domingo, 5 de junho de 2011

Opinião – O Blog

O grotesco episódio de violência e constrangimento proporcionado pelo governo de Sergio Cabral aos soldados do Corpo de Bombeiros em greve, mostra a verdadeira face deste governo que paga míseros novecentos reais por mês para que a tropa salve vidas. É inacreditável! Além de, numa situação de desequilíbrio mental, acusar os bombeiros de ‘vândalos’.

Enquanto isso... é só elogios ao ministro que não explica o faturamento de 20 milhões:

‘O Palocci é um quadro extraordinário. É sério. Me parece que ele não cometeu nenhuma ilegalidade. Falamos ao telefone, senti ele muito tranquilo. Dei a minha solidariedade e tocamos a vida. Tem sido importante para a presidenta Dilma. É querido no setor empresarial, no Congresso Nacional’, disse Cabral. (Folha de S. Paulo, 30/5/2011)

Mas, o governador também não explica para onde vai a taxa de incêndio que pagamos. Para onde está indo?

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Bope prende bombeiros; ‘são vândalos’, diz Cabral
‘Veja’: Palocci mora em imóvel de laranjas
Como nasce uma ‘ex-favela’
Seleção é vaiada no empate com Holanda
No Rio, crime do colarinho branco sem punição

FOLHA DE S. PAULO

Dilma decide ouvir Lula sobre destino de Palocci
Gasto do governo com consultorias cresce com o PAC

O ESTADO DE S. PAULO

Nova denúncia sobre imóvel agrava situação de Palocci
‘Fantasmas’ rondam eleição no Peru hoje
Norte supera Nordeste em violência

ESTADO DE MINAS

Polícia prende centenas de bombeiros
Congresso alivia punição

CORREIO BRAZILIENSE

Rombo da Caixa de Pandora em dez anos chega a quase R$ 1 bi
Penas brandas para quem contraria a lei

ZERO HORA (RS)

Nova suspeita agrava caso Palocci

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Protesto e guerra no Rio
Banda larga para todos fica no campo da teoria no Brasil
Nova denúncia complica ainda mais o ministro Palocci

Dilma decide ouvir Lula sobre destino de Palocci

A presidente Dilma Rousseff vai ouvir seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, antes de decidir se demite ou não o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Além do ex-presidente, ela pretende conversar com outros integrantes da base de apoio ao governo. Para aliados, as explicações dadas por Palocci tanto à Folha como à TV Globo foram tardias e insuficientes para encerrar a crise que atinge o Palácio do Planalto há três semanas.

Dilma ouvirá Lula antes de decidir futuro de Palocci

Petistas avaliam que entrevistas de ministro chegaram tarde e não esfriaram crise

Presidente se mostra satisfeita por Palocci ter dito em entrevista que ela não foi informada de detalhes sobre empresa

A presidente Dilma Rousseff vai consultar a opinião de seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e de outros aliados antes de decidir se demite ou mantém o ministro Antonio Palocci na chefia da Casa Civil.

Lula chegou na sexta-feira ao Brasil, depois de uma viagem a Cuba e à Venezuela. Ele e Dilma tinham combinado conversar durante o fim de semana, algo que tem se tornado rotineiro.

No Palácio do Planalto, a avaliação geral é que as entrevistas de Palocci à Folha e ao "Jornal Nacional", da TV Globo, foram dadas tarde demais. Por essa razão, o impacto seria insuficiente para debelar a crise política que se formou no governo nas últimas três semanas.

A Folha revelou em 15 de maio que Palocci multiplicou seu patrimônio em 20 vezes nos últimos quatro anos. Em 2010, ele faturou R$ 20 milhões com uma empresa de consultoria, a Projeto. O ministro se recusa a revelar a identidade de seus clientes e detalhes sobre os serviços que prestava.

Nas entrevistas concedidas anteontem, Palocci manteve a mesma estratégia. Reafirmou ter pagado todos os impostos e disse que nunca operou de maneira ilegal em favor de interesses privados junto ao governo.

Na noite de sexta-feira, Palocci conversou brevemente com a presidente sobre o conteúdo das entrevistas. Ontem, o ministro estava em São Paulo, onde vive.

A presidente ficou satisfeita com o fato de Palocci ter deixado claro na entrevista à Folha que ela não foi informada de detalhes sobre suas atividades como consultor de empresas. O temor do governo é que a crise política se alastre e passe a corroer a imagem de Dilma.

"Deveria ter feito isso [dado entrevistas] antes, talvez já teríamos virado essa página", disse o secretário de Comunicação do PT, André Vargas (PR). Para ele, "a oposição é insaciável".

Publicamente, aliados do Planalto tentaram sinalizar satisfação com as declarações de Palocci para não alimentar ainda mais a crise em torno das suspeitas sobre a atuação do ministro no mundo empresarial.

Alguns governistas tentaram manter as aparências. "Acho que as declarações foram convincentes e consistentes. Para mim não foi surpresa, pois sempre acreditei nas explicações dele", afirmou o presidente nacional do PT, Rui Falcão.

O vice-presidente, Michel Temer (PMDB), que participou ontem de um evento do PMDB em São Paulo, afirmou que Palocci "foi muito eficiente" na entrevista.

Mas o peemedebista não quis se comprometer sobre o que vai acontecer. "Cada presidente da República dispõe de todos os cargos. Ela deve saber sobre o que tem que ser feito."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Gasto do governo com consultorias cresce com o PAC

A expansão de investimentos promovida pelo Programa de Aceleração do Crescimento multiplicou o volume de dinheiro público destinado a contratação de serviços de consultoria.

União, Estados e municípios injetam juntos nesse mercado cerca de R$ 2 bilhões anuais.

Gastos públicos com consultorias chegam a R$ 2 bilhões ao ano

Principal justificativa é a falta de especialização de mão de obra; obras do PAC turbinaram contratações

Governo federal é o que mais demanda esse tipo de serviço; despesas com o setor cresceram 129% em quatro anos

Gustavo Patu e Fernanda Odilla

BRASÍLIA - A expansão de obras e outros investimentos promovida pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) multiplicou nos últimos anos o volume de dinheiro público destinado à contratação de serviços de consultoria.

Juntos, União, Estados e municípios injetam nesse mercado cerca de R$ 2 bilhões anuais em recursos originários da arrecadação de impostos, sem considerar os gastos com receita própria das empresas estatais.

A quantia equivale a cem vezes o faturamento da empresa Projeto, do ministro Antonio Palocci (Casa Civil), no ano passado, de R$ 20 milhões, conforme os dados revelados pela Folha.

O governo federal responde pela maior parte da escalada recente dessa modalidade de despesa. Se em 2006, antes do PAC, as verbas para consultorias ficaram pouco acima dos R$ 200 milhões, no ano passado se aproximaram dos R$ 600 milhões.

Descontada a inflação, o aumento foi de 129%. No período, a soma de gastos da União -pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimentos- cresceu a um terço desse ritmo.

Ao permitir o afrouxamento da política fiscal e elevar os recursos para obras de infraestrutura, o PAC, lançado como prioridade do segundo mandato de Lula, respondeu pela maior parte do aumento de gastos com consultorias.

O motivo, em tese, é a falta de pessoal especializado, apesar da contratação de mais funcionários públicos na administração petista.

Mais da metade dos valores de 2010 se vincula ao PAC, sobretudo contratos do Ministério dos Transportes.

A pasta trabalha com as duas empresas que mais receberam por consultorias em 2010, a STE (R$ 42,8 milhões) e a Concremat (R$ 29,4 milhões, incluindo contratos com Integração Nacional, Minas e Energia e Fazenda).

Entre os maiores pagamentos há nomes mais conhecidos, como a Fundação Getulio Vargas, que trabalha com diversos órgãos dos três Poderes, e a FSB Comunicação, cujo principal contrato era com a Saúde.

A empresa também foi contratada no mês passado para ajudar Palocci a lidar com a crise provocada pela revelação de seus negócios.

A empresa do ministro não aparece entre as beneficiárias primárias dos desembolsos. Um eventual acesso da Projeto a recursos federais, portanto, só teria ocorrido por meio de subcontratações, que são permitidas em boa parte das operações.

PROBLEMÁTICOS

Esse é um dos fatores que tornam a fiscalização e o controle de gastos com consultoria potencialmente problemáticos. Há ainda brechas para a dispensa de licitações, dificuldades para atribuir valor ao serviço e até para avaliar se de fato foi prestado.

O TCU (Tribunal de Contas da União) também tem monitorado as consultorias devido ao risco de utilização das consultorias para disfarçar a contratação de profissionais sem concurso público.

Além do PAC, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 devem manter a expansão desse tipo de despesa -e de preocupação- nos próximos anos. Não por acaso, o Ministério dos Esportes gastou mais com consultorias do que com salários de servidores em 2010.

Revista: Palocci mora em apartamento de laranja

Reportagem da "Veja" afirma que imóvel no qual ministro vive de aluguel está em nome de dois jovens de classe baixa

SÃO PAULO. Depois da polêmica provocada pela rápida elevação de seu patrimônio, nova suspeita pesa sobre o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci: segundo a revista "Veja" desta semana, Palocci mora num apartamento alugado e avaliado em R$4 milhões no luxuoso bairro de Moema, Zona Sul de São Paulo, que está em nome de dois jovens de 17 e 23 anos, de classe média baixa.

Segundo a revista, o apartamento foi transferido à Lion Franquia e Participações Ltda, mas está registrado no 14º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo em nome de dois sócios: Dayvini Costa Nunes, com 99,5% das cotas, e Filipe Garcia dos Santos, com 0,5%. Filipe tem apenas 17 anos e só foi emancipado no ano passado, enquanto Dayvini tem 23 anos, é representante comercial, mora nos fundos de um casabre na periferia de Mauá, no ABC paulista, e é ex-funcionário da prefeitura da cidade, administrada pelo petista Oswaldo Dias.

Em entrevista à revista, Dayvini se declara um pobre "laranja". Já ganhou a vida como vendedor de uma loja de roupas e atualmente sobrevive transportando videogames com sua Saveiro, comprada em 60 prestações. Deve R$400 a uma administradora de cartões de crédito e abandonou curso de Administração na faculdade por não conseguir pagar a mensalidade e até está sendo processado pela escola por não ter quitado o débito de R$3.200. Até seus telefone fixo e celular foram cortados por falta de pagamento. Tem um salário de R$700 e é sustentado pela mãe, uma professora da rede pública.

- Estou surpreso com essa história. Nunca tive bem algum - disse Dayvini à "Veja".

O nome dele começou a aparecer na escritório do imóvel onde Palocci mora em janeiro de 2008. Ele aparece como sendo beneficiário de uma hipoteca de R$233.450, que foi garantia para a compra do apartamento de Moema onde Palocci mora.

- Eu sou pobre. Como eles poderiam ainda me dever?

Em setembro de 2008, o imóvel de Dayvini foi transferido por doação para a Lion Franquia e Participações Ltda. A Lion diz ter recebido o apartamento de Gesmo Siqueira dos Santos, tio de Dayvini.

Segundo a revista, a Lion usou endereços falsos em suas operações nos últimos três anos. Gesmo responde a 35 processos por fraudes em documentos, adulteração de combustível e sonegação fiscal. O outro sócio da Lion, Filipe Garcia dos Santos, forneceu ao cartório um endereço fictício no Paraná. A sede formal da Lion fica na cidade de Salto, a 100km da capital paulista.

No dia 29 de dezembro do ano passado, quando Palocci já era tido como o principal ministro da presidente Dilma Rousseff, Dayvini assumiu 99,5% das cotas da Lion Franquia. Ele disse que jamais recebeu um centavo do aluguel - que, segundo imobiliárias, seria de aproximadamente R$15 mil - de Palocci.

Depois dessa entrevista, segundo a revista, Dayvini ligou para a "Veja" na última sexta-feira, para mudar sua versão. Não negou que era laranja da Lion, mas afirmou que entrou no negócio para ajudar um parente.

- Eu quero tirar essas empresas do meu nome (...). Esse problema envolve pessoas com quem eu não tenho como brigar, como Palocci - disse o laranja à "Veja".

FONTE: O GLOBO

Nova denúncia sobre imóvel agrava situação de Palocci

A situação do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, piorou depois da entrevista que ele concedeu ao Jornal Nacional, na sexta-feira. E se agravou ontem depois da divulgação, pela revista "Veja", da notícia que o apartamento de 640 metros quadrados que Palocci aluga, em São Paulo, seria de empresa dirigida por laranjas, um deles de 23 anos, outro de 17. A presidente Dilma Rousseff teve uma reação de desânimo ao ver a entrevista, segundo fontes do Planalto. Petistas de São Paulo classificam o clima como "insustentável".

Palocci não convence Dilma e fica em situação crítica após nova denúncia

Além do desânimo da presidente com explicações do ministro na TV, revista revela que titular da Casa Civil mora em imóvel de uma empresa que usaria endereços falsos e laranjas

João Domingos e Leonencio Nossa

BRASÍLIA - A situação do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, piorou muito depois da entrevista que ele concedeu ao Jornal Nacional, na sexta-feira. E se agravou ainda mais depois da divulgação, pela revista Veja, de que o apartamento de 640 metros quadrados que Palocci aluga, em São Paulo, seria de uma empresa dirigida por laranjas, um de 23 anos, outro de 17.

A presidente Dilma Rousseff teve uma reação de desânimo depois de ver a entrevista, de acordo com informações de bastidores do Palácio do Planalto. E teria comentado que Palocci ficou devendo respostas a respeito da lista de clientes, que, segundo ele próprio, foram entre 20 e 25.

No Planalto já se fala que agora o governo deve entrar num clima de transição na área política. Petistas que foram à festa de filiação do deputado Gabriel Chalita ao PMDB, em São Paulo, chegaram a dizer que a situação de Palocci se tornou "insustentável".

Antes mesmo da entrevista do titular da Casa Civil para esclarecer suspeitas de enriquecimento ilícito, Dilma e auxiliares mais diretos avaliavam que o ministro não conseguiria reverter a sua situação pessoal nem a de engessamento do governo.

O ministro Gilberto Carvalho, que ocupa atualmente a apagada pasta da Secretaria-Geral, vem tentando ocupar um pedaço do "vácuo" nas interlocuções do Planalto com setores da base aliada na falta de Palocci, disseram auxiliares de Dilma.

Carvalho sempre é lembrado pelo contato direto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, maior fiador de Palocci no governo. Carvalho também mantém boa relação com dirigentes do PT contrários à permanência de Palocci, que reclamam da nomeação de aliados para cargos que disputam na aliança partidária governista. A participação ativa de Carvalho na busca de saídas para a crise não se limita a negociações com petistas. Dilma encarregou o ministro de manter conversas permanentes com o vice-presidente Michel Temer e líderes do PMDB.

"Insaciável". O secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR), admitiu que a revelação sobre o aluguel do apartamento de Palocci vai piorar as coisas no Congresso. "A oposição é insaciável e é claro que fará muito barulho", disse.

Nesta semana, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), decidirá se anula ou não requerimento de convocação de Palocci aprovado pela oposição na Comissão de Agricultura. Se o clima piorar na Câmara, Maia terá maiores dificuldades para cancelar o ato da comissão.

No ato de filiação de Chalita, Temer disse ver na fala de Palocci muita lealdade aos seus clientes. Ele classificou de satisfatória e convincente a entrevista do ministro, depois de um silêncio de 20 dias, mas não quis comentar se o chefe da Casa Civil terá força para continuar no posto.

"Ele veio à público dizer o que tinha de dizer, acho que ele foi muito convincente e teve muita lealdade profissional com seus clientes e com aqueles que serviu", destacou o vice, numa referência ao fato de Palocci não ter revelado o nome de seus clientes e nem sua renda.

Questionado se o ministro permanecerá à frente da Casa Civil, Temer desconversou: "A presidente Dilma dispõe de todos os cargos e não deve ser eu a dizer o que deve ser feito." E emendou: "Não sei se há possibilidade de troca, sei que a presidente tem muita confiança nele. Confiamos no desempenho dele e nos princípios administrativos que ele tem. Palocci colabora muitíssimo com o governo federal."

O presidente interino do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), comentou que, na sua opinião, Palocci esclareceu toda a situação na entrevista de sexta-feira. "Ele foi muito bem nas explicações", disse. O mesmo declarou o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), Eunício Oliveira (PMDB-CE).

(Colaboraram Wellington Bahnemann e Júlia Duailibi)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Charge: Lula Palocci e a saudade

Aroeira/ O Dia

Aécio: 'Ou paramos de olhar o umbigo ou perdemos o bonde da História'

Entrevista : Aécio Neves

Senador defende que PSDB amplie leque de alianças e que não antecipe candidato; ele aponta contradições de adversários

Usando toda a mineirice que deixou de lado durante o embate travado na semana retrasada com o ex-governador José Serra pelo comando do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) hesita em cantar vitória. Diz que está na hora de os tucanos pararem de olhar para o próprio umbigo e de brigar internamente para não perderem o bonde da História. Para começar, defende que o partido amplie seu leque de alianças junto a partidos hoje governistas, como o PSB e setores do PMDB, sem perder de vista, porém, que seu adversário principal é e continuará sendo o PT. Mesmo admitindo que não fará uma oposição como a que os petistas fizeram contra o PSDB, Aécio mostra a língua afiada ao apontar as contradições de seus adversários, como o recente anúncio das privatizações de aeroportos. Identificado hoje como um dos nomes fortes para a disputa presidencial de 2014, Aécio não quer ainda assumir abertamente sua condição de pré-candidato à sucessão da presidente Dilma Rousseff. E resiste também a mudar seu estilo "bon vivant", que o levou recentemente a ter a carteira de habilitação suspensa, após se recusar a fazer o teste do bafômetro numa blitz no Rio.

Adriana Vasconcelos

O senhor se sente vitorioso na disputa travada com o ex-governador José Serra antes da convenção do PSDB?

AÉCIO NEVES: De forma alguma. O PSDB é que saiu vitorioso. Há uma tendência de se achar que vivo em conflito permanente com Serra. Nós somos parceiros de um grande projeto de Brasil. O que prevaleceu foi a seguinte compreensão: ou nós paramos de olhar para os nossos umbigos e passamos a compreender o Brasil com as mudanças que vêm ocorrendo ou perderemos o bonde da História.

Quando os tucanos vão escolher seu candidato para 2014?

AÉCIO: É um equívoco grande antecipar essa discussão. Para chegar em 2014, como uma alternativa viável, temos de passar por 2011, que é o momento da nossa reorganização interna e do resgate das nossas bandeiras. E, em 2012, temos de disputar com força as eleições municipais.

Dizem que a fila no PSDB andou e que agora é sua vez. Concorda?

AÉCIO: Seria um grande equívoco partidário e, no meu caso, pessoal anteciparmos essa decisão. O PSDB tem quadros que vão ser analisados no momento certo. Incluo, além do Serra, os governadores Geraldo Alckmin, Beto Richa, Marconi Perillo. Ficou claro nesta convenção que o candidato do PSDB será aquele que tiver as melhores condições de interpretar esse sentimento difuso da sociedade, agregar outras forças políticas.

Seus aliados elogiam sua capacidade de aglutinação de forças de fora da oposição, mas alguns se preocupam com seu estilo "bon-vivant". Abriria mão disso para chegar ao poder?

AÉCIO: Eu sou um homem do meu tempo e optei desde o início de minha trajetória pública em não adotar a hipocrisia daqueles que têm duas vidas: uma que é real e outra para oferecer à opinião pública. Como qualquer ser humano, cometo erros e acertos. Mas jamais transigi no essencial: na correção e seriedade de minha vida pública.

Em 2010, o PSDB evitou as prévias, e o racha ocorreu mesmo assim. Isso pode se repetir?

AÉCIO: Sempre defendi e continuo defendendo as prévias. Além de democratizarem as indicações dos candidatos, servem para mobilizar o partido. Se tivermos mais de um postulante, as prévias devem ser assimiladas com naturalidade.

Que alianças o PSDB priorizará nas próximas eleições?

AÉCIO: Nossas alianças preferenciais serão com PPS e DEM, mas, sabendo que lá adiante o grande adversário é o PT, será muito natural que o PSDB construa alianças com partidos que hoje estão na base de sustentação do governo do PT, como PSB e com parcelas do PMDB.

O PSDB deve investir mesmo na nova classe média como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique?

AÉCIO: Há hoje uma movimentação de classe que precisa ser compreendida por nós com agilidade e rapidez. Na minha avaliação, o PSDB é hoje o partido da modernidade, enquanto o PT se caracteriza como o partido do atraso, do patrimonialismo e do aparelhamento da máquina pública. Isso dá espaço para que o PSDB seja intérprete dessa nova classe média, crítica em relação à ineficiência e refratária aos desvios éticos do governo.

Como fazer isso?

AÉCIO: Vamos entrar fortemente nas mídias sociais, dialogar com setores não organizados da sociedade, porque é aí que está a oposição real do Brasil hoje. O partidos políticos não têm sido mais os representantes do sentimento de indignação ou de frustração das pessoas.

O senhor concorda que o PSDB deva fazer uma oposição mais dura ao governo do PT?

AÉCIO: Jamais faremos a oposição que o PT fez em relação ao nosso governo. Vamos cobrar, apontar a ineficiência, o aparelhamento da máquina pública e os desvios éticos, mas devemos também apontar caminhos e alternativas ao que está aí.

Qual sua avaliação do governo da presidente Dilma e da crise Palocci?

AÉCIO: O governo construiu base ampla não em torno de um projeto de país, mas em torno da distribuição de espaços. Assim, no primeiro momento de fragilidade do governo, como o atual, a pressão da base cresce.

Que bandeiras o PSDB pretende levantar?

AÉCIO: Nós precisamos resgatar a federação. Grande parte das crises que estamos vivendo deve-se exatamente à concentração de poder financeiro e político do governo federal.

Na última semana, a oposição aprovou a convocação de Palocci na Câmara e derrubou duas MPs no Senado. É o primeiro sinal de reação da minoria?

AÉCIO: Estamos reorganizando nossa tropa e demos demonstração da nossa capacidade de mobilização e de articulação.

Com viu a interferência do ex-presidente Lula na articulação do governo Dilma?

AÉCIO: Todos sabem das relações pessoais que tenho com o presidente Lula. Mas vou ser sincero: acho que a forma como o Lula participou talvez tenha trazido mais danos à presidente Dilma do que o próprio episódio envolvendo Palocci.

FONTE: O GLOBO

Novos desafios:: Fernando Henrique Cardoso

Passados os momentos de euforia por havermos ingressado no clube dos que tomam decisões no mundo (e não nos esqueçamos de que o G-20 começou como encontro entre ministros da Fazenda quando Pedro Malan ainda exercia a função), começam as dores de cabeça e as indefinições criadas pela nova situação. Se a estas juntarmos as advindas da política doméstica, não são poucos os enigmas e incertezas que temos pela frente.

O mundo está se reordenando. A liderança norte-americana, com Barack Obama, evita a arrogância e começa a aceitar novas parcerias. Ainda agora, ao proclamar que a melhora de posição dos Brics e dos demais países emergentes não põe a perigo a predominância anglo-saxã, não disse isso como ameaça, mas como conselho aos seus: não temam o que está surgindo porque surgirá de qualquer modo e é melhor ter aliados do que inventar inimigos. Diante dos novos atores políticos no Norte da África e no Oriente Médio, a atitude americana está sendo marcada por um encorajamento democrático discreto como há tempos não víamos. É cedo para saber até onde irá esse bafejo de idealismo pragmático e também para ver até que ponto evoluirá a situação dos países recém-ansiosos por liberalização.

De qualquer modo, a situação internacional é distinta daquela aterradora da era Bush. O que não quer dizer que o futuro será melhor. Depende de muita coisa. De os Estados Unidos superarem a crise financeira, pois o desemprego continua enorme e o gasto público, descontrolado. De a Europa mostrar ser capaz de suportar as agruras de uma austeridade "germânica" sem romper a coesão social produzida pelo modelo democrático e próspero sonhado pela União Europeia. De a China continuar a crescer e dar pitadas de bem-estar ao povo. Mesmo que tudo isso se realize da melhor maneira, sobram dúvidas.

Que farão EUA e China, gigantes em comparação com as demais economias e Estados em expansão, jogarão como um duo gestor do mundo? Haverá um G-2 com suas economias complementares impondo seus interesses ao conjunto do planeta? Ou, então, EUA e Europa imporão seu predomínio, como tentam fazer agora na sucessão do FMI? E nós nisso tudo?

As incertezas pesam e tornam necessárias estratégias de convergência doméstica e lucidez para organizar alianças internacionais. Dado o caráter dos interesses globais, que ora unem, ora repelem alianças entre os Três Grandes, o necessário é que participemos da grande cena mundial sem ilusões ideológicas e com muita coesão interna. Para tanto precisamos de uma estratégia consensual e de determinação política. Estratégia consensual não é um "projeto nacional", expressão que, em geral, significa o Estado conduzindo o povo para objetivos definidos por um partido ou um grupo de ideólogos. Não é disso que precisamos, mas de um consenso enraizado na sociedade sobre questões decisivas, sem supor adesão a governos nem oposições aquietadas.

Com a globalização os condicionantes geográficos não nos limitam, como no passado. Não há por que nos cingirmos ao "Ocidente", ao Hemisfério ou mesmo à América do Sul. Mas temos outros condicionantes. A demografia impõe-nos desafios, com o crescimento da população adulta e idosa. Há que criar empregos de qualidade para sustentar tal tipo de população. É certo também que aprendemos a amar a liberdade e a desejar uma sociedade com crescente participação de todos no bem-estar e nas decisões. Por fim, os imperativos de preservação do meio ambiente e da criação de uma economia baseada em energias de baixo consumo de carbono são onipresentes.

Não adianta sonhar com o "estilo chinês" de crescimento, pois o afã de liberdade e consumo impede tal proeza. Nem imaginar que a expansão econômica baseada na exportação de minérios e produtos alimentícios gerará, por si só, a quantidade e a qualidade de valor agregado necessário para distribuir melhor o bolo, que é o que queremos. Tampouco faz sentido limitarmos nossas alianças a este ou àquele parceiro: elas deverão ser com quem nos ofereça vantagens de conhecimento (tecnológico, científico, organizacional) que permitam nos apropriarmos do que de melhor há no mundo. É imperativo inovar, não abrir mão da indústria e oferecer serviços em quantidade e qualidade em saúde, educação, transportes, finanças, etc. Aproveitar, mas ir além do que as commodities nos permitem alcançar. Nosso caminho será o da democracia. Ela não é um obstáculo. É parte inseparável do desenvolvimento, como valor e como "método". Por isso é preciso aumentar a transparência das decisões e debater com o País os passos decisivos para o futuro.

É ai que pecamos. Desde o governo Lula, a modo do autoritarismo militar, as decisões fundamentais são tomadas sem debate pelo Congresso e pelo País (mudança da Lei do Petróleo, decisões na política energética, especialmente na nuclear, reaparelhamento militar, não decisões sobre a infraestrutura por medo das privatizações, ou pior, decisões com abuso de subsídios, como no caso do trem).

Quando o governo da presidente Dilma parecia dar passos certos para ajustar a política internacional e começava a permitir que o debate sobre as grandes questões nacionais se deslocasse do plano miúdo das divergências eleitorais, vem de novo "seu mestre" (que prometera ficar calado como ex-presidente) e joga em solo corriqueiro as questões políticas. Em vez de se preocupar com a veracidade do que transpareceu, acusa irresponsavelmente o PSDB pelo vazamento de informações relativas à evolução patrimonial do principal ministro do governo. E passa a operar a disputa por cargos e troca de votos no Congresso, ofuscando sua sucessora. Em vez de um passo à frente, mais um passo atrás no amadurecimento da sociedade e da política, que volta a se apequenar no jogo rasteiro de chantagens e pressões. No lugar de o líder sustentar valores, temos o retorno da metamorfose ambulante operando com o costumeiro desdém aos princípios.

Assim será difícil uma nação com tantas virtudes alcançar a maturidade que as condições materiais começam a tornar possível. É preciso ter lideranças à altura se quisermos jogar na grande cena mundial. Presidente Dilma: não desperdice sua chance!

Sociólogo, foi Presidente da República

FONTE: O GLOBO

Interesse público:: Merval Pereira

Estamos diante de uma situação típica de governo de visão política autoritária, que considera que certas informações não são do interesse público, como se coubesse ao governo definir que informações a opinião pública tem o direito de saber.

Assim como Palocci disse que o faturamento de sua "consultoria" não é de interesse público, também os boletins médicos não esclareceram à população que a pneumonia da presidente Dilma era dupla e não "leve".

A relação de doenças com que a presidente Dilma lida, revelada pela revista "Época", é outro exemplo de como, no Brasil, os agentes públicos não consideram seu dever revelar questões que, embora íntimas, se tornam de interesse público, pela circunstância de fazerem parte da vida de um político que tem responsabilidades pelos destinos do país.

Em vários países, onde o cidadão tem mais noção dos seus direitos, como nos Estados Unidos, seria impossível alguém concorrer à Presidência da República sem revelar os mínimos detalhes de sua condição física.

Justiça seja feita, esconder doenças não é uma inovação do governo Dilma.

O exemplo mais óbvio é a foto do presidente eleito Tancredo Neves cercado de médicos, sorrindo como se estivesse se recuperando quando havia um aparato por trás dele assegurando que as aparências não revelassem a gravidade de seu quadro.

Diz-se que o governo pretende fazer uma pesquisa de opinião para saber qual foi a reação do eleitorado às supostas explicações do ministro Antonio Palocci e, a partir daí, estabelecer uma linha de ação.

Não me parece provável que a entrevista de Palocci ao "Jornal Nacional" de sexta-feira tenha tido a capacidade de dissipar as dúvidas do público em geral, embora sua aparente tranquilidade possa ter dado às evasivas com que respondeu uma aparência de esclarecimento.

Mas será preciso mais do que uma pesquisa de opinião para que o principal coordenador político do governo recupere sua operacionalidade.

O (ainda) ministro Antonio Palocci pode ter ganhado um fôlego, do ponto de vista do governo, com a entrevista ao "Jornal Nacional", mas continuará com problemas para cumprir suas funções na coordenação política do governo.

A reação dele à lembrança de que o deputado federal Garotinho o tinha classificado como "um diamante de R$20 milhões" é típica de quem tem que ter cautela até mesmo com figuras políticas do baixo nível do ex-governador do Rio.

Ao pedir que acreditem em sua boa-fé, Palocci está simplesmente pedindo à opinião pública que acredite nele, quando seu passado recente indica que suas versões nem sempre coincidem com o que realmente aconteceu.

Absolvido pelo Supremo Tribunal Federal da acusação de ter sido o mandante da quebra de sigilo do caseiro Francenildo, sabe-se, agora, por meio de uma nota oficial da Caixa Econômica Federal, que o que todo mundo desconfiava foi o que realmente aconteceu: a quebra do sigilo foi autorizada pelo gabinete do então ministro da Fazenda.

O presidente da Caixa na ocasião, Jorge Mattoso, foi condenado pelo STF como único responsável pela ação criminosa e não se defendeu oficialmente, provavelmente por lealdade política.

Quando coube à instituição CEF a defesa oficial, a acusação ao Ministério da Fazenda surgiu, cristalina, agora já sem possibilidade de colaborar com a condenação de Palocci.

Pedir que acreditem na sua boa-fé pela segunda vez em tão pouco tempo é pedir demais ao cidadão comum, tão calejado em assistir a manobras de membros do governo para esconder questões que interessam, sim, ao público - como o estado de saúde da presidente Dilma ou as contas do deputado dublê de consultor que, no último ano, teve ainda o terceiro papel de coordenador da campanha presidencial da candidata oficial.

Imaginar que ele pudesse exercer todos esses papéis simultaneamente sem misturá-los é dar a Palocci um cheque em branco que nenhum político deveria receber, justamente porque políticos têm que prestar contas permanentes à opinião pública, sem o que ficariam acima das leis.

O ministro Antonio Palocci defende sempre que sua empresa cumpriu todos os ritos legais, sem que nunca tenha havido uma acusação sobre isso contra ele. Talvez porque a parte formal de sua "consultoria" seja a mais fácil de provar.

No entanto, e sem que esteja inferindo que tenha acontecido isso - embora circulem em Brasília muitas hipóteses nesse sentido -, dar notas fiscais para "esquentar" dinheiro de origem duvidosa é a prática mais comum em empresas de fachada criadas justamente com esse fim.

O governo vai tentar sair das cordas nos próximos dias, mas, se PT e PMDB continuarem sentindo cheiro de carne queimada mesmo depois da entrevista, continuarão a deixar Palocci no sereno, negando-lhe o apoio político de que necessita.

Ele mesmo, ao assumir como uma questão pessoal a crise política em que envolveu o governo, assumiu a versão oficial do PT, que quer dissociar sua imagem da do governo.

Em vez de salvar sua pele, essa manobra pode colaborar para apressar sua saída.

Aliás, se considera mesmo que o que está em jogo é uma luta política contra ele, Antonio Palocci deveria ser o primeiro a pedir para sair, para livrar o governo desse ônus.

Ele ressaltou que as acusações são da ocasião em que era deputado e não ministro do governo Dilma. A mesma defesa, com sinais trocados, que o então ministro José Dirceu tentou quando se viu envolvido com o mensalão: não poderia ser cassado como deputado porque exercia o cargo de ministro na ocasião.

Nas duas ocasiões, as figuras públicas de Palocci e Dirceu são indissociáveis de seus atos, sejam quais forem os cargos que ocupem.

FONTE O GLOBO

Feitiço do tempo:: Dora Kramer

Para falar o que disse em suas primeiras manifestações públicas desde que seu enriquecimento virou notícia, o ministro Antonio Palocci poderia ter-se pronunciado de imediato.

Teria evitado o desgaste ao governo, a erosão de sua credibilidade pessoal, o constrangimento de ver seu próprio partido negar-lhe apoio, entre outros malefícios decorrentes de seu estridente silêncio de 20 dias.

Por algum motivo preferiu deixar que o tempo se encarregasse de alimentar a suspeição. Exatamente por esse motivo perdeu o direito de pedir que a Nação o veja com boa fé e justamente por ele foi ao beco sem saída.

Palocci disse à TV Globo que não falou antes para não ser "indelicado" com a Procuradoria Geral da República que lhe solicitara informações as quais, segundo ele, deveriam ser dadas primordialmente ao Ministério Público.

Ocorre que o procurador solicitou essas informações apenas depois de alguns dias de a Folha de S. Paulo ter revelado a multiplicação por 20 de seu patrimônio. Nesse meio tempo o ministro não esteve submetido às obrigações de primazia por ele aludidas aos "órgãos públicos de controle".

Em tese poderia ter dito o que disse agora. Se não o fez é porque não pôde.

Em outro trecho da entrevista ao Jornal Nacional (muito bem conduzida pelo repórter Julio Mosquera), Palocci alegou que a demora e a recusa em se explicar perante o Congresso deveu-se ao "conturbado ambiente político". Como "prova" da conturbação citou o fato de a oposição ter recorrido ao Ministério Público.

De novo o tempo conta em seu desfavor: a conturbação só se configurou pela demora e pela recusa.

Ademais, não cabe ao ministro julgar o que deve ou não fazer a oposição, muito menos lhe é dado o direito de ignorar o Congresso como o órgão público de controle mais abalizado a atuar nesse tipo de situação, pois recebeu delegação popular para isso.

"Não vou fazer o embate político", justificou-se, indiferente à evidência de que fez isso pela negativa de reconhecer legitimidade ao Parlamento para ouvi-lo.

Comportou-se como um empresário privado que estivesse sendo instado ilegalmente a romper cláusulas dos contratos com seus clientes.

Palocci continuou escondendo o essencial tentando redesenhar o episódio à sua conveniência: insiste na confidencialidade tentando convencer o País de que na cadeira de ministro da Casa Civil está sentado um homem correto, cumpridor de seus compromissos e que não pretende rompê-los.

Dissimula. O xis da questão é que, desde o momento em que assumiu o cargo, tal comprometimento transferiu-se da clientela privada para a esfera pública.

Nesta, o que está em jogo não é a lisura de Palocci para com seus contratantes, mas a fidelidade para com quem agora o tem sob contrato: a sociedade por intermédio do governo.

Se não for capaz de compreender isso e agir conforme essa premissa é porque não está apto a atender todos os requisitos exigidos à função.

Quando esteve fora do Poder Executivo, no exercício do mandato de deputado federal, Palocci optou por ganhar dinheiro. Foi ser consultor valendo-se da experiência e do "valor de mercado" adquirido na passagem pelo ministério da Fazenda.

Muito justo. Mas tal opção implica a existência de bônus e de ônus.

Quem quer ganhar dinheiro e ainda assim seguir na vida pública, no Legislativo ou no Executivo, deve saber que o essencial não é sua relação com os clientes privados, mas suas obrigações para com o público.

Tais obrigações o põem necessariamente na contingência de prestar todas as informações que lhe sejam exigidas custem elas o preço que custarem.

Se a cláusula de confidencialidade é o ponto ao qual se apega Palocci, muito bem. Mas não pode continuar em função pública, cujo exercício o submete a outro tipo de exigência.

Há momentos na vida, e Palocci está diante de um deles, em que é preciso fazer escolhas. No caso do ministro parece claro: ou preserva sua clientela ou cumpre o juramento prestado quando da posse como ministro, de fidelidade à Constituição em todos os seus pressupostos entre os quais se inclui a transparência.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Uma confissão sub-reptícia:: Clóvis Rossi:

A chave do esquema Palocci aparece na seguinte frase de sua entrevista à Folha: "Quando a empresa [a que dava consultoria] tinha que lidar com órgãos públicos, não era a Projeto [a sua empresa] que fazia isso".

Digamos que seja verdade, toda a verdade. Digamos também que seja legal. Mas é imoral, aético, indecente, não republicano.

Seria preciso não a boa-fé que Palocci cobrou na entrevista à Globo, mas uma supina ingenuidade, uma inocência totalmente fora da realidade para acreditar que não há nessa situação uma promiscuidade clara entre o público e o privado.

Vejamos como funcionam as coisas: uma empresa contrata a consultoria de um deputado que havia sido ministro da Fazenda, é um quadro importante no partido do governo e, logo, se torna ainda mais importante, ao ser designado coordenador da campanha da candidata favorita à Presidência da República, afinal eleita.

O deputado-consultor-futuro ministro dá as dicas que considera oportunas e, na hora em que a empresa que o contratou precisa "lidar com órgãos públicos", dispensa os conselhos do consultor, esquece de dizer ao órgão público que tem contrato com Antonio Palocci?

Você acredita nesse comportamento angelical?

Enfim, depois de toda a "enrolation" levada ao ar na sexta-feira e ao papel ontem, quem sabe das coisas, como Fernando de Barros e Silva, dá Palocci como liquidado. Pode ser, mas o assunto não deveria ser liquidado se ainda sobrou alguém interessado em moralidade pública.

Primeiro, é preciso investigar quais entre as contratantes de Palocci tiveram que "lidar com órgãos públicos" e no que resultou a lida.

Segundo, é preciso acabar com o duplo emprego de parlamentares. Ou bem o sujeito é deputado ou senador ou bem é consultor. As duas coisas criam uma sórdida parceira público/privado.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Vão-se os dedos, ficam os anéis :: Eliane Cantanhêde

Não faz o menor sentido Antonio Palocci, chefe da Casa Civil pelo menos até o fechamento desta edição, demorar três semanas para dizer o que disse aos brasileiros em entrevistas à Folha e à Rede Globo: que a Projeto, sua empresa de um empregado só, é legal e declarou seus ganhos à Receita.

Isso ele poderia ter dito no primeiro dia depois que a Folha publicou a reportagem sobre a multiplicação do patrimônio dele por 20, incluindo um apartamento de R$ 6,6 milhões que ele pagou praticamente "cash". Ou quando a mesma Folha informou que o faturamento da empresa fora de R$ 20 milhões no ano eleitoral. Ou, ainda, quando acrescentou que, ao receber metade disso, já era chefe da transição e virtual primeiro-ministro.

O principal continua soterrado por interrogações. Quem pagou? Por que pagou? Que consultoria mágica era essa? O resto dos recursos foi aplicado, doado ou está debaixo do colchão? Ou seja: de onde veio e para onde foi o dinheiro?

Isso tudo sem falar que apartamentos, histórias mal contadas e dinheiros estranhos continuam se amontoando com a quebra do sigilo do caseiro Francenildo, que relatou a presença de Palocci numa casa esquisita onde rolavam malas de dinheiro e uma gente heterodoxa de Ribeirão Preto.

Como Palocci está no topo da pirâmide do governo, ao desabar deve arrastar Luiz Sérgio, das Relações Institucionais, e toda a coordenação política, facilitando uma rearrumação no Planalto que pode se espalhar pelo Congresso. Dilma tem uma crise, mas também a chance de um freio de arrumação.

Quanto a Palocci, não tem do que reclamar. Foi abandonado pelo PT, pelo governo e pela própria Dilma, mas manteve a fidelidade à clientela e está livre para simplesmente voltar à Projeto e às suas "consultorias". Bom negócio.

No caso dele, como eu disse ontem na Rádio Folha, vão-se os dedos, ficam os anéis. E que anéis!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A agenda neoliberal do PT :: Suely Caldas

Para provar que o governo não parou com a crise Palocci, na última semana o governo Dilma anunciou três importantes novidades da chamada "agenda positiva": a privatização de três aeroportos, o plano Brasil sem Miséria e a abertura do mercado de TV a cabo para as empresas de telecomunicações. Neste momento difícil para seu governo e para os dois maiores partidos que a apoiam, Dilma Rousseff precisava reagir rapidamente e provar ao País que sua gestão tem rumo, não está perdida nem imobilizada. Recorreu a uma agenda para sair do inferno e recuperar o otimismo, propondo ações que, em passado bem recente, o PT rotulava de "neoliberais", sem saber direito o que dizia e sem preocupação em conhecer, por puro e oportunista preconceito ideológico.

Seguindo a estrutura do programa Bolsa-Família, o Brasil sem Miséria aboliu o princípio da universalização em programas sociais - defendido por ideólogos do PT até a ascensão de Lula (vide o programa Renda Mínima, do senador Eduardo Suplicy) - e adotou o princípio da focalização, que esses mesmos ideólogos condenavam pelo simples fato de ser recomendado pelo "neoliberal" Banco Mundial. O foco na miséria e na pobreza foi o princípio que estruturou o Bolsa-Escola, criado no governo FHC e que deu origem ao Bolsa-Família, o mais bem-sucedido programa social de todos os tempos, que tirou da miséria 28 milhões de brasileiros.

O Brasil sem Miséria traz duas intrigantes novidades. A primeira: ao longo de dois anos 70 mil famílias muito pobres receberão doação de R$ 2.400, em parcelas trimestrais, para preservar florestas e vender sua produção de alimentos. Não se sabe como o governo mapeou e identificou essas famílias, mas, fora da Amazônia, não há pessoas muito pobres com terras tão extensas a ponto de abrigar florestas. A segunda novidade é universalizar o acesso à água, com a construção de cisternas para uso de 600 mil famílias na área rural. Uma meta factível, nada difícil de cumprir, visto que, segundo o IBGE, dos 5.564 municípios brasileiros, só 33 não dispõem de água potável. Porém, surpreendentemente, o programa que promete erradicar a miséria ignora o escasso acesso à coleta de esgotos e detritos, potencial fonte reprodutora de pobreza, doenças e exclusão social. A urgência de uma ação eficaz nessa área contrasta com a lentidão da ação de sucessivos governos: de 2000 a 2010, a rede de esgotos instalada no País cresceu só de 42% para 45% dos lares. Sem atacar o problema, fica difícil falar em acabar com a miséria.

Como chega com enorme atraso, a decisão de privatizar os Aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos exige cuidado redobrado em todo o processo, porque a pressa pode custar caro ao País. Primeiro, é indispensável capacitar e fortalecer a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), torná-la eficiente na fiscalização e regulação e não permitir exageros dos consórcios privados vencedores, a começar pelas tarifas cobradas dos 43,7 milhões de usuários desses aeroportos. Segundo, a definição do modelo operacional e dos editais de licitação deveria ser confiada a uma empresa experiente e especializada, claro, sob orientação da Secretaria de Aviação Civil e do BNDES. Esse momento é crucial em qualquer privatização, quando definições de metas de expansão, prazos de concessão, regras de reajuste de tarifas, inúmeros detalhes de interesse público são firmados em contrato com os consórcios vencedores. O governo precisa avançar nessa direção o quanto antes.

Por último, a abertura do mercado de TV a cabo para empresas de telefonia foi enfim formatada pela Anatel. Bem-vindas a expansão do serviço e a concorrência, onde hoje só há monopólio, e a banda larga e a internet, onde não há nada. Em oposição ao monopólio, a abertura de mercado é sempre acompanhada do ingresso de novas empresas no setor, aumento do faturamento, queda de preços ao consumidor e geração de empregos. No Brasil isso ocorreu com o fim do monopólio da Petrobrás e da Telebrás e a privatização das teles estaduais. Na época o PT foi contra, preferia o paralisado e anacrônico monopólio estatal.

Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Charge: Papai Noel não existe

http://chargistaclaudio.zip.net/

Ares de transição:: Maria Celina D"Araujo

Já se diz que o governo de Dilma é um interregno até a volta de Lula ao poder. Mas ainda há tempo de reverter, avalia especialista

Os acontecimentos políticos das últimas semanas representaram os primeiros questionamentos sérios acerca do que esperar do governo Dilma. Qual a gravidade da doença da presidente? Quais as razões da tensão entre PT e PMDB? E, mais importante, quem é Dilma Rousseff? Se estivéssemos na França a primeira questão ficaria restrita à esfera privada, mas estamos no Brasil.

Por razões óbvias, vou me deter nas outras duas. Começo afirmando que o governo Dilma tem sido visto até agora como um governo de transição e este é seu maior fardo. Não é um fim em si mesmo. Desde a campanha, assim tem sido entendido, até mesmo com a cumplicidade da presidente. É um governo tampão. Sem muita cerimônia, tem se admitido que é um interregno até o retorno de Lula ao poder. Nada pior para o governante do que ter caráter transitório. Tira-lhe legitimidade e autoridade.

Se é tampão, que interesse teria o PMBD em criar crises? Ora, se o governo for bem-sucedido, os ganhos não serão do PMDB e sim do PT. Se for um fiasco ou medíocre, o PMDB, nas vésperas das eleições de 2014, passará para a oposição, como fez nos governos Sarney e Collor. Seus compromissos são pragmáticos e eleitoreiros, valem enquanto for bom para o sucesso eleitoral do partido. Os embates do PMDB com o governo visam fundamentalmente a conseguir cargos e verbas. Trata-se do exercício de forte poder de chantagem com vistas ao controle de posições importantes na máquina pública em termos de prestígio e orçamento. Nada, portanto, que dignifique o partido e o País.

O PMDB, no entanto, tem razão quando reclama da concentração de poder nas mãos do PT. Dados parciais de pesquisa que venho realizando mostram várias evidências a esse respeito. Entre os altos dirigentes públicos, apenas 21% e 29% eram filiados a partidos, respectivamente, nos governos FHC e Lula. No entanto, os dados são expressivos quando se olha o partido de filiação desse grupo: no governo FHC, 30% pertenciam ao PSDB e 20% ao PMDB, os partidos mais representados. No governo Lula, a parcela do PT representou 60% e a do PMDB caiu para 15%. Os dados do governo Dilma parecem indicar situação ainda mais desfavorável ao PMDB e a todos os partidos da coalizão. Quando miramos o ministério, a situação é também emblemática: o PT controla metade das pastas e o PMDB mal chegou a um quinto no governo Dilma.

Do ponto de vista da biografia política, Dilma é uma outsider, embora conte com a pajelança de governadores e com um padrinho de peso. Pelo menos por enquanto. Politicamente fraca, não soube ainda construir sua popularidade, expressa-se mal, não tem o encantamento verborrágico de Lula. Não tem experiência de negociação parlamentar e conta com um quadro de amadores na política, ao lado de um grupo de raposas mofadas e de bancadas moralistas que a fazem refém de oligarquias e credos.

Dilma tem tempo para reverter esse quadro. Tem tempo, mas não se sabe se tem vontade e autonomia. Creio mesmo que é difícil. Ela é parte de uma "obra", é criatura, não criador. Está limitada pela vontade de seu chefe político, Lula, pela falta de compostura de colegas como Palocci, pela falta de escrúpulos do PMDB em usar seu descontentamento como chantagem explícita. Sua fragilidade a torna presa fácil de outros grupos organizados no Congresso que começam a lhe impor derrotas vergonhosas. Derrotas em duplo sentido: ou porque perde votações, como no Código Florestal, ou porque tem que ceder ouvindo ameaças grotescas de garotinhos da política.

O PMDB quer partilhar poder e se sente, com razão, legitimado para solicitar uma partilha mais equilibrada de cargos. Por outro lado, não é infundado falar de possível petização do Estado. Mais do que isso, é nosso ofício pensar nessa hipótese como parte de cenários no horizonte. O PT é o mais organizado de todos os partidos, o que mais tem controle sobre a atuação e perfil de seus quadros. Além do mais, é o partido que mais tem filiados entre os funcionários públicos, que por sua vez são a categoria com maiores taxas de sindicalização no País. Nossos servidores federais têm taxas escandinavas de filiação sindical: em torno de 75%. Esse capital associativo dá ao PT recursos de poder inéditos quando se trata da ocupação de cargos estratégicos na máquina estatal e de controle político dos sindicatos. É uma rede de interesses que beneficia o corporativismo, o aparelhamento do Estado, e o partido tem sabido usá-la com competência.

Enquanto Lula era presidente foi possível beneficiar o partido e fazer acordos no Congresso, até mesmo jogar o mensalão para baixo do tapete. Foi possível conviver com a ética da frouxidão moral sob o argumento de que todos roubam, todos fazem a mesma coisa. Lula tinha popularidade e o benefício da dúvida. Com Dilma é diferente, pelo menos por enquanto. Sendo uma liderança fraca, precisaria de bons articuladores políticos, de bons auxiliares. Não parece ser o caso.

Sabemos com objetividade que política se faz com negociação e acordos. Que nada há de espúrio em dividir cargos, em premiar aliados. No entanto, em meio a essas negociações e "crises" pouco se avança em termos de melhorar os controles sobre uma máquina pública deformada que mantém o Brasil como um caso notório de corrupção, impunidade no campo e nas cidades e deficiência nos serviços públicos.

Dilma tem a seu favor a Copa do mundo de 2014. A privatização dos aeroportos atende a uma causa popular e não será vista como estelionato eleitoral, muito menos como desvio neoliberal. E ela poderá ser lembrada como a presidente da Copa no país do futebol.

Maria Celina D’Araujo é doutora em ciência política e professora do departamento de sociologia e política da PUC-Rio. Autora de A elite dirigente do governo Lula (FGV)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

Jabuticaba institucional :: Renato Lessa

No presidencialismo de coalizão, uma oposição potencial, por vezes real e desleal, faz parte da base

Há vários experimentos em curso no planeta nos quais o exercício do governo se sustenta em amplas coalizões partidárias e parlamentares. A natureza fragmentada das sociedades e seus efeitos sobre as escolhas eleitorais assim o determinam. Tomemos o caso de Israel: desde sua fundação, em 1948, os governos naquele país, para obter o apoio do número mágico de ao menos 61 deputados fiéis, em um Parlamento composto por 120 membros, sustentam-se em heteróclitas composições partidárias.

A Itália, depois de destruir seus sistemas eleitoral e partidário do pós-guerra, a partir dos anos 80 vê-se às voltas com o embate entre os berlusconianos da Casa da Itália e a constelação abrigada no Partido Democrático, tataraneto do velho PCI. Qualquer uma dessas alternativas implicará a prática de governos de coalizão. Até mesmo o Reino Unido, orgulhoso de seu sistema eleitoral majoritário, supostamente capaz de garantir maiorias puras e monopartidárias, sucumbe à associação entre os conservadores de Cameron e os "lib dems" de Nicholas Clegg.

Exemplos abundam, mas para nenhum se cunhou um conceito que os fixe como espécie distinta na constelação dos sistemas políticos. Imaginem alguém a descrever o aziago governo de Binyamin Netanyahu como "parlamentarismo de coalizão". Uma reposta polida a tal gesto de iluminação poderia ser simplesmente: "Sim, e daí?"

Entre nós, o léxico político dispõe da expressão "presidencialismo de coalizão" (PC), um tanto ubíqua na imprensa e na análise acadêmica conservadora. Mais do que descritiva, ela exerce um efeito de apaziguamento sobre os espíritos. É como se uma voz a acompanhasse, toda vez em que é formulada, a dizer: "Meus filhos, é assim que as coisas são". Nada, enfim, como a força de um nome inercialmente estabelecido para deflacionar o espanto, a indignação e a crítica.

Além do efeito normalizador exercido pelo seu nome próprio, o experimento PC, por singularmente brasileiro, teria algo em comum com as jabuticabas. Há evidente exagero ufanista na apreciação da singularidade, resultado de aplicação de velho truque nominalista: cunhar um nome singular para um experimento trivial e produzir a crença de que tal experimento, pela aplicação do conceito, resulta em algo único e original.

Coalizões há por toda parte, o que não impede que particularidades locais sejam detectadas. O risco do exagero na afirmação da singularidade reside em uma espécie de patriotismo institucionalista, sustentado na crença de que os laboratórios nacionais desenvolveram drogas inovadoras para lidar com os dilemas da assim chamada governabilidade. A falta de boa sociologia política não ajuda em nada a pensar quanto dessa droga releva do ambiente que pretende debelar.

Instalado no consulado tucano, precedido do ensaio do governo Sarney, o experimento PC, à partida, apresentava uma fisionomia bifronte: por um lado, tratava-se de um modo de governar no qual, dada a inexistência de base parlamentar suficiente, o presidente eleito é levado a compor vasta e heterogênea coalizão para fazer valer seus projetos de governo, com as devidas erosões e adições aí implicadas; por outro, e de modo mais velado, o experimento PC repôs um antigo mote da tradição política nacional: o de que a modernização, qualquer que seja seu desenho, exige a composição com o "atraso". O experimento PC combina, portanto, pragmatismo político com maldição sociológica. A fusão desses dois horizontes consagra a presença do arcaísmo como condição social e política perene. A exigência de governabilidade faz do comportamento predatório um sintoma de racionalidade.

O experimento PC, sob Lula, expandiu os padrões usuais, pela extensão e maior heterogeneidade da coalizão. Diante da variedade do que se convencionou chamar, não sem certo humor, de "base aliada", os talentos e atributos do presidente apareceram como recursos inestimáveis. O experimento deve, nesse sentido, muito ao personagem e à sua habilidade na negociação e na composição de posições inconciliáveis.

A passagem para o governo de Dilma Rousseff torna mais aguda uma dimensão já presente no experimento PC. Trata-se de um arranjo - para além do pragmatismo e da sociologia - fundado em lógicas de chantagem. A habilidade na chantagem converteu-se, também, em marcador de racionalidade política. Presente em etapas anteriores do experimento, a força de tal componente nos dias que correm sugere nova definição: o experimento PC é um modo de governar segundo o qual uma oposição potencial, e por vezes real e desleal, faz parte da base do governo. Há, portanto, algum absurdo na coisa. A parceria com o partido do dr. Temer, além da presença de hooligans políticos na base aliada, é hospedeira do risco de instabilidade política, a despeito de ter sido construída com finalidade oposta. Mesmo sendo artificiais, como nos ensinou o bom Hobbes, os animais políticos não podem contradizer suas naturezas. O experimento PC exige operadores diuturna e absolutamente fiéis a suas naturezas, o que exige esforços extraordinários de coordenação.

Para lidar com isso, o ex-presidente Lula parece assumir a macrocoordenação política do governo. A presidente, em apresentação vigorosa da expansão do Bolsa Família, reforça seu papel de macrocoordenadora da gestão do governo. Resta ver o que resultará dessa diversificação não usual de papéis, se complementaridade ou ainda maior confusão. É de se supor que as soluções produzidas no âmbito da macrocoordenação política tenham implicações sobre a estrutura da gestão. Ficará mais difícil saber quem governa quem.

De qualquer modo, o primeiro gesto do macrocoordenador político foi o da sutura do atrito com o PMBD, o principal ator do experimento PC. O PT, dirigido por operadores atônitos e com déficit reflexivo notório, arrisca-se à coadjuvância. Jamais sairá do governo, o que reduz seu capital de chantagem. As hostes do dr. Temer estão muito mais à vontade nesse jogo.

Renato Lessa é professor titular de Teoria Política da UFF, Investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do Instituto Ciência Hoje

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

Diamante de 20 quilates:: Roberto Romano

Sem um verdadeiro pacto federativo, demagogos chantageiam o Executivo e usam em proveito próprio os problemas do governo

Montesquieu assevera que um país enorme não pode ser dirigido de maneira republicana. O controle das massas em vastos territórios exige o despotismo. O filósofo tinha em mente a Rússia e outros Estados absolutistas. Os pensadores democráticos idealizaram um recurso para sanar o defeito indicado: a criação ou reforço de unidades políticas menores, reunidas por interesses comuns, cada qual mantendo seus alvos e liberdades. Surgiram então as federações modernas, a começar pelos Estados Unidos da América.

Mesmo ali, a busca do equilíbrio entre as unidades e o todo federativo trouxe problemas insolúveis. Só uma guerra conseguiu impor limites entre os direitos e deveres federais e os das unidades inferiores. Os EUA distribuem competências, salvam prerrogativas. Os Estados possuem leis diferenciadas, inclusive para arrecadar impostos.

A via para o poder municipal, estadual e nacional segue dois itinerários, fora dos quais é quase impossível o mando político. Os grandes partidos, Republicano e Democrata, açambarcam o mercado eleitoral, deixam às demais tendências o papel de meros pesos na balança. Em linguagem de M. Weber e R. Michels, eles são dominados por oligarquias que controlam a máquina da agremiação. Daí a relevância das eleições primárias. Nas últimas, os oligarcas tinham escolhido Hillary Clinton; as bases, Obama.

Por que evocar os EUA, quando se trata de refletir sobre os partidos políticos brasileiros? Desde quando éramos colônia aquele país nos serve de modelo comparativo, em detrimento de nossa autoestima. Os EUA resultam de uma rebelião, de baixo para cima, contra a coroa. O Brasil surge em sentido oposto. Dom João e seus descendentes imperiais tudo fizeram para impedir a prática republicana e federativa. Os princípios das revoluções modernas (a inglesa e a accountability, a americana e a federação, a francesa e a igualdade entre dirigidos e governantes) foram aqui proibidos. Nossa gente sempre foi controlada, de maneira despótica, por um centro esmagadoramente superior em direitos às unidades menores. Tais privilégios (com a desculpa de que os países vizinhos se esfacelaram em microssoberanias) resultam no reforço do absolutismo trazido da velha Europa, o monopólio das políticas públicas e dos impostos nas mãos do Executivo. A soma ditatorial de poderes deixa as regiões sem iniciativa na ordem pública (educação, segurança, transportes, hospitais, esgoto, água, etc.).

Sem verdadeiro pacto federativo, arrancar benefícios para as unidades menores exige grupos de pressão regional no Congresso. Demagogos pressionam o Executivo, movem a chantagem nos plenários e comissões, gabinetes e corredores. Líderes usam em proveito próprio ou grupal os problemas dos governos. Eles garimpam a corrupção ou a falta de comando. Anthony Garotinho apenas repete o modus operandi geral ao imaginar ter encontrado, no caso Palocci, um diamante de 20 quilates. Em suma: a flexível política partidária é gerada pelos excessivos poderes presidenciais (exasperados nas ditaduras do século 20) e pelas oligarquias que trocam apoios a preço vil.

Nos EUA, dois partidos monopolizam a política. No Brasil, o PMDB, federação oligárquica sem par ou concorrente, domestica regiões com base na troca de obséquios e recursos. O partido se firmou no governo Sarney como sanguessuga de votos e, no outro lado, de impostos. Dominando o favor, ele é o núcleo do poder político nacional. Os demais partidos o mimetizam, sem a maestria das suas práticas retrógradas e autoritárias.

Quanto ao PT e ao PSDB, o segundo saiu do PMDB, do qual guardou alguns costumes. Mas seu programa visava a instaurar no Brasil uma democracia moderna e federativa. Em oito anos do governo FHC ele foi digerido pelos oligarcas peemedebistas e seus colegas do PFL e se transformou num arremedo de oligarquia. Hoje, três ou quatro pessoas decidem as vias partidárias, sem preocupação com programas, conquistas de novos eleitores, etc. FHC, em artigo recente, indicou as mazelas tucanas, propondo remédios que, pelo andar da carruagem, jamais serão usados.

O PT reuniu várias correntes (marxistas, católicos, movimentos sindicais) e tinha como alvo socializar o Estado e a sociedade. Em oito anos de governo ele foi domesticado pelas oligarquias e se mostra como federação de micro-oligarcas. Basta ver as tensões entre o partido no Acre, em São Paulo, etc. Os grupos fortes do PT disputam a hegemonia junto à Presidência. O caso Palocci entra no cabo de guerra em que se joga o poder de fato.

No Brasil, dominado por organismos políticos que parasitam o Executivo federal, é impossível fazer oposição e fugir de retaliações contra as cidades e Estados. Daí a tibieza tucana na oposição e falta de coesão do PT nesta crise pré-inflacionária, de corrupção e de comando vivida pelos poderes. O Brasil, enorme território, ainda é governado de maneira despótica. Ele ignora as práticas modernas: democráticas, republicanas, federativas. E nenhum partido mostra disposição para mudar, de fato e de direito, tal cenário.

Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na Unicamp. Autor de O caldeirão de medeia (Perspectiva)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

História entortada :: Alberto Dines

Em plena temporada das touradas a Espanha enfrenta uma faena, faina, múltipla crise econômica, enormes manifestações de jovens desiludidos, vitória eleitoral da direita corrupta que só agravará a recessão e, como se não bastasse, o desafio de encontrar a verdade histórica nos escombros do biografismo oficial.

Na semana passada foram publicados os primeiros 25 volumes do monumental Dicionário biográfico espanhol, preparado pela Real Academia de História com um total de 50 volumes e 40 mil verbetes. Custou ao erário cerca de 6,5 milhões (cerca de R$ 15 milhões), iniciativa do ex-premiê José Maria Aznar para revisar a história recente da Espanha e, principalmente, branquear a imagem do sanguinário e estúpido ditador Francisco Franco.

No seu verbete, o general aparece como "autoritário, mas não totalitário", além de valoroso, moderado, eficaz e... católico. A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) que deixou 150 mil vítimas é tratada superficialmente, a aliança com Alemanha nazista e a Itália fascista é justificada como forma de contrabalançar o irresistível apoio da França e ex-URSS aos legalistas republicanos. Padrinho da obra, Aznar é apresentado como inocente vítima de uma conspiração socialista e não como autor de um trambique eleitoral. O criador da Opus Dei, José Maria Escribá Belaguer, aparece como verdadeiro santo e por aí segue o enviesado dicionário.

Este biografismo massivo e torto não é exclusividade espanhola. Recentemente um grupo editorial português (Leya) lançou no Brasil um cartapácio de 815 páginas, a "biografia definitiva" de Antonio de Oliveira Salazar onde o criador do Estado Novo aparece como figura providencial capaz de evitar o caos em Portugal e no após-guerra devolver o bom senso ao Ocidente. A etiqueta de biografia definitiva é um artifício sutil e torpe para colocar uma pedra sobre a vida de figuras que não convém examinar. Salazar precisa ser reexaminado e revirado, foi a perniciosa matriz do Estado Novo brasileiro de triste memória. Não era apenas um economista conservador, reservado, solitário - era um tipo pérfido, abjeto, que "A Bem da Nação" (a saudação do seu regime), aliou-se a Franco, perseguiu, prendeu, torturou e matou milhares de portugueses. Além de trancar as portas do seu país aos que fugiam da morte nos campos de concentração nazistas.

O economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, relatou com extraordinária sensibilidade (revista Piauí, Abril, nº 55) tudo o que sofreu e testemunhou durante o regime militar quando aos 18 anos foi preso no DOI-Codi de São Paulo. Texto memorável, tocante, arrasador, argumento definitivo em favor da criação da Comissão de Justiça e Verdade para retirar dos arquivos e do esquecimento o que se passou durante a ditadura militar.

Embora ausente do texto, o coronel reformado Brilhante Ustra, porta-voz das múmias da repressão e ex-comandante do DOI-Codi paulistano, sentiu-se obrigado a negar os fatos relatados por Arida e o fez com a delicadeza de um brucutu (Folha, 27/5). Persio Arida contestou tranquilamente (Folha, 2/6): "Provar que algo não aconteceu porque não consta de processo num tribunal de exceção é uma afronta à razão e à história".

Hora de encarar estas afrontas à razão. Hora de colocar a história na agenda. A verdade parece inalcançável, mas a busca da verdade é um exercício infalível, sempre compensador. Parte dos delírios contemporâneos nasce de truncamentos intencionais, engendrados para aproveitar a distração das novas gerações. O retorno do funesto Alberto Fujimori através da candidatura da filha, Kaiko, é a melhor prova.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)