sexta-feira, 2 de agosto de 2013

OPINIÃO DO DIA – Roberto Freire: sem rumo

Em menos de dois meses, três propostas do governo são abandonadas. É um governo que não planeja nem o que propõe, um governo da propaganda e da má propaganda. Essas idas e vindas jogam por terra qualquer ideia de que existe um comando, uma análise séria.

Roberto Freire, deputado federal e presidente nacional do PPS. In Portal do PPS, 1/8/2013

Cai a confiança na Presidência

Pesquisa índice de Confiança Social feita anualmente pelo Ibope desde 2009 mostra que as 18 principais instituições do País perderam boa parte da confiança dos brasileiros após os protestos de junho. O índice caiu de 54 para 47. A maior perda foi a da instituição "presidente da República": 21 pontos em um ano, o triplo da média geral.

Ibope: despenca o índice de confiança na Presidência

Pesquisa mostra que protestos de junho tiraram crédito de todas instituições brasileiras, mas queda do Planalto é a mais acentuada

José Roberto de Toledo

Todas as principais instituições perderam boa parte da confiança dos brasileiros após os protestos de junho. Mas entre elas, nenhuma perdeu mais do que a presidente da República: três vezes mais do que o resto. É o que mostra uma pesquisa nacional do Ibope, chamada índice de Confiança Social. Feita anualmente desde 2009, a edição de 2013 foi divulgada ontem.

Entre 2012 e julho passado, todas as 18 instituições avaliadas pelo Ibope se tornaram menos confiáveis aos olhos da opinião pública. É um fato inédito nas cinco edições da pesquisa. O índice de confiança nas instituições caiu 7 pontos, de 54 para 47, e, pela primeira vez, ficou na metade de baixo da escala, que vai de o a 100. Na primeira edição, em 2009, marcava 58.

"É uma crise generalizada de credibilidade. Está refletindo o momento do País, os protestos de rua. Já havia uma queda leve nos anos anteriores, mas agora a perda de confiança se acentuou", diz a CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari.

Nenhuma instituição passou incólume pela onda de protestos. Dos bombeiros aos partidos políticos, das igrejas aos sindicatos, todas as instituições se tornaram menos confiáveis para a população - inclusive os meios de comunicação, governo federal, prefeituras, Congresso e Judiciário. Uns mais, outros menos.

A confiança na instituição a presidente da República" foi a que mais sofreu. Perdeu 21 pontos em um ano. É três vezes mais do que a perda média de confiança das 18 instituições pesquisadas. Em 2010, com Lula no cargo, a Presidência era a 3.º instituição mais confiável, atrás apenas dos bombeiros e das igrejas.

No primeiro ano de governo de Dilma Rousseff, seu índice de confiança caiu de 69 para 60. Recuperou-se para 63 no ano seguinte, e despencou agora para 42 - uma nota "Vermelha". Em um ano, saiu da 4a posição no ranking para a 11ª. Nenhuma outra instituição perdeu tantas colocações em tão pouco tempo.

O grau de desconfiança em relação à Presidência varia regionalmente. A queda foi pior no Sudeste, onde a instituição desabou de 60 para 34 pontos em um ano. Menos ruim foi no Nordeste, onde caiu de 68 para 54 pontos. Há diferenças entre as classes de consumo: 36 pontos : na classe A/B contra 54 na D.E.

Para Marcia Cavallari, "a Presidência cai mais por conta da personificação dos protestos". Segundo a diretora do Ibope, havia uma grande expectativa na economia que não se realizou. "Isso acaba se refletindo mais na instituição Presidência."

Representantes. O resultado é ainda mais preocupante para o Congresso e para os partidos políticos. Mesmo sendo os piores do ranking de confiança das instituições, caíram ainda mais: de 36 para 29 pontos, e de 29 para 25, respectivamente. Mantêm-se nos dois últimos lugares da classificação desde 2009.

A confiança no sistema público de saúde sofreu a terceira maior queda, de 42 para 32, e segue na 16ª posição. Daí candidatos de oposição que sonham disputar a sucessão presidencial em 2014 começarem a articular suas candidaturas em torno do tema.

A confiança no Judiciário também caiu, de 52 para 46 pontos, mas como as outras instituições caíram ainda mais, a Justiça foi da 11ª para a 10ª posição no ranking. "O Judiciário havia se recuperado em 2012 por causa do julgamento do mensalão", lembra a CEO do Ibope. Sinal de que nem toda queda é irreversível. "Reversível sempre é, desde que ocorram mudanças perceptíveis, concretas para que essa credibilidade seja recuperada", avalia ela.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Governo tenta adiar votações polêmicas

Partidos da base aliada serão chamados para conversas no Palácio do Planalto antes que projetos sejam submetidos ao plenário da Câmara

Eduardo Bresdani

BRASÍLIA - Depois de constatar que a abertura do cofre para as emendas parlamentares não bastará para impedir novas derrotas, sobretudo na Câmara, o governo tentará evitar votações de temas polêmicos na semana que vem, enquanto procura brechas para melhorar o diálogo com a base aliada, Os partidos serão chamados para novas conversas no Palácio do Planalto, em que o governo tentará convencê-los a votar com o governo.

Para tentar reverter o quadro negativo, uma das primeiras conversas do Planalto será com o PDT, Na terça-feira a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) receberá o líder do PDT, André Figueiredo, o presidente da legenda, Carlos Lupi, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, e o líder no Senado, Acir Gurgacz (RO). Conversas semelhantes devem ocorrer com outros partidos.

No Senado, porém, o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) anunciou ontem que manterá na pauta matérias com grande impacto nos cofres do governo federal. Entre elas estão - embora sem data definida para votação - a que institui o passe livre para estudantes e a que prevê 10% da receita corrente líquida do governo para a saúde. Calheiros afirmou que a Casa vai continuar votando propostas que surgiram em resposta aos protestos de rua.

As decisões, afirmou o senador, serão "de acordo com os interesses do País"e sem "irresponsabilidade fiscal".

Criticado pelo PT nos últimos dias, o PMDB aproveitou a volta aos trabalhos legislativos para dar o troco no parceiro e no governo. O presidente em exercício do partido, Valdir Raupp (RO), chegou a dizer que a "nave (do governo) está desgovernada" e que "a base está descontrolada", além de pregar a redução 110 atual número de ministérios. Outro peemedebista, o senador Roberto Requião (PR), também atacou a aliança com o PT. Disse que há muito o PMDB não é ouvido para nada e que é apenas "um partido auxiliar". Para ele, o PMDB deve repensar suas alianças.

"Calma". Na Câmara não se registrou movimentação semelhante do PMDB mas há uma percepção de que, se houver votação, o governo poderá ser derrotado. "Será uma semana de reuniões com lideranças. Não vamos; votar nada na próxima semana dessas pautas, vamos ter calma", disse o líder do PT, José Guimarães (CE).

O líder do governo na Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), admitiu preocupação do Planalto com a possível derrubada dos votos presidenciais. Resolução aprovada pelo Congresso em junho prevê que vetos da presidente a partir de 1° de julho terão 30 dias para serem apreciados em sessão conjunta do Parlamento. Assim, os vetos à Lei do Ato Médico, à extinção da multa adicional de 10% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao novo critério de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) poderão ser derrubados daqui para a frente.

A pauta da Câmara na próxima semana prevê a votação do projeto que destina royalties do petróleo para as áreas da educação e saúde e da proposta de orçamento impositivo para tornar obrigatório o pagamento de emendas parlamentares ao Orçamento âa União. Mas Chinaglia se mostra esperançoso: "Não. acredito que o Congresso vai sair derrubando tudo indiscriminadamente" afirmou.

No cenário atual, o governo deve ser derrotado nos dois temas. Em relação aos royalties, a tendência é de retomar o texto de André Figueiredo (CE), líder do PDT, que inclui na distribuição metade dos recursos do Fundo Social, não apenas dos rendimentos, como quer o Planalto. A outra matéria é uma promessa de campanha de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e sua aprovação é tida como garantida. / Colaborou Daiene Caruoso

Fonte: O Estado de S. Paulo

Do céu que nos inspira... À realidade que nos dói

Indigne-se: apesar de não faltar trabalho, Congresso fica às moscas pelo terceiro dia consecutivo

Plenários vazios e ameaças ao Planalto

O "recesso branco" de duas semanas era para acabar ontem, mas deputados e senadores emendaram a folga. Os parlamentares pretendem votar, a partir da próxima segunda-feira, propostas consideradas problemáticas para o governo

Juliana Braga, Adriana Caitano

Depois de duas semanas de recesso branco, sem votação de projetos importantes, o Congresso Nacional reabriu ontem as portas para os parlamentares, mas o cenário era semelhante ao dos dias anteriores: vazio. Não houve sessão nas comissões nem votações nos plenários. Só 37 deputados e 33 senadores decidiram aparecer — ou seja, apenas 11,7% dos 594 congressistas. Ainda assim, os poucos que compareceram já sinalizaram que os R$ 6 bilhões de emendas liberadas não arrefeceram o descontentamento com o Planalto e ameaçam o governo com votação de propostas que podem criar rombos no orçamento federal. Figuram na lista o passe livre para estudantes e a análise do veto que revogou a extinção da multa de 10% do FGTS (veja quadro). Somado, o aumento de gastos públicos pode chegar a R$ 45 bilhões.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou ontem que parte desses temas já deve entrar em pauta na semana que vem. No entanto, admite que a possibilidade de rombo preocupa. “Mas o Congresso tem demonstrado muito compromisso com a responsabilidade fiscal”, ponderou. Uma das preocupações é com a regulamentação da Emenda 29, que determina um percentual mínimo de investimentos em saúde. Tramita no Congresso um projeto de lei que vincula 10% das receitas correntes brutas para gastos com a área, obrigação da qual o governo se livrou no ano passado quando a emenda foi aprovada. “Não há nem como vincular receita corrente bruta. Bruta considera o que é da União e o que não é”, sustentou o líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI).

Outra forma de pressão ao Planalto é o novo rito instituído para a análise de vetos presidenciais. O primeiro a ser apreciado é o da multa de 10% do FGTS cobrada dos empregadores em demissões sem justa causa. No veto, a presidente justifica que o impacto seria de R$ 3 bilhões, mas parlamentares trabalham para derrubá-lo.

O Senado só baterá o martelo sobre a pauta na próxima terça-feira. A oposição já avisou, no entanto, que cobrará o que ficou pendente da agenda positiva e outros temas, independentemente dos impactos orçamentários. “Poder Legislativo é Poder Legislativo, Poder Executivo é Poder Executivo. Um tem que respeitar o outro”, alertou o líder do DEM no Senado, Agripino Maia (RN).

Na Câmara também já há um trabalho para pressionar o governo por meio das contas públicas, liderado pela bancada do PMDB. Integrantes do partido já coletaram assinaturas para uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende obrigar o Executivo a ter, no máximo, 25 ministérios. E já na terça deve ser aprovado, em comissão especial, o conjunto de projetos para obrigar a União a pagar integralmente as emendas apresentadas pelos parlamentares à lei orçamentária. Ambos os assuntos são encampados pelo presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Enquanto os parlamentares descansavam, o Planalto já se preparava para a “pauta bomba” do segundo semestre. A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, teve conversas com todos os partidos da base, além de PV e PSD. Também fez questão de reunir-se com relatores de algumas das propostas que estão tirando o sono do governo. Um deles foi o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), relator da proposta do passe livre, que pode deixar um rombo de até R$ 5,5 bilhões.

Viagem
Mesmo com uma pauta recheada de propostas com potenciais de causar problemas ao Planalto, senadores e deputados decidiram enforcar ontem e hoje. Só retornarão mesmo ao batente na semana que vem. A folga institucionalizada por um requerimento — já que, como não votaram a Lei de Diretrizes Orçamentárias, deveriam ter continuado trabalhando — era para ter acabado ontem.

Os corredores estavam tão vazios quanto nos dias de recesso. Dos 513 parlamentares, apenas 37 pisaram na Câmara, em sessão de debates que durou duas horas. Nem mesmo os líderes partidários ou o presidente da Casa apareceram. De acordo com sua assessoria, Henrique Eduardo Alves ainda está em viagem para o exterior. A justificativa é de que ele passou parte do recesso envolvido em atividades institucionais, como a visita do papa Francisco ao Brasil. No Senado, Renan apareceu, mas não convocou a sessão deliberativa. Somente 33 senadores o acompanharam no plenário.

Em exercício no comando da Câmara, o vice-presidente, André Vargas (PT-PR), minimizou o esvaziamento dos corredores. “O Congresso Nacional tem cumprido a sua função. Não basta voltar por voltar também, nós queremos voltar já votando, com reunião de líderes, e essa é a orientação do presidente Henrique”, justificou. Para a deputada e ex-vice-presidente da Câmara Rose de Freitas (PMDB-ES), as votações já deveriam ter começado ontem. “Temos matérias urgentes, uma pauta pesada, então não tem justificativa para não termos sessão deliberativa”, comentou.

As pendências
Apesar de ainda não terem retornado às atividades, parlamentares já estudam colocar em votação pauta para pressionar a presidente Dilma Rousseff

Passe livre estudantil
A promessa de votação foi uma das primeiras respostas do Senado às ruas. O relator do projeto, Vital do Rêgo (PMDB-PB) pediu mais tempo para analisar fontes de custeio do benefício. O impacto financeiro pode ser de R$ 5,5 bilhões. Vai depender dos critérios de quem vai ter direito e se vai ser tarifa zero mesmo ou só descontos.

Plano Nacional da Educação (PNE)
O governo pressiona para que o tema só seja apreciado em plenário quando a questão dos royalties para a área for definida. O passe livre também depende dessa votação.

Royalties para educação e saúde
A Câmara votou a proposta que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. O texto seguiu para o Senado, onde foi modificado, e voltou para análise dos deputados. Eles começaram a revisão antes do recesso, mas, sem acordo, deixaram para concluí-la em agosto.

Vetos
O Congresso aprovou no apagar das luzes do último semestre o novo rito de apreciação de vetos, que prevê a análise em, no máximo, 30 dias. O projeto que extingue a multa dos 10% do FGTS, vetado por Dilma, já entra nessa lista. O impacto seria de R$ 3 bilhões.

Orçamento impositivo
A Câmara discute um conjunto de propostas que obrigam a União a executar por inteiro o Orçamento anual aprovado no Congresso, além de garantir que as emendas apresentadas pelos parlamentares sejam integralmente pagas. Os textos já passaram pela CCJ e devem ser aprovados no início de agosto na comissão especial que trata do tema.

Emenda 29
A oposição já fala em colocar na pauta a emenda que estipula um percentual mínimo do PIB para a saúde. A proposta mais forte no Senado é a de 10%.

LDO
O relatório preliminar do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014 precisa ser votado na Comissão Mista de Orçamento, mas não houve acordo. Haverá sessão na próxima terça-feira. Depois, ainda haverá prazo para emendas. Só então, seguirá para o plenário do Congresso.

Minirreforma eleitoral
O relatório do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que pretende afrouxar, entre outras coisas, regras de doação e financiamento para campanha com validade já para 2014, está pronto, mas não pôde ser votado, porque a proposta dos royalties tranca a pauta da Câmara.

Fonte: Correio Braziliense

Pacote prevê afrouxar lei eleitoral

Minirreforma debatida na Câmara, que já valeria para as eleições de 2014, reduz punições e fiscalização a partidos e candidatos

Depois de frear a reforma no sistema eleitoral proposta pelo Planalto, alegando não haver tempo hábil, a Câmara pretende afrouxar as regras para as eleições de 2014. O pacote, que está pronto para ser votado, diminui punições a candidatos, reduz a fiscalização das contas, derruba restrições a doações e até elimina a exigência de plano de governo.

Chamada de "minirreforma eleitoral", a proposta foi elaborada pelos líderes das principais bancadas, informou reportagem publicada ontem pela Folha de S.Paulo.

As mudanças são comandadas pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), coordenador da comissão que discute a reforma política. Ele negou que a intenção seja enfraquecer a fiscalização e punição dos candidatos.

– O objetivo é tornar a eleição menos burocrática, melhor fiscalizada e mais democrática – disse à Folha.

O texto altera quase todo o sistema eleitoral. No trecho que aborda a fiscalização das campanhas, a minirreforma prevê que a Justiça só fará o "exame formal" dos documentos das campanhas, vedando "qualquer interferência na autonomia dos partidos".

Há impacto, ainda, nas punições. O candidato só será responsabilizado por crime praticado por membro de sua campanha se for provada sua participação. Outro ponto é a redução no valor das multas a empresas que fizerem doações irregulares.

A proposta ainda proíbe cobrar dos candidatos fichas-sujas o custo para realizar novas eleições geradas pela cassação de políticos. Também fica restrita a possibilidade de suspender a verba do Fundo Partidário.

Caso o texto seja aprovado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, os candidatos a presidente e governador em 2014 estariam dispensados de protocolar na Justiça os seus planos de governo. O projeto ainda inclui o fim da exigência de recibos nas doações eleitorais e a redução, em 20 dias, do período de campanha.

A proposição também abre brecha para que concessionários de serviços públicos possam doar a campanhas sem punição, desde que o dinheiro seja destinado ao Fundo Partidário. A minirreforma também permite a propaganda paga na internet.

Integrantes do Ministério Público e advogados criticaram o projeto, classificando-o como um afrouxamento à legislação. O presidente da OAB no Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que é especialista em lei eleitoral, disse a Folha que o texto vai na "contramão do que a sociedade exige".

Fonte: Zero Hora (RS)

Planalto prevê conflito legislativo

Por Maíra Magro e Raquel Ulhôa

BRASÍLIA - Apesar das tentativas recentes de acalmar os ânimos de partidos aliados, o Palácio do Planalto se prepara para um segundo semestre de guerra com o Congresso, num clima de conflito entre Israel e Palestina, com o retorno da pauta de votações no Legislativo na semana que vem depois do recesso branco.

A reunião de líderes de partidos aliados, marcada para segunda-feira, pode funcionar como uma espécie de Convenção de Genebra, onde as regras da batalha são lançadas na mesa.

O governo vai levar suas prioridades e ouvir as lideranças. Entre os principais interesses do governo está a preservação do programa Mais Médicos, que, na visão do Palácio, poderia ajudar a melhorar a popularidade da presidente Dilma Rousseff, em queda desde as manifestações de junho.

Outra batalha importante, mas difícil, é tentar impedir a derrubada do veto ao fim da multa de 10% do FGTS. A primeira sessão do Congresso destinada à votação dos vetos, a partir da regra que obriga a apreciação desses atos presidenciais em até 30 dias, será no dia 20 de agosto.

Mais um ponto nessa negociação de convivência com o Congresso é a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ao seu lado vem a proposta de emenda constitucional do orçamento impositivo, que torna obrigatório o pagamento de emendas parlamentares.

O Palácio já avisou que, se passar como está, o assunto vai parar na Justiça. Mas há negociações em curso, que vão desde a possibilidade de que a liberação obrigatória só se aplique a projetos que constem do orçamento da União, passando pela inclusão de salvaguardas para evitar problemas fiscais, ou ainda a limitação percentual da liberação obrigatória.

Mais um tema de conversa com os líderes será a votação das medidas provisórias, para que não percam validade, como já ocorreu em cinco ocasiões neste ano. O Código de Mineração é outra prioridade.

Para evitar um destempero ainda maior na base, o governo deve manter conversas mais frequentes com parlamentares. A reunião com senadores petistas, cancelada devido a uma gripe da presidente, pode ser reagendada para a semana que vem.

Não há ilusão no governo, porém, de que a base vá se acalmar de vez. O tom dos discursos de senadores do PMDB ontem, na primeira sessão após o recesso branco do Legislativo, mostra a insatisfação do partido com o governo e a aliança nacional com o PT.

O comportamento dos parlamentares da legenda já vinha preocupando o PT e o Palácio do Planalto, já que o PMDB comanda a Câmara dos Deputados e o Senado - portanto, a pauta de votações do Legislativo - e é visto como um parceiro pouco confiável. Com essa avaliação, dirigentes do PT recomendaram à presidente reforçar o diálogo com outros partidos da base governista, como PR, PP, PDT e PCdoB, para garantir maior fidelidade nas votações.

Nesses esforços, o governo decidiu jogar com o time inteiro em campo. Cada ministro dos partidos que compõem a base se tornou responsável por participar da articulação política, somando-se ao papel da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti.

Há incerteza com relação ao PSD, após sinais de simpatia a eventual candidatura do ex-governador José Serra (PSDB) à Presidência da República. O apoio do PSB também não é contabilizado, por causa da disposição do governador de Pernambuco Eduardo Campos (PE) de disputar o Palácio do Planalto.

O presidente nacional do PMDB em exercício, senador Valdir Raupp (RO), defendeu ontem a redução do número de ministérios e um Estado "menos burocrático, lento, ineficiente e dispendioso". Cobrou redistribuição dos recursos entre Estados e municípios e melhoria na estrutura da malha de transporte do país.

Ricardo Ferraço (PMDB-ES) disse que a aliança com o PT é formada com base em interesses "subalternos e acessórios". Afirmou que o PMDB deveria dar exemplo e entregar à presidente os cargos que ocupa.

Roberto Requião (PMDB-PR) fez críticas à política econômica e disse que, na aliança com o PT, o PMDB se conforma com o papel "de linha auxiliar e não é ouvido para nada", nem para discutir a reação às manifestações das ruas. "Já estávamos afastados da condução da política econômica, nunca fomos ouvidos e, agora, somos também menosprezados como parceiros políticos, quando o país enfrenta um dos momentos mais graves de sua história", afirmou.

Fonte: Valor Econômico

Para ministros, atos não influenciarão mensalão

BRASÍLIA - Os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disseram ontem que a Corte não se deixará influenciar pelas manifestações das ruas no julgamento dos recursos dos 25 réus condenados no processo do mensalão. O presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, marcou o início do julgamento para o dia 14.

- Eu não me vejo influenciado pela pressão das ruas. Temos que julgar objetivamente, de acordo com o que consta no processo, observada a garantia do contraditório. O que interessa a um juiz no julgamento, notadamente um julgamento criminal, é julgar de acordo com a prova existente nos autos, e não de acordo com reivindicações externadas em movimentos populares - disse Celso.

- Não, isso é um julgamento totalmente técnico - respondeu Gilmar à pergunta sobre se o STF ouviria a voz das ruas.

Gilmar afirmou que, em tese, o julgamento dos recursos pode resultar na mudança das penas aos condenados. Ele ressaltou que a eventual revisão das penas não pode ser vista como impunidade:

- Se houve erro, terá que haver correção. Isso é um outro tipo de juízo que tem relevância no mundo político, mas não podemos fazer esse tipo de consideração.

Ele defendeu que o tribunal julgue logo os recursos do mensalão para dar atenção a outros processos importantes.

- Temos que deixar de ser reféns desse caso, dessa ação penal 470. Temos muitas questões pendentes, como os precatórios, os royalties e liminares que não foram submetidas (ao plenário).

Fonte: O Globo

Idas e vindas - Nunca antes na história deste país

No governo Dilma, um recuo atrás do outro nas últimas semanas

Chico de Gois

BRASÍLIA - Desde que a presidente Dilma Rousseff resolveu agir para minimizar o barulho causado pelas ruas, e tentar evitar que sua popularidade role cada vez mais para baixo, uma sucessão de idas e vindas marcou os principais anúncios feitos pelo Palácio do Planalto. Para a oposição, é sinal de falta de rumo. Para aliados, expressão da democracia. Os recuos foram muitos nos últimos dias.

Na área de Saúde, o governo Dilma recuou no programa Mais Médicos, que deixou de exigir dois anos adicionais na formação básica dos alunos; na portaria sobre cirurgias para troca de sexo; e na campanha sobre Aids do Ministério da Saúde. Em fevereiro de 2012, o ministério determinou ao Programa de Aids, da própria pasta, que retirasse da internet o vídeo institucional com cenas de uma relação homossexual entre dois homens, que seria exibido na campanha do Carnaval.

Em junho deste ano, o ministério censurou uma das peças da campanha criada para o Dia Internacional das Prostitutas em uma oficina com as profissionais. A pedido do ministro Padilha, o panfleto que trazia a frase "Sou feliz sendo prostituta" foi tirado.

Houve outros recuos, que não se restringiram à Saúde: o primeiro foi a ideia de uma Constituinte exclusiva para a reforma política. Atacada por todos os lados, inclusive por ministros do Supremo e por parlamentares da base, a ideia logo foi sepultada. Ao mesmo tempo, Dilma propôs um plebiscito para a reforma política.

Deputados e senadores se sentiram desprestigiados e porque, na opinião deles, o Planalto estava pisando no tapete alheio, sobretudo porque uma das perguntas do plebiscito de Dilma era se o eleitor defendia o fim do voto secreto no Parlamento. E nada falava de reeleição, por exemplo. Dilma não recuou do plebiscito, mas ele não acontecerá este ano.

O mais recente giro de 180 graus ocorreu com o polêmico programa Mais Médicos. Depois de o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tomar a frente do debate e garantir que o governo não abriria mão de aumentar o tempo de formação dos estudantes, anteontem a queda de braço, neste quesito, foi vencida pelas associações médicas. E o governo deu um passo atrás.

No mesmo dia, outra decisão oficial foi desfeita: as cirurgias para mudança de sexo na rede pública de Saúde. A portaria que mudava a faixa etária já estava publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira, mas Padilha a suspendeu.

Até mesmo a Marinha voltou atrás esta semana, depois de ter lançado a proposta de suspender o expediente às sextas-feiras, para compensar o corte no orçamento. A medida ganhou publicidade de manhã, e à noite já estava sepultada, por determinação da Defesa.

A oposição vê nas idas e vindas mais um ponto contra a fama de "gerentona" de Dilma. Para o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), a gestão da petista é mais pautada pelo marketing:

- Não há fundamento nas propostas. Desesperada com a queda nas pesquisas, ela saiu tomando atitudes de marquetagem. Não tem humildade e se acha professora de Deus.

Para o líder do PT na Câmara, José Guimarães, o bate e volta é sinal de que o governo dialoga com a sociedade:

- Isso não desgasta o governo, que é democrático e está aberto a mudanças. O Planalto age de forma republicana ao enviar uma proposta e admitir mudanças. Isso é um mérito.

Fonte: O Globo

Balança tem déficit recorde; importação ganha incentivo

De janeiro a julho, a balança comercial do País acumulou déficit de US$ 4,989 bilhões, a pior marca da história para o período. Somente em julho, o déficit foi de US$ 1,9 bilhão. Ontem, o governo anunciou a redução do Imposto de Importação para 100 produtos, a maior parte insumos utilizados pela indústria, com o objetivo de baratear o custo e tentar impedir aumento da inflação. O dólar subiu 1,1% e encerrou o dia a R$ 2,3030.

Déficit comercial atinge US$ 4,9 bi no ano, o pior resultado da história

A balança comercial registrou no acumulado de janeiro a julho um déficit de US$ 4,989 bilhões a pior marca da história para o período, O resultado foi influenciado pelo ; déficit de US$ 1,9 bilhão apenas no mês passado também o mais baixo resultado para os meses de julho.

O governo atribuiu o desempenho negativo - mesmo contando com um câmbio mais favorável às exportações - à conta petróleo, mas disse ainda acreditar que o comércio exterior brasileiro encerrará o ano com saldo positivo. Ontem foi anunciada mais uma medida para estimular a importação de insumos industriais.

O resultado do mês passado teve influência desfavorável nas duas pontas. Não só houve queda das exportações na comparação com julho de 2012 como também.um aumento das importações nesse período. O movimento da balança comercial reflete o comportamento da chamada conta petróleo. Em julho o Brasil diminuiu a quantidade de petróleo vendida ao exterior e aumentou o volume de compras de seus derivados.

A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior Tatiana Prazeres argumentou que se esse grupo fosse retirado dos cálculos da balança seria registrado o maior valor de exportações da história no acumulado do ano. Ela calculou que o déficit total de quase US$ 5 bilhões de janeiro a julho se tomaria um superávit de US$ 10,5 bilhões sem esses itens. Os dados que o ministério divulga têm início em 1993.

Segundo Tatiana essa conta para a balança “é fundamental”,Ela negou no entanto, que estivesse fazendo uma analise parcial do comércio exterior ao retirar hipoteticamente esse item do balanço em suas análises. “O objetivo é explicar os motivos (do déficit)”disse.

Os números do petróleo vêm sendo uma dor de cabeça para o governo desde o início do ano por. causa de um problema de contabilidade da Petrobrás, Cerca de US$ 4,5 bilhões que deveriam ter entrado em 2012 foram registrados apenas este ano o que ajudou a distorcer os saldos mensais. Além disso o Brasil vendeu menos e comprou mais petróleo e derivados acentuando o déficit.

Para o restante do ano Tatiana projeta uma inversão das tendências tanto do petróleo quanto geral. Outros produtos responsáveis por esse empurrão segundo ela, devem ser aviões automóveis e milho. O saldo, prevê fechará 2013 110 azul ainda que abastante inferior” ao superávit de US$ 19,4 bilhões visto no ano passado.

“Julho foi um mês atípico”, disse Tatiana que também atribuiu parte do resultado negativo à queda dos preços de alguns produtos agrícolas, como café milho e açúcar. “Mas temos sinais de que os dados vão melhorar há elementos que nos apontam para recuperação da balança nos meses seguintes".

Fonte: O Estado de S. Paulo

A sombra de Lula sobre um país desgovernado - Roberto Freire

Não se trata de uma tarefa fácil, mesmo para tarimbados analistas ou políticos experientes, decodificar com precisão as declarações de Dilma Rousseff, cuja dificuldade de se fazer entender é proporcional à inoperância administrativa de seu próprio governo. Da entrevista recente que a petista concedeu ao jornal “Folha de S.Paulo”, o que se revela é um discurso errático e desorientado que escancara a subserviência da chefe da nação ao seu mentor político, Luiz Inácio Lula da Silva.

Quando afirma que “Lula não vai voltar porque ele não foi, ele não saiu”, e revela uma simbiose que faria de ambos seres “indissociáveis”, Dilma dá margem a duas interpretações igualmente preocupantes. De um lado, há quem entenda que a comandante do governo é tutelada pelo ex-presidente e atua simplesmente como uma marionete a serviço do tutor. Outra corrente avalia que, ao se associar diretamente ao antecessor, Dilma tenta conter a movimentação de setores do PT que estariam incentivando a possível candidatura de Lula em 2014.

“Esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola (...) [/...] Eu estou misturada como governo dele”, fez questão de dizer. Em qualquer uma das hipóteses, seja Dilma mera cumpridora das determinações de Lula ou artífice de um plano para inibir o ex-presidente de disputar sua sucessão, o resultado é danoso ao Brasil. Nenhum país pode ter dois comandos, o que significa, na prática, que não tem nenhum.

Os problemas que o governo petista não consegue resolver, entre os quais estagnação econômica, pressão inflacionária, precárias condições de infraestrutura e serviços públicos de péssima qualidade, são agravados diante da tibieza de quem deveria comandar, mas se omite, e da necessidade permanente de se consultar com quem já deixou a cadeira presidencial há dois anos e meio. Na mesma entrevista à “Folha”, Dilma insiste em não reconhecer as dificuldades econômicas enfrentadas pelo país e já apontadas, inclusive, por alguns de seus aliados.

O governo adota um modelo equivocado baseado no consumo e responsável pelo aumento do percentual de endividamento das famílias, que alcançou 65,2% em julho, segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência (Peic), com uma alta de 7,6% em relação ao mesmo mês do ano passado e 2,2% na comparação com junho. Se esse modelo já era um equívoco no governo Lula, que se beneficiava por uma conjuntura internacional favorável, a insistência de Dilma é um contrassenso diante da deterioração do cenário externo.

O conto de fadas narrado por Dilma na entrevista também desconsidera a previsão da Comissão Econômica da América Latina e do Caribe (Cepal), que reduziu a previsão de crescimento do PIB brasileiro para 2,5% este ano, apenas acima de Venezuela e El Salvador. Mesmo assim, o czar da economia no período da ditadura militar, Delfim Netto, que se transformou em conselheiro econômico dos governos do PT, faz coro à presidente e garante que a situação não é ruim.

A prudência recomenda que se leve em conta a análise de outro economista, José Serra, este notoriamente afinado com a democracia, que vê justamente na falta de governo o cerne da crise atual. É na ausência de uma liderança competente que floresce o desgoverno. A sombra de Lula sobre um país sem comando é só o reflexo mais nítido da fraqueza de Dilma.

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fonte: Brasil Econômico

Esta senhora é cara de pau – Alberto Goldman

Com um pouco de atraso faço esse comentário. Estive em Teresina ( linda e surpreendente cidade), exercendo minhas responsabilidades como membro da executiva nacional do PSDB e fiquei retido, dentro do avião, em Brasília, quase três horas, porque os pátios de Congonhas estavam congestionados devido ao nevoeiro no Rio de Janeiro, o que impediu que lá aportassem os voos previstos. A situação do nosso sistema aeroportuário é caótica.

Vinha me lembrando o quanto eu tentei dialogar com o governo federal, em 2007, e desde então insistentemente, quando vice governador e secretário de desenvolvimento do Estado, alertando para o caos em que estaríamos logo adiante se medidas urgentes não fossem tomadas. Estavam surdos. E dou com a leitura da visita da presidente à São Paulo para fazer o que já devia ter feito há tempo.

Que coragem tem esta senhora Dilma Rousseff. Nunca deu a mínima atenção às questões de mobilidade e agora posa de professora que dá lições a São Paulo e, como se tivesse uma palmatória para nos castigar, diz o que se sabe: apesar de existir aqui uma rede extensa, Metrô e CPTM, abrangendo a Grande São Paulo, e transportando mais de 7 milhões de pessoas por dia, ela ainda é insuficiente.

Só acordou depois das manifestações que derrubaram a sua popularidade à metade do que tinha. Até agora deu um dinheirinho à linha que liga São Paulo a São Bernardo (a pedido do prefeito Marinho), e liberou financiamentos via BNDES e CEF para outras linhas, que vamos ter de pagar com os devidos juros. E que cara de pau. Veio à São Paulo atender às demandas do Haddad e não responde às feitas pelo Alckmin para as linhas de metrô e CPTM.

São Paulo é o único lugar do mundo, das grandes cidades, em que o governo central sempre se lixou para as dificuldades de mobilidade. Aqui, não é a prefeitura que trata da totalidade do transporte de massas. Em um determinado momento, e acertadamente, o Estado assumiu o Metrô que era da prefeitura, e as linhas que eram federais - CBTU, um verdadeiro ferro velho - juntou à Fepasa e criou-se a CPTM. Nos últimos anos os volumes de investimentos vêm sendo cada vez maiores e se constituem, hoje, no maior investimento do Estado. São quatro linhas em construção, com dezenas de estações e a modernização do sistema da CPTM para transformá-lo em um metrô de superfície. A partir do ano próximo devem ser sete linhas, um dos maiores investimentos do mundo. Dinheiro do orçamento federal? Nada, só empréstimos.

Como já coloquei anteriormente, se poderia desejar um mínimo de honestidade intelectual da presidente. Esqueçam. Dela só pode sair isso mesmo. Não vai deixar saudades.

Alberto Goldman é vice-presidente nacional do PSDB, foi governador de S. Paulo

A banalidade de Dilma - Fernando Gabeira

Ao sair do filme Hannah Arendt, a filósofa judia descrita na tela por Margarethe von Trotta, muitas ideias me vieram à mente. Lembranças da ditadura, meu depoimento no Tribunal Bertrand Russel, em Roma, onde também defendi a presença da banalidade do mal entre torturadores brasileiros, quase todos dedicados pais de família, operosos funcionários do governo. A experiência de Hannah Arendt, que cobriu o julgamento de Adolf Eichmann para a revista New Yorker, causou verdadeira comoção. Não só por questionar o papel de alguns líderes judeus, mas por afirmar que Eichmann não era um monstro. O enigma, para ela, era a contradição entre a mediocridade de alguns homens e a dimensão da tragédia que provocaram. O nazismo passou, também passou a ditadura militar no Brasil. Mas existem elementos no discurso de Hannah, em especial o que faz para seus alunos no auge da polêmica sobre o artigo na New Yorker, que merecem ser retomados à luz da conjuntura brasileira.

Eichmann declarou que punha os judeus nos trens cumprindo ordens. Não se importava com o que aconteceria com eles porque, uma vez nos trens, seu destino pertencia a outras repartições que não a dele. Hannah observa que Eichmann renunciou a pensar e essa era a raiz de sua desumanização. A renúncia a pensar não é privilégio das pessoas medíocres, mas é muito mais freqüente entre elas.

Na semana em que vi o filme acompanhei pela TV a cobertura da visita do papa e o discurso da presidente Dilma Rousseff saudando Francisco. A sensação que tenho é que ela se recusou a pensar ao aceitar ler esse texto. Foi uma tarefa de militante. Cumpriu sua missão sem se importar muito com as conseqüências, pois fez um discurso de propaganda de seu governo precisamente no Rio, onde as pessoas estão fartas dessas farsas grotescas e gritam nas ruas pela saída de Sérgio Cabral. E diante de um papa sem grandes ilusões sobre os políticos existentes.

Dilma convidou a Igreja Católica a fazer uma parceria com o governo do PT na luta contra a miséria. Como se a Igreja não tivesse já suas estratégias nesse campo. E como se precisasse do PT para se implantá-las mundialmente. Isso não é apenas falta de modéstia. Dilma é obrigada a repetir diariamente que as pessoas foram às ruas em junho não por causa dos erros do governo, mas dos aceitos. Quanto mais as pessoas têm, mais querem, dizem os petistas. Uma vez que jamais admitem um erro, a única explicação para a revolta popular é a sucessão de seus acertos...

Como uma força política pode chegar a esse ponto sem trazer consigo traços de totalitarismo? Nesse caminho, o primeiro passo fundamental surge ao admitir que a realidade não importa, e sim a versão dos fatos.

Um momento típico dessa tragédia moderna foi a ida de Colin Powell à ONU para demonstrar com algumas imagens vagas que o Iraque dispunha de armas de destruição massiva. Um segundo momento, entretanto, se desdobra: os militantes dispõem-se a repetir mecanicamente as teses que vêm da cúpula partidária. E ao constatar que são frágeis tentam salvá-las com seu entusiasmo e, naturalmente, com a raiva contra quem discorda.

Por que se recusam a pensar, se esse é um dos fatores que distinguem o ser humano? Não creio que a recusa se deva só ao deslumbramento com a engrenagem ou mesmo à ilusão de que nunca cometa erros. Há um fator pavloviano nessas organizações rigidamente hierarquizadas: recompensa e punição. Os descontentes vão para uma gelada Sibéria que, ao longo do processo histórico, toma inúmeras formas: uma subsecretaria, um cargo de fiscal do Ibama na fronteira com a Colômbia.

Um terceiro componente que deve ser levado em conta é a constante repetição da importância da engrenagem sobre indivíduos, substituíveis. Esse componente é importante para analisar o espantoso caso de Dilma. Como ela poderia chegar a presidente do Brasil se é incapaz dc por si própria, se eleger vereadora numa grande cidade? Seus méritos estavam ancorados não na capacidade política, mas nos talentos de gestora. E o que antes havia gerido com sucesso? Se ao menos esse traço fosse verdadeiro, ela teria alguma moeda de troca nas transações com a máquina burocrática.

Dilma foi posta na Presidência pela engrenagem partidária, com o apoio dos grandes empresários que florescem à sombra de um governo devasso, e injetando milhões de reais no esquema de marketing. Ingenuamente, ou não, grandes setores da imprensa quiseram mostrar que ela era diferente, separá-la de Lula e do PT, vislumbrando uma ponta de decência em suas decisões sobre corrupção no governo. Quem conhece um pouco os meandros da política da esquerda sabia que isso era uma ilusão. Dilma jamais deixaria seu porto seguro para cair nos braços dos adversários do PT. Há muitos exemplos de quem salta no escuro e se esborracha, perdendo a base de origem e sendo desprezado por seus novos aliados.

A interpretação que o PT fez da crise de 2008 é vital para compreendermos o caminho que seguiu. Em quase todas as nossas análises no século passado começávamos assim: o capitalismo está em crise no mundo e isso abre caminho para o avanço do socialismo em todo o planeta. Desde os anos 1930, foi a primeira vez que o capitalismo realmente entrou em crise. Os velhos reflexos, empilhados no fundo da consciência, saltaram como molas comprimidas.

Dilma não tinha condições de enfrentar a máquina, muito menos de questionar um script da mstória em que o socialismo sucede ao capitalismo. Era hora de fortalecer o papel do Estado na economia. Algumas fortunas se fizeram entre empresários amigos, outras foram para o espaço, como a de Eike Batista. Como não poderia deixar de ser, o governo estimulava as empresas campeãs porque, afinal, era também um governo de campeões Uma sucessão de equívocos é possível porque a pessoa deixa de pensar, mas também tem medo de ser engolida pela engrenagem, cujo combustível é a obediência canina. Nessa atmosfera rarefeita, a passagem do papa foi uma lufada de ar fresco.

Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: O Estado de S. Paulo

Voltas e idas - Marina Silva

Os assuntos são variados, pode ser o aumento do seguro-desemprego ou a convocação de uma constituinte para a reforma política, medidas para diminuir a precariedade na saúde ou a liberação de recursos para a Copa. A manchete é que não muda, só nesta semana há pelo menos dez assim, nos jornais e sites de notícias: governo recua, governo volta atrás, governo suspende decisão, governo não confirma etc.

Juntem-se a isso as promessas não cumpridas ou os resultados muito aquém do anunciado, como baixar o preço da cesta básica ou da tarifa de energia; as tentativas de enganar a opinião pública, como nas mudanças do Código Florestal, em que atrasos são anunciados como avanços; e os anúncios faz de conta, como a bombástica declaração em rede nacional de que a miséria no Brasil acabou.

O que temos? Falta de rumo disfarçada com marketing.

Nos anos 90, os programas de auditório de domingo entregaram seus roteiros à aferição da audiência: "Está caindo, então encerra a entrevista e entra com o show musical, rápido, para aproveitar o intervalo comercial do concorrente". Dava certo na televisão. Dá errado no governo.

O anúncio de uma decisão não é a decisão. Pode iludir por algum tempo, mas não melhora o transporte, a saúde, a educação, a segurança, e, assim, a insatisfação vai se acumulando. Pior ainda é o recuo, a indefinição, o desmentido, o dito pelo não dito. Não se gerencia um país com balões de ensaio.

Insisto: o Brasil precisa definir uma agenda estratégica, em que as grandes reformas estejam articuladas com definições sociais e econômicas. É necessário redirecionar o desenvolvimento em parâmetros sustentáveis, colocar a economia na era das grandes mudanças culturais e ambientais, atualizar o sistema político e a gestão pública, ampliar a democracia e a participação cidadã, usar as novas tecnologias para o debate público e as decisões.

A mudança se faz com uma agenda democraticamente construída, com a participação não só dos que já se acostumaram a assentir, em cujos temas se trabalha buscando consensos públicos (bem diferente dos acordos de bastidores). A outra opção é a estagnação, mal disfarçada pela marquetagem. Infelizmente, esse é o rumo que hoje predomina. Uma governabilidade de coalizão, baseada na distribuição de nacos do Estado, captura as políticas públicas e sequestra as esperanças da sociedade. Para essa estagnação estão sendo arrastadas as instituições e todo o sistema político.

No sentimento da população, a agenda já está se definindo. Sem mudanças políticas e institucionais, o avanço será mais demorado e com maiores riscos de rupturas e conflitos, mas acontecerá, porque seu tempo chegou. E, nas prioridades anunciadas pelas ruas, não há volta atrás.

Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do meio ambiente

Fonte: Folha de S. Paulo

O inferno de Dante e o de Dirceu - Nelson Motta

Já leu o best-seller "Inferno", de Dan Brown ? Não leia, não perca seu tempo com essa longa e entediante palestra sobre pintores renascentistas e igrejas de Florença e Veneza, misturada com versos do "Inferno", de Dante Alighieri, como pano de fundo para uma gincana de um professor americano de Simbologia, e uma linda jovem com um QI fabuloso, para tentar impedir a ativação de um vírus criado por um cientista louco para matar um terço da humanidade, acreditando que assim a salvaria do inevitável extermínio provocado pela superpopulação da Terra.

O grande mistério da história é: por que o genial cientista que criou o vírus, que eles imaginam ser um 2.0 da peste negra medieval, não se contenta com a sua nobre missão de salvar a raça humana, mas faz questão de se suicidar e deixar um emaranhado de pistas, dicas e charadas em quadros, livros e estátuas para encaminhar os heróis eruditos para o local secreto onde o vírus será ativado na data fatal? Ora, para Dan Brown escrever essa baboseira e ganhar milhões de dólares.

Já leu o best-seller "Dirceu", de Otávio Cabral ? Corra para ler, você não vai conseguir parar. Não só pelas audaciosas e hilariantes aventuras desse fabuloso personagem que beira o inverossímil e faria a alegria de qualquer ficcionista, mas pela rica narrativa de sua relação de amor e ódio com Lula, que por si só mereceria um livro, e de suas brigas e traições com Palocci, Tarso Genro, Mercadante, Marta e outros grã-petistas.

São várias as vidas de Dirceu, de líder estudantil preso pela ditadura e exilado em Cuba a comandante de focos de guerrilha aniquilados pelo Exército antes de começarem, do falso comerciante Pedro Carôço no interior do Paraná a presidente do PT que chega ao poder com Lula em 2002, de chefe da quadrilha do Mensalão a homem de negócios milionário. De herói a vilão, do céu ao inferno, são muitos os inimigos que enfrentou e as mulheres que conquistou, amou, traiu e enganou. Que filme !

Se fosse traduzido para o inglês e apresentado como um romance, "O inferno de Dirceu" seria muito melhor e faria mais sucesso que o de Dan Brown.

Nelson Motta, é jornalista

Fonte: O Globo

Lá vem o Patto! – Urbano Patto

Inicia-se o mês de agosto. Na história política brasileira mês conhecido como de acontecimentos surpreendentes, importantes e, no mais das vezes, mau agourentos.

O Congresso Nacional retorna do "recesso branco" com uma pauta prenhe de possíveis conflitos com o poder executivo: a derrubada da multa de 10% do FGTS para as demissões sem justa causa, a destinação dos "royalties" do pré-sal, a implantação do orçamento impositivo para emendas parlamentares, a proposta de redução do número de ministérios, a polêmica da medida provisória do programa Mais Médicos, a CPI da Petrobras sobre a compra da refinaria sucateada nos EUA, e outras coisas mais.

O Supremo Tribunal Federal também retorna do recesso e tem na pauta o sempre complicado e sensível processo do mensalão, com os réus condenados tentando "melar" as sentenças. O fato novo é que a composição atual do tribunal está diferente daquela que encerrou a fase do julgamento, com dois novos ministros cujo posicionamento nas avaliações dos embargos sobre as penas aplicadas poderiam eventualmente possibilitar a diminuição das punições e em alguns casos impossibilitar a prisão em regime fechado de réus importantes.

Junto com essas complicações político-institucionais tudo indica que as mobilizações de rua prosseguirão, se não em volume igual ao de junho, ao menos de segmentos e corporações e aquelas mais focadas em temas políticos específicos. Ah! E as centrais sindicais estão convocando mais uma mobilização de trabalhadores no final do mês.

Como se vê há matéria-prima suficiente para qualquer agosto fazer valer a sua fama. Vamos acompanhar com cuidado e paciência para que as bruxas (sempre há algumas soltas por aí) não sejam as mentoras e dirigentes desse processo.

Urbano Patto é Arquiteto-Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, dirigente do Partido Popular Socialista (PPS) de Taubaté e do Estado de São Paulo. Comentários, sugestões e críticas para urbanopatto@gmail.com

Voto técnico - Merval Pereira

O que há de mais importante nessa segunda fase do julgamento do mensalão que se inicia no próximo dia 14 é a definição do Supremo Tribunal Federal sobre os embargos infringentes, que permitiriam um novo julgamento daqueles réus que receberam pelo menos 4 votos a favor. Há 15 réus nessa situação, 12 condenados por formação de quadrilha (Marcos Valério, José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Rogério Tolentino, Pedro Corrêa, João Cláudio Genu, Enivaldo Quadrado, Roman Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabelo e José Roberto Salgado) e três por lavagem de dinheiro (João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg).

Vários ministros já se pronunciaram sobre o assunto em momentos diversos, a começar pelo presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, para quem aceitar os embargos infringentes seria gesto "gracioso, inventivo, ad hoc, magnânimo", mas "absolutamente ilegal".

O decano Celso de Mello já antecipou sua posição no próprio julgamento do mensalão, que está registrada no acórdão: "Não obstante a superveniente edição da Lei nº 8.038/90, ainda subsiste, com força de lei, a regra consubstanciada no artigo 333, parágrafo I, do Regimento Interno do STF, plenamente compatível com a nova ordem ritual estabelecida para os processos penais originários instaurados perante o STF."

O que o presidente Joaquim Barbosa considera "criar ou ressuscitar vias recursais não previstas no ordenamento jurídico brasileiro", para o ministro Celso de Mello é permitir "a concretização, no âmbito do STF, do postulado do duplo reexame, que torna pleno o respeito ao direito consagrado".

O decano do STF ainda afirmou que, com os embargos infringentes, "serão excluídos da distribuição o relator e o revisor, o que permitirá, até mesmo, uma nova visão sobre o litígio penal".

O mais recente ministro indicado para o Supremo, Luis Roberto Barroso, disse na sabatina no Senado que, na "teoria", o regimento interno do STF, que prevê os embargos infringentes, perdeu o status de lei com a Constituição de 1988, que não os prevê.

Barroso explicou que o regimento interno do STF foi editado numa época anterior à Constituição de 1988, quando a atuação normativa do STF se equiparava à atuação legislativa do Congresso.

Portanto, nessa época, o regimento tinha status de lei. Posteriormente, a Constituição de 1988 "vedou essa competência normativa primária", e o regimento passou a ter competência limitada. Essa posição em teoria é majoritária no plenário do STF, mas o debate será intenso.

Ontem, o ministro Gilmar Mendes repetiu sua posição: "Eu tenho dito que não parecem cabíveis os embargos infringentes, mas essa é uma discussão que o Tribunal travará com toda a competência".

Os que não aceitam os infringentes lembram que eles não existem no Superior Tribunal de Justiça (STJ), criado dentro do novo espírito da Constituição de 1988. Ele ficou com uma parcela da competência do Supremo, sobre temas de lei federal, tendo sido criados cinco regionais federais.

Em 1990, a lei 8.038 regulamentou os processos nos tribunais superiores, confirmando a extinção dos embargos infringentes. No caso do mensalão, dois acusados apresentaram simultaneamente embargos declaratórios e infringentes, e os segundos já foram rejeitados pelo relator Joaquim Barbosa, que adiantou sua posição contrária aos embargos infringentes.

O raciocínio do ministro Celso de Mello a favor do duplo grau de jurisdição no julgamento do Supremo seria falho, porque os réus foram julgados em amplo colegiado, pelo órgão máximo do Judiciário. Ao final do julgamento, ano passado, a tese de Celso de Mello parecia vitoriosa pela determinação da maioria do plenário de não dar motivos a que se acusasse o STF de não ter dado aos réus uma ampla defesa.

Mesmo os que consideram que os embargos infringentes realmente não existem nos tribunais superiores estariam dispostos a aceitá-los. Hoje, porém, depois das manifestações de junho e da exigência das ruas de punição aos corruptos, com protestos explícitos com relação ao mensalão, ficou mais fácil assumir um voto técnico. Um gesto de magnanimidade poderia ser interpretado como leniência com corruptos poderosos.

Fonte: O Globo

Nada de novo no front - Dora Kramer

Uma a uma, as "respostas" que o governo federal procurou dar aos protestos de junho perderam com muita rapidez o prazo de validade: os cinco pactos, a constituinte exclusiva, o inexequível plebiscito sobre reforma política para valer em 2014 e o intempestivo lançamento do programa para "importar" médicos estrangeiros sem revalidação dos diplomas com acréscimo de dois anos na formação dos brasileiros com dedicação compulsória ao Sistema Único de Saúde.

Todas se mostraram inviáveis na prática e obrigaram, o governo a dar o dito pelo não dito. Uma leitura generosa atribui os recuos à premência decorrente do susto geral que atingiu governantes de todas as esferas.

Uma avaliação realista, porém, mostra que o vaivém é uma constante no governo federal desde o primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff Não há, portanto, nada de novo no front. O improviso não decorre das manifestações, mas de um modo de governar que antecede aos protestos.

Uma pesquisa rápida mostra exemplos de decisões apressadas que, na definição de Chico Otávio e Gérson Camarotti em reportagem de O Globo de julho de 2011, tornaram-se "não-decisões" devido a medidas anunciadas sem negociação ou consulta prévias ao Congresso e/ou à sociedade. Exatamente como aconteceu recentemente com os profissionais de Saúde, com os partidos (em especial o PMDB) aliados e com os governadores.

São elas: a promessa de liberação de emendas de 2009 no valor de R$ 4,6 bilhões (suspensa depois pelo ministro da Fazenda), o cancelamento do chamado kit homofobia devido à pressão dos grupos evangélicos liderados pela bancada no Congresso e o caso dc sigilo de documentos oficiais, que fez Dilma mudar de opinião sobre o prazo de divulgação para ceder aos reclamos dos ex-presidentes Fernando Collor e José Sarney e depois voltar atrás, alertada pelo Itamaraty.

O roteiro de improvisos decorrentes de precipitações não é um acidente de percurso. É, antes, condição inerente a um governo sem rumo.

Palavrório. O PT levou mais de dez dias para chegar a um acordo sobre o texto do documento que resultou da reunião do diretório nacional para analisar "o quadro".

Fez um ensaio de proposta de retorno à esquerda e revisão das alianças com os conservadores. Recuou e, no fim, concluiu o seguinte: "A condução de uma nova etapa do projeto exige ratificações na linha política do PT e do governo que se reflitam na atualização do programa e na consolidação da estratégia que expressa a radicalização da democracia".

Considerando a inexistência de pistas sobre a "nova etapa", tendo em vista a ausência da lista das "ratificações" necessárias, levando em conta a falta de referência aos pontos de "atualização do programa" e de que forma isso se expressaria na "radicalização da democracia", o que se tem é o uma linha de raciocínio ligando o nada a coisa alguma.

Faz de conta. Se o governo acredita mesmo que as emendas ao Orçamento não são instrumento de barganha, mas uma via pela qual os parlamentares levam "benefícios à população", como diz o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, ficam duvidas.

Por que essas verbas são as primeiras a serem retidas pelo Executivo que só as libera quando a coisa aperta no Legislativo? E mais: por que em geral essa liberação não passa da promessa, esquecida depois que o clima ameniza?

Partindo-se da premissa de Carvalho pode se chegar a conclusão de que o governo tem deliberadamente negado dinheiro para financiar "benefícios à população". Trata-se, porém, de um sofisma. Mas é ao que se presta o argumento artificial do ministro para dourar a pílula do toma lá dá cá.

Fonte: O Estado de S. Paulo

O recuo nosso de cada dia - Eliane Cantanhêde

Foi um alívio Dilma sancionar sem vetos a lei que ampara a mulher estuprada e pode evitar que a vítima seja vítima para sempre, gerando um feto e criando um filho do estuprador.

Só nos faltava o governo desistir também disso, depois que a presidente voltou atrás da constituinte exclusiva para a reforma política e os recuos viraram rotina em Brasília.

O plebiscito é o "Fome Zero" da Dilma: natimorto, só continua existindo no blá-blá-blá oficial. O aumento de dois anos na formação de médicos foi enterrado por Mercadante e Padilha. A redução de um dia de trabalho por semana para enfrentar o corte no Orçamento foi desautorizada pela Defesa, e a Marinha fez meia-volta, volver.

Mais: a portaria baixando a idade mínima das cirurgias e do tratamento para mudança de sexo só resistiu algumas horas depois de publicada no "Diário Oficial". O Planalto mandou a Saúde passar a borracha. Por fim, o representante do Brasil no FMI votou contra a ajuda à Grécia sem consultar ninguém e Guido Mantega ligou para Christine Lagarde dando o dito pelo não dito.

Tem alguma coisa errada. Dilma anuncia uma constituinte sem negociar com o Congresso? E insiste num plebiscito que nem juristas aceitam? Como o governo impõe mudanças no curso de medicina e na profissão sem acertar antes com os "adversários"? A Marinha não conversa com a Defesa? A Saúde ignora o Planalto? Representantes decidem sozinhos?

Se ninguém negocia com ninguém, se subordinados não ouvem os chefes, se cada um faz o que quer, está faltando... comando. O que significa que há uma crise de gestão.

Somem-se a isso os desacertos na política (o Congresso vem quente, mas o governo não está fervendo) e as más notícias na economia (a última é que a balança comercial é a pior em 20 anos). Tem-se que a presidente da República precisa parar de achar e de dizer que está tudo uma maravilha. Se está, não parece.

Fonte: Folha de S. Paulo

Protestar no gerúndio - Maria Cristina Fernandes

Eleitos para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Vítor Negrete, Alexandre Padilha e Ruy Braga militaram juntos na campanha encabeçada pelo movimento estudantil para a derrubada do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Mais de vinte anos depois, os estudantes voltaram às ruas. Os incluídos pelas duas décadas de maior acesso a renda, educação e saúde, como mostram os números recentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), agora esbarram nas limitações de um modelo de desenvolvimento que já não comporta o avanço da inclusão.

Negrete morreu ao tentar escalar o Monte Everest e Padilha virou ministro da Saúde incumbido de encabeçar as respostas governamentais ao principal problema indicado pelos manifestantes. Desde então, Ruy Braga, hoje professor de sociologia na Universidade de São Paulo (USP), tem se dedicado a mostrar que o governo do PT leva seu aplicado colega de passeatas a enxugar gelo.

É porque trabalham que os rebeldes se manifestam

Braga é autor do mais instigante artigo de "Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil?" (Boitempo, 2013), primeira coletânea sobre as manifestações que chega às livrarias na próxima semana.

Braga dedicou os últimos anos a entrevistar operadores de telemarketing, categoria que é a porta de entrada no mercado de trabalho para 1,5 milhão de jovens com baixa qualificação. Setor que cresceu com a expansão de varejo e serviços, é a ponta em que arrebenta a insatisfação dos consumidores com a conta de celular duplicada ou a TV a cabo que sai do ar na final do campeonato.

Como muitas agências reguladoras são loteadas por ex-dirigentes de empresas que deveriam fiscalizar, sobra para os operadores de telemarketing caprichar no gerúndio para aplacar a ira de quem compra e não recebe. Pela missão, ganham pisos salariais. Simbolizam a geração de empregos da era petista em que 94% do novos postos têm remuneração de até 1,5 salário mínimo.

Entre os operadores do gerúndio, Braga encontrou muitas filhas de empregadas domésticas que, a despeito de salários mais baixos que o de suas mães, submetem-se a pressão despótica por metas e alta taxa de rotatividade na tentativa de pagar faculdade e romper com a sina familiar.

Ainda que os manifestantes sempre apareçam mascarados nas páginas de jornal, as pesquisas indicam que seu perfil não se distingue muito daqueles operadores de telemarketing. Enquete citada por Braga (Plus Marketing) mostrou que nas mega passeatas de 20 de junho do Rio e de Belo Horizonte 70% dos manifestantes estavam empregados, 34% recebiam até um e 30% ganhavam entre dois e três salários mínimos. A idade média era de 28 anos.

As manifestações não são, portanto, frutos da rebeldia estudantil ou da fúria de marginalizados. São revoltas de quem está empregado, mas não vê como seu trabalho pode vir a lhe garantir futuro.

Em livro anterior ("A política do precariado"), Braga colocou um espelho na frente do espetáculo do emprego e viu uma imagem borrada: a inserção de países periféricos como o Brasil no mercado mundial se dá com a ampliação limitada de benefícios trabalhistas e acaba gerando inquietação.

O que hoje explode nos centros urbanos já estava escrito desde o final do governo Luiz Inácio Lula da Silva nos canteiros de obra do PAC, de Jirau a Suape. O faro do ex-presidente apressou o crédito consignado e a valorização do salário mínimo, mas foram avanços insuficientes para deter a insatisfação.

Braga coloca números na inquietação. A despeito da queixa unânime do mercado de que o gargalo da economia está na baixa produtividade, o número de acidentes trabalhistas praticamente dobrou nos últimos dez anos. Cresceram ainda as doenças musculares e aquelas de fundo psicossomático.

O estresse não se limita ao mundo do trabalho, alimenta-se das condições de vida em cidades com 6% da população (12 milhões) vivendo em favelas, submetidas a até seis horas diárias de translado e sujeitas à franja de violência da periferia.

Daí porque o colega de passeatas de Braga enfrente tantas dificuldades em emplacar seus médicos a mais. É um trabalhador que, a despeito de ser mais qualificado e remunerado, somaria a precariedade de vida nos grotões e periferias à ausência de esparadrapos para remendar o caos. Se quem está lá vem gritando para sair, não vai ser fácil encontrar quem queira entrar, mesmo que de jaleco.

Os números do IDH mostraram que se algo faz sentido naquela ideia estapafúrdia de uma nova constituinte é o de chamar atenção para avanços garantidos pela Constituição de 1988, como a vinculação de gastos em educação e saúde, que, agora, bateram no teto.

Para ampliar o pé direito desse saguão onde se acumulam as demandas sociais, a presidente Dilma Rousseff esbarra na reversão da política de redução de juros, com a qual esperava ter folga fiscal. Ainda que as pastas sociais tenham sido as mais preservadas pelos cortes, não têm orçamento para fazer frente à ambição das ruas por educação e saúde de mais qualidade. A aprovação do projeto que lhes destina uma parte dos royalties do pré-sal vai dar uma folga, mas é coisa para duas décadas.

No curto prazo, o que Braga enxerga é a encruzilhada de uma política econômica que não favorece a expansão de gastos sociais ou a oferta de futuro para a rebeldia das ruas.

Além de precarizados, os empregos começam a escassear. O tempo de permanência do trabalhador no emprego caiu de 18 para 16 meses. A recontratação sempre se dá por salário menor. Em 2012 o saldo entre admitidos e desligados de seus postos de trabalho foi metade daquele registrado em 2007, pico da era Lula.

Braga se define como um fã de carteirinha de seu antigo colega de movimento estudantil, mas conclui que Padilha não pode fazer milagre.

Diz que as ruas, tomadas pelos blequebloques, só darão alento à direita se a esquerda permanecer imobilizada.

Desde que separou suas bandeiras das de Padilha, há quase dez anos, Braga milita no PSTU. Não é preciso acreditar nas chances eleitorais do 16 contra burguês para se concluir que o PT está ameaçado de perder o bonde da história pela esquerda.

As concessões feitas à Fifa e ao Coi só escancararam aquelas que ao longo da era lulista deixaram o PT refém de interesses que defendem a liberdade de mercado mas não vivem sem um Estado a protegê-los.

Fonte: Valor Econômico

Painel - Vera Magalhâes

Banca examinadora
Os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União) entrevistam a partir de hoje os três candidatos à sucessão de Roberto Gurgel na Procuradoria-Geral da União. A lista, definida em abril, é formada pelos subprocuradores-gerais Rodrigo Janot, Ela Wiecko e Deborah Duprat, nessa ordem. Dilma Rousseff estava propensa a escolher Janot, mas pessoas próximas dizem que o processo foi reaberto. Ela tem até o dia 15 para fazer a indicação.

Pé... Foi definido em reunião com mais de dez ministérios anteontem, na Casa Civil, que será traçada agenda de inaugurações às quais os ministros deverão comparecer. A ideia é evitar que governadores e prefeitos faturem obras com recursos federal.

...na estrada Nos eventos em que o titular da pasta não puder estar, deverá comparecer um ministro daquele Estado. Além disso, a orientação é convidar parlamentares das regiões para acompanhar os eventos e usar os palanques para falar de outras obras em andamento.

Dobradinha Aécio Neves vai usar o corte de 13% de custeio anunciado pelo governador Antonio Anastasia (MG) como contraponto à gestão Dilma. O senador e presidenciável tucano participou da definição das medidas em reunião com o aliado.

Reedição 1 Escaldada depois de ser tragada pelo escândalo dos pareceres na Operação Porto Seguro, a AGU deve entrar com ação para desconstituir uma área de 344 hectares no Distrito Federal cuja regularização está sob investigação da PF.

Reedição 2 A AGU mandou dois ofícios, em abril e maio, para que a Secretaria de Patrimônio da União no DF confirmasse parecer técnico favorável à regularização da área. A SPU --cuja chefe, Lúcia Carvalho, foi exonerada esta semana-- não respondeu aos pedidos.

Guerrilha Contrário à sanção do projeto que prevê assistência a vítimas de estupro, Eduardo Cunha (RJ) promete inserir em todas as medidas provisórias em tramitação no Congresso a mesma emenda para revogar a lei.

Pessoa física Cunha explica que mais essa posição contrária ao Palácio do Planalto não é da bancada, e sim individual. "Vou pegar a frente parlamentar evangélica para assinar junto", diz o líder do PMDB na Câmara.

Trava-língua A lista de cargos prolixos do governo federal foi engrossada nesta semana pelo de "coordenador na Coordenação da Coordenação-Geral de Produtividade do Departamento de Produtividade e Inovação da Secretaria de Competitividade e Gestão da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República".

Por... A bancada do PT na Assembleia Legislativa paulista recolhe assinaturas para apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição que confere aos deputados estaduais o poder de aprovar ou rejeitar a indicação do procurador-geral de Justiça, escolhido pelo governador.

...fora O texto também determina que o chefe do Ministério Público analise as denúncias de promotores contra agentes públicos. A proposta ganha corpo como alternativa ao projeto de Campos Machado (PTB) que retira dos promotores o poder de investigar políticos.

Visita à Folha Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Zeca Rudge, vice-presidente executivo, Fernando Chacon, diretor executivo, e Paulo Marinho, superintendente de comunicação.

Com Andréia Sadi e Bruno Boghossian

Tiroteio

"Minha dúvida é se o prefeito omitiu a autoria do projeto por esquecimento ou por falta de honestidade intelectual."

DO VEREADOR JOSÉ POLICE NETO (PSD), sobre Fernando Haddad não ter citado que foi dele a ideia de criar o Conselho Participativo Municipal, lançado ontem.

Contraponto

Bancada ambulante

Amparado por uma ampla base de deputados aliados na Assembleia Legislativa, o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) costuma brincar nos eventos oficiais de sua gestão quando encontra um grande número de parlamentares entre os convidados.

Em março, durante ato no Palácio dos Bandeirantes, o tucano saudou 14 deputados ao iniciar seu discurso, incluindo políticos de partidos de oposição. Ao terminar a lista de presença, Alckmin brincou com o presidente da Assembleia, Samuel Moreira (PSDB):

--Pode começar a votação. Já temos quorum!

Fonte: Folha de S. Paulo