domingo, 20 de setembro de 2009

Bingo!

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Três fileiras de cinco números, ao primeiro que completa a cartela permite-se um grito de triunfo: acertei! Logo recomeça o sorteio. Quando a beatíssima dona Santinha (Carmela Dutra) convenceu o marido, o presidente Eurico Gaspar Dutra, a proibir os jogos de azar no País, chamava-se loto, víspora. Familiar, rigorosamente inofensiva, até recomendada para crianças com dificuldades de relacionamento, estimulava a convivência. O prêmio era em doces, no máximo uma prenda.

Manhã de 30 de abril de 1946, o ministério estava reunido no Palácio do Catete para discutir um plano de repressão ao comunismo. Embora eleito com o apoio de Getúlio Vargas, o marechal Dutra era um consumado reacionário, pró-germânico que engoliu a adesão do Brasil na luta contra o Eixo nazi-fascista. Enquanto não cassou o Partido Comunista atendia a todos os desejos do Cardeal d. Jaime Câmara.

Os vespertinos deram a notícia com letras garrafais, em algumas igrejas da antiga capital os sinos badalaram com mais entusiasmo. No dia seguinte fechavam-se os grandes e luxuosos cassinos das estâncias hidrominerais, balneárias e turísticas. Dias depois entravam em funcionamento em todo o País dezenas de cassinos clandestinos numa gangorra de complacência e repressão que se estende há mais de seis décadas. Mas os bingos beneficentes – inclusive em apoio a obras religiosas – jamais foram proibidos, tornaram-se eventos regulares nas paróquias do interior. E na falta de cassinos, prosperaram as casas de loto, agora chamadas de bingo por influência americana. Não atraíam o jogador inveterado, que aposta pesado e não sabe parar. Hoje, nos grandes cassinos de Las Vegas, as salas de bingo estão saindo de moda, restaram os bingos de máquina, tipo caça-níqueis.

A aprovação nesta quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara da reabertura das casas de bingo cria um fato político. Teve apoio ostensivo da base aliada (daí a expressiva votação de 40 a 7) e nos remete ao primeiro escândalo da Era Lula: no início de 2004, Waldomiro Diniz, então funcionário da Casa Civil da Presidência da República, homem de confiança de José Dirceu, foi flagrado negociando uma propina do empresário Carlinhos Cachoeira para promover o retorno em grande estilo da antiga loto. Primeiro escândalo, primeira grande pizza, até hoje insuficientemente esclarecida e punida.

As justificativas para a reabilitação dos bingos começam com as alegações da CUT de que servirá para combater o desemprego e chega ao pessoal da Receita Federal, ávida para aumentar a arrecadação de impostos, atingida pela “marolinha” da recessão. Envolve os teóricos da matéria, que não consideram o bingo como jogo de azar já que o apostador não joga contra um cassino ou banqueiro (que eventualmente pode trapacear). O prêmio vem das apostas dos demais frequentadores, descontadas as despesas de manutenção da casa.

O problema reside justamente nestas “despesas operacionais” que envolvem segurança (isto é, polícia) e espalham-se perigosamente por diversas áreas afins. O problema do bingo não é o jogo em si, é o formidável estimulo à corrupção que representa.

O crime organizado não teria alcançado tamanho poder no Brasil sem a ajuda da complacência universal com os pequenos delitos e a soma dos pequenos delitos produz a grande delinquência. Sem a incontrolável vocação para eufemismos e disfarces morais (onde um conceito claro como suborno converte-se em algo inofensivo como favor), não teríamos criado uma sociedade tão permissiva e degradada. O Senado é o exemplo supremo desta hipocrisia federal.

A víspora é inofensiva, fascinar-se com as cartelas não é pecado, a reabilitação das casas de loto não ameaça a República. O que precisa ser urgentemente estancada é esta avassaladora indulgência com a imoralidade. Bingo!

» Alberto Dines é jornalista

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