terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Opinião do dia – Ferreira Gullar

O ano de 2016 será decisivo para o futuro do governo de Dilma Rousseff. Será decisivo por várias razões, e uma delas é por não poder repetir a inoperância desastrosa que o caracterizou em 2015, com uma estimativa de queda do PIB de 3,7% e uma inflação que ultrapassou os 10%. As situações econômica e política a que chegou o país são tão graves que até mesmo Dilma, que não costuma dizer a verdade, chegou a admitir, em entrevista a um grupo de jornalistas, que de fato errou.

É certo que não confessou o erro verdadeiro –que foi, entre outras coisas, valer-se das pedaladas para garantir sua reeleição–, mas admitir que errou já é uma atitude realmente inesperada para quem não erra nunca. Mas o que aconteceu para que ela adotasse, tão inesperadamente, tal atitude? Não tenho dúvida de que se trata de uma questão de vida e morte. Ou seja, Dilma só a adotou porque viu nela o único caminho para se livrar da situação crítica a que, em função de seus erros, conduziu o país.

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*Ferreira Gullar, ensaísta, crítico de arte e poeta, ‘Matar ou morrer’, Folha de S. Paulo, 17.01.2016.

Almir Pazzianotto Pinto*: Governabilidade e pluralismo partidário

- O Estado de S. Paulo

Um regime eleitoral
é estúpido quando é falso
Ortega y Gasset

Em recente entrevista ao Estado (25/12/2015), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, deu ênfase ao óbvio ao afirmar que o sistema partidário brasileiro impede o governo de governar. Observou Sua Excelência, com a convicção fruto da experiência: “Em 2014, o partido que fez mais deputados obteve 12% das cadeiras do Parlamento. Então, esse sistema eleitoral, se não for atacado, continuará ingovernável. O sistema atual fragiliza os governos”.

Com efeito, encontram-se registrados no TSE 35 partidos, dos quais não mais do que três ou quatro têm representação nacional. Boa parte é destituída de expressão e presidida por figuras anônimas, na busca de improvável notoriedade.

No período compreendido entre 1945 e 1979, segundo dados do mesmo TSE, tínhamos 25 agremiações revestidas de personalidade jurídica político-partidária. Sobressaíam a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ao segundo time pertenciam o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Social Progressista (PSP). Outros, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Libertador (PL), o Partido Republicano (PR), atuavam como coadjuvantes, sem chances de alcançar a Presidência da República ou governos estaduais, salvo como força auxiliar de legenda forte. Os demais não passavam de figurantes, sem voz e voto.

Durante o governo Castelo Branco (15/4/1964-14/4/1967) foram aprovadas duas legislações de natureza eleitoral. Em 14/7/1965 a Lei n.º 4.738 ampliou casuisticamente os casos de inelegibilidade, com o manifesto objetivo de torpedear a candidatura de Sebastião Paes de Almeida ao governo de Minas Gerais. Um dia depois entrou em vigor a Lei n.º 4.740, destinada a disciplinar “a fundação, organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos nacionais”.

A escalada autoritária, iniciada com o ato institucional de 10/4/1964, baixado pelo Alto Comando Revolucionário, acelerou-se mediante o Ato Institucional n.º 2, de 5/11/1965. Foram extintos os partidos existentes, seguindo-se o Ato Complementar n.º 4, do dia 20, que atribuiu aos membros do Congresso Nacional, em número não inferior a 120 deputados e 20 senadores, a tarefa de “promover a criação, dentro do prazo de 120 dias, de organizações que terão, nos termos do presente Ato, atribuições de partidos políticos enquanto estes não se constituírem”.

Surgiram, então a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB); a primeira, como porta-voz do regime; o segundo, para cumprir o papel de oposição. Ambos nutridos com recursos do Fundo Partidário, criado pela Lei n.º 4.740.

A Constituição de 1988 estimulou a formação de partidos artificiais, oferecendo-lhes dinheiro do Fundo, e lhes garantindo horário obrigatório nas emissoras de rádio e televisão.

A seriedade, se um dia existiu, havia acabado. O que temos agora são legendas sem comprometimento ideológico, diante de impossível existência de mais de duas ou três correntes de pensamento político consistente e definido. Assim como surgiram em 1965, Arena e MDB desapareceram em 1979 para dar à luz debilitada prole com o nome de partidos. A primeira originou o Partido Democrático Social (PDS), fundado em janeiro de 1980, cuja falência, em 1984, ocasionou a criação do Partido da Frente Liberal em 1985. Simultaneamente o MDB gerou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), rachado em junho de 1988 por dissidentes que se retiraram para fundar o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Desde 1986 foram registradas 31 agremiações com rótulos de partido. A onda surgiu com o Democratas (DEM), em 1986. O último a obter registro foi o bizarro Partido da Mulher Brasileira (PMB), reconhecido pelo TSE em 2015. Magoada por não receber tratamento à altura do seu prestígio, a deputada federal Luiza Erundina, do PSB de São Paulo, fundadora e construtora do PT, pretende lançar agremiação própria com a denominação Raiz Movimento Cidadanista (sic), durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

A situação partidária melhorou ou piorou com o descontrolado pluripartidarismo posterior à redemocratização? Piorou, por ser falso. A degradação se deve ao Fundo Partidário, ao horário obrigatório, ao dinheiro corruptor de empresas.

O primeiro corresponde, grosso modo, à contribuição sindical compulsória que alimenta o peleguismo. O segundo é utilizado, abertamente, como moeda de troca na composição de alianças esporádicas, frágeis, de conveniência. O terceiro dispensa comentários.

A responsabilidade pelo fracasso deve ser atribuída 1) à leniência da lei, relativamente às exigências mínimas para registro, pois assinaturas de “apoiamento”, no jargão parlamentar, não encerram compromissos de inscrição, contribuição e fidelidade; 2) ao péssimo nível a que se reduziu a classe política, minada pelo populismo; e 3) à escassa politização do eleitorado, alvo preferencial da demagogia lulopetista.

A base da pirâmide se espalha por 5.570 municípios. Na maioria os partidos não atuam em caráter permanente. Os dirigentes aguardam as eleições para dedicarem parte do tempo à política como negócio. Vítima de baixa escolaridade, envolto em problemas de sobrevivência, descrente dos partidos e dos políticos, o eleitor vota por obrigação em alguém escolhido aleatoriamente.

A democracia depende de partidos fortes e representativos. Entre os 35 registrados, quantos exibem essas características? Com a palavra, para responderem, as ditas lideranças.

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* Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Merval Pereira: Ousadias

O Globo

A reação do vice-presidente Michel Temer ao comentário de Marina Silva de que um governo do PMDB, devido a um eventual impeachment da presidente Dilma, seria uma ameaça à Operação Lava-Jato, dá a dimensão do debate político que se trava no país hoje.

‘Fico preocupado com essa manifestação de desconhecimento institucional por uma pessoa que foi candidata a presidente da República por duas vezes. Nenhum presidente tem poder de ingerência nos assuntos de outro Poder”, respondeu Temer.

Marina não é a primeira, embora seja até agora a voz mais representativa, a sugerir que uma mudança de governo poderia afetar a Operação Lava-Jato. Sem intencionar, a fundadora do partido Rede Sustentabilidade está avalizando uma lorota governista segundo a qual todas as investigações e punições da Operação Lava-Jato só acontecem porque a presidente Dilma deixa, sem interferir na Polícia Federal e no Ministério Público.

A consequência dessa posição é a esdrúxula atitude do deputado petista Wadih Damous, ex-presidente da OAB-RJ, que teve a ousadia de afirmar que “criminalizar Lula” seria “a ousadia das ousadias”. Damous só se tornou deputado por pressão do ex-presidente, que moveu mundos e fundos para mudar a bancada petista na Câmara justamente para que o ex-presidente da OAB tivesse uma tribuna para defendê-lo.

O deputado federal petista Fabiano Horta deixou Brasília contra a vontade para assumir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Solidário da prefeitura de Eduardo Paes. Damous trata Lula como uma pessoa “intocável”, acima das leis, quando o avanço que está sendo feito pela sociedade desde o mensalão é justamente a constatação de que não há mais aquela pessoa, político ou empresário, “to big to jail” (muito grande para ir presa).

O fato é que ainda não estamos acostumados a essa mudança fundamental da Justiça brasileira, que desde o julgamento do mensalão pegou de surpresa tanto criminalistas que atuavam no processo quanto políticos envolvidos nele. Aquela posição de independência de um Supremo Tribunal Federal (STF) nomeado em sua maioria pelo governo Lula foi um momento decisivo na vida brasileira, que vem dando frutos como a Lava-Jato, agora munida de um instrumento que não foi usado no processo do mensalão, a colaboração premiada.

O jurista Ayres Brito, o responsável por colocá-lo em pauta e quem presidiu a maior parte do julgamento do mensalão no STF, chama a atenção para a importância desse mecanismo, destacado entre outros pelo filósofo Norberto Bobbio como “sanção premial”, uma visão moderna da sanção jurídica, que não deve se limitar ao caráter puramente punitivo, mas também prevê a recompensa.

Para os estudiosos do tema, a Operação LavaJato traz inéditos cenários para a advocacia criminal no Brasil, diante dos desafios postos pelos mecanismos investigatórios modernos e pela qualidade dos trabalhos da acusação. Há uma quantidade enorme de informações que circulam em investigações sigilosas.

No plano concreto dos processos e das investigações, sigilos bancários são quebrados internacionalmente; cooperações estreitas são travadas entre autoridades de países onde as contas bancárias antes eram sigilosas e fechadas; colaborações de réus confessos ocorrem, apesar de naturais divergências e contradições, com entregas de provas contundentes contra seus antigos comparsas, incluindo filmagens, fotos, extratos e valiosas informações sobre o caminho do dinheiro desviado dos cofres públicos.

Todo esse novo contexto de tecnologias avançadas de investigação, e novos institutos como as delações premiadas, ressaltam esses estudiosos, deixam em posição precária a defesa criminal, que deveria adaptarse às novas tecnologias e tendências. Obviamente que os juízes não são escravos da opinião pública, pois se subordinam à Constituição e às leis do país, mas certamente não ignoram as repercussões e consequências sociais, econômicas e políticas de suas decisões.

A crise ética sem precedentes que vivemos exige transparência de critérios nas decisões, e o Judiciário — como qualquer outro Poder — presta contas de seus parâmetros. Daí a razão pela qual a boa técnica e o olhar profundo sobre as provas reunidas numa operação do porte da Lava-Jato tornam-se imprescindíveis, prevalecendo o discurso mais consistente de quem conhece os autos.

O certo é que os surrados discursos da presunção de inocência abstrata e sem conexão com análise probatória, pura e simplesmente, já não têm a mesma força, diante das delações premiadas que se fazem acompanhar de provas robustas.

Gustavo Patu: Lambuzados de óleo

- Folha de S. Paulo

O país viveu para ver Fernando Collor, outrora belzebu do neoliberalismo e da corrupção, receber de Lula da Silva, seu antagonista nas eleições presidenciais de 1989, generosas fatias do comando de uma subsidiária da Petrobras em troca do apoio do PTB, a sigla trabalhista de Getúlio Vargas nos tempos da gênese da estatal.

Também se pode testemunhar, sob o governo da desenvolvimentista, intervencionista e estatista Dilma Rousseff, a gigante petroleira, depauperada, promovendo um plano de "desinvestimentos" –ou, em outras palavras, de privatização de parte de seu patrimônio.

Duas versões disputam, na arena política, a narrativa dos desmandos da administração petista. Do lado dos adversários, afirma-se que o partido instituiu uma inédita corrupção sistêmica, organizada a partir da cúpula, voltada a um projeto de poder hegemônico; de sua parte, o PT culpa os vícios do presidencialismo nacional, nos quais teria se lambuzado, para usar o termo do ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner (ele próprio, agora, sob o fogo do noticiário).

Entre uma tese e outra, há circunstâncias a considerar. Uma delas, os governos Lula e Dilma foram contemporâneos, por mera obra do acaso, de preços historicamente elevados do petróleo, que permitiram investimentos recordes e, igualmente, oportunidades excepcionais para desvios e propinas na Petrobras.

Somem-se a isso os números ilusórios da autossuficiência de combustíveis e a descoberta das reservas do pré-sal, simbolizadas pelas fotos de Lula com as mãos lambuzadas de óleo, evocando Vargas.

Tratava-se de riqueza efêmera, mas farta o suficiente para tentar qualquer governo, independentemente das demandas de sua coalizão partidária. Mais que uma reforma política, faltaram padrões mínimos de governança para impedir a gestão irresponsável da estatal.

Luiz Carlos Azedo: O país no nevoeiro

• Os instrumentos tradicionais da política monetária não são suficientes para controlar a inflação. Mesmo os economistas liberais já não acreditam nisso

- Correio Braziliense

O poema épico Nevoeiro, de Fernando Pessoa, ilustra bem a situação que o Brasil está passando. É o último de sua obra mais importante, Mensagem, no qual o genial poeta português resgata o passado de glórias de Portugal na tentativa de contribuir para que a nação superasse a decadência econômica e a desorientação política em que se encontrava. Lançada em 1934, a obra é dividida em três partes: Brasão, na qual canta a formação da nacionalidade, os heróis lendários e históricos; Mar Português, que narra as descobertas, a aventura marítima e a conquista do Império; e O Encoberto, a decadência e a esperança, impregnada de “sebastianismo”. Modernista, Pessoa dialoga com o renascentismo de Os Lusíadas, a obra-prima de Luís Vaz de Camões. Nevoeiro é o último dos 44 poemas de Mensagem:

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!
O poema serve de metáfora para a crise política (Nem rei nem lei), de valores (Ninguém conhece que alma tem/ Nem o que é mal nem o que é bem) e de identidade (Tudo é incerto e derradeiro/ Tudo é disperso, nada é inteiro) que Portugal atravessava na época, mas serve de boa analogia para os problemas que estamos enfrentando. O primeiro deles é a falta de liderança da presidente Dilma Rousseff para conduzir o país a um porto seguro. Sem apoio popular e credibilidade, a presidente da República não consegue oferecer uma alternativa efetiva para a crise. Tudo fica no blablablá.

A crise de valores é o segundo grande problema, desnudado pela Operação Lava Jato. As iniciativas no sentido de barrar as investigações sobre o escândalo da Petrobras mostram que a fronteira entre o mal e o bem no mundo político deixou de existir, pois as iniciativas do governo são todas no sentido de dificultar ou esvaziar as investigações. A mais recente foi revelada ontem: o relator da polêmica medida provisória dos acordos de leniência, deputado Vicente Cândido, quer conceder anistia aos proprietários e executivos condenados na Operação Lava-Jato caso suas empresas façam os acordos e restituam o dinheiro desviado ao Erário. O grande objetivo da medida provisória é permitir que essas empresas continuem prestando serviços ao governo.

A crise de identidade dos partidos políticos é o terceiro, a principal delas representada pelo “transformismo” petista, que passou a operar a política como balcão de negócios. Nada mais natural no capitalismo, mas esse papel caberia um partido conservador, tradicional, e não a um partido que chegou ao poder com um discurso “classista”. Essa crise se agrava ainda mais porque estabelece um conflito entre a política praticada pelo governo e as reivindicações dos movimentos sociais que ainda lhe dão sustentação.

A crise econômica, porém, se aprofunda e dela emerge a crise social. Com recessão de quase 4%, inflação acima de 10% e taxa de desemprego da ordem de 9%, o governo não sabe para que lado pretende ir. Os instrumentos tradicionais da política monetária já não são suficientes para controlar a inflação. Mesmo os economistas liberais já não acreditam nisso, em razão do fato de o governo insistir em gastar mais do que arrecada. Por isso, o Banco Central terá que fazer uma escolha de Sofia: aumentar ou não os juros, que já estão em 14,25% (Selic) e podem passar a 14,50%. Se não aumentar, será sócio da inflação alta; se o fizer, do desemprego. A missão do BC, porém, é controlar a moeda.Se não cuidar disso, quem o fará?

O governo, porém, continua recorrendo a subterfúgios para gastar mais do que deveria. Desconsidera o fato de que esse não é apenas um problema legal, que pode inclusive motivar a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas um fator de desequilíbrio econômico e desestabilização da moeda. Pagou as “pedaladas fiscais” de 2014 e 2015, num total de R$ 55 bilhões, com recursos da “Conta Única” do Tesouro no Banco Central. Transformou em moeda circulante os superavits financeiros de diversos contas de fundos federais, que agora serão gastos como o governo quiser. O saldo da “Conta Única” é de R$ 1 trilhão. É muita tentação!

Raymundo Costa: Jobim aponta contradições do STF

• Carta de 88 definiu duas competências para o impeachment

- Valor Econômico

Na volta do recesso de fim de ano, a palavra estará com o Judiciário. O Supremo Tribunal Federal terá de passar a limpo o rito que estabeleceu para o Congresso processar e julgar a presidente Dilma Rousseff, a pedido da Câmara dos Deputados, pois não são poucas as situações de impasse previstas, se as recomendações do tribunal forem levadas ao pé da letra. O próprio ministro Luís Roberto Barroso, autor do voto condutor no STF, achou por bem explicar que nada mais fez que repetir os procedimentos adotados no julgamento do ex-presidente Fernando Collor de Mello, afastado do cargo em 1992.

A decisão do Supremo causou dúvidas não apenas aos leigos. Na coluna semanal que mantém no jornal "Zero Hora", o ex-presidente do STF Nelson Jobim tem feito questionamentos e críticas às regras estabelecidas. Em conversa com a coluna, o jurista foi direto ao ponto: "O Supremo terá que enfrentar essas contradições", disse. Jobim não precisa de mais que uma sentada só para apontá-las.

Entre as questões políticas relevantes, aponta a atribuição dada ao Senado de repetir o procedimento preliminar feito na Câmara dos Deputados, o que na linguagem dos congressistas e juízes é chamado de admissibilidade. Se fosse essa a intenção do constituinte, o pedido de impeachment não precisaria ser submetido à apreciação das duas Casas do Congresso. Iria direto para o Senado. "Por que o procedimento qualificado da Câmara dos Deputados, instituído pela Carta de 1988"?

Didático, o advogado explica: de acordo com a Constituição, é atribuição da Câmara o recebimento da denúncia, nos termos do artigo 86: "Admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade". No pedido de impeachment, Dilma é acusada de crime de responsabilidade. Ou seja, "ao Senado compete, além do processamento (defesa no mérito, provas etc.), o julgamento", diz Jobim.

Resumindo, o constituinte teve o cuidado de distribuir as competências entre as duas Casas do Congresso. No momento em que o rito estabelecido pelo STF atribuiu ao Senado o poder de revisão da decisão de admissibilidade da Câmara, o tribunal concentrou em uma só Casa as "competências que a Constituição distribuiu entre a Câmara dos Deputados (admissibilidade) e o Senado Federal (processamento e julgamento)", diz Jobim. A questão que se coloca é se o Senado pode rejeitar por maioria simples o que a Constituição afirma ser uma decisão da Câmara tomada por dois terços dos votos. Se essa fosse a intenção do legislador, por que estabelecer duas instâncias de competência, cada uma com sua atribuição claramente delineada?

Para Jobim há um "problema político sério" nessa equação. A votação para a autorização da Câmara para abertura do processo de impeachment é aberta, mas pela decisão do Supremo ela não é definitiva, dependerá ainda da análise de admissibilidade pelo Senado Federal. Quais então seriam as alternativas dos deputados: "votar sim e ficarem expostos à retaliação do governo ou votar não ou em branco para se proteger"? Ou se omitir e não comparecer à votação?

Jobim fala com a autoridade de quem já passou pelos três Poderes da República - deputado constituinte, relator da revisão constitucional de 1993, ministro de Estado nos governos Fernando Henrique Cardoso (Justiça), Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (Defesa) e ministro do STF, órgão que presidiu entre 2004 e 2006. Aliás, na atual composição do STF não há nenhum ministro com origem no Congresso, que conheça efetivamente o processo legislativo, o que talvez explique dificuldades de entendimento e aceitação do STF, como demonstraram manifestações de desapreço à Câmara feitas na sessão dos ritos, notadamente da parte do ministro Luiz Fux.

A confusão sobre os papéis da Câmara e do Senado não é propriamente nova. Ela também surgiu no impeachment do presidente Collor e foi tratada pelo Supremo. Da época, o único remanescente é o ministro Celso de Mello, que já então defendia (como defendeu na recente sessão do Supremo) a triagem do Senado, numa aparente confusão entre os ritos que devem ser obedecidos nos processos contra o presidente da República, por crime de responsabilidade, e os processos contra ministros do STF, membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral e o advogado-geral da União - estes sim, casos em que o processo começa e termina no Senado.

As críticas ao rito imposto pelo Supremo envolvem também a interpretação que o tribunal fez do regimento interno da Câmara. Para os congressistas, o Supremo é uma corte constitucional e não deveria perder tempo com problemas da economia interna de outro poder. O STF, por exemplo, decidiu que não cabem candidaturas avulsas à comissão que analisará o pedido de impeachment, pois seus integrantes deveriam ser apenas aqueles indicados pelos líderes partidários, obedecido o critério de proporcionalidade das bancadas partidárias. Segundo a interpretação do ministro Luiz Barroso, autor do voto vitorioso, a expressão "eleita" na realidade significaria "escolhida" pelos líderes.

Voltando-se a Jobim, a pergunta que o ex-ministro faz é se não pode haver outra nominata, respeitado critério da proporcionalidade, que é a única exigência feita pela Constituição Federal? Se a indicação do líder é irrecorrível, definitiva, qual seria "a finalidade de uma votação [feita pelo plenário da Câmara] sem alternativas de escolha?".Jobim também faz a pergunta que deve constar do recurso da Câmara dos Deputados ao Supremo: E se o plenário não aprovar os nomes indicados pelos líderes, "como será solucionado o impasse"?

No impeachment de Collor, Jobim estava na Câmara. Havia muita conversa, artigo hoje em falta num ambiente político que o ex-presidente do Supremo julga contaminado pelo "ódio".

José Casado: Enquanto isso...

• Depois de nove anos, ‘GT’ do governo conclui: Lula construiu e Dilma sustentou até agora um Plano de Saneamento que só existiu nos discursos dos últimos 3.200 dias

- O Globo

Aconteceu num janeiro de nove anos atrás. Lula estava na primeira semana do segundo mandato, quando sancionou a Lei do Saneamento Básico (nº 11.445/2007): “Estamos dizendo ao mundo: ‘olha, o Brasil está entrando na esfera do Primeiro Mundo e, de cabeça erguida, define, de uma vez por todas que, a depender do governo federal, não haverá momento na história futura deste país em que a gente deixe de priorizar o saneamento básico.”’

Governava havia quatro anos, reelegera-se havia dois meses e continuava fascinado por culpar adversários pelo retrocesso. Estribado na ênfase, arrematou: “Nós temos que trabalhar o dobro do que o governo passado para que a gente possa recuperar a irresponsabilidade a respeito do saneamento básico.” Seu governo precisou de 32 meses para organizar um “grupo de trabalho” do plano de saneamento. E de mais 11 meses para regulamentar a lei, publicada três anos e meio antes.

Em janeiro de 2010, Lula entregou o poder a Dilma. O novo governo levou 41 meses e 13 dias — ou seja 230 semanas — para promover a primeira reunião do “GT”. Aconteceu na terçafeira 14 de maio de 2014 — sete anos, quatro meses e dez dias depois do discurso de Lula.

Ano passado foi criado um “Grupo Técnico de Macrodiretrizes e Estratégias”, sob supervisão de um “Comitê Técnico” do Ministério das Cidades. Em dezembro, o “GT” criado por Lula, finalmente, conseguiu concluir sua primeira tarefa — nove anos depois da lei. Produziu um relatório de 156 páginas com proposta de 41 “macrodiretrizes” e 137 “estratégias”, enunciadas depois de consulta a 80 especialistas “empregando a técnica do método Delphi”. Acrescentou uma seleção de 23 indicadores.

A principal conclusão do “GT” foi: Lula construiu, e Dilma sustentou até agora um Plano Nacional de Saneamento Básico sem prazos ou prioridades. Isto é, só existiu nos discursos presidenciais dos últimos 3.200 dias. No relatório há um alerta para a degradação da qualidade da água potável nas maiores cidades. Entre 2010 e 2013, notou-se variação crescente (de 0,6 a 3,9%) nos percentuais de presença de coliformes em amostras coletadas nas saídas das estações de tratamento. Pior é a situação na coleta de esgotos. A rede só alcança 58,2% dos domicílios. Entre 1995 e 2013 foi expandida à média anual de 1% ao ano, calcula a Confederação da Indústria. Desde 2007, cresce ao ritmo de 1,2% por ano.

Continua tudo igual, exceto nos discursos. Por isso, em 60 das cem maiores cidades, os baixos índices de coleta de esgoto resultam em altas taxas de internação por doenças diarreicas, responsáveis por mais de 80% das enfermidades causadas pelo inadequado saneamento ambiental, informa a pesquisadora Denise Kronemberger em estudo do Instituto Trata Brasil. As campeãs são Ananindeua, no Pará, Belford Roxo, no Rio, e Anápolis, em Goiás.

Sem prazos nem prioridades, o governo despeja dinheiro em obras definidas por critérios político-eleitorais. Ano passado, o Tribunal de Contas avaliou 491 contratos em cidades com mais de 50 mil habitantes, de 15 estados, que custaram R$ 10,4 bilhões. Encontrou de tudo: de obras paradas até a construção de uma estação de abastecimento de água em terreno contíguo a um cemitério. O lençol freático, claro, acabou contaminado.

Celso Ming: Copom polêmico

- O Estado de S. Paulo

Qualquer que seja ela, será polêmica a decisão sobre os juros básicos (Selic) a ser tomada nesta quarta-feira.

Os recados sucessivos passados por dirigentes do Banco Central (BC) são de que haverá nova alta de juros. Em princípio, não deverá ser uma operação pontual, como se fosse destinada a simples correção, mas o início de mais um processo de ajuste, que poderá ter novas altas.

Seria novo aperto a ser produzido numa economia que enfrenta juros entre os mais altos do mundo, quando o sistema produtivo está em franca retração. A justificativa é a de que a inflação muito acima do teto da meta segue resistente e espalhada e que, nessas condições, o BC terá de trabalhar para encolher a demanda.

Não está clara a dosagem dos juros a ser colocada em prática, se de 0,5 ponto porcentual ou se de apenas 0,25, mas essa não é a questão central.

A principal questão consiste em saber qual seria a eficácia dessa nova alta. Certos economistas de esquerda, identificados com posições fundamentalistas, têm se manifestado contra novas mordidas dos juros, por entender que, além de fazer o jogo dos rentistas e dos banqueiros, acentuaria a recessão, já braba demais. O PT já condenou previamente iniciativa nesse sentido.

Mas também economistas ortodoxos vêm criticando pressões por nova alta de juros. Há duas posições principais. Há os que entendem, como a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, que a inflação já não responde aos estímulos da política monetária (política de juros), porque o momento é de “dominância fiscal”, situação em que, além de não combater a inflação, uma alta dos juros aumentaria o desequilíbrio das contas públicas.

Outro grupo de economistas, entre os quais o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore e o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, olha ou para o forte hiato do produto (retração da produção) ou para a fraqueza da demanda, e entende que uma nova alta de juros, além de aumentar mais a dívida, trará mais custos do que benefícios.
Seja como for, o principal problema desta diretoria do BC não é a polêmica em torno de suas decisões, mas seu déficit de credibilidade, que se acentuou em agosto de 2011, quando tomou a decisão de derrubar os juros para estimular artificialmente a demanda, justamente quando a inflação começava a empinar.

E a credibilidade também ficou prejudicada quando, em seus comunicados, insistiu e continua insistindo em que a desastrada política fiscal do governo Dilma tendia e continua tendendo a ser neutra em relação à produção de inflação.

No início deste mês, o presidente do BC, Alexandre Tombini, teve de encaminhar carta pública ao ministro da Fazenda para se explicar por que não conseguiu conter a inflação sob o teto da meta (6,5%). Para este ano, o Banco Central continua projetando uma inflação abaixo do teto da meta (6,2%), quando a mediana do mercado aponta para um estouro: inflação de 7,0%, como mostrou o último Boletim Focus. Ou seja, o BC não vem conseguindo administrar as expectativas de quem remarca preços.

Vinicius Torres Freire: Quatro anos de regressão

- Folha de S. Paulo

O triênio da recessão de Dilma Rousseff está perto de ser o segundo pior da República. Pelas previsões para 2016, já é. A novidade deste janeiro são as primeiras estimativas mais razoáveis de regressão econômica também em 2017. Quatro anos de regressão.

Dada a mediana das previsões de uma centena de economistas do setor privado para o PIB de 2014 a 2016, o PIB per capita deve encolher 8,8%, mais que no desastre de Collor (1990-1992). Ficará atrás apenas do desastre do final da ditadura militar (1981-1983), quando a baixa foi de 12,1%.

Não há sinal de tumulto social. Pode ser assim porque o país é bem menos pobre que no início dos anos 1990, e a selvageria social brasileira é menor. Não há, porém, relação certa de causa e efeito entre crise e revolta. Vamos arriscar?

Ontem, os economistas do Itaú soltaram uma revisão geral de cenário, na qual estimam crescimento zero em 2017, ante o 1% da mediana da projeção da centena de economistas recolhida semanalmente pelo BC.

Mais relevante, estimam que a taxa nacional de desemprego vai a 13% no final deste 2016 e a quase 14% no final de 2017. No final de 2014, estava em 7%.

A renda média do trabalhador começou a cair apenas em outubro, dado disponível mais recente. Os salários afundarão, porém, caso se confirme essa âncora dos infernos, desemprego indo a 13%.

Há tempo de mudar essa desgraça? O ano nasceu curto.

Assim que o grosso da tigrada política voltar, remonta-se o circo do impeachment até abril. Da metade do ano para o final, tem Olimpíada e eleições municipais. Afora reviravoltas políticas operísticas, há pouco tempo para um acordo político-econômico que faça um remendo maior, que dirá para o começo de um acerto sensato e civilizado dessa lambança terrível em que vivemos.

Apesar da recessão quase recorde na República, medalha de prata, o BC deve aumentar os juros, caso siga a receita que se deu desde meados do ano passado, pelo menos.

A inflação mais resistente do que o estimado corroeu a taxa de juro real (os juros não subiram, na prática, tanto quanto o BC parecia esperar). A expectativa de inflação sobe ainda, começando a se aproximar do teto da meta em 2017. Logo, se o BC seguir os seus sermões, subiria os juros apenas por isso.

Além do mais, o Banco Central em tese é a última "âncora" da política econômica. Quase tudo o mais desmorona ou vive descrédito, indicadores econômicos essenciais ou esperanças de reforma. Por exemplo, o governo prevê superavit primário de 0,5% do PIB, mas a praça do mercado chuta deficit de 1% do PIB neste ano. Com taxas de juros nas alturas, o deficit nominal (inclui a conta de juros) permanecerá nas cercanias de 10% do PIB, uma situação de guerra ou depressão. Assim, a dívida pública continuará a subir, sem limite, para um nível desastroso.

Neste país atolado em lamas diversas, o Banco Central decide amanhã se: 1) Aumenta a taxa de juros e contribui para promover ainda mais arrocho, dando um rumo dos infernos para a política econômica, que não tem norte algum, no momento; 2) Não aumenta a taxa de juros e elimina a última aparência de que haveria alguma política econômica, uma espécie de batismo oficial de barco à deriva.

Míriam Leitão: Dilema dos juros

- O Globo

Inflação e recessão deixam BC num beco sem saída. O Banco Central enfrentará uma decisão difícil esta semana. Economistas que normalmente não hesitariam em recomendar a elevação da taxa de juros diante da inflação em dois dígitos temem os efeitos colaterais do remédio em uma economia tão enfraquecida. A aposta mais frequente é que o Copom subirá mais os juros, iniciando um novo ciclo de aperto na reunião que começa hoje.

Apolítica fiscal ainda tenta acomodar gastos; as pedaladas foram pagas com recursos que não deveriam estar quitando despesas primárias; o ministro da Fazenda tenta estimular os bancos a ampliar o crédito. O Banco Central está diante de uma taxa de 10,6% de inflação e a perspectiva é de novo estouro do teto da meta em 2016.

O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, acha que o BC tem que elevar os juros porque a previsão de inflação continua muito alta:

— Pelo Focus divulgado hoje, a previsão para este ano foi para 7%. A nossa projeção é de 8%, e pode ser mais. A percepção do mercado é de que o Banco Central não tem autonomia para subir a Selic, que ele não pode fazer o que tiver que fazer. A inflação de janeiro deve ficar em torno de 1%, então a taxa em 12 meses vai continuar em dois dígitos.

Apesar da recessão, a inflação está alta.

O problema é exatamente este. A recessão é forte, mas a inflação é alta. O custo fiscal cresce com a elevação dos juros, mas a política fiscal não dá sinais de se esforçar na direção de enfrentar o aumento dos preços.

Para Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, o Banco Central vai subir os juros apenas porque já disse antes que o faria, o que ele considera um erro, porque quando o BC falou não estava ocorrendo a temporada de volatilidade da China. Na inconstância do quadro internacional, hoje, Carlos Thadeu de Freitas acha que nenhum banco central deveria se comprometer. Pondera ainda que a inflação vai cair:

— A inflação está alta, mas está desacelerando. Teremos este ano uma taxa bem menor do que no ano passado, entre 6% e 6,5%. No ano que vem, vai ser algo entre 5,5% e 6%.

Ela vai cair, mas não vai chegar ao centro. A meta de 4,5%, hoje, é romântica. O BC teria que subir os juros para 16% ou 17% para levar o IPCA à meta no ano que vem.

Esse ponto foi defendido por Luiz Carlos Mendonça de Barros, da Quest Investimentos, em artigo no “Valor” de ontem. José Márcio pondera que a inflação estará em queda “se tudo der certo”, mas se houver um choque, não haverá como acomodar. Com a inflação alta, como a atual no Brasil, qualquer inesperado pode levá-la a dar novos saltos.

Roberto Padovani, do banco Votorantim, acha que os juros devem subir, mas admite que a situação é muito delicada:

— Existe essa discussão entre economistas muito sérios. Uns acham que deve subir, outros acham que a alta agrava o problema. Nós temos uma economia muito fraca, mas com inflação de 10%. A situação é atípica. Se eu fosse do Banco Central, votaria pela elevação dos juros. Em uma situação normal, não seria necessário, mas não é o caso agora. Numa situação normal, teríamos um governo com mais credibilidade e uma política fiscal com superávit. Mas temos um governo que nunca colocou a inflação no centro da meta, e a política fiscal está com déficit, sem previsão de voltar ao superávit. Então o que sobra para o governo combater a inflação são os juros.

Mesmo quem acha que os juros devem subir, entende que o melhor seria se não fosse preciso. Ninguém duvida que vai piorar a recessão. Alexandre de Ázara, economista-chefe e sócio da Mauá Investimentos, acredita que os juros vão subir, mas admite o dilema:

— Todo mundo concorda que o problema da inflação vem da política fiscal, e não da política monetária. Como o Banco Central já se comprometeu em subir os juros, ele vai subir, mas sabendo que isso não vai resolver o problema da inflação. A questão é que ele não pode desgastar ainda mais a sua reputação. O tamanho do ciclo de alta é a dúvida.

Sobre esse quadro, o Banco Central se debruça a partir de hoje para saber como combater a inflação usando a arma que tem e que pode enfraquecer mais ainda a economia brasileira. E não poderá ser uma alta apenas, mas o início de um ciclo de aperto monetário no segundo ano de uma recessão.

Maria Clara R. M. do Prado: O PIB, a inflação e os juros

• Brasil vive uma "ressaca induzida" provocada pela displicência com que o governo encarou o fim de festa a partir de 2011

- Valor Econômico

Qualquer outro país que apresentasse dois anos consecutivos de queda do PIB, com níveis de retração estimada nada triviais, seguidos de um período de estagnação (em 2014, o produto brasileiro arrematou mísero 0,1% positivo), tenderia a contabilizar inflação em queda e, eventualmente, até deflação. No Brasil deste início de 2016, no entanto, prevalece uma conjugação atípica onde os preços sobem em situação de significativo decréscimo da atividade econômica.

Vale notar que desde o início do século XX, apenas em uma outra ocasião o PIB brasileiro teve recuo em dois anos seguidos: em 1930, com menos 2,1%, e em 1931, com menos 3,3%, de acordo com um antigo trabalho de Claudio Haddad - "Crescimento do PIB real no Brasil - 1900 a 1947" - que buscou calcular a evolução do produto na primeira metade do século passado, a partir do levantamento e análise de outros indicadores econômicos disponíveis. Até hoje, os dados de Haddad são usados como referência para a evolução do PIB antes de 1947, a partir de quando começa a série oficial do IBGE.

As explicações para a atipicidade de alta inflação com PIB retraído são várias e conhecidas. A recomposição das tarifas represadas em anos anteriores, como o preço da energia elétrica; a forte estrutura de indexação que teima em subsistir no setor de serviços, o efeito da desvalorização do real e o aumento ocorrido nos preços dos alimentos por motivos variados são as mais citadas, além do clima de incerteza política que contribui para afetar negativamente as expectativas e a impactar os preços.

"Não há dúvida de que a fatia dos serviços com preços indexados (chamados também de preços administrados) tem peso substancial na inflação e funciona como uma verdadeira jabuticaba na formação dos índices brasileiros", avalia o economista especializado em preços, Decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio, Luiz Roberto Cunha, lembrando que no IPCA, por exemplo, a participação dos produtos com preços livres é relativamente pequena quando se compara com os serviços indexados.

O fato é que a taxa do IPCA evoluiu de 6,41% em 2014 para 10,67% em 2015, e ninguém espera que se aproxime da meta de 4,5% este ano. Ao contrário, as estimativas apontam para uma evolução acima de 6,5%. Para Cunha, o IPCA de 2016 tende a ficar entre 7% e 8%.

Pode-se dizer que o Brasil vive hoje uma espécie de "ressaca induzida" provocada pela displicência com que o governo encarou o período de fim de festa a partir de 2011, quando os preços das commodities começaram a desabar no mercado internacional e os termos de troca deixaram de ser favoráveis ao país. Ao invés de se prevenir para os tempos mais sombrios que se vislumbravam à frente, o governo adotou políticas expansionistas - políticas de indução ao aumento do crédito, drástica redução das taxas de juros e crescimento dos gasto público - todas elas financiadas com os largos superávits das contas externas que além dos preços das commodities também sentiam os efeitos benéficos do humor externo altamente favorável ao Brasil.

Como a dinheirama que ingressou nos tempos das vacas gordas não foi usada para sedimentar uma estrutura que revertesse em frutos definitivos para o país no médio e longo prazos, resulta daí que não sobrou pedra sobre pedra. Não há mais dólares baratos para financiar as despesas públicas e os gastos que se acumularam (sem falar na corrupção) estão à espera de decisões políticas vigorosas, para que possam encolher e ajustarem-se à nova realidade. Uma espera que tende a ser prolongada.

Ao governo resta administrar o dia a dia, no que é emergencial. Tentar evitar a expansão do zika vírus, amenizar o impacto da falta de leitos nos hospitais, gerenciar a dívida pública e convencer o Congresso de que a CPMF é a salvação da lavoura.

Entre as providências de curto prazo, a mais aguardada é o resultado da reunião do Copom que começa hoje e se estende até amanhã. Também aqui, pode-se perceber o impacto negativo das políticas erradas adotadas pelo governo nos últimos três anos. Do ponto de vista da política monetária, o Banco Central não tem mais bala na agulha, pois pouco pode fazer para induzir a queda de uma inflação que teima em se manter elevada a despeito da grave retração da economia, já com significativos efeitos no aumento do desemprego. Um taxa Selic mais elevada só contribuiria agora para ampliar o custo da dívida pública.

No entanto, como este é um país complexo e atípico, passando por uma conjuntura de muita insegurança política, outros fatores, de ordem não monetária, devem ser considerados na reunião de hoje do Copom. Por exemplo, a questão da credibilidade do BC vis a vis as recentes manifestações do PT com relação aos juros. Por exemplo, a solvência do setor financeiro, em especial dos bancos de porte médio.

Se prevalecer a primeira consideração, é possível que o Copom aprove um aumento na taxa Selic para dar um sinal de autonomia ao mercado. Se prevalecer a segunda consideração, o temor de aumento no custo da rolagem das empresas endividadas junto aos bancos poderá levar o Copom a manter a taxa inalterada em 14,25% ao ano. Pesaria aqui, o risco de insolvências no setor financeiro.

Sem dúvida, esta será uma das reuniões mais difíceis do Copom, justo quando a falta de confiança começa a bater na porta do BC.

As razões do pessimismo – Editorial / O Estado de S. Paulo

Na campanha para sua reeleição, a presidente Dilma Rousseff acusou seus adversários de serem “pessimistas” em relação ao futuro do País. Sua equipe de marqueteiros criou até mesmo um personagem, o “Pessimildo” – que, ranzinza, vivia a prever uma série de desastres econômicos. Seus prognósticos sombrios eram rebatidos com um slogan otimista: “Pense positivo, pense Dilma”. Depois que a petista ganhou a eleição e completou o primeiro ano de seu turbulento segundo mandato, porém, Pessimildo deixou de ser uma piada engraçadinha e passou a encarnar um contingente cada vez maior de brasileiros que, diante da degradação da situação do País, começam a se dar conta de que o prometido paraíso petista da renda e do emprego, à prova de intempéries, não passava de um conto do vigário.

Esse desânimo crescente foi detectado por uma pesquisa do Ibope Inteligência em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research, feita em 68 países, a respeito das expectativas para 2016. Entre os brasileiros, a fatia dos que acreditam que este ano será melhor do que 2015 é de 50%, abaixo da média mundial, que é de 54%. Já os pessimistas, isto é, aqueles que acham que 2016 será pior, chegam a 32% da população, enquanto na média dos países pesquisados essa fatia é de apenas 16%.

Pode-se argumentar que ainda há muitos otimistas no Brasil, confirmando um traço verificado nas pesquisas anteriores, mas impressiona o dado que mostra a expansão acelerada do sentimento negativo em relação ao futuro. O porcentual dos que se dizem pessimistas no País era de apenas 6% em 2011, quando Dilma debutou no Planalto. No ano seguinte passou para 8%, chegou a 14% em 2014, atingiu 26% em 2015 e agora passou dos 30%. Em compensação, a fatia dos que acreditavam na melhora das condições de vida recuou de 73% em 2011 para 57% em 2014 e depois para 49% em 2015. Agora está em 50%, uma melhora insignificante. Ou seja, enquanto o sentimento positivo em relação ao futuro está estagnado, o pessimismo galopa.

“Não é preciso ser clarividente para saber que o problema é a economia do País”, escreveu José Roberto de Toledo, em sua coluna no Estado, ao antecipar alguns números da pesquisa. O jornalista destacou o dado do Ibope segundo o qual as classes de consumo A e B, que eram 30% da população no final de 2014, representavam no ano seguinte apenas 23%. Enquanto isso, a classe C caiu de 54% para 50% e as classes D e E, onde se concentram os mais pobres entre os pobres, passaram a ser 27% em 2015, contra 16% em 2014.

Em poucos anos, portanto, a melhora de vida de uma significativa parcela dos brasileiros, festejada pelo lulopetismo como a prova de sua superioridade moral e gerencial, provou-se insustentável, porque grande parte desse progresso estava lastreada em populismo rasteiro e irresponsabilidade fiscal. O pessimismo crescente não é infundado, pois ainda restam três anos dessa gestão temerária, que ameaça aniquilar os suados ganhos dos últimos 20 anos.

Ademais, um estudo recente, feito por economistas da consultoria Tendências, mostra que o País do PT, em que os pobres se transubstanciaram em classe média, só existe na propaganda do partido. Com base nos dados da Receita Federal, a pesquisa indica que a desigualdade de renda no País pode ser muito maior do que a informada pelos dados oficiais: segundo o levantamento, 37,4% da massa da renda nacional está com a faixa mais rica da população, enquanto a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE, estima que esse porcentual seja de 16,7%. Por obra do desgoverno de Dilma, o abismo entre as classes ricas e pobres, que chegou a cair entre 2011 e 2012, voltou a crescer a partir de 2012.

Diante desse quadro de deterioração evidente, em que a alta substancial do desemprego e da inflação indica tempos ainda mais enfarruscados pela frente, não é difícil de entender como um povo tradicionalmente tão otimista como o brasileiro esteja tão acabrunhado. Essa é uma das grandes obras de Dilma.

É amplo o saldo positivo da Operação Lava-Jato – Editorial / O Globo

• Carta aberta de advogados faz paralelo impróprio com a ditadura, quando nem habeas corpus havia, e se esquece que maioria dos recursos tem sido rejeitada

O texto da “carta aberta” contra a Operação Lava-Jato publicada nos jornais de sexta-feira passada por importantes advogados, alguns deles com clientes sob investigação, é reflexo dos novos tempos em que entrou o país desde a condenação dos mensaleiros. Ali, surgiu um ponto fora da curva: um plenário do Supremo majoritariamente composto por ministros indicados nos governos petistas de Lula e Dilma condenou líderes do partido no poder, políticos aliados, gente do mercado financeiro, entre eles uma dona de banco, pessoas, enfim, de fácil trânsito em Brasília. Algo inédito no país.

A demonstração de independência do Judiciário e a eficiência com que trabalhou o Ministério Público no caso do mensalão também são características da Lava-Jato, responsável por desvendar um enorme esquema de corrupção montado pelo lulopetismo na Petrobras, com ramificações, até onde se sabe, no setor elétrico.

O mensalão transcorreu paralelamente ao petrolão, e numa escala bem inferior, se medido pelas cifras surrupiadas. Desta vez, o caso não partiu da denúncia de um beneficiário do esquema (Roberto Jefferson), mas de investigações sobre um operador financeiro (Alberto Youssef ), usuário de um posto de combustíveis para lavar dinheiro. Daí o nome da operação. O MP e a Polícia Federal são atuantes nas investigações, por meio de uma força-tarefa constituída com o juiz Sérgio Moro, de Curitiba, cidade de Youssef.

É provável que a falta de costume em ter demandas rejeitadas em tribunais superiores haja levado os advogados a carregar nas tintas ao denunciar a Lava-Jato como uma espécie de “inquisição”, e tachá-la de um “justiçamento, como não se via nem mesmo na ápoca da ditadura”.

Ora, isso é um evidente exagero, sabem todos os que viveram aqueles tempos, quando sequer habeas corpus havia, e, entre outras barbaridades, a Lei de Segurança Nacional permitia que o preso ficasse um determinado tempo desaparecido. Isso quando não sumia de vez.

Uma operação do tamanho da Lava-Jato sempre pode cometer algum exagero. Um deles, a prisão do banqueiro André Esteves, apenas por ter sido citado pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS) como suposto financiador da fuga de Nestor Cerveró. Mas o saldo da operação é amplamente positivo. Têm razão os procuradores de Curitiba quando argumentam que a solidez dos procedimentos da Lava-Jato pode ser medida pela elevada taxa de insucesso de inúmeros recursos encaminhados ao Tribunal de Justiça de Porto Alegre, de cuja jurisdição faz parte Sérgio Moro, ao STJ e ao próprio Supremo. Neste sentido, quisessem ou não, os advogados também atingiram instâncias superiores com a carta aberta.

A Lava-Jato reforça o efeito positivo do julgamento do mensalão sobre as instituições e ajuda a combater o mal da impunidade nos crimes de colarinho branco.

Disputa peemedebista adia desembarque

• Enfraquecimento do impeachment também pesa para que partido coloque saída do governo em segundo plano

• Para evitar ruptura com PMDB, Dilma deve se reunir com Michel Temer nesta terça em busca de um armistício

Gustavo Uribe, Débora Álvares - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A disputa pela presidência nacional do PMDB e a avaliação de que o processo de impeachment perdeu força colocaram em segundo plano a discussão interna sobre a saída do partido do governo da presidente Dilma Rousseff.

A cúpula nacional da sigla, incluindo o vice-presidente Michel Temer, reconhece que "não há mais clima" para debater o assunto na convenção nacional da legenda, marcada para março, que deve se concentrar na discussão sobre a sucessão do comando da sigla.

Para os principais dirigentes do partido, é improvável que a legenda tome uma decisão definitiva sobre o desembarque, que deve ser tratado apenas por meio de moções públicas apresentadas por grupos favoráveis ao impeachment da petista.

A ruptura, no entanto, não foi abandonada pelo partido. A avaliação interna é que a discussão pode ser retomada, com a possibilidade inclusive da convocação de um congresso extraordinário, caso o impeachment volte a ganhar força e a crise política sofra um agravamento.

No final do ano passado, a saída do PMDB do governo federal era considerado o debate prioritário para o encontro de março. As pressões internas pelo desembarque levaram inclusive a cúpula da legenda a considerar tomar uma decisão em novembro.

A ideia, no entanto, foi abandonada pela avaliação de que seria um gesto precipitado e de que, diante da previsão de piora das crises política e econômica neste ano, o mês de março seria mais adequado para se adotar uma postura definitiva.

Para o vice-presidente, no entanto, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de anular a chapa oposicionista para a comissão do impeachment enfraqueceu o processo, que foi colocado em compasso de espera diante da disputa pela sucessão do partido.

Com o risco de perder o comando da legenda para o grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Temer mobilizou seus assessores e aliados a se concentrarem na busca de apoios para a sua reeleição.

Em outra frente, em troca de um acordo que evite uma candidatura rival, ele tem negociado abrir mais espaço na Executiva Nacional do PMDB para senadores peemedebistas e para correligionários do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, Estados com maior peso na convenção nacional.

Em conversas reservadas, o vice-presidente, que está à frente da legenda desde 2005, tem reclamado da atuação de Renan Calheiros, mas tem repetido que está acostumado a enfrentar pressões internas.

Reaproximação
Sob a orientação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente também tem atuado para evitar uma ruptura do PMDB.

Nesta terça-feira (19), a petista deve se reunir com o vice-presidente, em um encontro costurado pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. O objetivo é tentar um armistício que diminua o apoio no partido ao processo de impeachment e garanta a permanência da sigla no governo federal.

Nos bastidores, o peemedebista reconhece que o envio de uma carta desabafo à presidente foi um "equívoco", mas ele continua a fazer críticas sobre o estilo de governo da petista e avalia que dificilmente ela mudará.

Estratégia para conter impeachment sofre revés

• PMDB não aceita indicação de ministro para tentar pacificar sigla

Júnia Gama, Bárbara Nascimento - O Globo

-BRASÍLIA- Diante das dificuldades na bancada peemedebista por um amplo apoio à nomeação do deputado Mauro Lopes (MG) como ministro, o Palácio do Planalto já trabalha com um plano B para a Secretaria de Aviação Civil. Lopes era visto pelo governo como a solução para garantir o apoio da bancada do PMDB de Minas e viabilizar a recondução de Leonardo Picciani (RJ) à liderança do partido, o que reforçaria o time governista na batalha contra o impeachment.

Ontem, a bancada do PMDB de Minas se reuniu em Belo Horizonte para tentar um acordo em torno de um candidato à liderança do partido na Câmara e para a chancela ao nome de Lopes ao ministério. Nenhum dos dois objetivos foi alcançado. Diante do impasse, a decisão foi liberar os deputados para votarem como quiserem.

Na reunião, o deputado Leonardo Quintão reafirmou que irá disputar a eleição. Já Newton Cardoso Junior, retirou a candidatura. Para ele, Quintão é “candidato de si mesmo”.

— A bancada não tem candidato e está liberada para votar como quiser. Ninguém declarou voto. O Quintão vai ser candidato de si mesmo, sem o apoio da bancada. Eu não consegui o apoio majoritário e decidi não ser candidato — afirmou Cardoso Junior ao GLOBO.

Enquanto isso, alguns ministros próximos à presidente Dilma Rousseff defendem, reservadamente, que a escolha para a pasta seja feita junto com o vice-presidente Michel Temer. Na semana passada, o ministro Jaques Wagner (Casa Civil), telefonou para Temer para dizer que Dilma gostaria de encontrá-lo e sugeriu que isso ocorresse nesta terça-feira.

O convite, no entanto, ainda não havia sido formalizado até ontem. Quando ocorrer o encontro, a questão do ministério deverá ser abordada.

Relação com zelada
Esses assessores defendem a negociação com Temer para evitar uma piora na relação, que começa a se recuperar depois do abalo no fim do ano passado. No governo, há a defesa de que é preciso aproveitar o novo momento de Temer, que trocou movimentações de rompimento com o governo pelo trabalho para ser reconduzido à presidência do PMDB.

Os motivos do enfraquecimento de Mauro Lopes para o cargo vão além da ausência de consenso na bancada mineira. A exposição do nome do deputado trouxe resultados considerados negativos pelo governo. Informações sobre a suposta relação de Lopes com o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada — preso na Operação Lava-Jato — assustaram o Palácio do Planalto. Segundo auxiliares da presidente, mesmo que não haja elementos mais contundentes contra o deputado, é preciso evitar trazer para o governo mais uma crise que já se vislumbra no horizonte.

A forma como Lopes se posicionou na semana passada, dando declarações de que havia sido sondado para o ministério e que aceitaria o cargo também causou incômodo. Para interlocutores do governo, faltou “liturgia” na postura do deputado. E a presidente Dilma, ressaltam, costuma rejeitar esse tipo de comportamento.

A previsão é que a discussão sobre o tema se estenda um pouco mais que o previsto e uma decisão fique para o início de fevereiro. As dificuldades para um consenso no PMDB têm levado alguns setores do Planalto a defender até a extinção da pasta. Como a área econômica continua no esforço para reduzir gastos, extinguir o ministério pode ser melhor do que escolher um nome que vá aprofundar a briga interna no partido.

— O PMDB tem que se entender para evitar a extinção da SAC. É difícil manter um ministério que só vai trazer mais problema na bancada. Se isso for provocar briga, é melhor extinguir — afirmou um auxiliar palaciano.

O governo sancionou ontem um decreto que estabelece limes para a execução das despesas de órgãos, fundos e entidades do Poder Executivo até que o contingenciamento definitivo do Orçamento de 2016 seja publicado, o que deve acontecer em fevereiro. Por enquanto, os gastos ficam limitados a 1/12 (R$ 11,02 bilhões) da dotação total prevista na Lei Orçamentária. O decreto é assinado pela presidente Dilma e pelo ministro do Planejamento, Valdir Simão.

Dos R$ 11,02 bilhões autorizados a serem movimentados até 12 de fevereiro, R$ 2,56 bilhões são do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 753,6 milhões de emendas parlamentares impositivas e R$ 7,7 bilhões em demais despesas discricionárias. O decreto prevê ainda que o governo deverá gastar, até meados do mês que vem, R$ 124,5 bilhões em despesas obrigatórias.

Em fevereiro, o governo deve publicar decreto com o contingenciamento definitivo para viabilizar o superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016.

PT apoia manifesto de advogados contra Lava-Jato

• Presidente do partido fala em ‘desmandos’ feitos em nome da operação e em ‘exageros das delações forçadas’

Sérgio Roxo - O Globo

-SÃO PAULO- O PT divulgou ontem texto de apoio ao manifesto divulgado na semana passada por 105 advogados — muitos deles defensores de réus da Lava-Jato — contra a operação do Ministério Público e da Polícia Federal. Em texto publicado na página do partido na internet e reproduzido nas redes sociais, o presidente do PT, Rui Falcão, diz que “desmandos” vêm sendo preparados em nome da Lava-Jato e que a denúncia apresentada pelos defensores é relevante.

“O combate à corrupção, a corruptos e corruptores, não pode servir à violação de direitos, nem tampouco para fragilizar a democracia, tão duramente conquistada. É preciso vigilância e luta aberta contra este embrião de estado de exceção que ameaça crescer dentro do estado democrático de direito”, escreveu Falcão.

Para o presidente do PT, o fato de o manifesto ser assinado por alguns advogados de presos ou condenados em primeira instância na Lava-Jato “não tira o mérito” da denúncia.

“Somando-se a outro texto já subscrito anteriormente por juízes democráticos, a denúncia alerta para os exageros das delações forçadas, dos vazamentos seletivos de informações, do excesso das prisões preventivas, para a espetacularização dos julgamentos, às restrições ao direito de defesa e ao trabalho dos advogados”, disse Falcão.

O PT já vinha criticando a Lava-Jato antes. Em novembro do ano passado, o partido divulgou uma cartilha de 34 páginas com uma série de ataques aos procuradores e ao juiz Sérgio Moro. No texto, o partido dizia que o “juiz e sua ‘equipe’ de delegados da PF e procuradores do MPF (Ministério Público Federal) do Paraná fazem de tudo (até mesmo anistiar criminosos confessos) para atingir o PT”. Também acusava Moro de ignorar o fato de dirigentes da Petrobras envolvidos em irregularidades trabalharem na estatal desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Três petistas presos
A Lava-Jato já prendeu três petistas. O ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto e o ex-ministro José Dirceu estão detidos em Curitiba. O senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-líder do governo da presidente Dilma Rousseff, está preso em Brasília. Vaccari, já condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é acusado de buscar doações para o partido oriundas de dinheiro desviado da Petrobras. O PT nega as irregularidades.

A operação ainda investiga o o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, que também está preso em Curitiba. Em delações, ele é apontado como intermediário de interesses junto ao Planalto na época de Lula.

No texto de ontem, Falcão reproduz trecho do manifesto dos advogados que fala em “uma atuação judicial arbitrária e absolutista, de todo incompatível com o papel que se espera ver desempenhado por um juiz, na vigência de um estado de direito”.

O presidente do PT ainda classificou as críticas ao manifesto feitas por responsáveis pela operação de “ataques indecorosos”. Acrescentou que a denúncia dos advogados “exige resposta das autoridades”.

Temer rebate insinuação de Marina

• Vice-presidente refuta tese da ex-ministra e principal líder da Rede, segundo a qual PMDB quer usar impeachment para enterrar Lava Jato

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer rebateu nessa segunda-feira, 18, as declarações da ex-ministra Marina Silva, principal líder da Rede Sustentabilidade, sobre uma eventual paralisação nas investigações da Operação Lava Jato caso haja o impeachment da presidente Dilma Rousseff e ele assuma o Palácio do Planalto.

"Fico preocupado com essa manifestação de desconhecimento institucional por uma pessoa que foi candidata a presidente da República por duas vezes. Nenhum presidente tem poder de ingerência nos assuntos de outro Poder", afirmou o vice-presidente em nota enviado ao Estado.

Michel Temer afirmou que o Judiciário brasileiro e os demais órgãos ligados de maneira direta ou indireta a ele têm independência e que essa é uma premissa garantida pela Constituição de 1988. "É gravíssimo que a uma figura pública tente desprestigiar os Poderes soberanos do Estado", disse.

No domingo passado, após uma reunião da Executiva da Rede Sustentabilidade, em Brasília, Marina afirmou que o impeachment e eventual ascensão do peemedebista à Presidência poderia causar uma paralisação nas investigações da Lava Jato. De acordo com ela, a troca do mandatário do País daria a impressão de que o problema da corrupção havia sido resolvido e poderia desmobilizar o apoio da população em relação às investigações em curso.

O PMDB, no entanto, viu na afirmação de Marina insinuação de que, uma vez no comando do Executivo, Temer poderia trabalhar para tirar poder da força-tarefa da Lava Jato e esvaziar a operação, que tem o partido do vice como um dos mais atingidos até agora.

A Lava Jato investiga esquema de desvios e de corrupção na Petrobrás. Entre os peemedebistas investigados estão Eduardo Cunha (RJ), Renan Calheiros (AL) e Edison Lobão (MA). O próprio Michel Temer chegou a ser citado por um dos delatores. O vice nega qualquer envolvimento com o esquema.

Marina, que foi candidata à Presidência em 2010 e em 2014, afirmou que PT e PMDB são "faces da mesma moeda" e são responsáveis pelos sucessivos escândalos de corrupção que afetam o País. Por isso, ela disse que o melhor caminho para resolver a atual crise política seria a cassação dos mandatos de Dilma e Temer via Tribunal Superior Eleitoral (TSE), caso fique comprovado que o dinheiro usado pela dupla na campanha de 2014 foi fruto de desvios na Petrobrás.

Eleições. A fala de Marina Silva também foi interpretada como uma tentativa da ex-ministra de aproveitar aquilo que os marqueteiros chamam de "recall" eleitoral, a lembrança que os eleitores têm de candidatos recentes. Por isso, dentro do PMDB, do PT e do PSDB, a tese defendida por ela foi acusada reservadamente de "oportunismo".

Nas mais recentes pesquisas de intenção de voto, Marina Silva aparece quase sempre nas três primeiras posições, rivalizando com o senador Aécio Neves (PSDB) e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nome mas forte do PT.

A realização de novas eleições também é uma das bandeiras de Aécio Neves e da ala de tucanos ligadas a ele. As quatro ações no TSE contra a campanha eleitoral de Dilma Rousseff e Michel Temer em 2014 são assinadas pelo PSDB nacional.

Pressão. Reservadamente, integrantes da Rede confirmam que um dos motivos para o partido ser contra o impeachment de Dilma Rousseff é justamente o medo de que Temer possa atuar para enterrar as investigações, já que nomes importantes do PMDB estão sendo investigados pela Operação Lava Jato.

Os aliados de Marina acreditam que o vice seria mais suscetível à pressão dos líderes de seu partido e poderia trabalhar para inibir a atuação da Polícia Federal, seja repassando menos recursos para a instituição, seja escolhendo um ministro da Justiça que desse menos liberdade de atuação a órgãos como a Polícia Federal e o Ministério Público.

Essa tese também encontra entusiastas dentro do PSDB, especialmente na ala mais próxima do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Temer diz ter ficado 'preocupado' com declarações de Marina Silva

Por Letícia Casado, Bruno Peres e Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer reagiu ontem às declarações da fundadora do Rede Sustentabilidade e ex-candidata à Presidência da República, Marina Silva, para quem, em eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff, a Operação Lava-Jato, que atinge o PMDB, pode ficar inviabilizada por causa da chegada de Temer ao poder. No domingo, o Rede posicionou-se a favor da investigação em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que apura suposto abuso de poder a eleição de 2014 e pode cassar a chapa Dilma/Temer e contra o processo de impeachment que corre na Câmara.

Temer disse estar preocupado com o que chamou de "manifestação de desconhecimento institucional" por parte de Marina, que, conforme enfatizou, concorreu à Presidência duas vezes: "Fico preocupado com essa manifestação de desconhecimento institucional por uma pessoa que foi candidata a presidente da República por duas vezes", disse Temer em nota à imprensa. "É gravíssimo que uma figura pública tente desprestigiar os poderes soberanos do Estado."

Ele afirmou que nenhum presidente tem poder de ingerência nos assuntos de outro Poder e destacou que o Judiciário é independente por determinação da Constituição de 1988, tendo, em sua avaliação, exercido soberanamente esse papel, assim como, todos os demais órgãos judiciários do país.

O Palácio do Planalto informou que não vai comentar o assunto.

No domingo, Marina disse que quem dá respaldo à Lava-Jato é a sociedade brasileira e uma eventual troca no Planalto pode sinalizar que todos os problemas foram resolvidos: "Há um temor sim de que isso enfraqueça a Operação Lava-Jato". Ela disse ainda que a prioridade do partido é o processo que corre no TSE sobre o financiamento da chapa presidencial "porque está suportada com investigação, e não apenas por vontade política de quem é oposição e situação". Para ela o TSE poderá mostrar "se de fato houve dreno do Petrolão para as eleições".

A posição do Rede independe do resultado do processo que corre no TSE, disse aoValor o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O partido, portanto, não estaria discutindo concorrer em 2016, caso a chapa Dilma/Temer seja invalidada pelo TSE e novas eleições sejam convocadas. Segundo Randolfe, o plano do Rede é lançar a candidatura de Marina à Presidência em 2018: "O Rede tem na Marina a nossa candidata à Presidência da República. Mas o nosso calendário é 2018, não 2016".

Para líderes da oposição, Marina e o Rede deflagraram uma ação pensada ao apontar posição contrária ao impeachment de Dilma, mas de apoio à ação de cassação da chapa com Temer. A ideia, avaliam, seria posicionar Marina em uma eventual disputa presidencial antecipada, encampando estratégia para manter equidistância da oposição - a favor do impeachment - e do governo, ao apoiar a cassação. O posicionamento contemplaria as diferentes vertentes políticas que compõem o Rede.

"Marina participou das eleições e só descobriu agora, um ano depois, a gravidade da ação no TSE? É óbvio que está sinalizando o nome dela como pré-candidata, a depender do que acontecer", disse o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado - ele próprio um possível candidato em caso de eleições antecipadas. Para ele, "não é coincidência" Marina defender um processo em que, ao fim, possa concorrer ao Planalto, mas ser contrária a outro, em que Temer assumiria o posto.

Próximo a Marina, o deputado Roberto Freire (PPS-SP) disse que a ofensiva tira o Rede de uma "posição incômoda de ambiguidade que havia em relação ao governo Dilma", mas não coloca a sigla no grupo francamente opositor. "Pedir a cassação por crime eleitoral é até mais contundente, mas, estranhamente, ela passa por cima dos fatos que justificam o impeachment". Para Freire, é "natural" que Marina e seu grupo estejam fazendo um cálculo político-eleitoral sobre a questão.

Para o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o Rede era até então "um partido envolto em brumas" e agora assumiu posição clara, contra o impeachment e em favor da ação no TSE.

Investigadores da Lava-Jato se dividem sobre se uma troca no Planalto poderia atrapalhar a operação. Um grupo diz apostar na independência da PF e do Ministério Público Federal para seguir a investigação. Outro se alinha com o posicionamento do Rede e diz temer a possibilidade de mudanças no Ministério da Justiça, que poderiam desencadear trocas na PF e atrapalhar a condução das investigações. Um investigador da Lava-Jato afirma: "Uma coisa é certa, não interferência do governo, sequer pelo Ministério da Justiça, na Lava-Jato. Então, se mudar [a Presidência], esperamos continuar investigando livremente."

Usiminas demite 4 mil em São Paulo. CSN para alto-forno

• Paralisação em Volta Redonda será de ao menos 90 dias

João Sorima Neto - O Globo

-SÃO PAULO- Em mais um sinal da crise no setor siderúrgico, a Usiminas decidiu encerrar a produção de aço na unidade de Cubatão, em São Paulo, e cerca de 2 mil funcionários próprios serão demitidos, como antecipou O GLOBO. Segundo o sindicato local, outros 2 mil terceirizados serão demitidos. De acordo com a empresa, estão sendo oferecidos benefícios aos empregados que serão demitidos, entre eles a extensão de três a seis meses do plano de saúde e do plano odontológico, além de prioridade na contratação quando os equipamentos forem reativados. Ontem, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) decidiu paralisar por ao menos 90 dias a produção do alto-forno 2 da usina de Volta Redonda, no Sul Fluminense. Fonte próxima à empresa informou que serão feitos reparos e a manutenção das instalações.

Desde 2015, as siderúrgicas reduziram a produção de aço com a fraca demanda interna. Globalmente, há excesso de oferta e demanda mais fraca. Em Cubatão, o sindicato começou a se mobilizar para evitar o fechamento de vagas. Ontem, ele se reuniu com advogados para definir medidas jurídicas cabíveis.

— Nas reuniões com a Usiminas, fomos informados de que a intenção é paralisar a produção em 2016 e 2017. Na nossa avaliação, essa decisão não será temporária. O equipamento não vai aguentar ficar parado por dois anos — diz Florêncio Resende de Sá, presidente do Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada Santista.

Vendas em queda
Segundo Felipe Beraldi, economista da consultoria Tendências, setores que demandam aço no país (indústria automobilística, construção civil e bens de capital) tiveram desempenho ruim em 2015, com perspectivas negativas para este ano e o próximo:

— Há uma crise forte no mercado interno pelo lado da demanda. E, globalmente, há maior oferta de aço, o que derruba o preço e limita a capacidade de exportação das companhias.

Em Volta Redonda, a paralisação do alto-forno 2 começa no domingo. Ele é responsável pela produção de 1,8 milhão de toneladas/ano, ou 30% da produção da unidade. Procurada, a CSN não comentou a informação. O Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense disse que não foi comunicado oficialmente e que a empresa poderia demitir 3 mil funcionários com a suspensão da produção no alto-forno 2. Este mês, a companhia já fez 700 demissões, mas na semana passada se comprometeu a não fechar mais vagas. Ontem, foram feitas homologações de 200 trabalhadores demitidos, e as demais acontecem nesta semana.

Em 2015, as vendas de produtos siderúrgicos no mercado interno caíram 16,1%, somando 18,2 milhões de toneladas, segundo o Instituto Aço Brasil. As vendas ao exterior cresceram 40,3% em volume, com 13,7 milhões de toneladas. A receita foi de US$ 6,6 bilhões, 3,3% menor do que no ano anterior em razão da queda de preços. A produção brasileira de aço bruto caiu 1,9%, e a de laminados recuou 9,2%.