sábado, 1 de novembro de 2014

Opinião do dia – Roberto Freire

Este é o resultado: o governo se endividando para pagar o custeio da máquina, déficit fiscal ampliado e a economia cada vez mais com números negativos. Agora, começam a aparecer os acertos de conta, os reajustes nos serviços públicos, que foram contidos estrategicamente pelo governo durante a campanha.

Roberto Freire, presidente nacional do PPS e deputado federal (SP), Brasília, 31 de outubro de 2014.

Após rombo recorde, governo vai reduzir meta para contas públicas

• Com déficit de R$ 20 bilhões em setembro, o governo central -Tesouro, Banco Central e Previdência - registra, no resultado acumulado de 2014, o maior rombo em 18 anos, o que levou a equipe econômica a admitir que terá de mudar o Orçamento

João Villaverde, Celia Froufe, Victor Martins  - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA -Cinco dias após as eleições, o governo admitiu, enfim, que a meta fiscal (das contas públicas) de 2014 não será cumprida. Após reconhecer o pior rombo mensal em toda a série histórica, iniciada em 1996, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, anunciou a revisão da meta de 2014 do superávit primário - a economia feita pelo governo para pagar juros da dívida.

O governo vai alterar o Orçamento de 2014 para ampliar os descontos com investimentos e cortes de impostos, que podem ser abatidos da conta fiscal. "Vamos revisar a meta fiscal, aumentando o limite de abatimentos", afirmou Augustin.

O resultado ruim das contas públicas foi influenciado pela economia fraca, pela arrecadação decepcionante e pelo aumento de despesas do governo (leia mais na página B3).

O mês de setembro fechou com um déficit de R$ 20,4 bilhões nas contas do governo central, que inclui resultados do Tesouro, do Banco Central e da Previdência. O pequeno superávit acumulado de janeiro a agosto virou um déficit de R$ 15,7 bilhões - o primeiro resultado negativo neste período em 18 anos. A meta de poupar R$ 80,8 bilhões para pagar os juros da dívida pública não será cumprida, admitiu Augustin.

Nas contas do setor público consolidado, que inclui União, Estados e municípios, o rombo em setembro foi ainda maior: R$ 25,5 bilhões. No ano, o resultado acumulado ficou negativo em R$ 15,2 bilhões.

A meta fiscal consolidada é de R$ 99 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), e não será atingida. Pelo Orçamento, o governo pode descontar até R$ 67 bilhões da meta. Até agora, havia se comprometido a abater apenas R$ 35 bilhões. Agora, não só vai usar todo esse "espaço fiscal", o que reduzirá a meta de R$ 99 bilhões para R$ 67 bilhões, como ampliará o limite de abatimentos.

Segundo o Estado apurou, o governo avalia fechar o ano com superávit de apenas R$ 8 bilhões para o governo central. Se a previsão se confirmar, o governo terá de ampliar os abatimentos dos R$ 67 bilhões previstos no Orçamento para R$ 90 bilhões. As discussões já começaram, chanceladas pela presidente Dilma Rousseff na terça-feira.

Augustin afirmou estar "satisfeito" com a condução das contas públicas. E disse que a dívida está caindo. Mas em dezembro de 2013 a dívida bruta do setor público, um dos principais indicadores de solvência de um país, representava 56,5% do PIB. Em setembro, estava em 61,7% do PIB.

As agências de classificação de risco costumam levar o desempenho da dívida e do crescimento econômico em conta na hora de fazer avaliações de crédito. No Brasil, a dívida está em alta e o crescimento em baixa.

Governo entra no vermelho no ano, e meta será revista

• Gastos superam receita pelo 5º mês seguido e deficit em setembro é recorde

• Desde janeiro, rombo nas contas públicas supera os R$ 15 bilhões, situação inédita desde o lançamento do Real

Gustavo Patu Eduardo Cucolo - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo Dilma Rousseff gastou além de sua arrecadação pelo quinto mês seguido em setembro, quando foi registrado o maior deficit na contabilidade pública verificado nas estatísticas oficiais.

O resultado negativo do governo federal ficou em R$ 20,4 bilhões. Considerando também as contas de Estados e municípios, o rombo foi de R$ 25,5 bilhões.

Com isso, o resultado do ano, ligeiramente positivo até agosto, transformou-se em um deficit de mais de R$ 15 bilhões, situação também inédita desde o Plano Real (lançado em 1994) na contabilidade pública.

Em 12 meses, o resultado, ainda positivo, corresponde a 0,61% do PIB, o mais baixo da série histórica.

Os dados desfavoráveis levaram o Tesouro Nacional a admitir, pela primeira vez, que a meta fiscal do ano (R$ 80,8 bilhões para a União) não será cumprida. Pela lei atual, o saldo pode ser reduzido a R$ 49 bilhões, com o desconto de investimentos.

O governo encaminhará ao Congresso uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias que permita buscar resultado ainda menor.

Diante dos resultados, o Banco Central reafirmou que as contas públicas estão contribuindo para pressionar a inflação neste ano.

Até setembro, a instituição, que elevou a taxa básica de juros nesta semana, ainda contava com a ajuda da política fiscal para ajudar a conter o aumento dos preços.

A deterioração das contas federais começou em 2012, quando o governo acelerou gastos na tentativa de estimular a economia. O descompasso entre receita e despesa se agravou no ano eleitoral.

Um dos petistas mais afinados com a presidente Dilma Rousseff, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, defendeu as escolhas feitas nos últimos anos na área fiscal. "O governo acha que optou pelo melhor para o país", disse Augustin nesta sexta-feira (31), ao anunciar os resultados.

Na argumentação do secretário, o desequilíbrio orçamentário é consequência de uma arrecadação inferior à esperada, devido a um crescimento econômico também inferior às expectativas.

A debilidade da economia seria decorrente da crise internacional e de fenômenos fora do controle do governo, como a seca, que repercutiu na inflação e levou o BC a aumentar os juros.

Mesmo sem receita suficiente, segundo o secretário, o governo preferiu não cortar investimentos e gastos, para não sacrificar o crescimento da economia. O PIB (Produto Interno Bruto) deverá ter expansão próxima de zero neste ano. Para Augustin, o cenário seria pior se não fosse a atuação do governo.

A escalada dos gastos foi puxada por programas sociais, especialmente em educação, saúde e amparo ao trabalhador, e pelos investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

O desequilíbrio fiscal, no entanto, produziu um círculo vicioso, ao elevar a dívida pública, alimentar o consumo e dificultar o controle de preços. Com credores mais temerosos e inflação elevada, o BC precisa manter juros altos, comprometendo o crescimento e a arrecadação.

Após rombo, governo vai enviar ao Congresso proposta para reduzir meta de superávit

• Déficit do governo central em setembro, de R$ 20,4 bilhões, foi o quinto seguido e o pior resultado fiscal da série histórica

Martha Beck – O Globo

BRASÍLIA - As contas públicas voltaram a ficar no vermelho em setembro. Pelo quinto mês consecutivo, o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou déficit primário. O valor, de R$ 20,4 bilhões, representa o pior resultado mensal da série histórica iniciada em 1997.

Ele significa que o governo não conseguiu poupar nenhum centavo para o pagamento de juros da dívida pública. Essa é a primeira vez na história que o resultado das contas públicas fica negativo por cinco meses seguidos.

Alem disso, considerando o setor público consolidado (União, estados, municípios e estatais) gastaram R$ 25,5 bilhões a mais do que arrecadaram em setembro, de acordo com os dados divulgados nesta sexta-feira pelo Banco Central. É o pior resultado mensal já registrado em toda a contabilidade pública, que começou a ser feita em 2001.

Diante do péssimo resultado fiscal de setembro, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, admitiu hoje que o governo vai encaminhar ao Congresso uma proposta de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014. Para evitar o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, será preciso reduzir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do ano. Ele não informou para quanto.

No ano, o governo central acumula um déficit primário de R$ 15,7 bilhões. O resultado também é o pior da história para o período. Com isso, é impossível que a equipe econômica consiga atingir a meta fiscal fixada para o ano, de superávit de R$ 80,8 bilhões, ou 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

Pela série histórica do Tesouro Nacional, até setembro deste ano, o pior resultado mensal registrado pelo governo central havia sido em dezembro de 2008, no auge da crise mundial: um déficit de R$ 19,9 bilhões.

Resultado ruim divulgado após eleições
O governo deixou para o último dia do mês a divulgação do dado mais desfavorável para a presidente Dilma Rousseff. O anúncio do resultado das contas públicas vem cinco dias depois do fim da disputa eleitoral.

Questionado sobre o fato, Augustin negou que a decisão de só fazer isso agora tenha sido política:

— Temos um modelo de trabalho que faz com que de dois em dois meses nós façamos uma programação. As datas dessa sistemática nunca atendem ao calendário eleitoral. O número de setembro era um número crucial para essa decisão. Temos já a convicção dessa necessidade.

Segundo relatório divulgado nesta sexta-feira, o déficit primário de setembro se deve principalmente a um aumento nas despesas. Houve, por exemplo, um crescimento de R$ 7,4 bilhões nos gastos da Previdência Social devido ao pagamento da segunda parcela do décimo terceiro salário aos segurados.

Por outro lado, as receitas continuam fracas. Houve uma queda de R$ 3,1 bilhões no recolhimento do Imposto de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

No acumulado do ano, as despesas subiram num ritmo muito mais forte que as receitas. Enquanto a arrecadação líquida somou R$ 739,5 bilhões (alta de 7,2%), os gastos chegaram a R$ 755,2 bilhões, com um crescimento de 13,2%. Somente os desembolsos com custeio cresceram 15,9%. Já os investimentos subiram 34,1%.

Os gastos do governo com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) até setembro chegam a R$ 8 bilhões, o que equivale ao dobro do registrado no mesmo período do ano passado.

Metas de 2015 serão mantidas
O secretário do Tesouro afirmou que o governo não estuda mexer nas metas fiscais de 2015. Apesar da forte deterioração do quadro fiscal em 2014, Augustin disse que o governo vai trabalhar para melhorar o desempenho e chegar ao superávit primário entre 2,5% e 2% que foi fixado na LDO do ano que vem.

Segundo Augustin, entre as medidas que o governo vai adotar estão reduções de gastos, como os de seguro-desemprego e abono salarial:

— É possível fazer reduções de despesas que não sejam negativas para o crescimento da economia de modo a assegurar o cumprimento da meta de 2015.

Outro elemento que vai ajudar na política fiscal, de acordo com ele, é o crescimento da atividade econômica:

— A meta de 2015 é factível dentro de uma economia que já deu sinais de melhora.

Augustin reafirmou que a política fiscal brasileira é sólida e que isso não vai mudar em função de resultados pontuais. Ele justificou o pior desempenho das contas públicas na história com o baixo crescimento da economia em 2014, que prejudicou a arrecadação, e com as medidas de desoneração que foram adotadas pelo governo para tentar reativar a atividade. Ele também citou o aumento das despesas com investimento e educação.

— A opção do Brasil é a de um país que tem solidez fiscal. Não vai deixar de ter isso por causa de um resultado específico — disse ele, acrescentando: — Tivemos um crescimento econômico bem abaixo do que nós estávamos trabalhando devido a um crescimento internacional mais baixo e também a choques de oferta que resultaram numa política monetária contracionista. Assim, o crescimento da receita foi bem abaixo do que nós estimávamos — disse ele, destacando ainda que as receitas no ano ficaram R$ 40 bilhões abaixo das estimativas do primeiro decreto do ano.
Mesmo assim, o secretário disse não acreditar que o Brasil será rebaixado pelas agências de classificação de risco em função da deterioração fiscal:

— Não acredito nisso (rebaixamento). Acho que estamos fazendo uma política econômica para retomar o crescimento. Sobre as mudanças na LDO de 2014, Augustin afirmou que o governo vai aumentar o abatimento previsto em lei com investimentos e desonerações, que está hoje em R$ 67 bilhões.

A verdade pós-eleitoral nas contas públicas – O Globo / Editorial

• O desequilíbrio fiscal recorde, verificado entre maio e setembro, é obra feita com afinco por quem acreditou que reduzir o superávit primário aceleraria o PIB

A Secretaria do Tesouro desmente, mas é inevitável incluir as informações sobre as contas públicas no mês de setembro divulgadas ontem entre aquelas que o governo preferiu liberar apenas depois do fim da eleição. Afinal, só prejudicaria a reeleição da presidente Dilma saber-se que, pelo quinto mês consecutivo, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central) acumulou déficit primário, ou seja, sem incluir o pagamento dos juros da dívida interna.

Os R$ 20,4 bilhões do resultado no “vermelho” obtido apenas em setembro é o pior saldo mensal alcançado na história, desde 1997, quando a série dessa estatística começou a ser calculada. Ultrapassaram os R$ 19,9 bilhões de dezembro de 2008, acumulados sob o impacto da explosão da bolha financeiro-imobiliária americana, com a falência do Lehman Brothers, em setembro daquele ano.

No período de maio a setembro deste ano, o déficit acumulado foi de R$ 15,7 bilhões, também um recorde negativo histórico. Com isso, soterra-se de vez, com reconhecimento do próprio governo, a possibilidade de atingir-se a meta de um superávit primário de 1,9% do PIB. Talvez até não haja qualquer superávit, necessário para que se pague a conta de juros da dívida sem a necessidade de emissão de títulos públicos — pagar-se dívida com mais dívida, clássico mecanismo da bola de neve. Daí o endividamento público brasileiro ser já de 60% do PIB, o maior entre as economias emergentes.

Nada é surpreendente nesses números. O desequilíbrio fiscal é obra edificada com afinco, a partir do final do primeiro governo Lula e com grande destreza na gestão Dilma, quando se relaxou no manejo dos gastos públicos, na vã intenção de acelerar o PIB pela via já esgotada do consumo. Colheu-se mais inflação, o consumo não se expandiu, pois a capacidade de endividamento das famílias estava prestes a se esgotar, e os investimentos privados, como previsto, se retraíram.

Desacelerada, quase no limiar da estagnação, a economia passou a gerar uma receita tributária menor — não bastassem os gastos já virem crescendo mais que a coleta de impostos. E assim, nem mesmo o uso intenso de receitas temporárias — dividendos de estatais, Refis — e até “pedaladas” em transferências do Tesouro para a Caixa Econômica (Bolsa Família) e Banco do Brasil (subsídio do crédito agrícola) resolveram o problema. E não resolveriam mesmo, apenas maquiariam a crise fiscal.

Na hipótese otimista, o governo aproveitaria este final de primeiro mandato para limpar as estatísticas das contas nacionais, com a retirada de “esqueletos” do armário — talvez não todos —, a fim de a presidente iniciar do zero, ou quase isso, a segunda administração. E assumindo para valer o compromisso de um superávit primário que reverta a insegurança com o futuro da economia. Cresce, portanto, a importância a escolha dos nomes para a equipe econômica.

Um país no vermelho - O Estado de S. Paulo / Editorial

As contas públicas brasileiras estão hoje mais esburacadas que as da maior parte dos países da Europa, incluídos alguns dos mais afetados pela crise iniciada em 2008, como a Itália e a França. Levar o País a esse estado foi uma das façanhas mais notáveis da presidente Dilma Rousseff. Nos 12 meses até setembro, o governo central acumulou um déficit equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto (PIB), considerado o total de receitas e despesas, incluído o pagamento de juros. O rombo de todo o setor público - União, Estados, municípios e algumas estatais - chegou a 4,92% do valor produzido internamente por todos os setores da economia. No ano passado, a média da zona do euro foi um déficit igual a 3% do PIB. No Brasil, o número em vermelho chegou a 3,9%.

Neste ano, os países do euro devem ter um saldo deficitário de 2,9%, segundo a última projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicada no começo de outubro. A projeção para o Brasil divulgada no mesmo relatório, um rombo fiscal de 3,9%, só será confirmada se as contas do País melhorarem de forma espantosa no último trimestre. De janeiro a setembro, o déficit do governo central atingiu 4,97% do produto. O consolidado do setor público bateu em 5,94%.
Na França, as contas públicas tiveram resultado negativo de 4,2% no ano passado, devem piorar até 4,4% neste ano e chegar a 4,3% em 2015. O resultado italiano deve ser parecido com o de 2013, um déficit de 3%.

No Brasil, tem sido normalmente deficitário, há muitos anos, o resultado nominal das contas públicas - consideradas, portanto, receitas e despesas de todos os tipos. É esse, afinal, o dado mais importante, quando se pensa na saúde financeira de longo prazo do setor público. A regra da União Europeia, um déficit máximo de 3%, é baseada nesse conceito mais amplo. Na crise, esse limite foi estourado por muitos países, mas a maioria já está enquadrada e o resultado médio está abaixo do teto.

O governo brasileiro tem fixado para a política fiscal metas mais frouxas, definidas em termos de resultado primário - diferença entre receita e despesa sem levar em conta os juros e amortizações da dívida pública. A ideia é obter uma sobra suficiente para cobrir pelo menos uma boa parte dos juros e, assim, manter sob controle o endividamento do governo.

A equipe da presidente Dilma Rousseff tem recorrido, há alguns anos, a arranjos especiais para cumprir a promessa do superávit primário. Além de descontar o valor aplicado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o pessoal do Tesouro tem recorrido ao adiamento de despesas (um processo conhecido como pedaladas fiscais) e à coleta de receitas extraordinárias, como dividendos, bônus de concessões e cobrança parcelada de impostos e contribuições em atraso.

Neste ano, nem esses truques funcionaram. Pelas contas do Tesouro, o governo central acumulou em nove meses um déficit primário de R$ 15,7 bilhões. Seria necessário um superávit de R$ 96,5 bilhões em três meses para alcançar a meta de R$ 80,8 bilhões fixada só para o governo central - Tesouro, Banco Central (BC) e Previdência. O jeito será pedir ao Congresso uma revisão das metas orçamentárias.

Nos cálculos do BC, levam-se em conta as necessidades de financiamento e isso produz números um pouco diferentes. Por esse critério, o déficit primário do governo central atingiu R$ 19,47 bilhões neste ano e R$ 29,14 bilhões em 12 meses. O resultado primário de todo o setor público foi um déficit de R$ 15,29 bilhões no ano e de R$ 31,05 bilhões em 12 meses.

O péssimo estado da economia brasileira, com nível muito baixo de atividade, explica boa parte do desastre nas contas públicas. Além disso, a arrecadação foi afetada também por várias desonerações tributárias mal concebidas. O setor público perdeu arrecadação sem conseguir, em contrapartida, fazer a economia pegar no tranco. Ao mesmo tempo, a despesa do governo central, entre janeiro e setembro, foi 31,2% maior que a de um ano antes, enquanto o aumento da receita líquida ficou em 6,4%. A presidente precisará, no segundo mandato, cuidar do estrago fiscal produzido, sem nenhum ganho econômico, nos primeiros quatro anos.

Eleições colocaram PT em atrito com PMDB em 14 Estados

• Disputa pelos governos abalou relação entre aliados no Ceará, Rio, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Piauí

• Em Roraima, o senador Romero Jucá (PMDB) reclamou de que ele e o partido foram atacados pela campanha do PT

Diógenes Campanha, Daniel Carvalho – Folha de S. Paulo

As eleições para governador deixaram um saldo de conflitos entre PT e PMDB nos Estados. O rompimento de alianças e o acirramento da campanha levaram os pontos de atrito a 14 Estados.

A disputa abalou a relação entre petistas e peemedebistas no Ceará, no Espírito Santo, no Piauí, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte.

Há outros nove Estados (Acre, Amapá, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná, Roraima, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) em que a rivalidade já existia, mas, em alguns casos, só aumentou ao longo deste ano.

O desgosto do PMDB com o PT é encabeçado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves. Ele atribui sua derrota na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte ao ex-presidente Lula, que na campanha apoiou Robinson Faria (PSD), eleito no domingo (26).

Embora o deputado diga ter superado a questão, o primo dele, o ministro Garibaldi Alves Filho (Previdência), reconhece que o "ressentimento" pesou na derrubada pela Câmara, na última terça (29), do decreto da presidente Dilma Rousseff que criou os conselhos populares.

"A relação ficou tensa, e isso não vai se acalmar tão cedo", afirmou Garibaldi.

Em Roraima, o senador Romero Jucá (PMDB) reclamou que ele e o partido foram atacados pela campanha de Ângela Portela (PT). Rodrigo Jucá, filho do senador, era vice na chapa do governador Chico Rodrigues (PSB), que acabou derrotado por Suely Campos (PP). O PT apoiou a candidata no segundo turno.

Outro líder do PMDB insatisfeito é o senador Eunício Oliveira, derrotado por Camilo Santana (PT) na eleição para o governo do Ceará.

Aliado de Dilma, ele reclamou por ter enfrentado um candidato do partido da presidente e anunciou que fará oposição ao PT no Estado. Em 2010, Eunício elegeu-se senador em coligação com o PT.

Como no Ceará, PT e PMDB haviam disputado juntos as eleições de 2010 no Rio, no Piauí e no Espírito Santo, mas se enfrentaram em 2014.

No Rio, o rompimento partiu do PT, que lançou Lindbergh Farias contra o reeleito Luiz Fernando Pezão (PMDB). Resultado: parte do PMDB fez campanha para Aécio Neves.

No Piauí, o governador José Filho (PMDB) aliou-se ao PSDB para disputar a reeleição contra o senador Wellington Dias (PT), colega de palanque em 2010. O petista venceu no primeiro turno.

"O caminho natural é continuarmos adversários", diz o deputado Marcelo Castro, presidente do PMDB-PI.

No ES, o PT reclama de abandono. Seguindo orientação de Lula, o partido se preparou para apoiar Paulo Hartung (PMDB) para que Dilma tivesse palanque forte. O peemedebista, porém, aliou-se ao PSDB. O PT lançou candidato de última hora e teve só 6% dos votos. "No segundo turno todos os partidos, exceto PDT e PC do B, fizeram campanha aberta contra Dilma", diz o presidente do PT capixaba, João Coser.

PSB se divide no Nordeste sobre possível apoio a Dilma

• Ala liderada por Pernambuco defende que partido faça "oposição responsável"

• Já os líderes da legenda na Paraíba e na Bahia dizem que tradição progressista justifica realinhamento com PT

Daniel Carvalho, Patrícia Britto – Folha de S. Paulo

Após começar o ano como "terceira via" cotada a romper a polarização entre petistas e tucanos na disputa nacional, o PSB saiu da eleição no Nordeste dividido entre apoiar ou fazer oposição ao governo Dilma Rousseff.

Pernambuco, terra do ex-presidente do partido Eduardo Campos, lidera a ala que prega uma "oposição responsável". Defende que o partido mantenha "portas abertas para o diálogo" com todos, na expressão do prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB).

Acompanham essa intenção da ala pernambucana os diretórios de Piauí, Ceará, Maranhão, Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Norte.

"Pernambuco é um símbolo, e é onde o partido estava umbilicalmente ligado às oposições. A gente já parte com um sentimento muito forte de estar na oposição", afirma o ex-governador do Piauí, Wilson Martins (PSB).

O presidente do PSB-PE, Sileno Guedes, pondera que o "campo de luta" da sigla é de esquerda e que é preciso cuidado para "não comprometer a história do partido".

Do lado oposto está a Paraíba, que reelegeu Ricardo Coutinho (PSB) em aliança local com o PT, apesar do rompimento nacional.

O presidente do PSB-PB, Edvaldo Rosas, pressiona pelo "realinhamento" com Dilma e busca apoio de outros Estados para defender a proposta na Executiva Nacional.

"Vamos defender essa tese. A história do PSB, de Miguel Arraes e de Eduardo Campos sempre esteve nesse campo progressista", afirma.

Na Bahia, maior colégio eleitoral do Nordeste, o PSB apoiou Dilma no segundo turno e não quer ser oposição.

"O PSB que conheço, ao qual me filiei, tem mais identidade programática do que afastamento com o governo Dilma", diz a senadora Lídice da Mata, líder do PSB-BA.

Para ela, as bancadas no Congresso devem ser, no máximo, independentes. "Oposição, eu não vejo sentido."

O ex-presidente do partido Roberto Amaral também prega a reaproximação com o PT.

Após eleger Paulo Câmara com 68% dos votos, o PSB-PE manteve a influência na nova Executiva, que também defende a oposição moderada.

Na prática, a "oposição responsável" significa que o PSB não deve ser um antagonista como o PSDB. A atuação seria balizada com a formação de um novo bloco parlamentar com PPS, PV e SD.

Recém-eleito presidente do PSB, Carlos Siqueira minimiza dissidências. "Sinto que as pessoas querem chegar a uma posição que será consensual ou, no mínimo, de maioria muito grande".

Com a segunda maior bancada, PMDB se arma para derrubar PT na Câmara

• O partido do vice-presidente ameaça romper acordo e atrapalhar a governabilidade de Dilma no início do novo mandato. Eduardo Cunha lidera bloco divergente para presidir a Casa

Andre Shalders - Correio Braziliense

O PMDB se prepara para tirar o PT do comando da Câmara dos Deputados, mesmo sem ter a maior bancada da Casa. A eleição será apenas em fevereiro do ano que vem, mas já assombra os negociadores palacianos. Comandado por um parlamentar — Eduardo Cunha (RJ) — que liderou uma rebelião de 300 deputados este ano e adora alardear que chegou o momento de pôr um fim na hegemonia petista em Brasília, o embate tem tudo para atrapalhar a governabilidade no início do segundo mandato de Dilma Rousseff.

Além do orçamento bilionário — Câmara e Senado já gastaram juntos, em 2014 cerca de R$ 6,2 bilhões — os presidentes das Casas também definem quais projetos irão a votação, quais Comissões Parlamentar de Inquérito podem ser instaladas e conduzem as sessões, entre outros poderes. Tudo isso em um Congresso assustado pelas delações premiadas da Petrobras.

Na Câmara, o PMDB saiu na frente. Ao reconduzir o deputado Eduardo Cunha (RJ) para a liderança da bancada na quarta-feira, os peemedebistas lhe deram carta branca para montar um bloco em torno de sua candidatura, e as conversas estão avançando entre partidos da base como PR, PP e PTB. Os petistas, apesar da vitória presidencial obtida no último domingo, vêem uma possibilidade real de rompimento do acordo firmado com os peemedebistas em 2006, e que garantiu uma calma aparente no Congresso nos últimos oito anos.

Nesse cenário, o PSDB — que se manteve como a 3ª maior legenda e ampliou a bancada em 11 parlamentares na última eleição — pode acabar sendo o fiel da balança. Os tucanos não decidiram ainda se terão candidato próprio ou se participarão do bloco que está se articulando na oposição, reunindo legendas como o PPS, o Solidariedade e o PSB. Parlamentares de oposição ouvidos pela reportagem disseram que o bloco deve lançar um candidato próprio à presidência da Câmara — especula-se no atual líder do PSDB na Casa, Antonio Imbassahy (BA) — mesmo que numa “candidatura de protesto”, como definiu um deles. No ninho tucano, o apoio a Cunha também não está completamente descartado, já que ele é visto com simpatia por líderes oposicionistas.

Articulação do PT se esforça para retomar a paz com o PMDB

Paulo de Tarso Lyra - Correio Braziliense

Enquanto a presidente Dilma Rousseff quebra a cabeça para formar a nova equipe ministerial, os articuladores políticos do Planalto sofrem para tentar convencer o PMDB da Câmara a desistir de aprovar projetos que vão deteriorar ainda mais as contas públicas. As matérias, se aprovadas, causariam um rombo de R$ 67 bilhões no Orçamento.

Um dia depois de ser chamado para uma conversa com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-AL), reuniu-se com Ricardo Berzoini, ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI). Berzoini tenta aproveitar-se do bom relacionamento que tem com o PMDB, sobretudo com o vice-presidente Michel Temer, para tentar pacificar a situação. Quando assumiu a pasta, em fevereiro deste ano, Berzoini convidou o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ) — que comandou um bloco rebelde na Casa — para uma conversa no Planalto.

O clima entre o PMDB da Câmara e o Planalto desanuviou um pouco, mas a encrenca voltou redobrada durante as eleições. Cunha apoiou abertamente o tucano Aécio Neves e ajudou a financiar a campanha de peemedebistas em todo o Brasil para se cacifar à eleição para a presidência da Casa, em fevereiro do ano que vem. Já Henrique Eduardo Alves, que volta à Câmara derrotado na disputa pelo governo potiguar, queixa-se que perdeu porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez campanha para o vencedor, Robinson Faria (PSD).

38º Encontro Anual da ANPOCS homenageia professores e pesquisadores

Natasha Ramos

CAXAMBU (MG) - A abertura oficial do 38º Encontro Anual da ANPOCS, realizada ontem (27), no Hotel Glória, em Caxambu (MG), reuniu 800 pessoas para debater diversos assuntos em torno das ciências sociais. A organização do evento espera receber cerca de 1400 pessoas até o final do evento, na quinta-feira (30).

A mesa de abertura estava composta pela diretoria da ANPOCS -Gustavo Lins Ribeiro (UnB), Presidente; Cláudio Couto (FGV), Secretário Adjunto; Maria Filomena Gregori (UNICAMP), Secretária Executiva; e Marcos César Alvarez (USP), Diretor de Publicações- que prestaram contas à comunidade científica e agradecem a todos que, de alguma forma, contribuíram e contribuem com a ANPOCS.

Gustavo Lins Ribeiro falou sobre o trabalho realizado pela Associação e comentou que este é o último encontro realizado por esta diretoria. "Nos próximos dias, será eleita a nova diretoria que assumirá as atividades futuras da ANPOCS". Lins ainda desejou a todos os presentes um bom Encontro: "Tenho certeza que levarão aqui de Caxambu as melhores lembranças acadêmicas."

Prêmio Anpocs de Excelência Acadêmica
A cerimônia de entrega da segunda edição do “Prêmio Anpocs de Excelência Acadêmica” foi realizada em seguida à mesa de abertura. Dividida em três categorias, destinadas a reconhecer professores e pesquisadores por suas contribuições acadêmicas, o impacto de sua destacada produção intelectual e por seu trabalho institucional em prol das ciências sociais, o prêmio foi destinado aos seguintes nomes:

- Prêmio ANPOCS de Excelência Acadêmica Gilberto Velho em Antropologia: Eunice Durham (USP) e Ruben George Oliven (UFRGS).

“Excelência acadêmia sempre foi uma noção coletiva. Eu recebo esse prêmio assumindo que esse foi um trabalho coletivo. A excelência é uma orientação de conduta que adotamos durante a vida”, disse Eunice.

Ao receber o prêmio, Ruben também destacou o aspecto coletivo do trabalho: “Tudo que eu consegui fazer foi feito coletivamente, com a ajuda de amigos. É muito bom ver que ANPOCS é uma instituição que não só teve um passado importante durante a ditadura como ainda há muito por fazer.”

- Prêmio Anpocs de Excelência Acadêmica Gildo Marçal Brandão em Ciência Política: Fabio Wanderley Reis (UFMG) e Luiz Werneck Vianna (PUC-Rio).

“Estou honrado em receber o prêmio que leva o nome de Gildo Marçal Brandão”, disse sucintamente Fábio Wanderley.

“Eu não falo em pé, só falo sentado, pois de pé eu faço comício (risos), mas vou abrir uma exceção para a ANPOCS. Como cientistas sociais temos a intuição que algo muito ruim nos ronda, tal como apareceu agora essa divisão do país. É importante, neste momento, se pensar o futuro pós-eleições”, afirmou Werneck.

- Prêmio Anpocs de Excelência Acadêmica Antônio Flávio Pierucci em Sociologia: Eli Roque Diniz ( UFRJ) e Maria Arminda do Nascimento Arruda (USP).

“Quero agradecer aos meus pares e é preciso lembrar que a ANPOCS prestou enorme avanço e continua avançando no conhecimento em nossa área”, diz Eli Diniz.

“Recebo essa distinção dominada pelo sentimento de emoção”, afirmou Maria Arminda. E, seguida, discorreu sobre sua trajetória sobre o que a levou a escolher a área das ciências sociais.

Freire atribui rombo no Tesouro à incompetência de Dilma na condução da economia

Nadja Rocha

O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (PPS-SP), ao comentar os dados negativos do governo, disse, nesta sexta-feira, que o déficit no Tesouro é mais uma comprovação da incompetência da presidente Dilma Rousseff na condução da política econômica.

Em setembro passado, as despesas com pessoal, programas sociais, investimentos e custeio superaram a receita de R$ 20,4 bilhões, a maior dívida já contabilizada em um mês. O déficit no Tesouro é de R$ 15,7 bilhões, o maior desde o Plano Real.

Segundo Freire, a incompetência, “que é a marca do governo Dilma”, e a estratégia política do PT para ganhar a eleição, agora, começam a cobrar todos os efeitos. “Este é o resultado: o governo se endividando para pagar o custeio da máquina, déficit fiscal ampliado e a economia cada vez mais com números negativos. Agora, começam a aparecer os acertos de conta, os reajustes nos serviços públicos, que foram contidos estrategicamente pelo governo durante a campanha”, criticou.

O presidente do PPS disse que o rombo recorde no Tesouro “ já estava mais ou menos anunciado”, mas a sociedade só não tomou conhecimento porque o governo impediu a divulgação dos dados durante o período eleitoral. “Agora, temos a explicitação do desastre deste governo e do diabo que fizeram para ganhar as eleições”, reafirmou.

Embora dizendo que não quer fazer alarde, Roberto Freire disse que, pelo menos na economia, o novo governo Dilma pode não ser bom para os brasileiros. “Devemos estar preparados para os próximos anos vindouros”, alertou o parlamentar.

*Miguel Reale Júnior -Tempestade à frente

- O Estado de S. Paulo

Com diferença de 2% dos votos, Dilma Rousseff reelegeu-se, propondo união em seu discurso de candidata vencedora, o que é natural dizer tão logo obtida a magra vitória. Mas não foi bom sinal a falta de menção ao adversário portador de mais de 50 milhões de votos. A isso se somam o temperamento da reeleita, o processo eleitoral e de novo a ideia de plebiscito, fatores indicativos de como será difícil a propalada união.

Grande parte da sociedade votou em Aécio Neves, e também contra Dilma em repúdio ao PT, cujo tom na campanha aumentou sua taxa de rejeição em três regiões do País. Esse sentimento, prevalecente em metade do Brasil, só cresceu em face do modo desabusado do PT na desconstrução dos adversários Marina Silva e Aécio. Ficaram marcas que uma conversa de fim de festa não tem o condão de apagar.

Para avaliar a desfaçatez basta lembrar que, após Dilma ter sido agressiva com Marina em debate televisivo, esta se queixou chorosamente no carro, ao sair do programa, da violência com que fora tratada, sendo tal fato relatado pela imprensa. Dilma comentou a sensibilidade da adversária considerando-a pessoa fraca, pois, a seu ver, presidente precisa saber enfrentar percalços todos os dias, sem choro.

Em debate, no segundo turno, no SBT, a candidata Dilma, após fazer a Aécio uma acusação inverídica, recebeu, em retorsão, o comentário de estar sendo leviana. Tal foi o suficiente para se transformar a fortaleza Dilma, mulher forte para os percalços diários da Presidência, numa mulher frágil, mãe e avó, nos dizeres do propagandista Lula, sendo Aécio apresentado continuamente como homem agressivo com as mulheres. Lula, em seu histrionismo, chegou a tratar a disputa presidencial como briga de rua, indagando se Aécio teria o mesmo comportamento diante de um homem.

Importa registrar a forma como se fez a dedução da contundência de Aécio, extraída de termo normal em debate franco - "leviana" -, utilizado por Lula em debates anteriores, para se concluir que seria homem agressivo em face de uma frágil avó e, logo, também violento com os pobres.

De outra parte, o anúncio aos mais pobres de corte dos benefícios sociais, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, foi outra falsidade largamente espalhada à boca pequena. Esse vale-tudo mostra o que pode ser o futuro exercício do poder.

Os dias a vir apresentarão fortes conturbações no campo da economia, com inflação e estagnação, já se reconhecendo no próprio governo o estado de recessão técnica. Dados do Ipea, maliciosamente não divulgados antes das eleições, serão publicados com um retrato real de nossa situação social e econômica, sem as maquiagens dos marqueteiros da rainha. Mas, além do quadro econômico, há uma crise política à frente.

O PT, Dilma e Lula abriram baterias contra a revista Veja por ter publicado parte do depoimento do doleiro Alberto Youssef. Importante, todavia, é o conteúdo do que foi revelado nos depoimentos do doleiro, tão ou mais gravemente retratados pelos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo da véspera da eleição, dia 25 de outubro.

Em matéria de autoria do jornalista Mário César Carvalho afirma a Folha: "O doleiro Alberto Youssef disse em sua delação premiada que soube que o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve conhecimento do esquema de propina na Petrobrás após a eclosão da crise do mensalão, em 2005". O delator conta também, segundo noticia a Folha, ter sido procurado pelo presidente do PP à época, José Janene, para discutir como acalmar os deputados do partido, descontentes com a perda do financiamento ilícito que recebiam via mensalão.

Frisa a Folha ter o doleiro dito que a presidente Dilma Rousseff tinha conhecimento do esquema de desvios de recursos e completa: "As citações a Dilma e a Lula foram reveladas pela 'Veja', mas duas pessoas que acompanham a investigação confirmaram à Folha que Youssef mencionou a atual e o ex-presidente em depoimento".

Por sua vez, o Estado de dia 25, em matéria assinada pelos jornalistas Ricardo Brandt e Fausto Macedo, traz a lume a grave acusação de ter o doleiro Alberto Youssef afirmado, na delação premiada, que o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva teria dado ordem em 2010 ao então presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, para que resolvesse pendência com agência de publicidade suspeita de integrar o esquema de corrupção na Petrobrás. Em continuação, a notícia do Estado explicita: "Youssef afirmou que, depois da suposta ordem, Gabrielli teria acionado o então diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, outro personagem central do caso, e pedido para que ele usasse 'o dinheiro das empreiteiras e passasse para a agência'".

Essas indicações do doleiro, dadas a conhecimento não pela considerada arqui-inimiga Veja, mas por dois jornais que confirmam a matéria da revista, não foram acompanhadas de provas, mas o Ministério Público e a Polícia Federal deverão prosseguir nas investigações. Essa questão grave, com certeza, será objeto de averiguação também pela oposição liderada por Aécio Neves, um candidato à Presidência com mais de 50 milhões de votos. Os tempos próximos são tempestuosos.

A vitória nas eleições não representa uma absolvição antecipada com relação aos comportamentos atribuídos a Dilma e a Lula, sujeitos ainda a comprovação, é certo, mas que não podem ser considerados inexistentes em razão da conquista eleitoral.

Não se deve fustigar a continuidade da disputa eleitoral, mas é inafastável o clima deixado pela forma como o PT realizou a desconstrução dos "inimigos". Por outro lado, a apuração mais profunda dos fatos trazidos pela delação do doleiro só tornará mais aguda a crise da República.

É esse o quadro preocupante que se apresenta a nossos olhos e desafia nossa prudência.

*Advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

Merval Pereira - Golpismos

- O Globo

Acho que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) agiu corretamente ao recusar o pedido de auditoria do sistema eleitoral feito pelo setor jurídico do PSDB, pois não há nenhum motivo realmente grave para que se duvide do resultado das urnas.

Mesmo afirmando que não contestavam a legitimidade da eleição da presidente Dilma, os tucanos fizeram um gesto político sem maiores conseqüências. Daí a chamar de golpismo vai uma diferença muito grande, que também se deve levar na conta de uma resposta política do PT. Chumbo trocado.

A diferença é que o PT passa a experimentar agora uma oposição atuando no mesmo diapasão que ele sempre usou, cometendo até mesmo exageros semelhantes aos que o PT já cometeu, embora sem o aval da direção nacional do partido.

O candidato derrotado Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, foi o primeiro a reconhecer a vitória de Dilma, e teve a gentileza de lhe telefonar desejando sorte na difícil tarefa de unir o país, no que não foi seguido pela presidente reeleita, que não se lembrou de citá-lo em sua fala da vitória.

Mas há movimentos sendo marcados pelo país pedindo o impeachment de Dilma, o que mostra uma militância tucana disposta a não dar trégua ao futuro governo, repetindo o mesmo erro já cometido pelo PT. Até o momento não há motivo para um pedido de impeachment de Dilma, apenas a indicação, a ser comprovada, pelo doleiro Yousseff de sua participação e do ex-presidente Lula nos escândalos da Petrobras.

Quando escrevi, analisando as denúncias reveladas pela revista Veja e depois reafirmadas pelos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, que, caso fossem comprovadas, elas gerariam uma crise institucional grave podendo ensejar o pedido de impeachment da presidente, o candidato derrotado ao governo do Rio Grande do Sul Tarso Genro citou minha coluna como exemplo do “golpismo” contra a presidente Dilma que ele detectava na campanha eleitoral.

Logo ele, que no dia 19 de janeiro de 1999 escreveu um artigo na Folha de S. Paulo cobrando a renúncia de Fernando Henrique Cardoso, que assumira há 19 dias o seu segundo mandato. Tarso, em nome do PT, exigiu a saída de FHC do poder e a convocação de uma Constituinte, falando em lucros exagerados dos bancos graças a “informações privilegiadas” que teriam sido vazadas pelo governo.

O PT lançou o grito de guerra “Fora, FHC”, patrocinando manifestações na Esplanada dos Ministérios. Mais tarde, já em 2001 Genro voltou a exigir a renúncia do presidente “se tivesse dignidade”, “em face da falta de legitimidade de um mandato construído por estelionato eleitoral”.

Na campanha presidencial de 2010, governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro afirmava estar havendo "uma campanha de golpismo político só semelhante aos eventos que ocorreram em 1964 para preparar as ofensivas" contra o governo estabelecido. Como sempre culpava a imprensa pelo “golpismo” que denunciava.

Segundo ele, referindo-se ao candidato do PSDB José Serra, que se aproximava de Dilma nas pesquisas, a situação poderia "redundar em uma eleição ilegítima", na qual um candidato quer se eleger "com base na mentira, na inverdade, na calúnia e na difamação". Qualquer semelhança com a campanha de 2014 do PT é mera coincidência.

Como se vê, “golpismo” é uma palavra fácil na boca de líderes petistas, e serve para todas as ocasiões em que o partido está sendo confrontado. O ex-presidente Lula saiu-se com essa quando se falou em impeachment da presidente Dilma caso as denúncias do doleiro Yousseff sejam comprovadas: “Quem se elege, governa”.

Nem sempre, se depender do PT, como se viu nos exemplos anteriores. E não foi diferente em 1989, quando Fernando Collor, hoje aliado, derrotou-o nas urnas. O PT passou a comandar a oposição ao novo governo a partir do primeiro dia, e a campanha culminou no impeachment de Collor.

Naquela ocasião, por acaso, o PT estava do lado certo e se utilizou do que hoje chama de “mídia golpista” para divulgar seguidas informações contra o governo eleito nas urnas. Quem ganhou não governou muito tempo, destituído pelo Congresso num processo político comandado pelo PT. Que continuou na oposição no governo de união nacional de Itamar Franco.

Fernando Rodrigues - Corrupção

- Folha de S. Paulo

Corrupção nunca acaba. Pode e deve ser combatida. Mas onde houver dinheiro e interesses, públicos e privados, sempre haverá algum tipo de roubalheira.

Em todos os anos pares (aqueles em que há eleição, como este de 2014), os brasileiros ficamos com a impressão de que a corrupção aumenta de forma exponencial. Tenho dúvidas a respeito dessa percepção.

É impossível medir se há hoje mais ou menos corrupção do que nos anos 1990. As instituições eram diferentes. Outro erro é idolatrar o período da ditadura militar (1964-1985) ou anteriores. Volta e meia nas redes sociais alguém diz que alguns generais morreram pobres, o que não prova nada. À época, centenas de empresas ganharam dinheiro fácil com a proteção indecente do mercado para a produção nacional incompetente, como na área de informática.

Durante a fase final da corrida presidencial, Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) ficaram a um milímetro de se acusarem mutuamente de ladrões. Acho ótimo que petistas e tucanos duelem a respeito de quem foi mais ou menos leniente no governo com atos de corrupção.

É bom o assunto não sair de cena. Nada a ver com o udenismo regressivo do passado. Trata-se apenas de martelar o conceito de que o patrimônio público deve ser preservado para o bem comum dos cidadãos.

Nesta semana o Conselho Nacional de Justiça publicou uma compilação sobre processos de corrupção (improbidade e crimes contra a administração pública) que tiveram início até dezembro de 2012 e estavam ainda sem julgamento. Eram 86.418 processos nas Justiças estaduais. Até julho deste ano, 30.911 foram julgados. Houve 6.107 condenações. É pouco ou muito? Não se sabe, pois o levantamento nunca havia sido realizado antes --o que já é um sinal de que as coisas estão melhorando.

Esse é o problema do Brasil. O rumo parece correto, mas falta muito a percorrer e o progresso é lentíssimo.

Cristovam Buarque - Emancipação da política

• Por causa do elevado custo, a política está prisioneira do sistema de financiamento

- O Globo

O Brasil chega a 200 anos de sua emancipação política sem conseguir fazer a emancipação de sua política.

Nossa política está prisioneira do elevadíssimo custo de campanha, que amarra a eleição à disponibilidade de recursos financeiros. Conforme o TSE, em 2014 foram gastos cerca de R$ 74 bilhões por 25 mil candidatos. Para 1.689 eleitos, o custo foi de cerca de R$ 3 milhões por candidato, R$ 43,8 milhões por eleito, mais de R$ 500 por eleitor.

Por causa deste elevado custo, a política está prisioneira do sistema de financiamento. O candidato precisa ter acesso a fontes que amarram os eleitos, comprometendo-os com os interesses dos financiadores.

A terceira amarra são os institutos de pesquisas e os marqueteiros. Os primeiros dizem o que o candidato deve falar; os outros, como falar, qual a mídia a ser utilizada, a mentira a ser construída. Os institutos também amarram os eleitores ao apresentar resultados que indicam vencedores antes da data.

Esta eleição mostrou que estamos prisioneiros da mitologia de que alguns são de esquerda e outros de direita, quando na realidade as coligações e os partidos são todos igualmente desideologizados.

Uma quinta prisão são os programas assistenciais que amarram os votos de seus beneficiários aos candidatos que conseguem se apropriar da paternidade do programa e dá garantia de que ele será mantido. O assistencialismo amarra os opositores ao risco de que, se eleitos, paralisarão o programa, e aos situacionistas porque se transformam em partidos que dependem da continuação da miséria para conseguirem os votos que precisam. A emancipação dos pobres emanciparia a política, desmoralizando os donos dos programas assistencialistas.

Sexta prisão é o silêncio dos intelectuais, paralisados na reverência ao poder, incapazes de oferecer alternativas que sirvam de base a propostas de reformas sociais que, ao emancipar o povo, emanciparia a política.

Sétima amarra é a cooptação, por compra de agentes políticos, como no caso do mensalão, ou por financiamento e beneficiamento a ONGs, sindicatos e associações.

A oitava prisão é o aparelhamento do Estado pelo partido no poder. Pela tradição de tratar o Estado como propriedade das elites no poder, cada vez que muda o governo costuma-se nomear dezenas de milhares de pessoas para empregos públicos, aprisionando a política à necessidade de sobrevivência dos servidores empregados, dependentes da continuidade.

Se quisermos emancipar a política, antes do segundo centenário da emancipação política, serão necessárias duas ações. A primeira é uma revolução educacional que permita emancipar o povo de dependência de auxílios, para que o eleitor possa votar sem dever favor ao partido no poder. A segunda é uma reforma radical na maneira como a política é feita, derrubando cada uma das amarras. A primeira depende de tempo, a segunda da vontade dos eleitos amarrados. Por isso, dificilmente haverá tempo para emancipar a política antes do bicentenário da emancipação política.

Cristovam Buarque é senador (PT-DF)

Claudia Safatle - Segundo mandato começa com mais aperto

• Dilma precisa recuperar confiança para o país crescer

- Valor Econômico

Começou o aperto na economia. Ao retomar o ciclo de aumento da taxa de juros (Selic), interrompido há seis meses, o Comitê de Política Monetária (Copom) deu início, na quarta feira, ao programa de ajuste para 2015. A decisão, porém, não foi fruto de uma ampla articulação do novo governo. Ao contrário, ela surpreendeu a todos inclusive no Palácio do Planalto. O próximo passo para a correção de rumos deve contemplar um rearranjo fiscal "violentíssimo", segundo indicou uma qualificada fonte oficial ao Valor, ontem.

Reeleita por mais quatro anos, Dilma Rousseff sai em busca de credibilidade. Além de ter que cortar os gastos públicos que, na avaliação técnica, dificilmente poupará os investimentos, o governo vai elevar impostos. Uma das primeiras medidas deve ser o aumento da alíquota da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), zerada há dois anos, e que requer noventena.

Arrumar a casa e impor austeridade fiscal e monetária, atitude descartada pela presidente durante toda a campanha eleitoral, volta à agenda do segundo mandato de Dilma Rousseff como pré-requisito para tirar a atividade econômica da paralisia em que se encontra. Sem credibilidade seu governo não conseguirá a retomada do crescimento.

O aperto monetário pretende controlar a inflação depois que a taxa de câmbio teve desvalorização de 10% depois de 3 de setembro. Em 12 meses, o novo patamar do câmbio representa 0,5 ponto percentual a mais na inflação. "O mundo mudou de setembro para cá", disse uma fonte oficial, ao explicar a inesperada elevação da taxa Selic de 11% ao ano para 11,25% ao ano. O Federal Reserve encerrou o programa de compra de ativos e a normalização da política monetária nos EUA vai valorizar o dólar frente às demais moedas. Há, portanto, um ajuste de preços relativos em curso que se traduzirá, também, em aumentos de preços defasados internamente, como o dos combustíveis. 

Mesmo que não haja mais uma defasagem de preços internos em relação aos internacionais do petróleo, agora, a ideia de quem advoga o reajuste da gasolina e do diesel é dar uma folga de caixa para a estatal.

O aumento dos juros era esperado pelo mercado para a próxima reunião do Copom, nos dias 2 e 3 de dezembro, e não para anteontem, a apenas 72 horas da eleição que reelegeu Dilma Rousseff. Na visão do BC, contudo, não era possível esperar.

As mensagens que foram dadas pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, em entrevista em Washington no dia 11, e as declarações do diretor Carlos Hamilton quando da divulgação do Relatório de Inflação, no dia 30 de setembro, teriam sido reveladoras do senso de urgência, argumentam fontes.

Além do aperto monetário a decisão do Copom traz outras implicações menos evidentes, mas relevantes. Uma delas diz respeito à blindagem da atual diretoria do Banco Central. Não é segredo que o Palácio do Planalto gostaria de ver trocado pelo menos um diretor do BC. Agora, em meio a um processo de elevação dos juros, ficou muito mais difícil, embora nem todos da diretoria atual do BC queiram permanecer no cargo. Há quem pense em se aposentar e quem queira tomar outro destino.

Pelas decisões e sinais emitidos nos últimos dois dias, há uma aparente virada ortodoxa a conferir. O Copom subiu os juros e o governo acena com um forte ajuste fiscal para 2015. Não é possível estabelecer uma meta de superávit primário para o ano que vem, no entanto, sem saber qual vai ser o resultado deste ano.

Na avaliação técnica, sem qualquer "pedalada" (adiamento do gasto), o governo consegue superávit primário zero. Com eventuais adiamentos pode-se chegar a um saldo de 0,5% do PIB ou um pouquinho mais.

Sobre a execução deste ano o governo poderá adicionar mais 1% do PIB a título de meta primária para o próximo exercício. Por esse raciocínio, se 2014 fechar em equilíbrio a meta para 2015 será de 1% do PIB de saldo primário.

Mais importante do que fazer um esforço "violento" de ajuste em 2015 é traçar um programa com metas plurianuais crescentes e, com medidas estruturais, recuperar a capacidade do setor público produzir superávits. Isso implicaria não postergar mais a reforma da previdência, redefinir as regras de acesso ao abono salarial, ao seguro-desemprego e às pensões por morte, ampliar substancialmente o programa de concessões e renegociar os reajustes do funcionalismo público, dentre outras medidas.

Para limitar o crescimento anual da despesa total há quem defenda a aprovação de uma lei nos moldes da que o governo enviou ao Congresso em 2007, que fixava um teto para o aumento da folha de salários da União.

De pouco adianta fazer um superávit primário vigoroso em um ano, tal como ocorreu em 2011, e, como em 2012, afrouxar todos os instrumentos de política econômica em nome de uma "nova matriz" que deu com os burros n'água. Para obter ganho de confiança, é importante o novo governo anunciar metas de superávit que pretende perseguir até o fim do mandato em 2018.

Há uma grande preocupação no área econômica com o risco de o país perder o grau de investimento concedido pelas agências de rating em 2008, durante o governo Lula. O foco do titular da pasta da Fazenda deverá ser o de evitar que isso ocorra. Nesse sentido, mesmo que o próximo ministro da Fazenda tenha a missão desgastante de segurar o gasto público nos dois primeiros anos de governo e, depois, seja substituído, ele terá cumprido uma tarefa crucial.

Eleitores menos atentos podem considerar que essas medidas se configuram um estelionato eleitoral. São providências que a candidata à reeleição, presidente Dilma Rousseff, disse que quem as tomaria seria o seu adversário, Aécio Neves.

Foi com um discurso aterrorizante sobre o destino dos juros e dos gastos públicos e seus efeitos perversos sobre o emprego que Dilma atacou o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga indicado para o Ministério da Fazenda caso Aécio vencesse as eleições. Mas, como dizem no governo, aquilo era para ganhar a eleição. Agora a história é outra.

Miriam Leitão - A verdade é teimosa

- O Globo

Foi só fechar as urnas e o que era negado passou a ser anunciado. Ontem foi o dia de o governo comunicar as contas públicas de setembro. Todos sabiam que os dados seriam ruins e que a divulgação estava sendo adiada. A verdade foi pior do que os cálculos: pelo quinto mês, o resultado é negativo. No ano, o país tem déficit primário, e o governo vai pedir ao Congresso licença para não cumprir a lei orçamentária.

A presidente Dilma disse enfaticamente que o país não precisava de ajuste fiscal. Mas tudo isso pertence ao mundo que acabou no domingo. As urnas marcam a fronteira entre a fantasia e os fatos. O que o governo disse antes do fechamento da votação está sendo demolido em bases diárias. Quem acreditou no governo tem razões para o desapontamento; quem avaliava com objetividade os dados econômicos sabia da realidade.

Não é surpresa que as contas públicas em setembro seriam ruins, mas poucos podiam imaginar um rombo de R$ 20 bilhões, o déficit no governo central. No setor público consolidado, o buraco é de R$ 25 bilhões. O déficit primário no ano chegou a R$ 15 bilhões; a meta para 2014 era economizar R$ 80,8 bilhões. O secretário do Tesouro Arno Augustin, sabedor de que nada tão grande pode sair da sua sempre frutífera cartola, admitiu que o governo pedirá ao Congresso autorização para descumprir a lei orçamentária.

A alta dos juros foi outra das medidas que o choque de realidade começa a apresentar. Um país cuja inflação está acima do teto da meta precisa mesmo fazer algo. Ajuste fiscal ou aperto monetário, ou ambos. Quando Marina Silva e Aécio Neves falavam disso, a presidente Dilma fulminava tudo dizendo que era preciso traduzir o que isso significava. Os insertes publicitários faziam o resto do trabalho.

Agora se prepara o aumento da gasolina que, pelo menos, teve a vantagem de não ser negado. O ministro Guido Mantega disse várias vezes que o preço sobe todo ano e não seria diferente em 2014. A única mudança foi a data, marcada para depois das urnas.

Fala-se da volta da Cide. O imposto dos combustíveis arrecadaria, se estivesse sendo cobrado, perto de R$ 10 bilhões anuais. Esse dinheiro seria destinado a investimento em infraestrutura de transportes. É esse valor que o governo abre mão para incentivar o uso dos combustíveis fósseis. A renúncia fiscal produz efeitos colaterais: aumenta a poluição, desorganiza o setor de etanol e piora a conta petróleo do comércio exterior, que no ano passado teve um déficit de US$ 20 bilhões. Em resumo, é uma péssima medida. O Brasil precisa de redução da carga tributária, mas retirar ou reduzir impostos tem que obedecer a um projeto. Aumentar o consumo de gasolina não é objetivo que se busque.

Há outras verdades inconvenientes esperando a sua vez para serem anunciadas. O aumento do desmatamento da Amazônia nos últimos meses é um exemplo. Outro é a crise energética, antes de tudo o mais vasto e perigoso desequilíbrio financeiro nas empresas do setor. A Conta de Desenvolvimento Energético acumula um rombo de R$ 8 bi. As distribuidoras têm uma dívida de R$ 28 bi para passar ao consumidor nos próximos três anos. As geradoras apresentam um buraco ainda não medido e não têm para quem passar. Tudo isso foi alertado por analistas e negado pelo governo.


A verdade é teimosa. Ela pode ser escondida temporariamente, mas aparece sempre. O que deve ser discutido são os limites éticos de um governo disputando reeleição. Até que ponto os órgãos públicos podem escamotear, esconder ou adiar as verdades que os eleitores e contribuintes têm o direito de saber? Isso poderia não alterar o voto, mas certamente elevaria a qualidade da democracia.

*Rolf Kuntz - O estouro da bolha da incompetência

- O Estado de S. Paulo

Seis anos depois do estouro da bolha financeira no mundo rico, explode no Brasil a bolha da incompetência e do populismo. O novo aumento de juros e a promessa de um esforço fiscal maior no próximo ano são um reconhecimento, pelo menos implícito, dos estragos produzidos em quatro anos de erros, de remendos mal feitos e de um espantoso "modelo" de expansão do consumo sem aumento da produção.

Quem anunciou o esforço fiscal maior foi o quase ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, pouco antes de conhecido o o balanço das contas públicas até setembro. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, voltou a prometer resultados melhores no mês seguinte. Qualquer promessa desse tipo, nesta altura, soa como piada. Para alcançar o superávit primário de R$ 80,8 bilhões fixado para o governo central, neste ano, seria preciso obter no último trimestre um saldo de R$ 96,5 bilhões, pelas contas do Tesouro, ou R$ 100,27 bilhões, pelo critério do Banco Central (BC). Sem mistério: no relatório do Tesouro, o governo central teve um déficit primário de R$ 15,7 bilhões em nove meses; no do BC, o buraco chegou a R$ 19,47 bilhões. Pelo segundo critério, leva-se em conta a necessidade de financiamento.

Neste ano, pelo menos até setembro, fracassou até a encenação de um superávit primário anabolizado com dividendos, bônus de concessões e prestações de tributos em atraso. O governo acaba de conseguir do Congresso Nacional mais uma reabertura do Refis, o programa de parcelamento de dívidas tributárias. A anterior, encerrada em 25 de agosto, proporcionou menos dinheiro que o esperado. Mas esse tipo de manobra, já muito usado, produz sempre alguma receita por um prazo curto e é condenado mesmo no governo como um incentivo à sonegação. Afinal, se é sempre possível apostar num novo Refis, impor um calote ao Tesouro pode ser bom negócio.

Mas o déficit primário acumulado em nove meses chama a atenção para um dado muito mais importante, a longo prazo, e tomado como guia da política fiscal em países com melhores tradições de governo. A administração pública tem de produzir superávits primários para cobrir os juros e amortizações devidos pelo Tesouro. No fim, o número realmente importante é o resultado nominal, isto é, o saldo geral das contas públicas, incluídos os pagamentos de juros e amortizações. O desastre fiscal no mundo rico, a partir da crise iniciada em 2008, foi sempre medido com base nesse conceito.

Por esse critério, o Brasil já estava em pior situação que muitos países desenvolvidos, no ano passado, e a comparação se tornou ainda mais desfavorável em 2014. Nos 12 meses até setembro o déficit nominal do setor público brasileiro chegou a 4,92% do produto interno bruto (PIB). Na zona do euro, a média dos déficits deve ficar em 2,9% neste ano, segundo projeção publicada em outubro pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apesar disso, a presidente Dilma Rousseff ainda insistia, até há pouco tempo, em apontar a situação fiscal do Brasil como muito melhor que a da maior parte dos países desenvolvidos. Talvez ainda insista. Afinal, seu nível de informação é, na melhor hipótese, tão bom quanto o de seus assessores econômicos. Além do mais, ela e seus auxiliares sempre poderão, em último caso, apontar o endividamento público das economias avançadas, muito maior que o do Brasil. Mas qualquer argumento desse tipo se esfarela quando se comparam as notas de crédito soberano daquelas economias e as do Brasil.

A diferença reflete-se na distância entre os juros pagos pelos governos para vender ou rolar seus títulos. Os custos enfrentados pelo Tesouro brasileiro são muito maiores. A desvantagem do Brasil no mercado financeiro poderá aumentar, nos próximos dois anos, se o governo for incapaz de reforçar sua credibilidade. Dirigentes de agências de classificação de risco têm transmitido recados muito claros nos últimos dias. Têm chamado a atenção tanto para o mau estado das contas públicas quanto para o baixo crescimento econômico.

Uma piora da classificação poderá ser especialmente danosa numa fase de aperto nos mercados. O Federal Reserve, o banco central americano, anunciou o fim de sua política de incentivos monetários à recuperação da economia dos Estados Unidos. Isso representará o fim de grandes emissões de dinheiro para facilitar o crédito. O próximo grande passo deve ser uma elevação dos juros básicos americanos. A data ainda é desconhecida, mas quem tiver juízo tratará de se preparar para condições mais difíceis de financiamento internacional.

Um aumento dos juros básicos no Brasil pode ser uma resposta a esse aperto progressivo do mercado financeiro externo. Afinal, um dos efeitos prováveis da mudança nas condições internacionais será um desvio de capitais para os Estados Unidos ou, de modo geral, para destinos mais seguros. Mas o Banco Central brasileiro tem um forte motivo interno para retomar a alta de juros. A elevação de 11% para 11,25%, anunciada na quarta-feira, pode ser o primeiro passo de um ajuste.

A inflação seguiu o rumo previsto por muitos economistas desde o primeiro semestre. Perdeu impulso na primeira metade do ano e em seguida voltou a subir vigorosamente, alimentada principalmente por distorções da economia nacional - desajuste das contas públicas, crédito ainda em expansão, aumentos salariais superiores aos ganhos de produtividade e capacidade de oferta industrial muito limitada. A inflação brasileira, o baixo ritmo de atividade, o desastre das contas públicas e a piora das contas externas - com déficit comercial de US$ 1,88 bilhão, no ano, até 26 de outubro - refletem o mesmo conjunto de erros da política econômica. O tal modelo de crescimento proclamado como grande inovação nos últimos anos produziu - muito mais que um fracasso - um desastre de dimensões incomuns. O desastre ficará muito maior se a presidente Dilma Rousseff tiver ignorado também essa lição.

*Jornalista

José Castello - Graciliano, o turrão

- O Globo

No ano de 1941, o repórter Paulo de Albuquerque, de A Gazeta, oferece a Graciliano Ramos a pergunta clássica: “Como se faz um romance?”. A resposta o desarma: “Mas eu ainda não escrevi nenhum romance”. Àquela altura, Gracilano (1892-1953) já tinha publicado três romances: "Caetés", de 1933, "São Bernardo", de 1934, e "Angústia", de 1936. Surpreso, o jornalista lhe refresca a memória. “Mas não são romances. São borracheiras”, Graciliano insiste.

Severo na avaliação de seu trabalho, que considera simples tolices, Graciliano diz a respeito de São Bernardo: “É menos ruim que Caetés, mas não chega a ser um romance”. Quanto a "Angústia", admite que só levou o projeto do livro até o fim para atender aos pedidos insistentes da amiga Rachel de Queiroz, “que me amolava todo dia para que eu continuasse”. Não fosse isso, assegura, Angústia _ que se originou de um conto _ “até hoje estaria atirado de lado”.

Os depoimentos estão em "Conversas/ Graciliano Ramos", livro organizado por Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla (Record). Reveladora coletânea que chega ao mercado acompanhada de "Graciliano Ramos/ Biografia ilustrada", de Selma Caetano (mesma editora). As opiniões severas do escritor a respeito de seus próprios livros _ que até hoje nos incomodam e espantam _ correspondem a suas teses a respeito do fazer literário. Como esta, relembrada por Selma em seu livro: “Quem escreve deve ter todo o cuidado para a coisa não sair molhada.

Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias”. Faz uso, então, de uma imagem trivial: “É como pano lavado que se estira no varal. Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício”.

Por que as avaliações impiedosas que Graciliano faz a respeito do próprio trabalho nos surpreendem? A resposta é simples: elas contrastam com um ambiente literário _ o contemporâneo _ em que a vaidade e o auto-elogio se disseminam. Os escritores se tornaram celebridades. Astros da cultura pop. Já Graciliano desprezava o culto da própria imagem. Ele renega também, com veemência, o rótulo de modernista _ que alguns, ainda hoje, ostentam como uma comenda. “Não fui modernista, nem sou pós-moderno. Sou apenas um romancista de quinta ordem”.

O aparente desdém pela própria obra esconde, contudo, um segundo sentimento, ainda mais forte: o de que a literatura não é superior a nada que seja humano. Para Graciliano, a vida vem sempre em primeiro lugar. Por isso também desdenha os gramáticos, profissionais da organização e da domesticação da língua, que ele considera puro improviso e mutação. “Será preciso outro movimento modernista contra os gramáticos”, diz em entrevista a Osório Nunes, do jornal literário Dom Casmurro.

À Folha da Manhã, anos depois, ele insiste: “Não me considero um escritor”. Acredita que ainda viveria nos sertões das Alagoas se não o trouxessem, preso, para o sul.

Mais uma vez, é inflexível _ quase cruel _ consigo mesmo: “Não gosto de nenhum de meus livros”. É, antes de tudo, um homem seco. Define-se: “Não tenho saudades de nada. Não tenho predileções por nenhum prato. Odeio esportes. Não gosto de praias. Detesto viagens”. Vê-se, mais, como um caramujo, satisfeito com a própria concha. Diante da agitação do mundo, e embora defenda (e exercite) o engajamento político, prega a imobilidade pessoal. “Vivo bem onde estou. O que não quero é mudar-me”. Não fosse a prisão, ainda estaria em Alagoas. “Sim, vim preso num porão de navio, sem pagar passagem”, ironiza.

Enfatiza, sempre, sua indiferença pela carreira de escritor. “Até hoje não me considero escritor nem jornalista. Fui obrigado a escrever porque não tinha outro ofício. Todas as portas estavam fechadas. Gostaria de viver sem trabalhar como muita gente”. Páginas à frente, José Tavares de Miranda, da Folha da Manhã, reúne _ no ano de 1951 _ novas impressões sobre o escritor. Recorda, então, os tempos de Graciliano em Palmeira dos Índios, quando “escrevia também romances, mas os queimou todos”. Certa vez, confrontado com sua fama de incendiário, o escritor, em vez de defender-se, foi mais longe: “Também Caetés deveria ter sido queimado”. Comenta o cronista, com razão, que, quando afirma não gostar de nenhum de seus romances, Graciliano o diz sinceramente e porque acredita nisso. “Nele não percebemos a falsa modéstia dos medíocres”.

Suspeitava das diabruras gramaticais praticadas pelos modernistas. “Quando eu cometer um erro, podem considerar que o cometi por burrice”. Mas seu alvo preferido é ele mesmo. Ainda em 1951, em longa conversa com Miécio Tati, da revista Temário _ vinculada ao Partido Comunista do Brasil _, Graciliano volta à carga: “Nunca estudei, sou ignorante e julgo que meus escritos não prestam”. Um pouco à frente, sem nenhuma precaução, prossegue: “Escrevo, invento mentiras sem dificuldades. Mas as minhas mãos são fracas e nunca realizo o que imagino”.

Quando Tati realça o valor inegável de seus romances, ele reage com veemência: “Qual nada! A linguagem escrita é uma safadeza que vocês inventaram para enganar a humanidade”. E, mais uma vez, luta para se definir:

“Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora?” Reconhece seu incômodo com as entrevistas. “A idéia é desagradável de explicar-se aos outros sobre coisas que só são interessantes para nós”. Argumenta o repórter que é exatamente disso que as pessoas gostam de saber. Por exemplo, como um escritor incorpora a realidade a seus livros. É ríspido com seu próprio método de trabalho: “Extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço”.

Além de um grande escritor, Graciliano Ramos foi _ isso se evidencia, em definitivo, em Conversas _ um homem transparente, que critica a si mesmo, sem pudores e sem afetação. Nos tempos do marketing, dos selfies e das embalagens, quando o Eu se embeleza e se ostenta, torna-se um turrão exemplar. Com quem temos agora a chance dupla de nos reencontrar.

(Texto publicado no suplemento "Prosa" de O GLOBO no sábado 01-11-2014)