece mais conveniente no momento.

Serra organiza seu efetivo, Aécio administra a desvantagem procurando tirar dela as vantagens possíveis, ambos seguram os respectivos radicais e o partido cuida da "infra" - treina 2.500 militantes até dezembro e prepara a abertura de novas "turmas" a fim de chegar em julho com 10 mil cabos eleitorais qualificados -, trabalha o mapa das alianças regionais e apaga incêndios, a maioria produto da ansiedade geral pela definição da candidatura.

"Como Lula antecipou o calendário eleitoral, todo mundo quer entrar na briga logo", diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, um entusiasta da tese do nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Mas e por que não agora, uma vez que a antecipação contribuiria para apaziguar todos os entornos e não falta tanto tempo assim para a data marcada?

Oficialmente, porque é preciso haver um entendimento entre os governadores de São Paulo e Minas construído da maneira mais competente possível a fim de que não haja divisões fatais. Afinal de contas, atrás do cenário da disputa estão os dois maiores colégios eleitorais do País.

Se sem São Paulo não se ganha eleição, São Paulo sozinho - tendo o Nordeste todo como contraponto a favor do adversário - também não. E sem a adesão de Minas muito menos.

Essa versão peca por um detalhe: Serra e Aécio não precisam esperar janeiro para fazer o que podem fazer a qualquer tempo, sentar e acertar os termos do acordo.

O complicador crucial é que, diferentemente de Aécio Neves, que está no fim do segundo mandato, o governador de São Paulo ainda não cumpriu nem o primeiro e ainda carrega o passivo de ter rompido a promessa de não deixar a Prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo do Estado.

Se sair de novo com antecedência para fazer campanha eleitoral, teme que a reação do paulista seja ruim, o que prejudicaria o projeto nacional.

Mas, sendo candidato, não sairá de qualquer jeito? Sim, mas se o fizer no prazo legal para representar São Paulo na eleição presidencial terá cumprido a regra do jogo com o eleitorado, que desde o início sabia de suas pretensões nacionais.

Daí a decisão de começar o ensaio geral aberto ao público em janeiro, mas só estrear mesmo o espetáculo em março, último mês antes do prazo final para governantes candidatos deixarem seus cargos.

Chapa puro-sangue? É o que 11 entre dez oposicionistas esperam e 12 entre dez governistas receiam e, por ora, parece a única peça "de trabalho" do PSDB, já que nem nas conversas mais reservadas se cogita uma alternativa.

Mas, e se não der, se Aécio se mantiver mesmo irredutível, qual será a saída?

Caso o DEM não esteja jogando com as mesmas cartas, pode haver confusão à vista, pois o tucanato acha que a dobradinha no modelo dos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, já deu o que tinha que dar.

Espelho

Falando aos catadores de lixo, o presidente Lula disse que a elite discrimina as pessoas por suas profissões.

Muita gente faz isso. Inclusive presidentes da República que elevam o presidente do Senado à condição de "pessoa "incomum".

A Conjuntura Nacional

Sessão Especial da ANPOSCS
DEU NO BOLETIM DO ENCONTRO

Antecipação da campanha eleitoral de 2010, uma nova maioria política para levar avante o desenvolvimento brasileiro e a repetição dos erros do passado marcaram a primeira sessão especial, realizada na manhã de hoje, do 33º Encontro Anual da ANPOCS, que se realiza até o dia 30 de outubro, em Caxambu.

Com foco na conjuntura nacional, a discussão envolveu visões muito diferentes sobre o momento atual do Brasil. Para Antonio Lavareda, do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), falar em conjuntura exige falar das eleições de 2010, porque a campanha à presidência da República foi antecipada com a inauguração de obras.

Com sua experiência de 30 anos em eleições, inclusive, participação em 76 campanhas majoritárias, ele afirmou que é cedo para se saber se a eleição, no próximo ano, será bipolarizada como quer o presidente Lula, entre o PT e o PSDB, ou se será fragmentada. “Um pequeno erro em campanhas fragmentadas pode fazer com o que o candidato perca a eleição.”

Lavareda apontou fatores importantes no processo eleitoral, entre eles, o desempenho da economia, a popularidade dos candidatos, o tempo dos partidos na propaganda de televisão e o grau de judicialização do processo eleitoral. “Além disso, há o uso das máquinas das instituições, de todas as esferas, no processo eleitoral, que é mais importante que a inauguração de obras”.

Segundo ele, se as coligações entre partidos se confirmarem, a candidata Marina Silva (PV) terá 43 segundos no horário eleitoral; Ciro Gomes (PSB), 1 minuto e 11 segundos; José Serra (PSDB) 5 minutos e 54 segundos e Dilma Rousseff (PT) 12 minutos e 59 segundos. As novas mídias, segundo ele, deverão ter um papel importante na arrecadação e mobilização na campanha de 2010, lembrando que 60 milhões de pessoas têm acesso à internet no Brasil e existem 160 milhões de celulares no País

A construção recente de uma maioria política, comandada pelo PT, poderá levar avante o desenvolvimento brasileiro, afirmou Marcio Pochmann, presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), depois de três décadas de estagnação. De acordo com ele, essa maioria em construção interrompeu o ciclo neoliberal, que incluía no máximo 40% da população brasileira. E também reduziu a dependência das exportações para países ricos de 85% para 50%, bem como fez a transição do ciclo de “financiarização” para investimentos produtivos.

Na sua avaliação, há necessidade de avançar com reformas como a tributária e do sistema financeiro, que é muito concentrado e com pouca concorrência. Segundo Pochmann, é preciso um projeto de longo prazo para o País, que não será eminentemente nacional, mas também de liderança sul-americana. “Temos uma janela aberta com o Brasil voltando a ter influência na América Latina e África.”

Pochmann apontou, no entanto, a existência de algumas fragilidades: o sindicalismo está se recuperando depois de uma queda dramática na década de 90; há grandes mudanças demográficas com o envelhecimento da população e redução no índice de fertilidade; a maioria das ocupações está à margem da legislação e a necessidade de refundação do Estado para liderar o desenvolvimento.

“Eu sou marxista”, afirmou Luiz Werneck Vianna, do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) quase no final de sua palestra, com uma crítica demolidora ao atual momento brasileiro. Ao analisar a nova escalada para o desenvolvimento, ele perguntou: “vamos quem cara pálida? O sistema financeiro, o parque industrial moderno e o agronegócio? O pré-sal, os caças franceses, o submarino nuclear?” De acordo com ele, é uma recuperação da história dos anos 50 e 60, da chamada “burguesia nacional”, que agora também está encastelada nos ministérios.

“O capitalismo brasileiro é muito bem sucedido”, disse ele, inclusive para enfrentar a crise que mexeu com o mundo. “Podemos ter uma presença saliente no Continente e na África. É o Brasil grande potência, da implantação da ordem burguesa”. Não há nada para comemorar, destacou. Segundo ele, a esquerda, referindo-se ao PT, hoje “se encaminhou para o interior do Estado”, passando a ser representante de todos e não mais da “comunidade fraterna.”

“Por isso, é difícil pensar em situação ou oposição. Por isso, é difícil pensar em eleição. Nosso passado foi reaberto para nos governar”, afirmou Werneck Vianna.

A guerra às drogas fracassou

Luiz Eduardo Soares
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


PERMITIR O acesso às drogas: essa hipótese assusta qualquer pessoa de bom senso. Melhor que não haja acesso. Melhor ainda seria que nem sequer houvesse drogas. Mas não é essa a realidade.

A proibição prevista em lei não vigora. Drogas são vendidas em toda parte em que há demanda, independentemente da qualidade das polícias e dos gastos investidos na repressão. A guerra às drogas fracassou.

Como os EUA demonstraram ao vencer a Guerra Fria, nenhuma força detém o mercado. Pode-se apenas submetê-lo a regulamentações. É irônico que esse mesmo país defenda a erradicação das drogas ilícitas.

Eis o resultado do proibicionismo: crescem o tráfico, a corrupção e o consumo.

Estigmatizados, os usuários padecem da ignorância sobre as substâncias que ingerem, escondem-se, em vez de buscar ajuda, e, mesmo quando não passam de consumidores eventuais, involuntariamente alimentam a dinâmica da violência armada e do crime que se organiza, penetrando instituições públicas.

Além disso, o Estado impõe aos escolhidos e classificados como "traficantes" -pelo filtro seletivo de nosso aparato de segurança e Justiça criminal- o futuro que pretende evitar: a carreira criminal. Digo "escolhidos" porque se sabe que a mesma quantidade de droga pode ser avaliada como provisão para consumo (quando o "réu" é branco de classe média) ou evidência de tráfico (quando o "preso" é pobre e negro).

Retornemos à primeira evidência: o acesso às drogas -não o impedimento- é a realidade.

Ora, se essa é a realidade e nenhum fator manejável, no campo da Justiça criminal, pode incidir sobre sua existência para alterá-la, a pergunta pertinente deixa de ser: "Deveríamos proibir o acesso às drogas?". Trata-se de indagar: "Em que ambiente institucional legal o acesso provocaria menos danos? Que política de drogas e qual repertório normativo seriam mais efetivos para reduzir custos agregados, sofrimento humano e violência?".

Há ainda uma dimensão não pragmática a considerar. Não considero legítimo que o Estado intervenha na liberdade individual e reprima o uso privado de substâncias -álcool, tabaco ou maconha.

A ausência do álcool no debate -droga cujos efeitos têm sido os mais devastadores- revela a artificialidade (alguns diriam a hipocrisia) das abordagens predominantes.

Se o atual modelo foi derrotado pelos fatos, qual seria a alternativa? Proponho a legalização das drogas, e não apenas a flexibilização na abordagem do consumidor. O tráfico deveria passar a ser legal e regulado.

Isso resolve o problema das drogas? Não, mas o situa no campo em que pode ser enfrentado com mais racionalidade e menos injustiça -e menos violência, ainda que esse seja só mais um argumento, e não a única ou principal justificativa para a legalização.

Há quem considere que uma eventual legalização não exerceria impacto sobre a violência, uma vez que os criminosos migrariam para outras práticas. Discordo.

Acho que o efeito da legalização não seria desprezível porque: 1) sem drogas, seria mais difícil financiar as armas; 2) mudaria a dinâmica de recrutamento para o crime, que perderia vigor, pois outros crimes envolvem outras modalidades organizativas e outras linguagens simbólicas, muito menos sedutoras e acessíveis aos pré-adolescentes; 3) entraria em colapso a maldição do crack e seus efeitos violentos; 4) se esgotaria a principal fonte de corrupção; 5) finalmente, como pesquisas demonstram, em cada processo de migração, o crime perderia força e capacidade de reprodução.

Opiniões respeitáveis aprovam esses argumentos, mas alertam: nada podemos fazer antes que o mundo se ponha de acordo e decida avançar rumo à legalização das drogas. Discordo.

Se não nos movermos, não ajudaremos o mundo a se mover. Com prudência, mas também com audácia, temos de nos rebelar contra esse perverso relicário de iniquidades.

Luiz Eduardo Soares é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da Universidade Estácio de Sá. Foi secretário nacional de Segurança Pública (2003).

Debates: sem Jesus

Wilson Diniz
Professor e economista
DEU EM O DIA

Rio - O mapa eleitoral das eleições, desde 2002 mostra que o Brasil é o país dos grotões e o eleitorado dos pequenos municípios decide eleições presidenciais. Este mercado tem dono. É reduto de caciques políticos representantes das oligarquias regionais e é território fértil para perpetuar as desigualdades e a injustiça social.

Os partidos que loteiam o Congresso Nacional são propriedade de poucos políticos que se mantêm na rotatividade do poder, ampliando a dinastia de suas famílias na política local há anos, e mantendo o tecido social dos mais pobres, reféns da ausência de renovação de quadros políticos.

O município de Bacuri, no Maranhão, governado pelo clã dos Sarney, é a fotografia exata da perpetuação da miséria e da manutenção das oligarquias. A cidade está entre as 10 piores no ranking dos índices de pobreza, concentração de renda (72%) e de desenvolvimento humano (0.59). Com esses indicadores, até os ricos são considerados pobres.

Na eleição de 2010, todos os candidatos vão ter que mostrar projetos alternativos de médio e longo prazo para o País, e debater como manter a governabilidade sem fazer alianças espúrias e com limites de concessões. Os pré-candidatos não precisam fazer pacto com Satanás para se viabilizarem, nem colocar Jesus Cristo e Judas no rol dos debates.

Na próxima eleição, o Sudeste volta a decidir as eleições. A grande maioria dos votos dos paulistas e dos mineiros é dos tucanos. No Rio de Janeiro, pode acontecer uma insurreição quase surda do eleitorado no segundo turno, e o Nordeste vem rachado, com ou sem Ciro Gomes e os caciques.

Massacre na TV

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Daqui a um ano, em 31 de outubro de 2010, um domingo, será realizado o segundo turno da eleição presidencial -caso nenhum candidato tenha obtido pelo menos 50% mais um dos votos válidos na primeira rodada.

Com tanto tempo pela frente, é impossível e uma irresponsabilidade prever resultados. Em todas as eleições presidenciais brasileiras recentes só havia incógnitas 12 meses antes do pleito.

Feita a ressalva, vale registrar a consolidação crescente do condomínio lulo-petista a favor de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, vai ficando emparedada a oposição com a trinca PSDB, Democratas e PPS.

No terceiro pelotão das composições eleitorais estão as candidaturas isoladas de Ciro Gomes (PSB) e de Marina Silva (PV). Hoje, Dilma teria a seu favor PT, PMDB, PDT, PR, PRB e PC do B.

Com essa configuração, a candidatura petista ao Planalto já garante 50% a mais de tempo de rádio e de TV do que o seu opositor direto, seja ele José Serra ou Aécio Neves.

O eleitor brasileiro ainda se informa de maneira geral pela TV ou rádio. A mídia impressa é para a elite. A internet permanece em fase de crescimento. Em resumo, ter mais tempo no horário eleitoral não garante vitória a ninguém. Mas é um obstáculo grande ficar sem um espaço confortável nessa janela de comunicação direta com os cidadãos.

Esse é o ponto principal a nortear toda a estratégia de alianças comandada por Lula e pelo PT.

Em eleições anteriores, sempre algum candidato presidencial teve prevalência em relação aos demais no tempo de TV. A diferença em 2010 é que a superioridade de um dos lados tende a ser avassaladora como nunca se viu.

Nas contas do PT, Dilma Rousseff terá de 60% a 70% do horário eleitoral. É um rolo compressor, embora não se saiba como a candidata de Lula usará tanto tempo assim na frente dos brasileiros.

Catadores de papel e formadores de opinião

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Passei algumas horas no Palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, e ocupada pela Assembleia Legislativa, para prestar um depoimento para a TV Câmara sobre a reportagem política do meu tempo e os hábitos e costumes dos deputados federais.

Por uma hora e meia, esperamos que fosse encontrada a chave para abrir a porta para o plenário. E cutucado pela saudade perambulei pelos corredores e gabinetes, com as muitas modificações de meio século, em que o mundo parece que virou de cabeça para baixo.

No texto impecável do saudoso e brilhante deputado Oscar Dias Corrêa, aqui relembrado no dia 18, a diferença entre o velho Congresso e o da mudança para Brasília deve ter surpreendido e vexado os senadores atolados na série de escândalos e os deputados de uma Câmara que gira em torno de vantagens, regalias, passagens para os fins de semana nas bases eleitorais e assessores de gabinetes individuais para coisa nenhuma.

A cobertura do Congresso acompanhou a mudança para o Legislativo da bagunça. Da reabertura do Congresso, depois da ditadura do Estado Novo, até a recaída na ditadura militar dos 21 anos do rodízio dos cinco generais-presidentes, a democracia viveu a época de ouro, acompanhada pelo interesse da população, que estava farta de ditadura. As galerias lotavam todos os dias da semana de sessões de segunda a sexta-feira, e às vezes aos sábados, atraídas pelos debates entre os grandes oradores de todos os partidos: Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Gustavo Capanema, Flores da Cunha, Milton Campos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Oscar Dias Corrêa, Vieira de Melo, Nereu Ramos, Leonel Brizola, para ficar em alguns exemplos.

E a reportagem política ajustou-se ao novo tempo e à cobrança da população, que tinha à escolha os matutinos Correio da Manhã, Diário de Notícias, O Jornal, Diário Carioca, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, além dos vespertinos, para leitura no bonde e no ônibus na volta para casa, Globo, Notícia, Diário da Noite.

A cobertura do plenário da Câmara e do Senado tinha seu espaço cativo nos matutinos, com repórteres que acompanhavam as sessões da tribuna de imprensa da Câmara, localizada abaixo da Mesa Diretora e com acesso à terra de ninguém, espaço entre a mesa e as bancadas. Outra equipe cobria as comissões, com destaque para a de Constituição e Justiça e a de Finanças.

E, afinal, os repórteres políticos que acompanhavam o jogo do poder, com a cobertura de uma área sem fronteiras, dos plenários, gabinetes do Senado e da Câmara, os gabinetes de ministros, especialmente o da Justiça, as reuniões partidárias, as crises, intrigas e acertos. A turma que me acolheu, repórter deslumbrado e chucro, com seis meses de aprendizado na escola de A Notícia, de Silva Ramos, tinha o seu líder natural no maior repórter político de todos os tempos, o Castelinho, Carlos Castelo Branco, além de Odylo Costa Filho, Heráclio Salles, Benedito Coutinho, Murilo Marroquim, Doutel de Andrade, Otacílio Lopes, o Cara de Onça, Osvaldo Costa, Murilo Mello Filho, Haroldo e Tarcísio Holanda, Carlos Chagas, Fernando Pedreira.

Muitos mudaram para Brasília, e uma nova geração tenta remontar um modelo para a cobertura de um Congresso caricato e desmoralizado.

Sem conhecer nada deste enredo resumido, o presidente Lula, entre as muitas atividades e viagens da campanha antecipada da candidatura da ministra Dilma Rousseff, sem outro assunto para o improviso para 1.500 catadores de papel reciclável, que confundiu com papel de jornal, na abertura do Expocatador pediu aos repórteres presentes que esquecessem “a pauta dos seus editores” e entrevistassem os catadores de papel. E deu a sua aula de leitor bissexto aos embasbacados repórteres: “Vocês vão compreender por que a figura do formador de opinião pública, que antes decidia as coisas neste país, já não decide mais. É que o povo não quer mais intermediários”.

Lula embarcou à tarde para a Venezuela. E os que seguirem os sábios conselhos do presidente esqueçam os jornais e tratem de fazer amizade com um catador de papel.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Pacifista às avessas

Carlos Vereza
DEU EM O GLOBO


Há poucos meses, Lula foi agraciado com um prêmio, por seus esforços a favor da paz.

Vejamos uma sucinta biografia deste bravo “pacifista”. Na campanha presidencial de 2002, Luiz Inácio, em encontro com militares, declarou ser contra o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.

Imediatamente após sua eleição, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, obviamente avalizado pelo presidente da República, declarou ser urgente a fabricação de uma bomba atômica.

José Dirceu, à época chefe da Casa Civil, propôs a criação de uma força armada latinoamericana. É evidente que não falou sem uma superior autorização.

Lula, muito antes do ditador Hugo Chávez, organizou com outros objetivos sua tropa de choque, o MST — as SS dos trópicos, financiadas pelo governo federal.

Esses facínoras depredaram o Congresso Nacional, invadem propriedades privadas, cometem assassinatos, sempre sob a leniência do Grande Timoneiro.

Quando da campanha pela reeleição, o PCC, “coincidentemente”, promoveu verdadeiros atos de terrorismo em São Paulo, com a finalidade de desmoralizar Geraldo Alkmim, que disputava com Lula a presidência da República. Dossiês apócrifos foram fartamente distribuídos, afirmando que, no caso de uma vitória de Alkmim, seria dissolvido o Bolsa Família.

Ainda sobre o PCC: seus membros, anteriormente, ordenaram a seus parentes que votassem em José Genoíno para deputado.

Esclarecedor, não? Agora, recentemente, o vice-presidente, José Alencar, retomou o tema da fabricação da bomba atômica, sob o pretexto de defender o présal, que começará, ou não, a produzir resultados daqui a quinze ou vinte anos, quando, com certeza, combustíveis alternativos substituirão, em grande escala, o petróleo.

Desnecessário frisar que José Alencar não se pronunciou de moto próprio.

Lula não consegue disfarçar sua simpatia por esbirros autoritários, como o já citado Chávez, Morales, Lugo, Zelaya, Ahmadinejad, Kadafi, Ortega e outros menos votados.

Eis aí a grotesca geopolítica bolivariana, que mal consegue disfarçar o ressentimento antiamericano.

E pensar que existe um lobby para que esse “pacifista” receba o Prêmio Nobel da Paz... Socorro!

Carlos Vereza é ator.

Serra viaja para exterior e Munhoz assume cargo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), passará a próxima semana em viagem ao exterior. Ele participará, na quinta-feira, da Urban Age, em Istambul, na Turquia, uma conferência mundial que discute o futuro das megacidades. O governador vai integrar uma das mesas de debate no primeiro dia do evento. O deputado Barros Munhoz (PSDB) assume a cadeira do governo por três dias, já que o vice de Serra, Alberto Goldman, também estará ausente do País.

Polarização entre petistas e tucanos chega a cidades médias

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO


Estudo mostra que tanto PSDB como PT aparecem como "organizadores explícitos" em São José dos Campos, Carapicuíba, Franca e Jundiaí

A polarização entre PT e PSDB que vem guiando as últimas eleições presidenciais começa a tomar forma também na esfera municipal, aponta um estudo realizado por uma equipe do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), integrada pelo cientista político Fernando Limongi. Ao se contrapor à tese de que a estrutura federativa do Brasil dificulta a consolidação dos partidos, o texto mostra que, na maioria das 20 cidades paulistas com mais de 200 mil eleitores, as duas siglas são protagonistas nas disputas eleitorais, a exemplo do que ocorre nas corridas presidencial e estadual.

A força política dos dois partidos se dá de maneira explícita ou pela influência que exercem na organização partidária, defendem os pesquisadores. O levantamento detectou quatro grupos de cidades em que as duas siglas se destacam no jogo eleitoral municipal.

No primeiro grupo - em que aparecem os municípios de São José dos Campos, Carapicuíba, Franca e Jundiaí - esses partidos aparecem como "organizadores explícitos" do processo eleitoral. Em São José dos Campos, diz o texto, tucanos e petistas praticamente não enfrentam outros adversários desde 2000. Em 2008, por exemplo, Eduardo Cury (PSDB) venceu no primeiro turno o deputado Carlinhos Almeida (PT), com 57,2% dos votos contra 31,3%.

Num segundo grupo estão as cidades em que PT e PSDB lideram o processo eleitoral, porém com a presença de uma terceira força. É o caso de Ribeirão Preto e Sorocaba, onde o estudo detectou um papel relevante do DEM, ou ainda de Piracicaba e Campinas, onde têm peso PPS e PDT, respectivamente.

Um terceiro grupo inclui cidades em que o bloco de esquerda liderado pelo PT conseguiu se estruturar, graças ao fato de esses municípios terem servido como berço político para forças trabalhistas. Aparecem Santo André, Guarulhos, Osasco, Diadema e São Bernardo do Campo. No quarto grupo, estão municípios em que um dos dois partidos se apresenta como uma "força organizadora da disputa eleitoral", mas o outro tem um "comportamento instável", como Santos e Mogi das Cruzes.

O estudo analisou separadamente casos como o de Mauá,em que nenhuma sigla chegou mais de uma vez à prefeitura de 1996 a 2008. O quadro é semelhante em São José do Rio Preto, a não ser pelo fato de o PPS ter vencido em 2000 e 2004. Também no Guarujá predominam outras forças políticas, aponta o texto.

Para os pesquisadores, nas cidades onde não lideram as eleições, PT e PSDB muitas vezes "ditam o comportamento dos demais atores". "Encontramos fortes indícios de que o mercado eleitoral paulista está se fechando em torno de dois blocos que se enfrentam sistematicamente", diz o texto. "Não parece ser um mero acaso que sejam exatamente essas mesmas forças políticas a liderarem esse movimento nas principais cidades do Estado, antes o contrário. Esse movimento faz parte de uma estratégia das elites políticas de consolidação da força partidária." Ainda assim, aparece como exceção o caso de São Vicente, em que o PSB rouba a cena e chegou a atrair apoio de tucanos e petistas na última eleição.

TRECHOS DO ESTUDO

PT e PSDB se enfrentam e estruturam o jogo político nas eleições estaduais, nacionais e na disputa pela prefeitura da capital. Encontramos fortes indícios de que o mercado eleitoral paulista está se fechando em torno de dois blocos que se enfrentam e se alinham com os blocos políticos

Parece-nos que encontramos evidências empíricas para questionar a tese de que a estrutura federativa do País seria um obstáculo a mais para a consolidação de uma estrutura partidária mais organizada e homogênea

Aécio diz a aliados que vai disputar indicação

Ivana Moreira, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), garantiu a 49 deputados de sua base no Estado que segue disposto a ser candidato à Presidência em 2010. "Não estou dando para trás", disse Aécio, segundo fontes que ouviram o discurso.

No coquetel que ofereceu no Palácio da Liberdade, anteontem à noite, ele explicou os motivos para pressionar o partido por uma decisão até dezembro. Segundo ele, a chance de atrair apoio de outras legendas em torno de sua candidatura ficará comprometida se não houver decisão do PSDB ainda este ano.

Aécio afirmou que tem um compromisso com Minas. Não sendo candidato à Presidência, precisa preparar, no tempo oportuno, sua sucessão no Estado. O vice-governador Antônio Anastásia, nome cotado para essa missão, estava presente ao coquetel. Aécio elogiou o vice, mas não fez discurso a favor de sua candidatura.

Estavam no Palácio da Liberdade deputados dos 11 partidos da base aliada. O PMDB, que até recentemente se definia como "independente", agora integra o bloco de oposição ao lado do PT.

De acordo com a assessoria de Aécio, o motivo do coquetel era fazer um balanço de 2009. O encontro foi realizado no mesmo dia em que o governador contou à imprensa que, depois de um telefonema de quase uma hora, ele o governador de São Paulo, José Serra, não conseguiram chegar a um consenso.

O paulista segue determinado a só definir em março se será ou não candidato à Presidência. O mineiro deixou claro que não estará mais à disposição do partido para essa missão a partir de janeiro. Disse que respeita a posição de Serra, mas o PSDB também terá de respeitar a sua.

Menos forte. E indispensável

Clovis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Era precipitada a notícia do declínio dos Estados Unidos, como mostram recuperação econômica e caso Honduras

PARA UM país que a sabedoria convencional (ou apenas apressada) condenava a um irremediável declínio, os Estados Unidos emitem contínuos sinais de insuspeitada vitalidade.

Não estou dizendo que Washington deixou de perder força, alguma força ao menos. Mas nem por isso é menos indispensável, olhe-se para onde se olhe.

Comecemos pela economia: bastou os Estados Unidos saírem da recessão para o mundo todo festejar com certo estrépito, o que dá claro testemunho de sua indispensabilidade.

Fiquemos apenas no caso da Ásia, o continente que a sabedoria convencional (ou de novo talvez apressada) aponta como o novo centro do mundo em um futuro não muito distante.

As Bolsas asiáticas recuperaram-se ontem de sua pior queda em dois meses. Causa, segundo o "Financial Times": "Os investidores aqueceram seus corações com o retorno dos EUA ao crescimento econômico" (não acredito muito que investidores tenham coração, mas esse é outro assunto). É claro que os Estados Unidos ainda têm "um longo caminho a percorrer até que a economia esteja plenamente recuperada", como disse seu presidente.

Mas a subida das Bolsas -e não foram apenas as asiáticas- ante a notícia de que a recessão acabou nos Estados Unidos indica claramente o quanto o país mantém seu papel de dínamo.

Quer outra demonstração? Apesar de toda a onda em torno da substituição do dólar como moeda global de reserva, um coro em que a China desempenha papel relevante, o fato é que as autoridades chinesas acumularam mais ativos denominados em dólares do que outros ativos externos nos 12 meses terminados em julho. Ou seja, no auge de uma crise que levaria supostamente a um declínio inexorável dos EUA e, por extensão, de sua moeda.

Passemos agora da economia para a política, do global para o regional.

Falemos de Honduras, a mais espetacular crise da América Latina nos últimos anos. Digo espetacular para não dizer grave, porque é discutível que um país tão pequeno e tão marginal geograficamente possa ser o epicentro de uma crise regional realmente grave.

Foram quatro meses de tentativas de resolver o impasse por meio de iniciativas autóctones. Primeiro, a do presidente da Costa Rica, Óscar Arias, aureolado com o Nobel da Paz. Depois, veio a intermediação da Organização dos Estados Americanos. Nada.

Aí, chegou o sétimo de cavalaria, mais conhecido pelo nome de Thomas Shannon, responsável pela região no Departamento de Estado, enquanto aguarda que cesse a birrinha de um representante republicano e ele seja confirmado como novo embaixador no Brasil. Em dois dias, o nó foi desfeito. É verdade que a base do acordo é o plano Arias, mas foi necessária a intervenção de Shannon, ao vivo e em cores, para que o plano fosse aceito.

Toda a conversa em torno da nova liderança do Brasil, todo o teatro que são sempre as falas de Hugo Chávez, a emergência dos bolivarianos -nada disso impediu que o velho império se revelasse de novo indispensável. E, o que é melhor, desta vez para o bem.

Lobão sacia PMDB com troca no Real Grandeza

Gerson Camarotti e Maria Lima
DEU EM O GLOBO


Líder do partido afirma que bancada está satisfeita e, agora, não vai mais pedir cargos neste mandato de Lula

BRASÍLIA. Satisfeitos por conquistar a última jóia da coroa, o controle do bilionário fundo Real Grandeza, que movimenta patrimônio superior a R$ 6 bilhões, integrantes da cúpula do PMDB juram que essa foi a última reivindicação do partido neste mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No inicio do ano, diante da forte reação dos beneficiários e dirigentes do fundo de pensão de Furnas, o presidente Lula conseguiu contornar a agressiva pressão feita pelo grupo do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Foi apenas uma questão de tempo e oportunidade.

A única pendência da fatura apresentada pelo PMDB era o Real Grandeza, fundo de pensão dos funcionários de Furnas e Eletronuclear. Foram confirmadas ontem as nomeações de Aristides Leite França, para presidente, e de Eduardo Henrique Garcia, para diretor de Investimentos.

Eles substituem Sérgio Wilson Fontes, atual presidente, e Ricardo Nogueira.

A troca ocorre uma semana após o partido selar um préacordo com o PT para apoiar a candidatura presidencial da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

No comando de seis ministérios, o PMDB administra um orçamento de R$ 145,1 bilhões, sem contar cargos de segundo e terceiro escalões nas estatais.

Para petista, troca é inaceitável Parlamentares da bancada do PT do Rio, os maiores opositores da proposta de dar ao PMDB o controle do fundo, disseram considerar a negociação inaceitável.

— Não estão respeitando mais nenhum limite de governabilidade ou alianças. É inaceitável que isso tenha ocorrido em troca de um apoio político ao governo ou à candidatura da ministra Dilma — protestou Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).

Avaliação de peemedebistas é que o partido está satisfeito com o loteamento feito no governo e que esse último impasse já poderia estar resolvido se, em fevereiro deste ano, o presidente Lula tivesse dado sinal verde à substituição de Sérgio Wilson Fontes e de Ricardo Nogueira.

Para Henrique Alves, o partido não deve mais cobrar novos espaços para negociar apoio a Dilma Rousseff: — O PMDB está satisfeito com o que tem. Temos o espaço que o partido merece. Não vamos mais ficar pedindo cargos.

O líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), constatou: — O PMDB tem tudo no governo.

Cunha chegou a propor CPI para fundos de pensão A bancada do PMDB do Rio tentava mudar o comando do Real Grandeza desde 2007, já que havia uma disputa com o ex-presidente de Furnas Luiz Paulo Conde. A queda-de-braço foi mantida com o sucessor de Conde, Carlos Nadalutti Filho, também indicado pelo PMDB.

Em fevereiro deste ano, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, chegou a confirmar a substituição da diretoria, mas voltou atrás depois que o presidente Lula vetou a mudança.

Na ocasião, Eduardo Cunha, contrariado, chegou a propor uma CPI para investigar os fundos de pensão, o que foi avaliado como chantagem no Planalto.

Ao GLOBO, Lobão chegou a classificar de “bandidagem” a pressão da diretoria do Real Grandeza para permanecer no comando do fundo. De lá para cá, Lobão decidiu esperar e, só agora, recebeu sinal verde para a troca.

— O ministro Lobão conseguiu tirar o atual comando do Real Grandeza. Os diretores que saem queriam permanecer. Mas não podiam continuar, até porque estavam em atrito com Furnas.

Lobão articulou com os sindicatos.

Por isso, foi uma substituição sem problemas. A mudança conseguiu agradar a gregos e troianos. Foi uma indicação do Lobão — disse Alves

Chávez pede 3º mandato de Lula ou eleição de Dilma

Denise Chrispim Marin, Enviada Especial, El Tigre
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Confrontado com a hipótese de vitória oposicionista, diz que não se mete em questões internas de outros países

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, lamentou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha de deixar o governo do Brasil em 1º janeiro de 2011 e defendeu sua candidatura a um terceiro mandato. Declarou, no entanto, ter certeza de que, em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, será eleita sucessora de Lula.

"Eu lamento que Lula saia do governo. Por que ele tem de sair? Se um presidente governa bem e tem 80% (de aprovação popular), por que ele tem de sair?", perguntou Chávez, em entrevista a jornalistas brasileiros, enquanto esperava o desembarque de Lula em uma pista de pouso de El Tigre. Apesar de apoiar Chávez e achar que a Venezuela é uma "democracia plena", Lula já disse, mais de uma vez, que considera a "alternância de poder essencial para a democracia".

Ontem, o próprio Lula, num ato falho, ao assinar o acordo final para construir a refinaria Abreu e Lima - uma associação entre as estatais brasileira e venezuelana de petróleo, Petrobrás e PDVSA -, disse esperar que ele e Chávez inaugurem a obra num prazo de "cerca de dois anos ou um pouco mais". Nesse período, ele já estará fora do Planalto.

Chávez acrescentou que não entende por que a presidente do Chile, Michele Bachelet, também terá de deixar o cargo ao fim de seu mandato no próximo ano, se conta com índice de aprovação de 60%. "Só deixo a pergunta no ar." Ao ressaltar sua "certeza" de que Dilma será eleita para suceder a Lula, o presidente venezuelano disse que ela "tem peso, é uma grande mulher e tem a cabeça bem ordenada". E decretou: "Ela será a próxima presidente do Brasil. Podem escrever."

Confrontado com a hipótese de vitória de um candidato da oposição, Chávez apelou para o princípio da não-interferência em assuntos de outros países. "Não me meto em questões internas. Vocês são soberanos e podem fazer o que queiram. Eu não me meto."

Diante da notícia de que a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovara a entrada da Venezuela no Mercosul, Chávez disse que em seu país há "plena democracia" e "plena liberdade de expressão". "Que ninguém acredite nesses pontos sobre o ditador Chávez e sobre a perseguição a jornalistas", afirmou. "Em Honduras, sim, há ditadura e fecharam canais. Aqui, não. Vocês podem dizer o que queiram."

COLHEITA

O presidente venezuelano e Lula acompanharam a primeira colheita de soja em um projeto agrário que também leva o nome de José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869), militar brasileiro que combateu na Venezuela com as tropas de Simón Bolívar. O projeto, que o governo chavista classifica de "agrário integral socialista", fica nas proximidades de El Tigre e foi realizado com parceria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Depois de observar a colheita da soja, Lula e Chávez se reuniram em uma tenda improvisada. Ao sair em direção ao local onde seriam assinados 15 acordos bilaterais, foram surpreendidos por uma forte chuva e pela ventania, que destruiu toda a estrutura de apoio ao evento. Apesar do temporal, Chávez insistiu em carregar Lula na chuva, para inaugurar uma estátua de Abreu e Lima.

AVIÃO RESERVA

Lula embarcou de volta ao Brasil no avião reserva da Presidência. O Air Bus usado pelo presidente, o chamado Aero Lula, sofreu uma pane logo depois de aterrissar. A alternativa foi utilizar o Boeing 737, que havia trazido parte de sua comitiva e a imprensa.

Sinais de Honduras

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O acordo em Honduras ainda precisa enfrentar o teste da verdade: a volta de Zelaya ao governo e o respeito dele aos compromissos. Ele não é o vencedor; teve que desistir do ponto do conflito, a consulta popular sobre reeleição do presidente. Mas Micheletti é o derrotado. Os EUA inauguram uma nova era na relação com a América Latina. O uso político de nossa embaixada foi um erro.

Honduras é um caso emblemático por vários motivos.

Mostrou a reação mundial contra um golpe de estado na AL. Exibiu a nova face da diplomacia americana.

Explicitou mais um caso de tentativa de mudanças das regras do governante no poder. Estará tudo bem, se terminar tudo bem: com a volta de Manuel Zelaya para concluir seu mandato, com a submissão dele à Constituição do país, com eleições livres e alternância de poder.

O enviado especial do Departamento de Estado americano para resolver o problema, Thomas Shannon, fala português e espanhol e conhece a região. Sua ação, ao contrário de outros tempos, foi para restabelecer a ordem democrática e não para apoiar os golpistas. A ação firme americana em nada lembra o triste período em que os Estados Unidos patrocinaram ditaduras na América Latina.

Se tudo acabar bem, e tomara que sim, nem por isso estará legitimada a atabalhoada ação do Brasil. A diplomacia brasileira fez certo em ser tão irredutível a favor do presidente eleito.

Se foi mesmo apanhada de surpresa com a “materialização” do presidente deposto, em frente à embaixada, tinha sim que o abrigá-lo, do contrário, ele estaria com a vida em risco, naquele momento de radicalização. Mas nada justifica o uso da embaixada como centro de agitação política. Negociar de lá com os governantes está correto; promover manifestações, fazer os discursos que fez, e falar até em morte a partir da embaixada brasileira é inaceitável. E sempre será. O fim não legitima o que foi feito no meio desse processo.

Desde o dia 24 de março, quando Manuel Zelaya convocou — para junho — um referendo sobre a reforma constitucional que poderia levar a um novo mandato para ele, Honduras começou a seguir o caminho que poderia levar a um novo caso de chavismo na região. A consulta, como todos já sabem a essa altura, era inconstitucional.

O Supremo não autorizou.

O Congresso ficou contra. O general Romeo Vasquez se recusou a cumprir a ordem de levar adiante a execução do plebiscito e foi preso por Zelaya.

Nada disso torna aceitável o que aconteceu na madrugada de 28 de junho, quando soldados entraram na casa do presidente e o mandaram de pijamas para a Costa Rica. Fala-se muito do pijama, mas mesmo que estivesse em seu melhor terno — e chapéu — seria golpe despachar um presidente para outro país.

Já no dia 30 de junho, a Assembléia Geral da ONU pediu aos seus 192 membros que só reconhecessem o governo de Zelaya. No dia primeiro de julho, a OEA deu 72 horas para o governo interino devolver o poder a Zelaya. Não foi atendida.

Mas o que ficou claro foi que as instituições multilaterais não estavam mais dispostas a conviver com ditaduras feitas à velha moda na América Latina. Falta agora saber como a OEA reage às novas ditaduras.

O método chavista é o de implodir a democracia — atuar por dentro, corroer as instituições, revestir tudo com um discurso supostamente progressista, dizer que fala em nome dos pobres, atacar a imprensa e disseminar o conflito interno.

Contra a morte lenta da democracia, mascarada com a manutenção do ritual das eleições periódicas, os organismos multilaterais não sabem o que fazer. O final de tudo isso não será bonito. Isso ficou mais claro depois da decisão de armar as milícias.

Ontem, ao defender o terceiro mandato para o presidente Lula, Chávez fez uma pergunta: por que um presidente popular tem que sair do governo? Ora, porque a democracia pressupõe alternância de poder.

Ele não entende isso. Lula entende, tanto que não levou adiante as tentativas de mais um mandato. Mas o presidente brasileiro frequentemente repete gestos e palavras de Chávez, coisa que deveria evitar. Na quintafeira mesmo, em São Paulo, numa cerimônia com três mil catadores de lixo, Lula criticou a imprensa, falando diretamente aos jornalistas, que foram vaiados pelos presentes. Esta é uma típica cena venezuelana que ele deveria evitar. Lá terminou mal.

A volta de Zelaya terá que passar pelo Congresso e pelo Supremo, exatamente os poderes que ele subestimou no episódio que levou ao conflito institucional. Essa volta não será simples, mas de qualquer maneira, o grande derrotado foi Roberto Micheletti.

Ele era presidente do Congresso, assumiu um governo que foi reconhecido por apenas meia dúzia de governos ao redor do mundo, enfrentou uma unanimidade contra no continente, tentou provar que o que comandara não era golpe, mas acabou tendo que ceder e negociar.

O país de pouco mais de sete milhões de habitantes mobilizou todo o continente e continuará prendendo a atenção. As eleições estão marcadas para daqui a menos de um mês, e, se voltar ao poder, Zelaya terá que deixar a presidência em 29 de janeiro do ano que vem.

Micheletti cede sob pressão dos EUA

Ricardo Galhardo* São Paulo* e Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO


Congresso hondurenho decidirá sobre volta de Zelaya à Presidência na próxima semana

O mesmo Congresso que respaldou a destituição de Manuel Zelaya e designou Roberto Micheletti para liderar o governo interino decidirá novamente o destino de Honduras. Após forte pressão dos Estados Unidos, o governo interino cedeu na madrugada de ontem no ponto mais controverso do acordo para o fim da crise política e aceitou deixar nas mãos do Congresso a decisão sobre a volta ou não de Zelaya ao poder. Uma decisão recebida com alívio pela comunidade internacional.

Representantes das comissões negociadoras de Zelaya e Micheletti levaram o Pacto de Tegucigalpa-San José ao Congresso. Além de deixar os deputados decidirem sobre a volta de Zelaya após consulta à Suprema Corte — como defendia o deposto — o acordo prevê a instalação de um governo de conciliação nacional até 5 de novembro; descarta a anistia para delitos de Zelaya ou do grupo que o destituiu; e inclui a criação de uma comissão verificadora para acompanhar sua implantação, entre outros pontos.

Na embaixada brasileira em Tegucigalpa, Zelaya comemorou o acordo, dizendo que esse é o primeiro passo para a sua volta ao cargo. Mas disse que não sairá da embaixada até que o Congresso resolva sua situação.

— Este acordo é um símbolo da paz. Peço que o povo hondurenho mantenha a calma.

Micheletti, por sua vez, pediu que o Congresso tome uma decisão baseada “na verdade e na lei”: — Aceitar essa proposta representa uma concessão significativa. Sempre defendemos que a Corte Suprema deveria decidir a restituição, mas entendemos que o nosso povo quer virar a página destes momentos difíceis.

Partidos tendem a aprovar restituição

Diante do Congresso, centenas de simpatizantes de Zelaya comemoraram.

Os líderes dos partidos Nacional e Liberal, que juntos têm 90% das 128 cadeiras no Congresso, disseram que vão estudar o documento antes de decidir qual será a orientação das bancadas, mas em conversas reservadas os dois partidos admitem a inclinação para aprovar a restituição de Zelaya.

— Estamos satisfeitos. O que mais esperamos é que todo mundo respalde as eleições — disse Rodolfo Irias Navas, líder da bancada do Partido Nacional, que tem como candidato à Presidência Porfírio “Pepe” Lobo, líder nas pesquisas de opinião.

Dirigentes do Partido Liberal — do segundo colocado nas pesquisas, Elvin Santos, além de Zelaya e Micheletti — também admitiram que devem votar a favor da restituição. Nos dois casos, os parlamentares têm interesse na volta à normalidade, pois mais da metade vai disputar a reeleição.

O clima também é de otimismo na embaixada, onde Zelaya e outras 60 pessoas estão há mais de um mês.

— O clima melhorou muito. Todos estão felizes com a perspectiva de sair daqui — disse o diplomata brasileiro Lineu Pupo de Paula.

O acordo foi alcançado após os EUA enviarem Thomas Shannon, o secretário adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental, a Honduras. O principal parceiro comercial levou uma mensagem: as eleições não seriam reconhecidas sem um acordo.

Shannon afirmou ontem que não acredita que o Congresso componha um governo de coalizão sem restituir ao menos parte dos poderes a Zelaya.

— Ainda que o Congresso possa fazer consultas à Corte Suprema, este é um problema eminentemente político e assim deve ser resolvido — disse.

Zelaya foi deposto por militares em 28 de junho, após ignorar a determinação da Suprema Corte para suspender a consulta popular sobre a reforma da Constituição. Segundo rivais, sua intenção era incluir a reeleição.

A OEA já está organizando duas missões ao país — uma de verificação do acordo, outra para acompanhar a eleição — e deve revogar a suspensão de Honduras assim que a situação se normalizar. Além da OEA, a ONU e vários países elogiaram o acordo

Samba pra Vinicius - Toquinho, Quarteto em Cy, Chico Buarque

Bom dia!
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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A televisão como Moderno Príncipe

Giulio Ferroni
Fonte: IHU On-Line & Gramsci e o Brasil.

Para o professor de literatura italiana da Universidade La Sapienza, de Roma, Giulio Ferroni, a concepção gramsciana do moderno Príncipe não está presente nas ideias dos atuais partidos de esquerda italianos. Ele é enfático ao dizer que, na Itália, “o moderno Príncipe atual é a televisão”. Ferroni ressalta que na política italiana Gramsci foi usado como modelo polêmico, principalmente entre 1950 e 1960. “O Partido Comunista procurou construir um modelo gramsciano”, impondo uma “hegemonia” cultural própria, ele explica. E, em seguida, dispara: “Mas aquele modelo atuou apenas em parte sobre as massas trabalhadoras e foi cancelado totalmente pelo domínio da mídia, da cultura da aparência, da publicidade, do espetáculo”.

De sua produção intelectual, citamos: Mutazione e riscontro nel teatro di Machiavelli (Roma: Bulzoni, 1972), Il comico nelle teorie contemporanee (Roma: Bulzoni, 1974) e Istruzione, cultura e illusioni della riforma (Turim: Einaudi, 1997). A entrevista a seguir foi concedida por e-mail à
IHU On-Line.


Qual é a atualidade do conceito de intelectual orgânico, cunhado por Gramsci?

Poder-se-ia dizer que o conceito de intelectual orgânico é, ao mesmo tempo, atual e inatual. Atual pela lucidez com que Gramsci estendeu a categoria de intelectual, incluindo não só as figuras tradicionais (escritores, filósofos, artistas, etc.), mas abrangendo todas as figuras de técnicos e de mediadores do consenso e das formas de consciência e conhecimento sob títulos diversos (aqueles que hoje poderíamos chamar de operadores culturais). Inatual porque hoje não podemos mais falar de intelectuais que sejam orgânicos para uma classe ou um grupo de classes. Quando muito, há intelectuais funcionários que são orgânicos em relação ao sistema de comunicação e intelectuais “não orgânicos”, que resistem ao sistema global da comunicação, sem nenhum mandato social.

Na Itália, como a intelectualidade da esquerda e a da direita se posicionaram no século XX com base neste conceito?

No fundo, os verdadeiros intelectuais orgânicos foram aqueles “políticos” com que precisamente o fascismo tentou construir, mesmo que contraditoriamente, um modelo de atividade intelectual centralizada, reunindo em torno de uma função orgânica até mesmo intelectuais divergentes e de oposição (como é o caso do Instituto da Enciclopédia Italiana e da atividade de Giovanni Gentile, ou da revista Primato, dirigida por Giuseppe Bottai). Na esquerda, foi o Partido Comunista Italiano, de 1945 a 1970, que tentou, de várias maneiras, criar um grupo de intelectuais orgânicos, empenhados no trabalho de construir o consenso para aquele “Moderno Príncipe” que era o partido. Mas diga-se que se tratou prevalentemente de intelectuais “políticos” ou de intelectuais funcionários, enquanto as contribuições mais fecundas para o pensamento e a política de esquerda vieram precisamente de intelectuais “não orgânicos”.

Como o senhor faz a análise da influência de Maquiavel no pensamento político de Gramsci? Que elementos conserva do escritor florentino e em que o supera?

Para Gramsci, Maquiavel é um grande modelo “mítico”. Gramsci vê em Maquiavel a capacidade de confrontar-se com as mais avançadas monarquias europeias da época e a busca de uma intervenção sobre a situação italiana que criasse, também na Itália, um regime centralizado e moderno: o Príncipe é aquele que sabe dar-se conta da situação e sabe pôr em campo todos os meios para agir sobre ela, conquistando no “povo” o necessário consenso. Assim, o partido moderno deve ter, como o Príncipe de Maquiavel, aquela capacidade de suscitar consenso e de intervir de modo revolucionário na situação contemporânea. Este é, precisamente, o mito do “Moderno Príncipe”. Mas Gramsci também percebeu, no cárcere, a falência do projeto de Maquiavel, acabando por também ver nele uma imagem de sua própria derrota.

Quais seriam as maiores diferenças entre a concepção de Estado de Gramsci em relação a Marx e Lenin?

A maior diferença está no fato de que, em seu pensamento mais maduro, Gramsci parece indicar a imagem de um Estado muito articulado, cuja estrutura não deve apoiar-se sobre a ditadura do proletariado, mas sobre a capacidade do proletariado de ser “hegemônico”, de impor o desenvolvimento revolucionário através do consenso e da aliança com as classes intermediárias.

Togliatti afirmou que Gramsci era o primeiro bolchevique italiano, o primeiro leninista do país. De que modo a concepção gramsciana de “Moderno Príncipe” influencia os atuais partidos de esquerda na Itália?

Bolchevique nos anos da revolução soviética e naqueles da fundação do Partido Comunista Italiano, Gramsci se afastou do bolchevismo no pensamento mais maduro dos Cadernos do cárcere, pensamento que também é animado por uma forte contraditoriedade e por uma grande tensão dramática. Quanto à concepção do “Moderno Príncipe”, os atuais partidos de esquerda, também aqueles que ainda pretendem ser “comunistas”, estão, com efeito, muito distantes disto. Na realidade, o atual “Moderno Príncipe” não é mais um partido ou o partido, mas é a televisão.

Para Lenin, os sovietes são órgãos do governo para os trabalhadores, os quais são conduzidos pelo estrato de vanguarda do proletariado e não pelas massas trabalhadoras. De que modo esta situação se apresentou na Itália? Houve na Itália uma revolução cultural do ponto de vista gramsciano?

Parece-me que, na política italiana, Gramsci tenha sido usado como modelo polêmico e lhe tenham sido atribuídos os pontos de vista mais diversos e até mesmo opostos. Sobretudo nos anos 1950 e nos primeiros anos 1960, o Partido Comunista procurou construir um modelo gramsciano, procurando impor uma “hegemonia” cultural própria, até mesmo por causa da inteligência, da rica cultura dos seus dirigentes, mas que atuou apenas em parte sobre as massas trabalhadoras e foi totalmente eliminado pelo domínio da mídia, da cultura da aparência, da publicidade, do espetáculo.

Poderia dar detalhes do contexto no qual emergem e o que eram as Comissões Internas, consideradas por Gramsci como embriões de sovietes?

Em meio aos conflitos econômicos e sociais da Itália saída da Primeira Guerra Mundial, no contexto muito vivaz e vital da Turim operária, os conselhos de fábrica foram uma grande tentativa de gestão direta da fábrica por parte dos operários (que o turinense Gobetti apreciava precisamente a partir de um ponto de vista “liberal”): certamente havia muitas semelhanças com os sovietes, mas eles emergiam num horizonte cultural, econômico e social muito diverso.

Gramsci teve influência na literatura italiana? De que forma?

A influência foi importante do ponto de vista da crítica e da teoria literária, e, sobretudo, da linguística. Um eco da reflexão de Gramsci é sentido provavelmente naquelas experiências que confrontaram a língua nacional com os diversos dialetos, que deram atenção aos encontros e conflitos entre a língua literária e a expressividade das línguas regionais (de Pasolini a Meneghello). No famoso livro de Pasolini, Le ceneri di Gramsci, há uma referência a um modelo heroico, à perspectiva histórica e política e ao empenho por uma nova humanidade que Gramsci representa, mas não se pode falar de um verdadeiro influxo de Gramsci. Sobre narradores e poetas a influência de Gramsci foi somente indireta.

'Alianças de Lula indicam populismo'

Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO


"Ele é mais popular na Argentina do que na Anpocs", brinca sociólogo portenho

CAXAMBU (MG). Ao traçar ontem o perfil dos sistemas partidários na América Latina e compará-los com modelos europeus e com o americano, o sociólogo Torcuato Di Tella, ex-ministro da Cultura argentino, afirmou que o populismo no governo Lula pode ser identificado em um ponto: nas alianças que ele buscou e consolidou desde o primeiro mandato.

Durante conferência no último dia do 33oEncontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu, Torcuato afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é popular em seu país, mas fez a ressalva: — Lula tem origem num sindicalismo do tipo americano, que busca resultados.

Depois que chegou ao governo, fez acordo com partidos como o PMDB e com grupos religiosos (com o hoje PRB, do vice-presidente José Alencar, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus). Essas alianças é que têm elementos populistas — disse o sociólogo, afirmando que os sindicatos ligados ao PT não são “atrelados ao Estado” como os do governo populista de Getulio Vargas.

Para o ex-ministro, o presidente Lula tem características de um social-democrata, “mas não é um típico populista ou um típico social-democrata”. Ele ressaltou que, apesar da observação em relação à aliança, gosta de Lula, assim como seus conterrâneos.

— Na Argentina, o pessoal adora o Lula. A esquerda se pergunta: por que não temos alguém como ele? Já a direita diz que o presidente brasileiro é alguém com quem se pode conversar.

O Lula é mais popular na Argentina do que na Anpocs — provocou o sociólogo, diante das perguntas da plateia sobre as características populistas da gestão petista.

Em um dos debates que inauguraram o encontro, anteontem, o cientista político Luiz Werneck Vianna fez duras críticas à gestão petista e a Lula, a quem chamou de “chefe carismático”.

Segundo ele, o Brasil está retomando o caminho do passado, do desenvolvimentismo, na contramão “de uma cidadania ampla”. O que, para ele, “não é um bom presságio para a democracia brasileira”.

Torcuato Di Tella falou ainda sobre as raízes do populismo nos países periféricos.

Segundo ele, a tradição rural, que cria um tripé social formado por três pais — o pai de família, o padre e o patrão —, acaba influenciando na estrutura da sociedade, na hora em que as pessoas saem do campo para a cidade.

— Ao sair para a cidade, eles perdem os três pais. E aparecem os chamados “pais dos pobres”, como aconteceu com Getulio Vargas, (Juan Domingo) Peron, Hugo Chávez e Evo Morales — disse o sociólogo, sem citar Lula.

Para Torquato Di Tella, Lula não é populista

Maria Inês Nassif, Caxambu (MG)
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se é tentador, porém arriscado, enquadrar no conceito de populismo os governos de esquerda da América do Sul de hoje, como os de Hugo Chavez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), e Rafael Correa (Equador), fazer o mesmo com o presidente do maior país do continente, Luiz Inácio Lula da Silva, é temerário. "Lula pode ter alguns traços de populista, mas é social-democrata", afirmou ontem o argentino Torcuato Di Tella, da Universidade de mesmo nome, no último dia da reunião nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs). "A tradição do PT não é populista, mas socialista com elementos de centro-esquerda à extrema esquerda", disse.

Além disso, segundo o cientista político, se o populismo pressupõe apoio de massas trabalhadoras desorganizadas e de uma burocracia sindical descolada das bases, isso também não se enquadra no caso brasileiro. Para ele, o movimento sindical que gravita em torno do governo Lula não teve origem no Estado - não incorpora o "peleguismo", conforme é entendido o sindicalismo de burocracias ligadas ao poder mas descoladas das bases -, mas tem uma dinâmica autônoma ao poder público.

Segundo Di Tella, no populismo clássico os governantes vêm de classes altas e ascendem e se mantêm no poder graças a um enorme poder de mobilização das massas. Nas suas raízes, o populismo vem da tradição rural da população que sai do campo para as cidades, incorporando-se às suas periferias pobres. No campo, eles têm três pais: o pai de família, o patrão e o padre. Nas periferias, incorpora o quarto pai, o político "pai dos pobres" - e aí se enquadram, com precisão, Getúlio Vargas, Juan Domingos Perón, da Argentina, na primeira metade do século passado; e, na história recente, Chávez, Morales e Correa. "Não vou falar no Lula", disse seguidas vezes, apenas concordando em emitir opinião quando o simpósio foi aberto a perguntas. E brincou: "Lula é muito popular na Argentina, mas parece que não é muito na Anpocs".

Sequer o peronismo, segundo ele, conseguiu figurar como um populismo puro. Na Argentina, Perón assumiu com o apoio de um grupo militar nacionalista, com parte do clero e da indústria. Conforme mobilizava massas desorganizadas, afugentou esses apoios e agregou também uma base sindical "pelega", originária do Estado, mas que, ao contrário da burocracia sindical americana, tinha algum contato com as bases. A capacidade de mobilização das massas afugentou as indústrias mesmo no momento em que elas eram fortemente beneficiadas pela política protecionista do peronismo, que foi perdendo também o apoio da direita militar nacionalista.

Segundo o argentino, essas contingências históricas de perda de apoio entre as elites pode ter definido, por exemplo, o fato de Perón ter grande simpatias pelo fascismo mas não ter conseguido trilhar esse caminho - para ser fascista, obrigatoriamente teria de ter apoio empresarial e sustentação militar. "O grande inimigo do fascismo eram as classes operárias organizadas. Se ele queria implantar o fascismo, fracassou, porque esses grupos o apoiaram", disse Di Tella. "Os grandes inimigos do peronismo, na verdade, eram a classe alta e a esquerda ideológica", afirmou.

Empurrado por essas forças e inimigos, Perón, ao longo de 20 anos de exílio, os primeiros deles abrigado em países com governos de direita, acabou abandonando convicções direitistas e convenceu-se de que era um grande líder de esquerda. Nessa época, segundo Di Tella, costumava dizer que havia no mundo três grandes líderes: Mao Tsé-tung, Fidel Castro e ele próprio. Vinculou-se aos montoneros, movimento de guerrilha urbana de direita. E a ditadura militar, na sua política de eliminação da esquerda, privilegiou peronistas e seus simpatizantes.

A busca da utopia

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A procura de uma saída para o impasse em que as civilizações ocidental e oriental se encontram, exacerbado pelos ataques terroristas da Al Qaeda aos Estados Unidos, em 2001, continua sendo a principal motivação de diversos organismos internacionais, tais como a Aliança das Civilizações coordenada pela ONU, ou a Academia da Latinidade, que reúne há dez anos intelectuais do mundo latino e pretende ser uma ponte para o entendimento

O ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, nomeado alto representante da ONU para a Aliança das Civilizações, prefere falar em apenas uma civilização com diversas culturas que se confrontam.

Na XX reunião da Academia da Latinidade, que acontece no Cairo esta semana, procurou-se prever o que acontecerá além da “pós-laicidade”, no pressuposto de que já se atingiu esse ponto no relacionamento entre os dois mundos.

O ex-secretário-geral da ONU, o egípcio BoutrosBoutros Ghali, cristão copta, uma minoria significativa no país, ressaltou que o tema da conferência é muito atual, já que o Egito e o mundo árabe são confrontados com um choque identitário religioso, “um fundamentalismo agressivo exacerbado pela nova cruzada antiislâmica do mundo ocidental depois dos acontecimentos de 11 de Setembro em Nova York”.

Essa rejeição do outro, “apesar de que a revolução tecnológica nos aproxima, impõe aos nossos problemas uma visão global”, é uma posição anacrônica, na visão de Boutros-Ghali, como se as torres das igrejas e os minaretes fossem contrapostos aos satélites, e a certeza de que “a laicidade, esse fundamento da Declaração dos Direitos dos Homens será substituída por um retorno ao fanatismo, ao obscurantismo, à retomada das guerras de religião”.

Mas o ex-secretário-geral da ONU ainda acredita que, “num mundo cheio de perigos, a vontade superará o imobilismo, a esperança superará a resignação, o espírito de paz a recusa do outro”.

Para ele, esse conceito de pós-laicidade, como uma antevisão do que virá, pode ser a utopia que moverá o motor da História.

Também o presidente da Academia da Latinidade, o exdiretor-geral d a U n e s c o F e d e r i c o Mayor, ressaltou que a laicidade, “fundamento e condição da autêntica democracia”, não existe ainda na maioria dos casos, e por isso o tema da conferência é uma tentativa de avançar nesse campo ainda minado.

É o momento de grandes projetos para o futuro, com associações regionais que permitam estabelecer grandes acordos de cooperação entre Europa, África, América Latina e Liga Árabe.

Para Federico Mayor, a Europa tem que ter uma posição firme para forçar passos nesse sentido, como a normalização da co-habitação entre Israel e a Palestina .

“Diálogo em escala planetária no lugar da imposição, conversa em lugar da força”, pediu Mayor.

Uma das maneiras de superar essa situação, discutida na reunião e que já foi tema de outros encontros, é a adoção dos chamados “projetos de identidades regionais”, como a noção regi onalmediterrânea , que está sendo retomada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Essa “noção regional mediterrânea” seria uma maneira de integrar os muçulmanos no mundo europeu a partir da entrada da Turquia na Comunidade Europeia . Ou de aproximar o Marrocos de Portugal e Espanha.

A questão da uniã o mediterrânea foi abordada na reunião do Cairo pelo professor de filosofia François L’Yvonnet, segundo quem os debates em torno da questão têm como pano de fundo as disputas políticas sobre a entrada da Turquia na Comunidade Europeia.

“O Mediterrâneo não é um teatro neutro, é lugar de tensões inéditas. Não tem apenas um passado glorioso (...)”.

Do seu ponto de vista, o Mediterrâneo tem um futuro com o palco de uma “razão política”com uma importância cada vez menos geográfica e cada vez mais metafórica de “uma narração do possível”.

Embora seja uma visão profundamente europeia, e por isso mesmo deixe de lado conceitos mais modernos, como a importância maior que tem o Pacífico nas relações comerciais atuais e n t re o Ocidente e a Ásia, ela ganhou na reunião da Latinidade um reforço de peso na visão do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, um defensor da ideia, que vê nela não apenas fatores geográficos e políticos, mas também poéticos.

Para conceber o Mediterrâneo, diz Morin em um dos seus textos sobre o tema, “é preciso conceber a uma só vez a unidade, a diversidade e as oposições; é preciso um pensamento que não seja linear, que abranja ao mesmo tempo complementaridades e antagonismos.

O Mediterrâneo é o mar da comunicação e do conflito, o mar dos politeístas e dos monoteístas, o mar do fanatismo e da tolerância, o mar onde o conflito (...) se tornou debate democrático e filosófico”.

Edgar Morin chama o Mediterrâneo em um de seus textos de “nossa ligação afetiva, místico, religioso” e faz um jogo de palavras em francês com “mer”(mar) e mère (mãe), que “através de tantas dores e misérias, de negações e injustiças, pode nos dar a alegria de sermos mediterrâneos (...) fonte de poesia vital”.

No meio do caminho

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Político a gente deve analisar assim: uma coisa é o que dizem em público, outra bem diferente é o que fazem nos bastidores.

Os governadores José Serra e Aécio Neves, ambos pré-candidatos à Presidência da República pelo PSDB, não fogem à regra que nada tem de espúria quando guardados os limites da legalidade e da boa ética na operação da estratégia político-eleitoral de cada um.

Oficialmente, Aécio exige que o partido defina se fará ou não prévias para a escolha do candidato até dezembro. Depois disso, anunciou nesta semana em Brasília, cuidará de "Minas" e da própria candidatura ao Senado.

Na véspera, já na capital, durante um compromisso social apresentara o vice-governador de Minas, Antônio Anastásia, aos convidados como candidato a governador. "E o Hélio Costa?", quis saber uma curiosa em alusão às negociações com o ministro das Comunicações, que é do PMDB.

"Será candidato a senador." E o Itamar Franco? "Também", informou o governador. Uma de três: ou dissimulava ou posava de candidato a presidente ou admitia a candidatura a vice, já que só haverá duas vagas de senador em disputa.

Serra, por sua vez, para todos os efeitos externos mantém inamovível a posição de só anunciar uma decisão em março. Na verdade, se pudesse, adiaria para junho. Quiçá julho, para ficar o menos tempo possível exposto à luz do sol e às consequências do sereno. Vale dizer, ao contra-ataque do presidente Luiz Inácio da Silva.

Mas, como entre querências e poderências, há uma distância amazônica, a nação tucana trabalha com o meio-termo e considera o mês de janeiro o marco ideal para o início das tratativas públicas dentro de parâmetros mais próximos da realidade.

Isso não quer dizer que não se movimentem nos bastidores. Cada qual faz o jogo que lhe parece mais conveniente no momento.

Serra organiza seu efetivo, Aécio administra a desvantagem procurando tirar dela as vantagens possíveis, ambos seguram os respectivos radicais e o partido cuida da "infra" - treina 2.500 militantes até dezembro e prepara a abertura de novas "turmas" a fim de chegar em julho com 10 mil cabos eleitorais qualificados -, trabalha o mapa das alianças regionais e apaga incêndios, a maioria produto da ansiedade geral pela definição da candidatura.

"Como Lula antecipou o calendário eleitoral, todo mundo quer entrar na briga logo", diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, um entusiasta da tese do nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Mas e por que não agora, uma vez que a antecipação contribuiria para apaziguar todos os entornos e não falta tanto tempo assim para a data marcada?

Oficialmente, porque é preciso haver um entendimento entre os governadores de São Paulo e Minas construído da maneira mais competente possível a fim de que não haja divisões fatais. Afinal de contas, atrás do cenário da disputa estão os dois maiores colégios eleitorais do País.

Se sem São Paulo não se ganha eleição, São Paulo sozinho - tendo o Nordeste todo como contraponto a favor do adversário - também não. E sem a adesão de Minas muito menos.

Essa versão peca por um detalhe: Serra e Aécio não precisam esperar janeiro para fazer o que podem fazer a qualquer tempo, sentar e acertar os termos do acordo.

O complicador crucial é que, diferentemente de Aécio Neves, que está no fim do segundo mandato, o governador de São Paulo ainda não cumpriu nem o primeiro e ainda carrega o passivo de ter rompido a promessa de não deixar a Prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo do Estado.

Se sair de novo com antecedência para fazer campanha eleitoral, teme que a reação do paulista seja ruim, o que prejudicaria o projeto nacional.

Mas, sendo candidato, não sairá de qualquer jeito? Sim, mas se o fizer no prazo legal para representar São Paulo na eleição presidencial terá cumprido a regra do jogo com o eleitorado, que desde o início sabia de suas pretensões nacionais.

Daí a decisão de começar o ensaio geral aberto ao público em janeiro, mas só estrear mesmo o espetáculo em março, último mês antes do prazo final para governantes candidatos deixarem seus cargos.

Chapa puro-sangue? É o que 11 entre dez oposicionistas esperam e 12 entre dez governistas receiam e, por ora, parece a única peça "de trabalho" do PSDB, já que nem nas conversas mais reservadas se cogita uma alternativa.

Mas, e se não der, se Aécio se mantiver mesmo irredutível, qual será a saída?

Caso o DEM não esteja jogando com as mesmas cartas, pode haver confusão à vista, pois o tucanato acha que a dobradinha no modelo dos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, já deu o que tinha que dar.

Espelho

Falando aos catadores de lixo, o presidente Lula disse que a elite discrimina as pessoas por suas profissões.

Muita gente faz isso. Inclusive presidentes da República que elevam o presidente do Senado à condição de "pessoa "incomum".

O ovo da serpente

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - A violência no Rio é muito debatida quando há grandes fatos, crimes revoltantes. No entanto, muitas coisas acontecem numa quase surdina, e elas são o indício de que os tempos podem ser piores.

Há alguns meses, o site do jornal "O Dia" divulgou um vídeo da comemoração do aniversário de um traficante no Complexo do Alemão. Havia uma tal concentração de armas nas mãos dos participantes da festa que pareciam preparados para dominar uma boa parte da cidade.

Fuzis pendurados no peito, o aniversário parecia um momento de descanso de um exército tropical e descamisado.

Aquilo passou. Afinal é preciso tocar as obras do PAC. Agora, no auge da crise do helicóptero abatido, surgiu uma outra despretensiosa notícia no jornal da rádio Bandeirantes: um potencial candidato a deputado foi assassinado em Rio das Pedras, região dominada pelas milícias. O corpo foi encontrado na Cidade de Deus, com perfurações de bala e sinais de tortura.

Às vezes, quando se dá a crise, a sensação que temos é que tudo vai mudar. O governo anuncia medidas, Brasília envia mais dinheiro e todos tentam dormir tranquilos.

O processo não para. Enquanto se discute se a pré-campanha presidencial está nos limites da lei, uma outra pré-campanha está em curso. Ela começa com a eliminação física de adversários. Tanto no Complexo do Alemão como em Rio das Pedras, os vínculos entre política e crime passam ao largo e, quando surgem acontecimentos espetaculares, parecem relâmpago em céu azul.

Todos esses fuzis e metralhadoras estarão diante de nós na campanha de 2010. Não é difícil saber a quem servem. O foco atual é o comércio de drogas. Mas, durante o período não eleitoral, esquecemos do comércio de votos, ao qual as armas servem com grande eficácia.

Servem a quem?

O avesso do avesso

Francisco de Oliveira
DEU NA REVISTA PIAUI
37/ outubro 2009

O presidente vestiu a roupa às pressas e não percebeu que saiu à rua do avesso. Ele é o cara, e todo mundo o vê assim. O lulismo é regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda.

O artigo "Hegemonia às avessas" (piauí, janeiro de 2007) pretendeu fazer uma provocação gramsciana para melhor entender os regimes políticos que, avalizados por uma intensa participação popular (a "socialização da política", segundo Antonio Gramsci), ao chegar ao poder praticam políticas que são o avesso do mandato de classes recebido nas urnas. É o caso das duas presidências do Partido dos Trabalhadores no Brasil. E da destruição do apartheid na África do Sul, por meio de uma longa guerra de posições e das seguidas reeleições do Congresso Nacional Africano, uma frente de esquerda com forte influência do Partido Comunista.

Quase sete anos de exercício da Presidência por Luiz Inácio Lula da Silva já tornam possível uma avaliação dessa hegemonia às avessas e dos resultados que ela produziu. Não se parte aqui, e não fiz essa presunção também no artigo provocador original, de que Lula recebeu um mandato revolucionário dos eleitores e sua Presidência apenas se rendeu ao capitalismo periférico. Mas o mandato, sem dúvida, era intensamente reformista no sentido clássico que a sociologia política aplicou ao termo: avanços na socialização da política em termos gerais e, especificamente, alargamento dos espaços de participação nas decisões da grande massa popular, intensa redistribuição da renda num país obscenamente desigual e, por fim, uma reforma política e da política que desse fim à longa persistência do patrimonialismo.

Os resultados são o oposto dos que o mandato avalizava. O eterno argumento dos progressistas-conservadores - caso, entre outros, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - é que faltaria, às reformas e ao reformista-mandatário, o apoio parlamentar. Sem sustentação no Congresso, o país ficaria ingovernável. Daí a necessidade de uma aliança ampla. Ou de uma coalizão acima e à margem de definições ideológicas. Ou, mais simplesmente, de um pragmatismo irrestrito.

Fernando Henrique Cardoso teve recursos retóricos para justificar uma mudança de posição ideológica que talvez não tenha paralelo na longa tradição nacional do "transformismo" (outro termo emprestado do teórico sardo). Luiz Werneck Vianna, um dos nossos melhores intérpretes da "revolução passiva" gramsciana - junto com Carlos Nelson Coutinho -, é mais sutil e tem um argumento mais complexo: não se governa o Brasil sem o concurso do atraso não apenas por razões parlamentares, mas porque a estrutura social que sustenta o sistema político é conservadora, e não avalizaria avanços programáticos mais radicais. Além disso, as fundas diferenças e desigualdades regionais, bem como o modo como, desde a Colônia, fundiram-se o público e o privado - vide Caio Prado Jr. - tornam quase obrigatório um pragmatismo permanente, que leva de roldão perspectivas mais ideológicas, ou meramente programáticas.

Infelizmente para os defensores do eterno casamento entre o avançado e o atrasado, a história brasileira não dá suporte ou evidências do acerto do conservadorismo com enfeite ideológico progressista. Nem mesmo remotamente. Até no caso da abolição da escravatura, que talvez tenha de fato subtraído o apoio parlamentar ao trono imperial, abrindo o espaço para a República, não se deve perder de vista que ela foi pregada por radicais e realizada por conservadores. Nem se pode esquecer que o gabinete da Lei Áurea era presidido pelo conselheiro João Alfredo, um notório conservador.

A Proclamação da República, entendida modernamente como um golpe de Estado, foi conduzida por militares conservadores e, logo em seguida, usurpada pela nova classe paulista que emergia da formidável expansão cafeicultora. Rui Barbosa, um grande liberal republicano, chega ao Ministério da Fazenda já com Deodoro da Fonseca - e faz uma administração considerada temerária - e depois tenta seguidamente alcançar a Presidência, por meio das eleições "a bico de pena", fracassando em todas elas. Os nomes que ficarão serão os da nova plutocracia paulista: Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. Por fim: as bases sociais da abolição já vinham sendo estruturadas pela mesma expansão do café que, para tanto, promoveu a imigração italiana. Não foi a abolição que derrubou a monarquia, mas a expansão econômica violentíssima na virada do século xix para o xx.

Outro exemplo, mais perto de nós, é o da Revolução de 30. Quem derrubou o regime caduco da Primeira República foi uma revolução que veio da periferia, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, com Minas associando-se em seguida, e contando com a oposição de São Paulo. O atraso, então, serviu de base para o avanço? Longe disso. O Rio Grande tinha uma longa tradição revolucionária, um sistema fundiário mais progressista que o do resto do país, além de uma cultura positivista entre suas elites, sobretudo a elite militar, que forneceu o programa social lançado em 1930 (e sustentado continuamente por cinco décadas) cujo conteúdo foram as reformas do trabalho e da previdência social.

A historiografia da Unicamp, liderada por Michael Hall, está pondo reparos à tese de que Getúlio Vargas copiou a Carta del Lavoro: decisiva mesmo teria sido a fundamentação positivista, que fez com que a nossa Consolidação das Leis do Trabalho fosse muito além da legislação italiana. Contra todas as tendências do já principal centro econômico brasileiro, Vargas fez São Paulo engolir goela abaixo um programa industrializante, reformista e socialmente avançado. Não foi à toa que, em 1932, articulou-se em terras bandeirantes uma "revolução constitucionalista" cujo programa é hoje emoldurado com galas de avanço - a fundação da Universidade de São Paulo -, mas que na realidade pretendia barrar o avanço das leis reformistas e reforçar a "vocação agrícola do Brasil". Esse argumento, que ainda frequenta as páginas do Estadão (de forma sinuosa, é verdade), era explicitado em prosa e verso pelo jornal hoje plantado às margens malcheirosas do Tietê e pelas principais lideranças paulistas. O atraso governando o país?

O golpe de Estado de 1964, que derrubou o governo João Goulart e terminou com a precária democratização em curso desde 1945, pintou-se com as cores do atraso, mas na realidade realizou o programa capitalista em suas formas mais violentas. Não foi um conflito entre o atraso e o progresso, mas entre duas modalidades de avanço capitalista. O vencedor fez seu o programa do vencido, radicalizando-o e ultrapassando-o. Fincou os novos limites à acumulação de capital muito além do que os vencidos teriam ousado, na esteira da evolução do regime chamado varguista-desenvolvimentista.

A estatização promovida pela ditadura militar significou a utilização do poder estatal coercitivo para vencer as resistências não do atraso, mas das burguesias mais "avançadas". Nunca a divisa da bandeira foi levada tão ao pé da letra quanto naqueles anos: "ordem e progresso". Poderosas empresas estatais se fortaleceram nos setores produtivos, fusões bancárias foram financiadas por impostos pesados, recursos públicos foram usados sem ambiguidades não para preservar o velho, mas para produzir o novo - como a Aeronáutica e o ita criando a Embraer. Avanço ou atraso?

O fim é conhecido: desatada a caixa de Pandora, o regime sucumbiu não ao seu fracasso, mas ao seu êxito em construir uma ordem capitalista avassaladora. O regime militar relegou a burguesia nacional ao papel de coadjuvante, submeteu a classe trabalhadora a pesadas intervenções e não abriu ao capital estrangeiro, como faria supor seu ato mais imediato, a revogação da Lei de Remessa de Lucros de Goulart, que deu o pretexto para o golpe.

Melancolicamente, como cantava uma valsa antiga, que eu ouvia na voz de Carlos Galhardo - com certeza produzida em Hollywood -, a ditadura terminou seus dias com um general enfadado, que preferia o cheiro de cavalos ao do povo, encurralada por um poderoso movimento democrático que deitou raízes em praticamente todos os setores da sociedade. O movimento pelas Diretas Já, no entanto, teve um desenlace moldado em termos irretorquivelmente brasileiros: um pacto pelo alto, entre o partido oficial de oposição à ditadura e o falido partido da própria ditadura, que entregou a Presidência, numa eleição indireta, a um civil mais conservador que o próprio general que saía de sua ronda. Por infelicidade, o poder terminou nas mãos dum acadêmico maranhense de um mais do que duvidoso prestígio literário - como diria minha professora, d. Delfina, desafiando-nos: "Dou um doce a quem tenha lido os tais Maribondos de Fogo." Chamava-se José Sarney. Continua nos brindando com nomeações no Senado como se estivesse na praia do Calhau, em São Luís. Quem governa, o atraso ou o avanço?

Houve então o interregno de Fernando Collor, que tinha voto, mas não tinha voz, e de Itamar Franco, que não tinha nem voto nem voz. E então chegou o progresso mesmo, em pessoa, adornado com os tí-tulos e as pompas da Universidade de São Paulo. Fernando Henrique Cardoso realizou o que nem a Dama de Ferro tinha ousado: privatizou praticamente toda a extensão das empresas estatais, numa transferência de renda, de riqueza e de patrimônio que talvez somente tenha sido superada pelo regime russo depois da queda de Mikhail Gorbachev.

Como Antonio Carlos Magalhães, o enérgico cacique da Bahia, foi seu parceiro, confirma-se a tese de que somente se pode governar com o atraso? Longe disso. acm nunca foi um oligarca no sentido rigoroso do termo e, mais que isso, a política econômica de Fernando Henrique jamais esteve sob o controle de Antonio Carlos e assemelhados. A política econômica era reserva de caça exclusiva de fhc e de seus tucanos, hoje banqueiros.

Essa turma se desfez do melhor da estrutura do Estado longamente criada desde os anos 30, cortando os pulsos num afã suicida sem paralelo na história nacional. Honra a São Paulo e a seus ideólogos: Eugênio Gudin não faria igual e o Estadão exultava a cada medida "racional" do governo fhc. Manipulando o fetiche da moeda estável, Fernando Henrique retirou do Estado brasileiro a capacidade de fazer política econômica. Com os dois mandatos, os tucanos operaram um tournant do qual seu sucessor veio a ser prisioneiro - com a peculiaridade que Lula radicalizou no descumprimento de um mandato que lhe foi conferido para reverter o desastre fhc. É nesse contexto que opera a "hegemonia às avessas".

Que se pode ver no avesso do avesso? Começando pela economia, que tem sido o argumento maior da era Lula: sua taxa de crescimento médio nos seis anos é inferior à taxa histórica da economia brasileira e, em 2009, prevê-se uma queda relativa que o leva de volta à performance de seu antecessor imediato, o odiado (para os petistas-lulistas) fhc. O crescimento tem se baseado numa volta à "vocação agrícola" do país, sustentado por exportações de commodities agropecuárias - o Brasil, um país de famintos, é hoje o maior exportador mundial de carne bovina - e minério de ferro, graças às pesadas importações da China. Com o simples arrefecimento do crescimento chinês, que de 10% ao ano regrediu a uns 8%, a queda das exportações brasileiras já provocou a forte retração do pib agropecuário. As exportações voltaram a ser lideradas pelos bens primários, o que não acontecia desde 1978.

Proclama-se aos quatro ventos a di-minuição da pobreza e da desigualdade, baseada no Bolsa Família. Os dados disponíveis não indicam redução da desigualdade, embora deva ser certo que a pobreza absoluta diminuiu. Mas não se sabe em quanto. A desigualdade provavelmente aumentou, e os resultados proclamados são falsos, pois medem apenas as rendas do trabalho que, na verdade, melhoraram muito marginalmente graças aos bene-fícios do inss, e não ao Bolsa Família. Quem o proclama é o insuspeito Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea. A desigualdade total de rendas é impossível medir-se, em primeiro lugar pela conhecida subestimação que é prática no Brasil, e em segundo lugar por um problema de natureza metodológica (conhecido de todos que lidam com estratificações, que é a quase impossibilidade de fechar o decil superior da estrutura de rendas).

Metodologicamente, como lembrou Leda Paulani, as rendas do capital são estimadas por dedução, enquanto as rendas do trabalho são medidas diretamente na fonte. Medidas indiretas sugerem, e na verdade comprovam, o crescimento da desigualdade: o simples dado do pagamento do serviço da dívida interna, em torno de 200 bilhões de reais por ano, contra os modestíssimos 10 a 15 bilhões do Bolsa Família, não necessita de muita especulação teórica para a conclusão de que a desigualdade vem aumentando. Marcio Pochmann, presidente do Ipea, que continua a ser um economista rigoroso, calculou que uns 10 a 15 mil contribuintes recebem a maior parte dos pagamentos do serviço da dívida. Outro dado indireto, pela insuspeita - por outro viés - revista Forbes, já alinha pelo menos dez brasileiros entre os homens e mulheres mais ricos do mundo capitalista[1].

Por fim, a Fundação Getúlio Vargas divulgou, no final de setembro, uma pesquisa provando que a classe que mais cresceu proporcionalmente, de 2003 a 2008, não foi a c nem a d. Foi, isso sim, a classe ab, que tem renda familiar acima de 4.807 reais - e o dado não leva em conta a valorização da propriedade, ações e investimentos financeiros.

Do ponto de vista da política, o avesso do avesso é sua negação. Trata-se da administração das políticas sociais; cooptam-se centrais sindicais e movimentos so-ciais, entre eles o próprio Movimento dos Sem-Terra, que ainda resiste. A política é não só substituída pela administração, mas se transformou num espetáculo diário: o presidente anuncia com desfaçatez avanços e descobertas que no dia seguinte são desmentidos. O etanol, que seria a panaceia de todos os males, foi rapidamente substituído pelo pré-sal, que agora urge defender com submarinos nucleares e caças bilionários. O pré-sal, aliás, prometia reservas que elevariam o Brasil à condição de maior produtor mundial de petróleo, superando os países do Golfo, e dando, de colher, os recursos para quitar a obscena dívida social brasileira. Não tardou muito e a Exxon furou um poço... seco. E agora a British Group, associada à Petrobras, anuncia a mesma coisa. E as expectativas de reserva passaram de 1 trilhão de barris de petróleo para modestos 8 bilhões.

As previsões da equipe econômica são de mágico de quintal. No princípio do ano, em plena crise, o crescimento estimado estava na casa dos 6% para 2009. Pouco a pouco, as previsões - dignas de Nostradamus - foram caindo para 4%, 5%, 3%, e hoje se aposta em 1%.

O chamado ciclo neoliberal, que começa com Fernando Collor e já está com seus quase vinte aninhos com Lula, é um ciclo anti-Polanyi, o magistral economista e antropólogo húngaro que se radicou na Inglaterra. O projeto do socialismo democrático de Karl Polanyi começava por deter a autonomia do mercado e dos capitalistas. Ora, o governo Lula, na senda aberta por Collor e alargada por Fernando Henrique, só faz aumentar a autonomia do capital, retirando às classes trabalhadoras e à política qualquer possibilidade de diminuir a desigualdade social e aumentar a participação democrática. Se fhc destruiu os músculos do Estado para implementar o projeto privatista, Lula destrói os músculos da sociedade, que já não se opõe às medidas de desregulamentação. E todos fomos mergulhados outra vez na cultura do favor - viva Machado de Assis, viva Sérgio Buarque de Holanda e viva Roberto Schwarz!

As classes sociais desapareceram: o operariado formal é encurralado e retrocede, em números absolutos, em velocidade espantosa, enquanto seus irmãos informais crescem do outro lado também espantosamente. Em sua tese de doutorado, Edson Miagusko flagrou, talvez sem se dar conta, a tragédia: de um lado da simbólica Via Anchieta, no terreno desocupado onde antes havia uma fábrica de caminhões da Volks, há agora um acampamento de sem-teto, cuja maioria é de ex-trabalhadores da Volks. Do outro lado da famosa via, sem nenhuma simultaneidade arquitetada - aliás, os dois grupos se ignoraram completamente -, uma assembleia de trabalhadores ainda empregados da Volks tentava deter a demissão de mais 3 mil companheiros. Eis o retrato da classe: em regressão para a pobreza. De são Marx para são Francisco.

As classes dominantes, se de burguesia ainda se pode falar, transformaram-se em gangues no sentido preciso do termo: as páginas policiais dos jornais são preenchidas todos os dias com notícias de investigações, depoimentos e prisões (logo relaxadas quando chegam ao Supremo Tribunal Federal) de banqueiros, empreiteiros, financistas e dos executivos que lhes servem, e de policiais a eles associados. A corrupção campeia de alto a baixo: do presidente do Senado que ocultou a propriedade de uma mansão, passando pelo ex-diretor da casa, que repetiu - ou antecipou? - a mesma mutreta, aos senadores que pagam passagens de sogras a namoradas com verbas de viagem, e deputados que compram castelos com verba indenizatória.

Trata-se de um atavismo nacional? Só os que sofrem de complexo de inferioridade tenderiam a pensar assim. Qualquer jornal americano da segunda metade do século xix noticiava a mesma coisa. Até a mulher de Lincoln praticava, em conluio com o jardineiro, pequenos "desvios" de verba da casa da avenida Pensilvânia (segundo a má língua famosa de Gore Vidal).

A novidade do capitalismo globalitário é que ele se tornou um campo aberto de bandidagem - que o diga Bernard Madoff, o grande líder da bolsa Nasdaq durante anos. Nas condições de um país periférico, a competição global obriga a uma intensa aceleração, que não permite regras de competição que Weber gostaria de louvar. O velho Marx dizia que o sistema não é um sistema de roubo, mas de exploração. Na fase atual, Marx deveria reexaminar seu ditame e dizer: de exploração e roubo. O capitalismo globalitário avassala todas as instituições, rompe todos os limites, dispensa a democracia.

O avesso do avesso da "hegemonia às avessas" é a face, agora inteiramente visível, de alguém que vestiu a roupa às pressas e não percebeu que saiu à rua do avesso. Mas agora é tarde: Obama sentenciou que "ele é o cara" e todo mundo o vê assim. O lulismo é uma regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda.

[1] Essa famigerada lista é liderada por Carlos Slim, mexicano que fica cada vez mais rico, enquanto seu belo país mergulha fundo na mais infame pobreza. Carlos Fuentes, o magnífico romancista mexicano de A Morte de Artemio Cruz, nos brinda, em seu recente La Voluntad y la Fortuna, com um implacável retrato do gordo bilionário mexicano, além de nos dar, na tradição dos grandes muralistas do país asteca, um magnífico panorama do México moderno, atolando na miséria e no crime, tendo no pescoço a pedra do Nafta, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio