domingo, 6 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Raimundo Santos

As presentes notas procuram mostrar que a referida “teoria revolucionária”, em gestação antes da referida Declaração de Março, tem força renovadora por ser o esboço de uma imagem da concretização da “revolução brasileira”, revolução entendida aqui na acepção dos clássicos (antigo, Caio Prado; os isebianos a partir de 1956; e Celso Furtado, poucos anos depois), verossímil à circunstância nacional. Essa imagem “brasileira” da revolução desenhada por Armênio Guedes, ao tempo que expressa áreas já então resistentes à velha orientação comunista, faz-se presente no pecebismo que irá ser posto em prática a partir de março de 1958.

Essa construção inovadora no modo de pensar dos revolucionários comunistas, tão antiga, termina por acrisolar entre nós componentes de uma outra cultura política de esquerda. É ela que dá o mais firme suporte à natureza não rupturista da atuação agrária dos comunistas orientados pelo agrarismo sindical “medidas parciais de reforma agrária” (direitos trabalhistas, à terra etc., cf. PCB, 1958), em particular, “políticas públicas” voltadas para a afirmação progressiva da “exploração familiar camponesa”, como, depois, diria Ivan Ribeiro (RIBEIRO, 1977; 1988; e SANTOS, 2007).

SANTOS, Raimundo. cf. Teoria e prática no nosso marxismo político (Antecedentes do campo da “revolução passiva”), in Interpretações, Estudos Rurais e Política - Roberto J. Moreira e Regina Bruno. Orgs., editoras Mauad e Universidade Rural do Rio de Janeiro, dezembro de 2010.

Líderes buscam saída honrosa para Mubarak

Opositores, aliados e intelectuais propõe que presidente do Egito abra mão do poder e continue formalmente com o título até setembro, quando estão previstas eleições no país. A ideia é que o vice-presidente Omar Suleiman fique à frente do governo de transição. O clima segue tenso nas ruas, com rumores de atentado contra Suleiman e explosão de gasoduto no Sinai.

Líderes opositores e regime egípcio discutem "saída honrosa" para Mubarak

"Conselho de sábios" e vice-presidente, Omar Suleiman debatem possibilidade de ditador abrir mão do governo, mas manter o título de presidente até setembro; clima nas ruas segue tenso com rumores de atentado contra Suleiman e explosão de gasoduto no Sinai

Jamil Chade com AP

Cairo - Líderes dos protestos que pararam o Egito nos últimos 12 dias reuniram-se com o vice-presidente e ex--chefe da inteligência, Omar Suleiman, para discutir uma "saída honrosa" ao número 1 do regime egípcio, Hosni Mubarak, há 30 anos no poder. A principal proposta discutida nos últimos dias prevê a transmissão imediata do poder de Mubarak a Suleiman, sem que o ditador perca formalmente seu título de "presidente".

Falando em uma conferência de segurança em Munique, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton; disse ser "importante o apoio a um processo de transição no Egito levado adiante, na prática, por Suleiman".

O clima nas ruas do Cairo continua tenso. Ontem a rede de TV Fox News noticiou que atiradores teriam tentado assassinar o vice-presidente. A informação foi desmentida pelo Cairo.

Na Península do Sinai, parte da tubulação de um gasoduto que liga o Egito a Israel e Jordânia explodiu. Autoridades do Sinai e um investigador local, ouvidos pela TV estatal egípcia, levantaram a hipótese de sabotagem. A empresa responsável afirmou que o incidente foi causado por uma falha técnica.

Mubarak promete ficar no poder até a eleição de setembro e irritou-se a trocar os cargos da cúpula do regime. Na sexta-feira, ele teve a primeira reunião com o novo gabinete. Aliados do presidente insistem que ele não deve deixar o poder de forma humilhante. Do outro lado, manifestantes contrários ao governo - que continuam aos milhares na Praça Tahrir, centro do Cairo - prornetem voltar para casa só quando Mubarak deixar o poder.

Um grupo de 30 intelectuais de oposição conhecido como "conselho de sábios", ligado ao diplomata Mohamed ElBaradei, encontrou-se duas vezes nos últimos dias com Suleiman para discutir a saída do presidente e a formação de um governo interino até as eleições de setembro. Mubarak abriria mão de tudo menos do título de presidente, segundo Arnr el-Shobaki, um dos integrantes do conselho.

O grupo opositor exige ainda a dissolução do Parlamento, controlado por aliados de Mubarak, e o fim das leis de emergência em vigor desde que o presidente assumiu, em 1981. Na pratica, elas dão poderes quase ilimitados ao aparato policial do regime.

Na sexta-feira, o grupo encontrou-se com Ahmed Shafiq; nomeado por Mubarak primeiro-ministro após o início dos protestos. Abdel-RahmanYoussef, líder estudantil que participa do conse1ho, disse que as negociações diretas não começaram formalmente, mas "mensagens para acabar com a crise" estavam sendo trocadas entre os dois 1ados. "A nossa mensagem é que eles (o governo) devem reconhecer a legitimidade da revolução e o presidente deve sair de alguma forma, seja uma despedida real ou política", disse Youssef.

Ontem, na Praça Tahrir, veículos militares que cercam o local há uma semana começaram a ser retirados. Opositores colocaram-se diante dos blindados, exigindo que permaneçam para protegê-los da polícia egípcia.

Explosão no Sinai. Segundo a TV estatal egípcia, o ataque de ontem contra um gasoduto no Sinai cortou o abastecimento de combustível. A exportação do gás para Israel e Jordânia não teria sido afetada, pois há mais de um gasoduto entre os países.

O Egito fornece todo o gás consumido na Jordânia e grande parte do utilizado em Israel. A integração energética foi lançada há 15 anos por Mubarak .

O ataque é mais um incidente na península nas últimas semanas. Mohammed Abu Ras, líder dos beduínos da região e aliado dos militares, foi assassinado depois de uma reunião com generais egípcios. Na sexta-feira, um ataque com lança granadas ainda atingiu a sede da segurança em EI-Arish, na fronteira com a Faixa de Gaza.

Há uma semana, Israel permitiu que o Egito enviasse ao Sinai 800 soldados para ajudar no patrulhamento da região. Desde os acordos de paz de 1979, o Sinai é uma região desmilitarizada.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

E o ditador cavou seu buraco

Ao subestimar início dos protestos e calar a internet, Mubarak fomentou a crise que o vai engolir

Carolina Rossetti

O mundo árabe ferve por democracia. A Tunísia foi a primeira faísca. Logo em seguida, armou-se a fogueira no Egito. É sob essa ótica incendiária que o cientista político Tarek Masoud, da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard, analisa a recente onda de protestos que tomou e faz trepidar a Praça Tahrir, no Cairo.

Há um desejo por democracia varrendo o mundo árabe, acredita ele, e "o Egito há tempos acumula combustível anti-Mubarak." Masoud admite que o futuro do país ainda é nebuloso, mas arrisca a dizer que uma transição pacífica teria mais chance de nascer se ao presidente Hosni Mubarak fosse concedida uma última fagulha de poder.

Acredita que Mubarak deveria ter uma sobrevida no cargo de algumas semanas para poder convocar eleições. E a prioridade agora, assegura, mais que evitar que fundamentalistas islâmicos componham o próximo governo, seria garantir que os militares não abortem o ensejo democrático do povo.

Levantes populares pró-democracia na Tunísia, Egito e Iêmen: testemunhamos o despertar de um novo mundo árabe?

Essa região é uma enorme pilha de madeira seca altamente inflamável. A deposição do ditador Zine el Abidine Ben Ali da Tunísia foi o fósforo que acendeu a fogueira. Mas o Egito, há tempos, acumula combustível anti-Mubarak. Na esfera econômica, o governo é tido como incompetente para lidar com as altas taxas de desemprego e a distribuição de renda. No campo político, sufoca qualquer ânsia popular por participação. O importante é que seus leitores saibam que as ruas do Egito não foram tomadas por pessoas famintas e descalças, pedindo pão e emprego. São pessoas que lutam para ver seus direitos políticos restaurados. Elas estão dizendo: "Todas as vias do poder levam ao presidente". São argumentos políticos gritados a todo pulmão por pessoas simples do povo. Apesar de terem nascido sob o regime de Mubarak, os jovens egípcios sabem o que é democracia. Com a internet, os livros, as TVs estrangeiras, eles têm uma janela para o mundo. Inspiram-se nos protestos dos venezuelanos contra Hugo Chávez ou na estratégia usada pelos sérvios para depor Slobodan Milosevic. Existe um intercâmbio de ideias entre ativistas do mundo todo para descobrir maneiras eficazes de desafiar regimes autoritários.

Essa onda democrática vai ecoar na região e atingir teocracias como o Irã?

Há um desejo por democracia varrendo o mundo árabe. Se isso vai crescer e se transformar verdadeiramente em uma onda democrática, dependerá de como os regimes e a comunidade internacional vão responder ao desejo do povo oprimido. Agora, os iranianos não precisam se inspirar nos egípcios. O Irã, no verão de 2009, já teve uma experiência parecida. O problema é que a sociedade iraniana é profundamente dividida e as forças democráticas encontram uma oposição à altura nos defensores do regime de Ahmadinejad. No Egito, esse não é o caso. Existe uma mágoa acumulada que está finalmente transbordando.

Que alternativa a oposição egípcia oferece?

Não está claro até o momento. O futuro do país ainda é nebuloso e está sendo decidido. Não se sabe que oposição é essa. Mohamed ElBaradei emergiu como um líder potencial, mas sua popularidade entre o povo é fraca. Ele pode ter sido mais útil como símbolo da oposição que como um líder de fato. Existem outros nomes muito respeitados. O ex-ministro de Relações Exteriores do Egito e secretário-geral da Liga Árabe, Amr Mohammed Moussa, é alguém que a oposição respeita e poderia aceitar como porta-voz. O maior desafio da oposição agora é traduzir os vibrantes protestos de rua numa organização que possa negociar com o governo.

Haverá um despertar do poder islâmico no Egito?

A Irmandade Muçulmana é o grupo político mais ativo e energético do país e está envolvida nos protestos de forma significativa. Mas ela não inspirou as manifestações, não está na liderança e não tem feito uso de seus slogans e símbolos religiosos. Esses protestos não são sobre o Islã, mas sobre democracia, liberdade e o fim do exercício arbitrário do poder. O interessante é que as pessoas que querem a implantação de uma lei islâmica no país estão aliando-se com outras que querem um governo secular. Na quinta-feira, a Irmandade não quis dialogar com o governo. Ela sabe que se sentar para conversar com Mubarak perderá credibilidade nas ruas. E sabe também que o aumento de sua influência poderá ser usada pelos militares como justificativa para abortar o nascimento de um Egito democrático. A prioridade agora é garantir que não só Mubarak, mas também as Forças Armadas, se retirem da vida política. Isso é mais importante que assegurar que os islâmicos participem do próximo governo.

De início pacíficos, os protestos da Praça Tahrir explodiram em violência. Existe ainda chance de uma transição pacífica?

A única chance de uma transição ordenada e segura se daria pelas vias constitucionais. Para iniciar esse processo, faria sentido que Mubarak continuasse no poder por mais algumas semanas, mas não até o final de seu mandato. O Parlamento precisa ser dissolvido e novas eleições convocadas. E não só isso. Fundamentalmente, o que o Egito precisa é de uma nova Constituição. Primeiro porque hoje não há meios legais para que políticos independentes como ElBaradei registrem suas candidaturas. Segundo porque é preciso limitar o alcance do presidente, seja ele quem for, para que o próximo líder não tenha os mesmos poderes imperiais de Mubarak. Se o ditador embarcar no próximo avião para a Arábia Saudita as manifestações poderão aos poucos se dissipar, deixando por conta de ElBaradei e dos seus negociar com os militares, sem o apoio das massas para respaldar a negociação. Uma saída constitucional vai impedir que os militares liderem a transição e se consolidem no poder. Mas Mubarak errou em todos os momentos possíveis. Ele não respondeu às preocupações de seu povo no primeiro dia de protestos. Calou a internet. Revelou para todo o mundo que sua preocupação principal era manter sua posição e não a estabilidade do país e a segurança dos cidadãos. Isso criou uma barreira intransponível para que as pessoas pudessem vir algum dia a aceitar sua liderança de novo. Foi Mubarak, e sua incompetência em gerenciar essas manifestações, que o excluíram do futuro político do Egito.

De que forma a possível queda de Mubarak pode afetar a política externa americana na região?

Vimos florescer nessa semana o que eu creio ser o maior desafio para a política externa dos Estados Unidos sob a administração de Obama. Como se dará o diálogo com os ditadores do mundo árabe agora? Recentemente, o atual primeiro-ministro, Ahmed Shafiq, grande amigo de Mubarak, apareceu na TV e, numa entrevista, peitou diretamente os americanos, dizendo "escuta aqui, um país com 200 anos de existência não tem cacife para nos dizer o que devemos fazer". Nessa semana, Obama sinalizou para os líderes do Oriente Médio que as alianças podem ser desatadas perante o clamor do povo nas ruas. Mas mesmo assim, nas ruas de Cairo as críticas aos Estados Unidos subiram de tom porque Obama não apoiou de imediato as aspirações legítimas do povo. Na tentativa de se fazer de esperto e enganar o diabo, o presidente americano conseguiu ser criticado tanto pelo povo quanto pelo ditador. Mubarak chegou a dizer que Obama não entende nada da cultura egípcia e não tem ideia do que poderá ser do país caso ele seja deposto. Chegou a hora de Obama ser assertivo, deixar claro o que espera de Mubarak e avisar o Exército que o financiamento americano só vai continuar se os militares se comportarem nessa transição. Acho que Obama não conquistou nada nesse episódio e só reforçou a imagem de que os americanos são titubeantes e incapazes de saber com certeza de que lado da luta estão.

FONTE: ALIÁS/ O ESTADO DE S. PAULO

Na encruzilhada:: Merval Pereira

A explosão de um gasoduto no Sinai, em Cheikh Zouwayed, a dez quilômetros da Faixa de Gaza, e que abasteceria Israel, foi o toque de realismo no 12º dia de protestos contra o governo de Hosni Mubarak, no Egito. Mesmo sem haver uma confirmação oficial, a primeira versão era de que os radicais islâmicos aproveitaram o vácuo de poder para começar seus ataques.

Somente nos próximos dias saberemos qual a dimensão desse ataque, ou se foi mesmo um ataque terrorista. Mas que ele serve aos interesses dos que querem manter Mubarak no poder, sob a alegação de que ele representa um equilíbrio conhecido na região, isso serve.

Não foi à toa que o ainda presidente Hosni Mubarak fez uma reunião de emergência com seu renovado ministério, ao mesmo tempo em que mandou prender vários membros do antigo gabinete.

Quer manter a aparência de poder e, ao mesmo tempo, reforçar a ideia, que já transmitiu ao próprio presidente dos Estados Unidos Barack Obama, de que sua saída do poder pode levar ao caos na região.

O megainvestidor George Soros, presidente Open Society Foundation (Fundação Sociedade Aberta), que apoia a democracia e os direitos humanos em mais de 70 países, tratou da questão mais delicada na região em recente artigo publicado no jornal "The Washington Post".

Ele acha que, embora Israel tenha tanto a ganhar quanto os Estados Unidos com a disseminação da democracia no Oriente Médio, o país não reconhece essa oportunidade que surge, porque a mudança é muito brusca e traz consigo muitos riscos.

Além disso, diz Soros, alguns apoiadores de Israel nos Estados Unidos são mais rígidos e ideológicos que os próprios israelenses.

Soros relembra as diversas advertências pessimistas que vêm sendo feitas em relação à possibilidade de haver eleições democráticas no Egito, desde a possibilidade de fraudes eleitorais comandadas pelo Exército até a ameaça de interrupção do suprimento de petróleo na região.

Soros chama a atenção, no artigo, para uma verdadeira vingança que a direita religiosa arma contra o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mas o encoraja a ajustar sua política à nova situação e a apoiar as mudanças que a sociedade egípcia pede.

No artigo, o megainvestidor George Soros admite que a situação na Tunísia é mais favorável ao desenvolvimento da democracia, já que o país tem uma classe média razoavelmente desenvolvida, e as mulheres já têm maiores direitos e oportunidades que na maioria dos países muçulmanos.

A complexidade da sociedade egípcia, se ajudou a mobilização de massa através dos novos meios tecnológicos, como o Facebook, o Twitter, por outro lado torna mais difícil a liderança do movimento, que une classes de alta educação a povo sem instrução; classes médias e altas a muito pobres, velhos e jovens.

Soros adverte que, em uma eleição democrática, a Irmandade Muçulmana tem muita chance de se fazer representar com força no novo Parlamento, o que lhe dará voz nas decisões, embora dificilmente vá ser majoritária.

O acordo anunciado entre o prêmio Nobel da Paz, Mohamed ElBaradei, e a Irmandade Muçulmana é um sinal, para George Soros, de que pode haver um entendimento entre as diversas forças políticas do país.

Essa também é a linha de ação do governo dos Estados Unidos, que já mantém conversações com auxiliares diretos de Mubarak, como o vice-presidente Omar Suleiman, o preferido para comandar um governo de transição, mesmo com o ditador egípcio ainda formalmente como presidente.

As negociações têm um ponto delicado, que é o de encontrar uma saída para Mubarak que não o obrigue a sair foragido do país.

Uma das alternativas seria ele viajar para revisão médica que faz anualmente na Alemanha, deixando o caminho livre para negociações com a oposição, incluindo a Irmandade Muçulmana, banida há anos pelo governo, mas que passou a ser citada por várias autoridades, nos últimos dias, num sinal de reconhecimento de sua importância política.

O que se discute, no momento, são maneiras de limitar o poder de decisão de Mubarak e removê-lo do palácio presidencial. Há planos de colocá-lo na sua casa à beira-mar, em Sharm el Sheik, fazendo com que as negociações possam acontecer sem que seja preciso mudar a Constituição para que o vice-presidente tenha poder de decisão.

Se Mubarak insistir na ideia de "morrer no Egito", a casa de Sharm el Sheik pode se transformar em seu último refúgio. Mas nem todos admitem que o ditador continue no país, entre eles Mohamed ElBaradei, que considera indispensável que Mubarak sai do governo e do país "agora".
Ele está mais empenhado em negociar diretamente com representantes do Exército, para garantir uma transição pacífica.

Nas conversas, ElBaradei defende a tese de que não é possível dar tanto tempo a Mubarak, enquanto a economia sofre com a crise que já vai para sua terceira semana, com o país parado à espera de definição política.

O desfecho da crise já parece estar decidido. A questão, agora, é saber em quanto tempo se chega a um acordo que permita avançar na tentativa de implantar um governo democrático no Egito.

Se vitorioso nessa empreitada, os Estados Unidos, que continuam sendo o espelho em que se miram os demais países ocidentais, terão reafirmado seu poderio político através da promoção de valores, não das armas.

Se fracassar, o presidente Barack Obama estará reforçando a imagem que os republicanos radicais fazem dele, a de um líder inexperiente e ingênuo, um Carter turbinado pelas redes de relacionamento social.

FONTE: O GLOBO

Tempestade no deserto:: Míriam Leitão

O Egito magnetiza o mundo porque é um dos mais complexos fatos contemporâneos. Não há uma única explicação simples. Tudo é espantosamente complicado quando se tenta entender causas e consequências. Eventos que aparentemente não estão ligados misturam-se elevando o grau de tensão e incerteza: desemprego de jovens, revolução da comunicação, luta contra tiranias, preço de alimentos.

A imprevisibilidade tem estado presente desde o início dos fatos. Quando um rapaz vendedor de verduras ateou fogo ao corpo na Tunísia, ninguém imaginaria que isso acabaria provocando a queda de um ditador que estava no poder há 23 anos. No entanto, hoje Ben Ali está refugiado na Arábia Saudita. A Jordânia fez reformas no governo. O Iêmen avisou que haverá alternância no poder em 2013. A Argélia avisou que o estado de emergência que vigorou por 19 anos será suspenso. O Egito está vivendo dias dramáticos. O governo americano teve que mudar suas posições e fazer pronunciamentos que seriam impensáveis tempos atrás contra o que era apresentado como: "confiável aliado" e um "governo estável." Todos olham para outros países pensando quem mais poderá ser atingido pela verdadeira tempestade no deserto: Síria, Líbia e até, quem sabe, a Arábia Saudita.

O que o jovem Mohammed Bouazizi da Tunísia tinha que provocou um efeito dominó do qual ainda não se sabe o final? Tinha sonhos não realizados. Ele estudou, fez universidade, achou que iria além dos seus pais. Mas, desempregado, decidiu ter uma banca de verduras na qual era achacado por policiais corruptos. Um dia, os policiais tomaram a sua barraca. A frustração e a raiva foram além do que ele podia suportar. Depois de se imolar, ele ainda sofreu por 23 dias no hospital antes de morrer.

Jovens com sonhos não realizados, prisioneiros de situações tirânicas - das pequenas ou grandes autoridades - e que se sentem num beco sem saída podem habitar qualquer país, em qualquer dos mundos do mundo, em qualquer religião ou cultura. Ele pareceu o retrato no espelho para jovens de vários outros países no Norte da África.

Hoje, o fenômeno do desemprego de jovens é mundial: ocorre em países ricos como Estados Unidos, Espanha. Em países emergentes que crescem. É problema urgente. Numa democracia como o Brasil, deve estar no topo da agenda. As empresas falam em pleno emprego, e o Brasil fechou seu melhor ano com uma taxa média de 14,9% de desemprego entre 18 a 24 anos.

A ditadura de Ben Ali demorou a cair mais do que nos damos conta. O rapaz jogou fogo ao corpo em dezembro, morreu no dia 4 de janeiro, e o presidente fugiu no dia 14. Mas enquanto foi a Tunísia, o Ocidente olhou apenas com curiosidade. Quando a fúria chegou ao Cairo, capital do país que sempre foi considerado uma peça central no xadrez da parte mais complicada do mundo, todos viram.

Foi quando tantos se deram conta da nossa piramidal ignorância sobre os fenômenos do mundo árabe e muçulmano. No primeiro momento, algumas análises apontavam o Egito como a véspera do Irã de 1978, sem ver todas as inúmeras matizes que existem no Oriente. Vários dias de noticiário intenso, de surpresas, e de consultas a quem entende ou acompanha de perto ajudaram a vislumbrar algumas nuances.

A fúria dos manifestantes armados pelo estado policial comandado durante 30 anos por Hosni Mubarak abateu-se com a mesma intensidade sobre a CNN e a Al Jazeera, que se apresenta como "uma visão alternativa", e que, a propósito, não é transmitida nos Estados Unidos, apesar de ser vista pela internet. A TV iraniana em inglês, a PressTV, que se propõe a ser uma alternativa persa no mundo islâmico, também transmitia as mesmas imagens, frequentemente com as mesmas avaliações dos fatos. A diferença era o destaque à interpretação do Aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, de que o que está acontecendo da Tunísia ao Egito é o eco das vozes da revolução islâmica iraniana.

Se John McCain, Barack Obama e Ali Khamenei fazem declarações a favor dos mesmos manifestantes, alguém não está entendendo direito o que está acontecendo. A esperança é que seja o Aiatolá, por uma boa razão: um dos elementos da rebelião é sem dúvida a luta contra tiranias; nisso se parece com a revolução verde que pôs tantos iranianos na rua de Teerã, em 2009, e que produziu uma avassaladora repressão. As cenas dos jovens iranianos na rua - e até da morte da jovem Neda - foram imediatamente postadas pelas redes sociais. Esse é outro fenômeno inteiramente novo do qual se sabe pouco. Duas coisas já podem ser ditas sobre as novas tecnologias de comunicação: elas não criam explosões sociais, mas aumentam a velocidade do fenômeno do contágio; elas são a forma de contornar a censura imposta pelas ditaduras mas podem ser usadas para disseminar mensagens falsas que interessam ao poder tirânico. Mostraram o que Mubarak não queria que fosse visto; mas o governo de Mubarack obrigou empresas ocidentais a divulgaram mensagens de apoio a ele.

Num mundo já complicado, há outra peça do xadrez. O preço da alimentação que consome 40% do orçamento da classe média egípcia e deixa desamparada a vasta pobreza do país pode subir ainda mais por causa dos fenômenos climáticos extremos e constantes em vários países produtores.

O governo que sucederá Hosni Mubarak terá uma pesada herança. O imenso estrago da economia é só um dos elementos. O custo do governo é outro. O país tem sete milhões de funcionários públicos, destes, as Forças Armadas e policiais são exorbitantes três milhões. O Egito não sobrevive sem o cheque americano de US$1,5 bilhão por ano.

FONTE: O GLOBO

Oposição e democracia:: Dora Kramer

Derrotado na eleição presidencial com um "até breve" que deixou adversários, correligionários e eleitores intrigados, José Serra ainda não definiu seu destino político - que aliás não depende só de sua vontade -, mas já resolveu pegar firme no ofício do contraditório.

Começa por uma autocrítica partidária: acha que há "uma desproporção imensa" entre o que o PSDB está fazendo e o que deveria fazer.

O partido se perde em combates internos referidos em eleições futuras, enquanto, na opinião dele, deveria estar preocupado em "dar uma resposta" aos quase 44 milhões de eleitores que optaram pela oposição em outubro último.

"Não podemos deixar esse eleitorado sem representação. Precisamos convencer essas pessoas de que não jogaram seus votos fora. Quem votou em nós queria que ganhássemos, mas sabia que poderíamos perder. Logo, a oposição é tão legítima quanto o governo; expressa a vontade do eleitor e qualifica a democracia."

Na concepção de Serra, isso só acontecerá se a oposição não se amedrontar, tiver posições claras, for ativa, não se omitir, resumindo: "Não jogar parada, de olho em 2014, esquecendo-se de que uma eleição presidencial não é um acontecimento de 45 dias de campanha, é resultado de quatro anos de atividades".

A receita, diga-se, não foi seguida pelo autor, cujo discurso nos anos que antecederam a última campanha durante os quais foi governador de São Paulo esteve muito distante de cumprir as premissas por ele postas agora.

E, mesmo como candidato, José Serra foi ambíguo em relação ao então presidente Luiz Inácio da Silva, por não querer bater de frente com a popularidade dele, a quem só deixou de elogiar quando ficou claro que o adversário capitalizara a ambiguidade e que o eleitorado, na dúvida, ficaria com o produto original.

Assumir a oferta do braço para torcer não faz o estilo de Serra, que, na prática, reconhece parcialmente o equívoco ao constatar: "Uma das objeções do eleitorado ao candidato oposicionista estava no fato de o PSDB não ter sabido fazer oposição. Para muitos eleitores, quem não sabe ser oposição também não sabe ser governo".

A admissão é parcial porque, na visão dele, caberia ao partido ter exercido esse papel e não ao governador, cujo desempenho depende em muito das boas relações com o governo federal.

Agora, longe dos compromissos de um cargo administrativo, o ex-governador sente-se liberado para retomar a vida partidária. Sem mandato nem tribuna oficial, por ora Serra o faz na condição de personagem dono de capital que não pretende desperdiçar.

Partindo de um princípio: "É a existência de uma oposição robusta, clara, leal aos interesses do País, que prova a existência da democracia".
Não se trata, segundo ele, de fazer oposição sistemática ou não. "Isso é bobagem, nas grandes democracias do mundo essa questão não se coloca."

O essencial é o exame e o debate da realidade. "O Brasil tem um grande problema fiscal, há a disputa abjeta por cargos entre partidos, há o desequilíbrio macroeconômico evidente, o vexame do Enem, a imperícia diante de catástrofes. Em suma, há uma vasta agenda a ser discutida e uma série de cortinas fechadas a serem abertas pela oposição."

Serra defende que os oposicionistas estejam atentos aos movimentos do governo. "Ele fará acenos aos adversários e à classe média. Apelará ao nosso tradicional bom-mocismo. Isso com a intenção de nos dividir e reduzir nosso ímpeto. Quando chegar perto das eleições, voltarão ao vale-tudo, às enganações, às bravatas e calúnias."

"Não podemos cair na esparrela." Cobrando e criticando o governo, mas, sobretudo, defendendo os próprios princípios. "Precisamos mostrar quem, de fato, defende a social-democracia, denunciando que o PT adotou as bandeiras, mas subverteu as práticas, banalizou o que havia de pior no poder público."

Por onde começar? A base, para José Serra, é a reconstrução da unidade do partido, a partir de um mandamento cuja observância considera indispensável ao êxito de qualquer projeto: "Não ajudarás o adversário atacando teu colega de partido".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tempo de muda::Fernando Henrique Cardoso

É hora de a oposição falar forte e esquecer as questões pequenas

Novo ano, nova presidente, novo Congresso atuando no Brasil de sempre, com seus êxitos, suas lacunas e suas aspirações. Tempo de muda, palavra que no dicionário se refere à troca de animais cansados por outros mais bem dispostos, ou de plantas que dos vasos em viveiro vão florescer em terra firme. A presidente tem um estilo diferente do antecessor, não necessariamente porque tenha o propósito de contrastar, mas porque seu jeito é outro. Mais discreta, com menos loquacidade retórica. Mais afeita aos números, parece ter percebido, mesmo sem proclamar, que recebeu uma herança braba de seu patrono e de si mesma. Nem bem assume e seus porta-vozes econômicos já têm que apelar às mágicas antigas (quanto foi malfalado o doutor Delfim que nadava de braçada nos arabescos contábeis para esconder o que todos sabiam!) porque a situação fiscal se agravou. Até os mercados, que só descobrem estas coisas quando está tudo por um fio, perceberam. Mesmo os "velhos bobos ortodoxos do FMI", no linguajar descontraído do ministro da Fazenda, viram que algo anda mal.

Seja no reconhecimento mal disfarçado da necessidade de um ajuste fiscal, seja no alerta quanto ao cheiro de fumaça na compra a toque de caixa dos jatos franceses, seja nas tiradas sobre os até pouco tempo esquecidos "direitos humanos", há sinais de mudança. Os pelegos aliados do governo que enfiem a viola no saco, pois os déficits deverão falar mais alto do que as benesses que solidarizaram as centrais sindicais com o governo Lula.

Aos novos sinais se contrapõem os amores antigos: Belo Monte há de vir à luz com cesariana, esquecendo as preocupações com o meio ambiente e com o cumprimento dos requisitos legais; as alianças com os partidos da "governabilidade" continuarão a custar caro no Congresso e nos ministérios, sem falar no "segundo escalão", cujas joias mais vistosas, como Furnas (está longe de ser a única) já são objeto de ameaças de rapto e retaliação.

Diante de tudo isso, como fica a oposição?

Digamos que ela quer ser "elevada", sem sujar as mãos (ou a língua) nas nódoas do cotidiano nem confundir crítica ao que está errado com oposição ao país (preocupação que os petistas nunca tiveram quando na oposição).

Ainda assim há muito a fazer para corresponder à fase de "muda". A começar pela crítica à falta de estratégia para o país: que faremos para lidar com a China (reconhecendo seu papel e o muito de valioso que podemos aprender com ela)? Não basta jogar a culpa da baixa competitividade nas altas taxas de juro. Olhando para o futuro, teremos de escolher em que produtos poderemos competir com China, Índia, asiáticos em geral, Estados Unidos, etc. Provavelmente serão os de alta tecnologia, sem esquecer que os agrícolas e minerais também requerem tal tipo de conhecimento. Preparamo-nos para a era da inovação? Reorientamos nosso sistema escolar nesta direção? Como investir em novas e nas antigas áreas produtivas sem poupança interna? No governo anterior os interesses do Brasil pareciam submergir nos limites do antigo "Terceiro Mundo", guiados pela retórica do Sul-Sul, esquecidos de que a China é Norte e nós, mais ou menos. Definimos os Estados Unidos como "o outro lado" e percebemos agora que suas diferenças com a China são menores do que imaginávamos. Que faremos para evitar o isolamento e assegurar o interesse nacional sem guiar-nos por ideologias arcaicas?

Há outros objetivos estratégicos. Por exemplo, no caso da energia: aproveitaremos de fato as vantagens do etanol, criaremos uma indústria alcoolquímica, usaremos a energia eólica mais intensamente? Ou, noutro plano, por que tanta pressa para capitalizar a Petrobras e endividar o Tesouro com o pré-sal em momento de agrura fiscal? As jazidas do pré-sal são importantes, mas deveríamos ter uma estratégia mais clara sobre como e quando aproveitá-las. O regime de partilha é mesmo mais vantajoso? Nada disso está definido com clareza.

O governo anterior sonegava à população o debate sobre seu futuro. O caminho a ser seguido era definido em surdina nos gabinetes governamentais e nas grandes empresas. Depois se servia ao país o prato feito na marcha batida dos projetos-impacto tipo trem-bala, PACs diversos, usinas hidrelétricas de custo indefinido e serventia pouco demonstrada. Como nos governos autoritários do passado. Está na hora de a oposição berrar e pedir a democratização das decisões, submetendo-as ao debate público.

Não basta isso, entretanto, para a oposição atuar de modo efetivo. Há que mexer no desagradável. Não dá para calar diante de a Caixa Econômica ter se associado a um banco já falido que agora é salvo sem transparência pelos mecanismos do Proer e assemelhados. E não foi só lá que o dinheiro do contribuinte escapou pelos ralos para subsidiar grandes empresas nacionais e estrangeiras, via BNDES. Não será tempo de esquadrinhar a fundo a compra dos aviões? E o montante da dívida interna, que ultrapassa um trilhão e seiscentos bilhões de reais, não empana o feito da redução da dívida externa? E dá para esquecer os cartões corporativos usados pelo Alvorada, que foram tornados "de interesse da segurança nacional" até ao final do governo Lula para esconder o montante dos gastos? Não cobraremos agora a transparência? E o ritmo lento das obras de infraestrutura, prejudicadas pelo preconceito ideológico contra a associação do público com o privado, contra a privatização necessária em casos específicos, passará como se fosse contingência natural? Ou as responsabilidades pelos atrasos nas obras viárias, de aeroportos e de usinas serão cobradas? Por que não começar com as da Copa, libertas de licitação e mesmo assim dormindo em berço esplêndido?

Há sim muita coisa para dizer nesta hora de "muda". Ou a oposição fala e fala forte, sem se perder em questiúnculas internas, ou tudo continuará na toada de tomar a propaganda por realização. Mesmo porque, por mais que haja nuances, o governo é um só Lula-Dilma, governo do PT ao qual se subordinam ávidos aliados.

FONTE: O GLOBO

Meritocracia e apagão:: Eliane Cantanhêde

Por essas ironias da vida e da política, o apagão castigava 33 milhões de pessoas, num cálculo, ou 47 milhões, em outro, enquanto a presidente Dilma Rousseff fatiava justamente os riquíssimos cargos do setor elétrico.

Sete Estados foram atingidos, sem luz e sem água. Houve problemas de trânsito e de tráfego aéreo. Hospitais, delegacias e presídios acabaram prejudicados. Mas o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, dizia que o sistema é "robusto", um dos melhores do mundo, e que tudo não passou de "interrupção temporária de energia".

Conclui-se que apagão no governo dos outros é apagão mesmo, mas no nosso é falha técnica.

Para Dilma, porém, esse é um setor multiestratégico, fundamental para o desenvolvimento. E porque foi da Secretaria de Energia do Rio Grande do Sul e do Ministério das Minas e Energia que ela emergiu para a Casa Civil, para a campanha de 2010 e, finalmente, para a Presidência da República.

Apagões causam perdas, tumultos e mau humor, mas deixam Dilma particularmente irritada, pois mexem com seus brios e jogam sua imagem de boa gestora na penumbra. Ainda mais com Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves alardeando que são donos de Furnas.

Já que expressões e metáforas não têm mais dono, Dilma endureceu, bateu na mesa, jogou pesado, avisando que quem manda é ela. Matou a cobra e mostrou o pau: tirou Furnas de Cunha e de Alves e deu para José Sarney.

Ficou tudo em família (em todos os sentidos).

Furnas tem investimentos de mais de R$ 1 bilhão. A Eletrobras, de mais de R$ 8 bilhões. Faz sentido que o grupo de Cunha e Alves dispute com o de Sarney e que Dilma desempate a favor de Sarney, que já controla o ministério com Lobão.

Que fique claro: é tudo para o bem de todos e a felicidade geral da nação. A disputa é de meritocracia e para evitar que ocorram novos apagões, ops!, interrupções temporárias de energia.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Crescimento é um processo de longo prazo::José Roberto Mendonça de Barros

O crescimento econômico, em seu sentido mais amplo, é o objetivo de todos os países, especialmente daqueles onde os níveis de renda ainda são modestos. Maior renda possibilita maiores níveis de consumo e de bem-estar, especialmente se também ocorrerem melhoras distributivas que permitam estender os frutos do sucesso a todas as famílias, eliminando os focos de pobreza e a insegurança alimentar. A busca do progresso e do entendimento de suas causas é um fenômeno, do ponto de vista histórico, relativamente recente e vem da época da revolução industrial inglesa e dos economistas clássicos.

Uma das poucas coisas sobre as quais não perduram dúvidas é que o crescimento é um fenômeno de longo prazo. Todas as regiões gozam de certos períodos de expansão, por diversas causas. Entretanto, poucos países conseguem sustentar um progresso suficientemente rápido por longos períodos, de sorte a mudar permanentemente a sociedade e a sua posição relativa entre as nações. Da mesma forma, o sucesso do passado não garante o do futuro, isto é, os países podem perder vitalidade e viabilidade. A China dos séculos 18 e 19 é um bom exemplo a ser lembrado.

Pretendo neste e no próximo artigo mostrar alguns casos de sucesso, a posição do Brasil e alguns insucessos, visando a contribuir para o entendimento das dificuldades que acompanham a busca pelo progresso.

O desenvolvimento é uma contínua superação de tensões, onde a solução de um problema abre a porta de mais dois. Envolve e resulta em modificações de toda a sociedade. Depende de algumas causas gerais, necessárias em todos os lugares (por exemplo, sem investimento não há crescimento) e coisas específicas (dotação de recursos, instituições). É um processo construído, mesmo que muitas vezes não se tenha a total dimensão do evento, no momento de sua ocorrência. As demandas começam mais simples (como superar o riscos de fomes generalizadas ou o colapso do comércio internacional) e vão se sofisticando a partir de sucessos iniciais, passando a incluir a redução de recessões recorrentes, melhor distribuição de renda, redução de desigualdades regionais, inclusão das mulheres e, mais recentemente, a questão ambiental.

A forma mais simples de medir o crescimento econômico ainda é dada pela evolução do Produto Interno Bruto (PIB). Sabemos que esta é uma medida imperfeita, pois não incorpora questões como a distribuição de renda e qualidade de vida. Daí porque os economistas começaram também a se utilizar de outras medidas, como o popular Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), que, além de renda, incorpora a longevidade e a educação. Entretanto, séries longas para vários países existem apenas para o PIB e a população, o que não é muito grave, pois ao longo do tempo PIB e qualidade de vida são bastante correlacionados.

Também a forma mais simples de comparar o desempenho de países ao longo do tempo é referenciá-los àquele de melhor performance, que no período recente são os EUA. Assim, a evolução do PIB de cada país é apresentada, em cada momento, como uma porcentagem do equivalente americano.

Utilizamos aqui a monumental base de dados coletada pelo economista inglês Angus Maddison, recentemente falecido. O período de análise vai de 1850 até 2008. Os valores estão em dólares de 1990 e são ajustados pela Paridade do Poder de Compra (PPP). O gráfico 1 mostra o PIB per capita americano, que cresce durante todo o período, refletindo sua ascensão à condição de maior e mais importante economia (embora não seja o maior PIB per capita).

O crescimento brasileiro de longo prazo teve um desempenho mediano, pois, embora a produção tenha crescido, nosso PIB per capita flutua em torno de 20% do americano há mais de cem anos, com um breve pico em torno de 1980, quando pareceu que o País iria decolar. A crise de 1982 liquidou com o sonho do Brasil Potência.

Uma comparação com a Coreia do Sul mostra bem o que dissemos acima. Como se vê no gráfico 3, o PIB coreano foi por muito tempo similar ou pior que o brasileiro, especialmente considerando os problemas da península no início dos anos 50. Tão próximo quanto 1970, a Coreia era mais pobre que o Brasil.

A partir daí, o desempenho coreano é um fenômeno, colocando o país no grupo dos desenvolvidos. Muito se discutiu do porquê dessa diferença, mas duas razões fundamentais são universalmente aceitas: a Coreia realizou um enorme esforço educacional (este economista estava na Universidade Yale, em 1973, quando os coreanos começaram a chegar em massa para fazer doutorado) e sempre buscou ter uma indústria competitiva, exposta à concorrência global.

Também se discute muito a importância da política industrial, tema bem controverso. Aqui, uma coisa parece segura: além da educação, a Coreia fez esforço na direção de construir um sistema de inovações, que hoje é bem significativo. Por outro lado, tenho dúvidas que a escolha de campeões nacionais tenha sido fator decisivo, dado o grande número deles que foi quebrando ao longo do caminho e o frequente socorro do Estado aos mesmos. Na mesma época, o Brasil também buscou campeões nacionais, sem que isso tivesse catapultado nosso crescimento, embora vários dos grupos ainda existam até hoje.

O caso da Coreia não é o único, pois mostramos no gráfico 4 o desempenho de Taiwan, bastante parecido com o caso coreano. Na realidade, Coreia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são hoje regiões de alta renda e plenamente desenvolvidas.

Mostramos também no gráfico 4 o caso do Chile, que apresenta uma evidente reversão na trajetória de crescimento relativo a partir de 1990. Neste caso, não pairam dúvidas de que o sucesso chileno tem tudo a ver com os processos de estabilização, abertura e reformas pelas quais o país passou a partir de 1990. O Chile é mais um caso a mostrar que com inflação alta e persistente não existe crescimento de longo prazo, algo que boa parte da América Latina ainda insiste em desconhecer.

Finalmente, mostramos a evolução relativa dos gigantes asiáticos China e Índia. No caso chinês, é visível a mudança de trajetória a partir de 1980, inclusive com o fator de aceleração. Mas também é visível que nós falamos de um país apenas mediano em termos de renda relativa per capita. É por isso que os chineses não podem parar de crescer, coisa que acreditamos que continuará a ocorrer. Finalmente, o caso indiano, onde o PIB per capita de apenas 10% do americano revela o tamanho do desafio que o país tem pela frente. China e Índia mostram também que a demanda potencial por commodities é absolutamente gigantesca, se ajustarmos por suas populações.

Os casos que mostramos, evidentemente, não são os únicos de sucesso, pois vêm imediatamente à mente os países nórdicos, o Canadá e a Austrália. Entretanto, todos eles mostram, definitivamente, que o crescimento é um processo de longo prazo, de várias gerações. Devemos, pois, ficar vacinados contra autoavaliações triunfalistas que falam que o Brasil desenvolveu com sucesso um novo modelo de crescimento econômico.

É economista

FONTE O ESTADO DE S. PAULO

Culpa das commodities?:: Rubens Ricupero

A estabilização do preço das commodities agrícolas, que o Brasil tenta em vão privilegiar na agenda internacional desde a conferência de Bretton Woods em 1944, passou de repente a ser prioridade para os presidente da França, do Banco Mundial e para o diretor da Organização Mundial de Comércio.

Por que a súbita receptividade? Não teria havido volatilidade antes ou o tema apenas preocupa quando os preços sobem (raramente) e não quando desabam como durante a maior parte dos últimos cem anos?

Está em curso ação liderada pelo presidente Sarkozy para tentar controlar o preço dos alimentos na próxima reunião do G20, na França.

A iniciativa deve preocupar o comércio exterior e o agronegócio brasileiros. Ela patenteia a ingenuidade dos que acreditaram numa coincidência estratégica entre os interesses do Brasil e os da França, campeã dos subsídios e do protecionismo agrícola.

Da última vez em que os alimentos aumentaram (2008-09), chamei a atenção na Folha para estudo de Ocampo e Parra mostrando que a alta era só nominal e os preços estavam apenas se recuperando em termos reais.

Ao contrário do índice da FAO (Organização de Alimentos e Agricultura), que parte de base distorcida (1990, auge da queda), os autores do estudo compararam os preços com a média histórica de 1945 a 1980, fase de 35 anos de preços abaixo até da média histórica. Corrigiram as cotações nominais descontando a inflação do período.

Garantido por essas cautelas o estudo revela que: a) os produtos agrícolas sofreram nos anos 1980 colapso só comparável ao de 1920-21; b) a agricultura tropical foi a mais atingida pelo declínio de longo prazo dos preços; c) em 2008 os únicos produtos acima da média anterior (óleo de palma, trigo, bananas e borracha) não possuíam expressão na pauta exportadora do Brasil; d) continuavam muito deprimidos o cacau, o chá, o café, o algodão e o açúcar.

Valeria a pena que entidades brasileiras competentes atualizassem o estudo, utilizando a mesma metodologia. Duvido, no entanto, que o resultado seja muito diferente em relação ao obtido em 2008.

Lembro o precedente para alertar sobre o perigo de aceitar de modo passivo índices, estudos e campanhas que nos chegam com o selo prestigioso de organismos mundiais, escondendo estratégias adversas aos interesses brasileiros.

O problema das commodities agrícolas deve merecer atenção internacional, não apenas devido ao impacto dos preços em países importadores de alimentos.

É preciso não esquecer que a recente mudança para melhor no desempenho econômico da África e da America Latina não teria sido possível sem a recuperação das cotações de commodities.

O equilíbrio e a boa fé exigiriam também eliminar os subsídios dos ricos, que desestimulam a produção de alimentos em países pobres, tornando-os dependentes da ajuda alimentar.

Em seguida, impõe-se coibir a perniciosa especulação financeira em commodities.

Por fim, não se pode pensar em controlar preços agrícolas sem antes controlar fertilizantes, combustíveis e todos os demais insumos do setor que contribuem poderosamente para a formação dos custos dos agricultores.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Falta um programa de governo::Suely Caldas

Na disputa entre PT e PMDB pelo comando de Furnas, o governo Dilma jogou pelo empate e a partida terminou 1 x 1 - sai a turma do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e entra a de José Sarney (PMDB-AP). Obviamente, o PT não sai perdendo: também será contemplado com a escolha do resto da diretoria. A derrota ficou com a arquibancada, os brasileiros, que assistiram a um jogo decepcionante e medíocre, com os mesmos jogadores oportunistas e aproveitadores de sempre. Não viram brilhar em campo um time renovado, com craques competentes em gestão e resistentes às tentativas de uso político-partidário, escalados com critérios técnicos pela nova treinadora/presidente.

Quem acreditou nos discursos de Dilma Rousseff do dia da vitória eleitoral e no ato da posse ("Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente...") ficou frustrado nos últimos dias com o desfecho da troca de comando de Furnas e, mais ainda, com a mensagem que a presidente leu no Congresso, na abertura dos trabalhos legislativos, na quarta-feira.

A decisão de ir ao Congresso - em vez de enviar o texto da mensagem pelo ministro da Casa Civil, como fizeram antecessores - acendeu a esperança de que ela estava ali para acertar os ponteiros com os parlamentares. Ao mesmo tempo que prestigiaria a Casa, escolhendo aquele ato para anunciar seu programa de governo, cobraria dos parlamentares uma parceria justa e honesta para aprová-lo, sem precisar recorrer ao miúdo jogo sujo da troca de favores, do toma lá dá cá, em cada matéria proposta pelo Executivo.

Em vez de um gesto de grandeza e finalmente anunciar seu programa de governo, combinando-o com mudanças de atitude, com uma convivência decente entre Executivo e Legislativo, Dilma limitou-se a reafirmar compromissos corriqueiramente assumidos com desenvolvimento, educação, saúde e segurança, pedir apoio para "acabar com a miséria", propor um "pacto de avanço social" e defender as reformas política e tributária. Nenhuma palavra em relação à expectativa de todos os brasileiros por uma prática política transparente, simbolizada no movimento que reuniu milhões de assinaturas e culminou na aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Quem é contra um pacto de avanço social ou acabar com a miséria? Obviamente, ninguém em bom estado de saúde mental. A questão é como chegar lá. Falta detalhar um programa de governo com definição de metas e providências, regras, instrumentos para alcançá-las. Entre o desejo e a realidade, há um enorme vácuo que Dilma precisa rechear.

Há exemplos aos borbotões, mas fiquemos neste: nos últimos dias, Dilma e seus ministros propõem reduzir a folha de salários e, como a alíquota do INSS (20% da folha para as empresas) é o item mais pesado, a ideia é reduzi-la, gradativamente, até os 14%. Tudo bem, ninguém é contra. Mas tem um problema: essa renúncia fiscal engole a receita da Previdência, agravando ainda mais o déficit que, em 2010, consumiu R$ 44,3 bilhões da arrecadação de impostos. O que fazer para compensar a perda? Até agora, o governo nada disse. Tampouco Dilma tem mostrado interesse em tocar a reforma da Previdência, que é injusta com quem ganha salário mínimo e perdulária com os altos salários dos aposentados do serviço público.

Quem governa e tem poder de alocar 36% do valor total de dinheiro que circula na economia é obrigatoriamente levado a fazer escolhas. Por isso Dilma prometeu na mensagem ao Congresso "promover a qualidade do gasto público". Todos os antecessores fizeram o mesmo e até hoje os brasileiros esperam pelo cumprimento.

É justo reconhecer que os governos FHC e Lula melhoraram a distribuição de renda no País. Mas o quadro tributário segue perverso. É aceitável que famílias mais pobres, que vivem com dois salários mínimos, comprometam 48,9% de sua renda com impostos, enquanto ricos, que vivem com mais de R$ 20 mil, consumam só 26,3%? É isso que está em questão na reforma tributária.

Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Como nasce uma democracia

A história mostra que deixar uma ditadura para trás é um processo lento, mas com desfecho acelerado. A massa nas ruas do Egito ruma para a abertura. O que ainda falta para chegar lá

José Antonio Lima Com Eliseu Barreira Junior,Juliano Machado e Mariana Sanches

O mais instável dos regimes políticos do mundo é a ditadura. Pode até durar décadas por conta da imposição da força, mas carece de um fundamento básico: a boa vontade dos que são governados por ela. O que o mundo vê agora no Egito é uma prova de que, cedo ou tarde, o povo se cansa dos autocratas. Não que seja fácil aposentar um ditador. Na semana passada, a imagem da massa que superlotava a Praça Tahrir – “liberdade”, em árabe –, no centro do Cairo, dava a impressão de que Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, anunciaria o fim do regime em questão de horas. Até o fechamento desta edição, Mubarak continuava cambaleante, mas agarrado ao poder.

Em resposta, grupos pró-Mubarak invadiram a praça e investiram contra os manifestantes. Por quase seis horas, pedras, bombas incendiárias e disparos de armas de fogo vinham dos dois lados. Homens montados em cavalos e camelos, com chicotes e pedaços de pau, atacaram os manifestantes anti-Mubarak. Em poucos minutos, foram derrubados de suas montarias e espancados. As imagens lem-bravam outros levantes brutalmente sufocados, como os protestos por abertura política na Praça da Paz Celestial, em Pequim, ou as manifestações contra a reeleição fraudada de Mahmoud Ahmadinejad no Irã, em 2009. Nesses dois casos, a repressão sobressaiu – e os regimes autoritários persistem. Ainda não está claro que caminho o Egito seguirá, mas parece claro que pelo menos a ditadura de Mubarak está perto do fim.

O nascimento de uma democracia varia de acordo com cada país ou região. De certo modo, o fim das ditaduras costuma seguir um ritmo parecido com a bancarrota do célebre personagem do escritor americano Ernest Hemingway: “Gradualmente – e então de repente”. A democracia começa de forma lenta, latente, à medida que um regime autoritário se desgasta. E geralmente acelera nos momentos finais. As últimas grandes ondas de democratização do século XX, da América Latina ao Leste Europeu, tiveram essa característica.

O caso mais marcante foi a derrubada das ditaduras comunistas, na virada dos anos 80 para os 90. Por quatro décadas, os soviéticos sufocaram a soberania dessas nações ao impor seu modelo político-econômico. As revoltas eram debeladas, mas a insatisfação só aumentava. A União Soviética agonizou até o Muro de Berlim cair, em outubro de 1989. A partir daí, as ditaduras foram caindo como um castelo de cartas. Na Romênia, a velocidade e as circunstâncias da queda foram assustadoras. O ditador Nicolae Ceaucescu, com 24 anos de governo, enfureceu a população ao convocar um comício em Bucareste, em que os romenos seriam obrigados a clamar palavras de apoio ao tirano. O resultado foi uma mobilização ensandecida contra Ceausescu. Quatro dias depois, ele estava fuzilado, e seu regime extinto.

A Romênia foi um caso extremo, mas os princípios que regeram o fim do comunismo no Leste Europeu estão presentes nos levantes do Egito. Dos 22 países que formam a Liga Árabe, só três têm sistemas cujos elementos permitem falar numa democracia, ainda que imperfeita – Líbano, Kwait e Iraque. No restante, predominam autocratas que já passaram dos 70 anos de idade, com 20 a 30 no poder. Some a isso pobreza, desemprego e falta de liberdades fundamentais – e eis o caldo de fermentação para um futuro regime aberto.

O “Muro de Berlim” dos árabes foi o levante da Tunísia, no mês passado. Pela primeira vez na história da região, a força do povo nas ruas derrubou um ditador – Zine el-Abidine Ben Ali comandava o país desde 1987. As demais populações viram que poderiam fazer o mesmo. O Egito, foco do momento, pode ser o próximo a seguir o caminho tunisiano e há sinais de mudança em outros países da região. Uma onda democrática árabe pode estar a caminho. Mas o exemplo do Egito mostra que sair de uma ditadura para uma democracia não requer só vontade popular.

Embora frequentemente inspiradas pelos ideais de democracia e de participação popular, as transformações políticas implementadas na América Latina, no Leste Europeu e, agora, no Egito e no resto do mundo árabe nem sempre resultam numa democracia. Não bastam eleições para tornar um regime democrático. Uma democracia pressupõe poderes Executivo, Legislativo e Judiciário independentes, conceito que começou a ser traçado no século XVIII pelo filósofo francês Charles de Montesquieu. Somem-se à democracia representativa a necessidade de garantias das liberdades individuais amplas, de acesso a fontes de informação diversificadas e a não interferência da religião nas decisões do Estado.

Os regimes dos países têm sido classificados de acordo com critérios como a competitividade das eleições, a liberdade da imprensa e o clima de respeito às liberdades individuais. De acordo com a organização americana Freedom House, uma referência no monitoramento da democracia pelo mundo, 45% dos países entraram em 2011 na condição de livres. Somos quase 3 bilhões vivendo em Estados abertos. Entre eles, Brasil e Argentina, parte da onda de democratização da América Latina na década de 80, ou Estônia e Lituânia, ex-repúblicas soviéticas. Outros 31% dos países, com 1,5 bilhão de habitantes, são classificados como parcialmente livres. Nesse grupo estão países como a Venezuela, de Hugo Chávez, ou a Bolívia, cuja ditadura terminou em 1982, mas não foi substituída por um regime 100% democrático. Ou ainda países do Leste Europeu que, embora engolfados pela redemocratização, ainda não completaram sua transição, como a Ucrânia.

Antes que o Egito possa ser considerado um motor para uma onda de democracia no mundo árabe, ele terá de atravessar os percalços daquele que promete ser um conturbado período de transição. Há três décadas, Mubarak é sustentado por dois pilares poderosos, com fortes interesses na manutenção da estabilidade no Egito – os militares e as potências estrangeiras. Aos 82 anos, Mubarak é um homem teimoso, orgulhoso e indiferente aos anseios da população. Na única entrevista que concedeu na semana passada, à rede de TV americana ABC News, afirmou que “não liga” para o que falam dele. Mubarak parece disposto a fazer de tudo para evitar a humilhação de ser obrigado a renunciar. Por isso, mantinha até o fim da semana passada a decisão de ficar até setembro, quando estão previstas as eleições presidenciais. Ainda assim, seu futuro é incerto, uma vez que os pilares que o sustentam foram abalados pelos protestos. Alguns militares chegaram a tomar parte nos protestos populares. E o presidente Barack Obama, que comanda a principal potência estrangeira que sempre o apoiou, declarou que gostaria de vê-lo fora do poder imediatamente.

O Egito ainda não chegou, porém, ao “ponto de virada” de uma ditadura para uma democracia. Algumas vezes ele é súbito (como na Romênia); noutras, mais gradual (como no Brasil, onde se passaram cinco anos das grandes manifestações em defesa das eleições diretas até o primeiro pleito presidencial). Mubarak tem dançado um curioso balé na tentativa de se manter agarrado ao poder. Por enquanto, o que mais escandalizou a comunidade internacional foi a perseguição contra a imprensa estrangeira. As agressões a repórteres tiveram grande repercussão – dois jornalistas brasileiros foram detidos, interrogados e mandados de volta para o Brasil.

Os Estados Unidos e a União Europeia se manifestaram veementemente, na semana passada, em favor de reformas imediatas na política egípcia. O governo Obama parece disposto a enfrentar um dilema de que todos os ocupantes anteriores da Casa Branca se esquivaram – a dicotomia entre democracia e estabilidade no Egito. Washington fazia pressão para que Mubarak deixasse o cargo e desse espaço a um governo de transição, com participação dos oposicionistas. A figura-chave no processo seria Omar Suleiman, indicado por Mubarak como seu vice-presidente.

Suleiman é visto como o homem que poderia, ao mesmo tempo, negociar com a oposição e manter intactos os interesses dos militares e das potências estrangeiras no Egito. Ele é um ex-general, foi chefe do temido (pelos próprios egípcios) Serviço de Inteligência Nacional desde o primeiro dia do mandato de Mubarak e salvou a vida do ditador num atentado na Etiópia, em 1995. É seu principal aliado. Era considerado a “solução militar” para a sucessão de Mubarak, caso o ditador não conseguisse indicar seu filho, Gamal. Suleiman poderia aplacar os ânimos do governo de Israel. Como chefe da Inteligência do Egito, foi responsável por todas as negociações do governo em relação aos territórios palestinos, especialmente a Faixa de Gaza, comandada pelos radicais do grupo islâmico Hamas. “Ele seria a melhor opção para um governo interino. Para Israel, seria um grande alívio se Suleiman permanecesse no poder”, afirma Elie Podeh, especialista em relações árabes-israelenses da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Outra função de Suleiman seria garantir os privilégios dos militares. A categoria é a principal beneficiada pelo acordo de ajuda militar com os Estados Unidos, que destinam cerca de US$ 1,5 bilhão por ano para o Egito. Esse dinheiro vai para a compra de armas e equipamentos (muitos americanos), mas também para o bolso dos militares, segundo apurou ÉPOCA. Cada um dos seis oficiais generais que atuam como ministros-assistentes do Ministério do Interior – a pasta que coordena as forças de segurança do Egito, incluindo a temida polícia – recebe US$ 50 mil por mês. Os militares são bem-vistos pela população egípcia. Seus membros mais graduados desfrutam uma vida nababesca num país em que 23% da população vive abaixo da linha da pobreza.

A oposição recebeu bem algumas concessões de Mubarak, mas não abre mão de sua renúncia

Ao mesmo tempo que respondeu de forma truculenta aos protestos populares, o regime egípcio fez uma série de concessões aos partidos oposicionistas. A primeira foi a própria nomeação de Omar Suleiman para a Vice-Presidência. Apesar de ligado a Mubarak, ele é o primeiro vice-presidente do Egito em 30 anos. Na semana passada, Suleiman chamou toda a oposição ao diálogo, inclusive a Irmandade Muçulmana, o antigo movimento islâmico que tem um passado de violência e foi o berço de grupos radicais, como a Al-Qaeda. O presidente do Parlamento (entidade controlada por Mubarak), Fatih Sorour, reconheceu que as últimas eleições foram fraudulentas, como a oposição já denunciara há meses. E o primeiro-ministro, Ahmed Shafiq (ex-colega de turma de Mubarak na Força Aérea e próximo do ditador), pediu desculpas pela violência na Praça Tahrir. Foram tentativas de reduzir a tensão e de apagar a imagem de que as forças de segurança do próprio governo estariam por trás dos crimes.

A oposição vê com bons olhos essas concessões, mas não abre mão da renúncia de Mubarak. “É preciso haver, com a saída de Mubarak, um sinal de que uma nova era vai começar, senão o caos no Egito não vai acabar”, disse a ÉPOCA Hassan Nafaa, professor de ciência política da Universidade do Cairo e um dos principais coordenadores da Associação Nacional para a Mudança. A associação é comandada por Mohamed El-Baradei, ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU, e prêmio Nobel da Paz em 2005. Em tese, engloba todo o espectro de opositores, mas há claras divergências internas (leia o quadro). Um dos temores do bloco é que, uma vez que um acordo seja firmado entre governo e oposição, as massas de jovens nas ruas se sintam traídas. Outra preocupação, mais importante, é que, uma vez aceita a permanência de Mubarak, a pressão sobre o regime diminua e as reformas não sejam realizadas.

A palavra do regime não é encarada com seriedade pela oposição por um motivo simples: não é confiável. Na quinta-feira, a TV estatal egípcia anunciava que o proeminente oposicionista Ayman Nour, ex-candidato à Presidência em 2005 e preso pelo regime por quatro anos, negociava com o governo. Naquele momento, ele se encontrava sentado na sala de estar de sua casa, no Cairo, onde concedia entrevista a ÉPOCA. Na conversa, Nour admitiu que há divergências dentro da oposição, mas tentou minimizá-las. Confirmou que será candidato nas próximas eleições, o que prenuncia um confronto interno entre membros da Associação Nacional para a Mudança, como El-Baradei, considerado um candidato natural. Se isso ocorresse agora, provavelmente o grupo perderia força. Se ocorrer em um ambiente político em processo de democratização, pode ser saudável, pois aumentará o pluralismo da sociedade egípcia.

A maior dúvida a respeito do futuro da democracia no Egito e em todo o mundo árabe continua sendo o papel do islã e dos grupos radicais no país. Líderes seculares como Nour e El-Baradei têm defendido o diálogo com a Irmandade Muçulmana, argumentando que ela é uma força política que não pode ser desprezada, ainda que esteja na ilegalidade há décadas. Os acenos de Suleiman a uma aproximação com o grupo são uma mudança. “Os Estados ditatoriais árabes, com Mubarak à frente, alegavam que os Estados policiais que criaram eram a única barreira no caminho do extremismo islâmico”, diz Rashid Khalidi, professor de estudos árabes do Departamento de História da Universidade Colúmbia, nos Es-tados Unidos. Ao abrir as portas para a Irmandade Muçulmana, o regime egípcio tenta evitar excluir os partidos religiosos. Uma das características cardeais da democracia é aceitar a participação de todas as correntes de pensamento – desde que elas também aceitem a democracia como sistema político. Não é esse o caso dos grupos islâmicos em países como o Irã ou o Líbano. Apesar de hoje se declarar favorável ao regime democrático, o histórico da Irmandade Muçulmana oferece motivos legítimos para preocupação. O maior temor é que ela tente tornar o país uma teocracia como a iraniana. O líder espiritual do Irã, Ali Khamenei, disse enxergar no Egito o mesmo caminho que seu país trilhou, a partir da derrubada do xá, em 1979. “O despertar do povo islâmico egípcio é um movimento de liberação islâmico, e eu, em nome do governo iraniano, saúdo o povo egípcio e o povo tunisiano”, afirmou na sexta-feira.

O futuro de uma democracia egípcia passa pelo papel que o islã terá no novo regime

A rebelião popular no Egito, porém, não foi motivada nem comandada por religiosos. O motivo central dos protestos, iniciados há duas semanas, está claro: desde sua existência como Estado independente, em 1952, o país nunca soube o que é democracia. Teve só três presidentes – além de Mubarak, Anwar al-Sadat e Gamal Abdel Nasser, que derrubou a monarquia do rei Farouk. Após tantos anos de autoritarismo, o país quer ter o direito de escolher seus governantes pelo voto direto, livremente.

O Egito parece reunir as três condições básicas para se tornar protagonista do primeiro processo de democratização genuíno do mundo árabe, capaz de modificar de forma duradoura a história da região. Primeira: as potências estrangeiras estão pressionando por reformas. Segunda: as forças internas democráticas são ativas e estruturadas. Terceira: e a religião, em vez de ter sido excluída, está envolvida no debate. É preciso lembrar, claro, o Irã de 1979, em que uma ditadura deu lugar a uma teocracia ainda mais autoritária. Para evitar um destino semelhante ao de “revoluções” como a iraniana, o Egito e a comunidade internacional precisam, daqui para a frente, seja quem for o comandante da transição política, persistir nesse caminho. Só assim o movimento que começou com a obsolescência dos ditadores árabes e está agora nas ruas do Egito pode dar origem à primeira grande onda democrática do século XXI.

FONTE: ÉPOCA

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No Rio, só 3,8% das ações do PAC foram concluídas


Região Metropolitana e Baixada têm projetos inacabados de saneamento, pavimentação e drenagem, entre outros

Cássio Bruno

As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se transformaram em pesadelo para moradores do Estado do Rio. Projetos parados, inacabados, em ritmo lento ou que sequer saíram do papel estão causando transtornos à população, principalmente da Região Metropolitana e da Baixada Fluminense. O drama é retratado no próprio relatório do governo federal com o balanço do PAC, entre 2007 e 2010. Apenas 3,8% das ações relacionadas à infraestrutura social e urbana - saneamento básico, pavimentação de ruas, drenagem, habitação e ações de combate às enchentes - foram efetivamente concluídas no estado.

Das 392 intervenções previstas pelo PAC, sendo 298 delas em 2007 e 2008, a um custo de R$6,9 bilhões, só 15 aparecem como finalizadas. Desses recursos, R$2,16 bilhões já estão nos cofres dos municípios e do governo estadual.

O GLOBO visitou algumas obras do PAC em sete cidades e encontrou exemplos de desperdício de dinheiro público. Em Belford Roxo, o conjunto habitacional do bairro Barro Vermelho está abandonado há sete meses. O empreendimento, que começou a ser construído em 2008 por R$11.520.169,31, deveria ter 252 apartamentos para onde iriam moradores de comunidades ribeirinhas dos rios Iguaçu, Sarapuí e Botas. A iniciativa faz parte do Projeto Iguaçu, financiado pelo PAC, com objetivo de controlar inundações e com conclusão prevista para outubro do ano passado.

O local, no entanto, não tem operários trabalhando. Material de construção está espalhado no antigo canteiro de obras. O mato está alto. Como parte do tapume de proteção da área foi destruída, o acesso é livre. À noite, não há iluminação. Segundo os moradores, o complexo serve ainda para venda e consumo de drogas, já que ele fica em uma região dominada por traficantes.

Por conta própria, morador tenta evitar inundações

O Projeto Iguaçu, orçado inicialmente em R$270 milhões, também empacou em Duque de Caxias, Mesquita, Nova Iguaçu e São João de Meriti.

- Quando chove, a água chega a 1,20 metro. Não sabemos quando as famílias serão transferidas, apesar de já estarem cadastradas - afirma José Miguel da Silva, da Comissão de Fiscalização das Obras do PAC no Pilar, em Caxias.

Em Nova Iguaçu, pelo menos oito bairros estão com as obras paradas. No bairro Palhada e em outras localidades próximas, cujos investimentos chegaram a R$52.769.996,99, vias permanecem sem asfalto e saneamento.

- Isso aqui está terrível. Fizeram o asfalto em poucas ruas e foram embora, sem dar qualquer satisfação - critica o pedreiro Delânio Vieira Guimarães, de 54 anos, morador da Rua Bambuzal.

No Km 32, o auxiliar de serviços gerais Geraldo da Silva, de 42 anos, resolveu acabar com o sofrimento. Usou uma enxada para abrir um buraco, na tentativa de desobstruir o sistema de esgoto e, assim, evitar alagamentos.

- Começaram a pôr as manilhas, mas pararam com tudo. Aqui, o esgoto fica a céu aberto - conta Geraldo.

FONTE: O GLOBO

O primeiro apagão a gente nunca esquece!!!

PMDB e oposição ganhariam com reforma de Temer

Vice-presidente defende fim do voto em legenda e de quociente eleitoral na disputa pela Câmara, acabando com "puxador de voto"

Daniel Bramatti

Se a minirreforma política idealizada pelo vice-presidente Michel Temer estivesse em vigor em 2010, os maiores beneficiados seriam seu próprio partido, o PMDB, e as duas principais legendas da oposição, o PSDB e o DEM.

Em entrevista à TV Estadão, na semana passada, Temer defendeu a instituição do voto majoritário na eleição para a Câmara dos Deputados. São Paulo, por exemplo, que tem 70 cadeiras na Câmara, elegeria os 70 candidatos mais votados, ignorando o chamado quociente eleitoral, fórmula que leva em conta não apenas o desempenho dos indivíduos nas urnas, mas também o de seus partidos.

Se a regra idealizada por Temer tivesse sido adotada na última eleição, a bancada tucana ganharia 12 cadeiras na Câmara, um crescimento de 23% em relação ao número efetivamente conquistado. O PMDB teria ampliação de 13% (10 vagas) e o DEM, de 16% (7 vagas).

Na prática, o voto majoritário acabaria com os "puxadores de votos" - candidatos que, dada sua alta popularidade, inflam os votos de seus partidos e coligações e ajudam a eleger terceiros. Também seriam eliminados o voto de legenda - o eleitor não poderia mais votar em seu partido preferido, como ocorre hoje - e as coligações partidárias.

No sistema proporcional, em vigor atualmente, candidatos podem ser eleitos mesmo que tenham menos votos do que adversários. No sistema majoritário, partidos com menos votos que adversários podem ganhar mais cadeiras do que eles.

Fragmentação. Ao defender sua proposta, Temer disse que ela reduziria o número de partidos para "sete ou oito". Os números não comprovam a tese. Na hipótese de uma eleição majoritária já em 2010, apenas duas legendas perderiam todos os seus deputados (os "nanicos" PHS e PSL). Ainda haveria duas dezenas de partidos com representação na Câmara.

A simples proibição das coligações nas eleições legislativas, sem a adoção do voto majoritário, teria um impacto mais profundo na redução da fragmentação partidária. Segundo cálculos de Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a medida faria com que o número de legendas representadas na Câmara caísse de 22 para 16. Os principais beneficiados seriam os grandes partidos - PT, PMDB e PSDB, juntos, ganhariam nada menos que 60 cadeiras.

Atualmente, as coligações beneficiam os chamados partidos nanicos porque, em muitos casos, eles nem alcançariam o quociente eleitoral mínimo para eleger representantes sem a "carona" das legendas maiores.

Distritões e listas fechadas. A reforma defendida por Temer e por outros líderes do PMDB é contemplada por uma proposta de emenda constitucional que já está tramitando, de autoria do senador Francisco Dornelles (PP-RJ). Ela transforma os Estados em "distritões", nos quais seriam eleitos, para "x" vagas, os "x" candidatos mais votados.

"O nome é horrível e a ideia é ainda pior", disse ao Estado o cientista político Jairo Nicolau, autor de diversos estudos sobre eleições no Brasil. "Esse sistema representaria a pá de cal para os partidos políticos. Seria uma eleição hiperpersonalizada, de todos contra todos e caríssima."

Na contramão do que defende Temer, os principais líderes do PT são favoráveis a um sistema de lista fechada, no qual os eleitores teriam a opção de votar apenas em uma relação de nomes apresentada pelos partidos, e não em indivíduos. As vagas em disputa seriam distribuídas de acordo com a proporção de votos de cada legenda. A ordem das listas, que estabeleceria a maior ou menor probabilidade de alguém ser eleito, seria definida pelas legendas.

As listas fechadas já foram propostas - e rejeitadas - na reforma política apresentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante seu governo.

A presidente Dilma Rousseff e o recém-eleito presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), já deram mostras de que o governo não deve voltar a patrocinar a ideia.

Em seus primeiros pronunciamentos após ser eleito para comandar a Câmara, Maia defendeu a votação de uma reforma política "fatiada", que tenha condições de gerar "consenso" entre os parlamentares.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Aécio não é candidato natural, afirma tucano

Julia Duailibi e Marcelo de Moraes

Aloysio Nunes Ferreira, senador (PSDB-SP)

QUEM É

Ex-chefe da Casa Civil do governo José Serra em São Paulo, é formado em Direito. Esteve exilado na França de 1968 a 1979 por causa de ações contra a ditadura militar. Na volta do exílio, elegeu-se deputado estadual de 1983 a 1991, pelo PMDB. Foi líder dos governos Franco Montoro e Orestes Quércia na Assembleia. De 1991 a 1994, acumulou as funções de vice-governador e secretário dos Transportes Metropolitanos. Foi ministro da Secretaria-Geral da Presidência de 1999 a 2001 e ministro da Justiça, em 2001 e 2002, durante o governo FHC.

Com a disputa pelo controle do PSDB fervendo nos bastidores, o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP) defende a presença do ex-governador José Serra na direção do partido e afirma que "não" há candidatura natural à Presidência da República.

"Não, tem de ser construída. Tem muitos nomes que podem vir a ser. Alckmin, acho eu, o próprio Serra", disse o senador, ao ser indagado se o colega Aécio Neves (MG) é o candidato natural do PSDB em 2014.

Aloysio criticou a coleta de assinaturas para reconduzir Sérgio Guerra à presidência da sigla, promovida há dez dias durante eleição para líder do PSDB na Câmara. "É um método odioso para qualquer tipo de indicação partidária, ainda mais para o presidente nacional do partido."

Como será a relação da oposição com o governo?

Uma grande parte da agenda do Congresso é determinada pelo Executivo. Tem havido um vazio na pauta do Congresso. É preciso que o governo venha com sua pauta. A presidente anunciou uma ideia, vaga ainda, de desoneração da folha trabalhista. Minha preocupação é que, ao invés de facilitar contratações, facilite demissões. Há sempre o risco de o recheio do bolo ser amargo. Quererem enfiar ali a volta da CPMF. Precisamos ficar atentos.

A oposição não aceita a volta da CPMF?

Sou contra. Disse isso na campanha. Agora há assuntos urgentes, como o salário mínimo.

O PSDB insistirá nos R$ 600 para o salário mínimo?

Foi a campanha eleitoral nossa. O PSDB tem obrigação política de defender essa posição.

Qual é a agenda da oposição?

O PSDB tem de fazer uma agenda com pontos que vão definir essa travessia do deserto durante os próximos quatro anos. Eu basicamente vejo educação e segurança. Um assunto que vou propor, sugestão de um eleitor, é incluir entre opções para saque do FGTS o financiamento de curso universitário.

O governo já deu indicativos de que promoverá um ajuste fiscal. A oposição apoiará?

A candidata Dilma repeliu a necessidade de ajuste fiscal na campanha. Depende do que for cortar. Somos a favor de corte de gastos inúteis, de empreguismo, inchaço da máquina. Agora, como faz corte e mantém projetos mirabolantes, como o trem-bala? Vai ter de escolher. Não basta fazer o discurso, não tem mais o poder encantatório do Lula para levar o povo na conversa. Agora é a dura realidade. Governar é pauleira, não é baba, como dizia o Lula.

Há espaço para votar uma reforma política que não seja só casuística, como a aprovação de uma janela de fidelidade partidária?

Muito difícil. Janela tem de fazer uma emenda constitucional para sacramentar a infidelidade ao eleitor, o que é um absurdo. Trata-se de colocar na Constituição o princípio de infidelidade ao eleitor. O princípio da escapadela. Sou a favor do voto distrital. Concentraria o esforço em torno do distrital, começando a introduzir nas cidades que têm segundo turno.

E o financiamento público?

Já tem muito. A ideia de que o financiamento público acaba com a corrupção política é ingênua. Político corrupto rouba para ficar rico, para pôr dinheiro no bolso. Se tiver financiamento público, vai ter financiamento do contribuinte e vai continuar existindo caixa 2.

Como viu o resultado da eleição para líder do DEM na Câmara, uma prévia da disputa para a presidência do partido?

Mostrou a força de um grupo. Mas nessa matéria sou favorável àquele axioma popular: cada macaco no seu galho.


Mas teve dedo tucano ali.

Cada macaco no seu galho.

Aliados de Serra reagiram contra o abaixo-assinado defendendo a recondução de Sérgio Guerra à presidência do partido.

Achei um erro. Um erro de metodologia e de timing, de processo. O método de colher assinaturas não se faz. É um método odioso para qualquer tipo de indicação partidária, ainda mais para o presidente nacional do partido. É sempre uma forma de constranger um colega, principalmente que está chegando.

José Serra quer a presidência do PSDB?

Serra deve estar presente na direção do partido. É um absurdo uma pessoa que tem o capital político que ele tem, o preparo, a visão política, a liderança (não estar na direção). Não tem cabimento. Tem de fazer parte. Se ele vai querer ser presidente, vai querer disputar, não sei. Ele nunca me disse isso.

Grande parte do PSDB apoia a recondução de Guerra.

Depois se viu que o acordo não era geral. Alckmin disse claramente, já havia dito para mim, que não poderia se discutir, que tem um tempo para discutir a presidência. Há todo o calendário eleitoral do partido, as convenções municipais e estaduais e a necessidade de debate partidário para definir o que vamos fazer. Então há um erro de tempo. E tempo no processo político é tudo. Foi realmente uma coisa desastrada, que não contribuiu para a unidade do partido, pelo contrário, levantou muita desconfiança. Foi ruim.

Por que Guerra fez isso? Teve apoio de ala ligada a Aécio Neves?

Não sei, tem de perguntar para ele. Foi uma coisa precipitada, vamos fazer rapidamente para criar um fato consumado. E isso não se faz. Foi um erro de um político talentoso como o Sérgio Guerra. Agora vamos ciscar para dentro. Não vou ficar remoendo esse episódio. O próprio Sérgio disse que agora é a realização de um debate interno e depois escolher a direção que seja mais apta a conduzir o processo.

Qual seria essa direção?

Uma direção que unifique o partido e faça oposição. E que integre no seu seio as principais figuras do partido. Se o Fernando Henrique pudesse vir, e se não fosse contraditório com a postura que adotou como ex-presidente, deveria vir. Tem de ter os melhores. Serra tem de estar dentro, evidentemente. Tasso (Jereissati), Sérgio (Guerra), (Alberto) Goldman.

Querem isolar Serra?

Não vejo esse desejo. Seria um contrassenso tão grande, o Serra tem força eleitoral, tem uma aliança sólida com o governador de São Paulo, acho que seria um contrassenso, um absurdo político, um erro político, que o PSDB não cometerá.

Aécio chegou ao Senado alçado a líder da oposição?

Evidentemente que o Aécio tem enorme projeção política, por sua trajetória e pela capacidade de articulação. É um homem cotado, poderá vir a ser candidato à Presidência, claro que tem toda credencial para ter uma grande projeção nacional, mas aqui nós somos todos iguais.

É natural a candidatura dele (Aécio) à Presidência?

Não, tem de ser construída. Tem muitos nomes que podem vir a ser. Alckmin, acho eu, o próprio Serra...

O sr. será candidato a prefeito em 2012?

Não sou candidato. Acabo de ser empossado senador. Meus móveis nem chegaram a meu gabinete. Nem escolhi a comissão temática da qual vou participar.

Gilberto Kassab será adversário do PSDB em 2014?

Ele nunca será meu adversário.

Mas e do Alckmin?

Todas as vezes que falei com ambos vi o desejo de caminharem juntos.

Mas ele flerta com o governo federal.

Governador e prefeito não brigam com o governo federal.

Não brigar não significa ficar amigo. Há uma articulação deliberada da presidente para enfraquecer o PSDB em SP.

O eleitor do Kassab é o mesmo que vota em Alckmin, Serra, em mim. E que gosta do Fernando Henrique. Você pode mudar de partido, mas mudar de eleitorado é muito difícil. Ainda que ele venha mudar de partido, a própria objetividade do perfil eleitoral dele o levará a caminhar conosco. Desde que, evidentemente, a gente também tenha do nosso lado a abertura e a vontade de colaborar que ele demonstrou conosco na eleição.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Brigas impedem oposição de traçar estratégia para 2014

Apesar de terem três "presidenciáveis" e de governarem 10 Estados, PSDB e DEM não articulam plano coletivo

Marcelo de Moraes

Juntos, os partidos de oposição governam mais de um terço dos Estados (são oito do PSDB e dois do DEM), incluindo os mais ricos e populosos, como São Paulo e Minas Gerais. Possuem pelo menos três pré-candidatos presidenciais com considerável potencial eleitoral: José Serra, Aécio Neves e Geraldo Alckmin. Apesar disso, em vez de prepararem o terreno para recuperar a hegemonia política perdida em 2003 com a posse do petista Luiz Inácio Lula da Silva, PSDB e DEM, as duas maiores legendas da oposição, começam o ano enfrentando, possivelmente, suas maiores crises internas.

Entre os tucanos, já não há disfarces em relação ao racha que coloca em lados opostos os grupos de Aécio e Serra, que antecipam em demasia o processo presidencial de 2014. No meio dos dois, Alckmin tenta equilibrar os pés nas duas canoas, mas sonha em ser novamente candidato.

Improviso. Enquanto briga, a oposição perde tempo na preparação de um plano consistente para tentar impedir a reeleição de Dilma Rousseff (ou até a volta de Lula) na próxima eleição. No último pleito, a improvisação na campanha tucana foi tão grande que Serra só garantiu sua presença no segundo turno graças ao inesperado crescimento de Marina Silva (PV) e ao inusitado debate sobre aborto e religião.

Assim, representantes desses grupos puxam o debate para lados diferentes. Aécio Neves e seus aliados defendem, por exemplo, a adoção de uma agenda municipalista e um estilo de oposição ao governo federal menos radical. O novo líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), eleito com o apoio de Aécio, admite negociar uma agenda consensual com Dilma para o Congresso.

"Estamos dispostos a dialogar com o governo em torno de uma agenda comum que seja boa para o País. O problema é que até agora não existe essa agenda do governo federal", afirma.

Do lado de Serra, a proposta é esticar a corda na relação com o Planalto e jogar duro contra o governo até para marcar uma posição diferenciada junto ao eleitorado. O grupo está fechado com a proposta de salário mínimo de R$ 600, como foi prometido por Serra na campanha presidencial. Já o lado de Aécio acha que pode ser negociado um outro valor, menos salgado para o governo.

Na volta aos trabalhos do Congresso, o novo líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), já deu esse tom, apresentando emendas pelo salário mínimo de R$ 600, além de requerimentos de informação pedindo explicações ao governo federal sobre, por exemplo, as operações da Caixa Econômica Federal com o Banco Panamericano. Nogueira é ligado ao governador Alckmin, mas também é próximo de José Serra.

Plano de voo. Além disso, os serristas acham que é cedo para sacramentar o nome do próximo candidato, como desejam os aecistas. Preferem combinar um plano de voo comum para o partido, adotando temas como segurança pública e educação e intensificando campanhas no Nordeste, onde consideram que têm sido arrasados nas eleições presidenciais.

Nas últimas conversas internas, os tucanos ligados a Serra defendem também que o partido trabalhe para mudar a imagem de que representa as elites, enquanto Lula e o PT falam pelos mais pobres. Nesse caso, a defesa de um salário mínimo mais alto, contra a posição do governo federal, poderia ser um primeiro passo.

Terceira via. A situação é tão embaralhada que até mesmo o PPS, terceira força da oposição, já apresenta indícios de insatisfação com a crise interna dos tucanos e fechou um bloco parlamentar na Câmara com outro partido, o PV. Como os verdes têm um claro projeto de poder liderado pela ex-senadora Marina Silva, a aliança pode ser o primeiro passo para que o partido troque de aliado em 2014.

"Nas duas últimas eleições, apoiamos a candidatura do PSDB e podemos continuar a fazer isso. Mas acho que seria precipitado confirmar com tanta antecedência a repetição dessa aliança. O que precisamos, primeiro, é definir que pontos queremos defender dentro do Congresso. Estamos buscando propostas que combinem com os interesses da sociedade", conta o líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR).

FONTE O ESTADO DE S. PAULO