sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Reflexão do dia - Marcos Sá Correa

Se o termo for sincero, o país está entregue a interesses poderosos, sem dúvida, mas insensatos a ponto de defenestrar presidentes do Ibama só para construir um canteiro de obra sem a menor garantia de fazer a obra. Ideia semelhante só passou por Brasília uma vez, há mais de 30 anos, através da cabeça prodigiosa do economista Mario Henrique Simonsen. Como ministro do governo João Figueiredo, ele propôs que o Brasil legalizasse o pagamento de comissões por obras que não pretendia executar. Alegava que assim todos sairiam ganhando. A começar pelos brasileiros, que assim gastariam menos com empreitadas inúteis e perdulárias.

Simonsen estava brincando. Queria simplesmente dizer com isso que muita coisa no país só sai do papel porque alguém está de olho na percentagem da intermediação. Mas a licença "parcial" de Belo Monte, a julgar pelo número de baixas que já causou, está falando a sério, mesmo sem esclarecer se aquilo custará menos de 19 ou mais de 30 bilhões de reais e gerará 11 mil ou 4 mil megawatts.

SÁ CORRÊA, Marcos. O Ibama virou um negócio insustentável. O Globo, 28/1/2011.

A cidade da garoa:: Roberto Freire

Quem poderia imaginar que aquela missão jesuítica, iniciada em 1554, como decorrência da expansão do império português, no século 16, reunindo, em sua origem, indígenas e europeus, tornar-se-ia o centro dinâmico do maior pais da América do Sul? Conhecida pelo nome de Vila de São Paulo de Piratininga, a partir de 1560, foi durante mais de três séculos um povoamento pobre e isolado das áreas mais prósperas da colônia.

Construída pela ação dos bandeirantes que com bravura e determinação alargaram os domínios da empresa colonial, em busca de riquezas e glórias, em função de sua prestigiada localização, tendo à disposição os mananciais do rio Tietê, cujo curso era um caminho natural ao interior da capitania e à atual região Centro-Oeste.

A antiga Vila de Piratininga converteu-se no principal centro do movimento bandeirante, especialmente a partir da segunda metade do século 17. Foi dela que partiram as históricas expedições de Fernão Dias Pais, Antônio Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho e de Bartolomeu Bueno da Silva, entre outras.

Empresa dos naturais e "negros da terra" (como eram chamados os autóctones) a expansão do interior brasileiro deve muito à ação dos bandeirantes. Foi isso que possibilitou o encontro das minas de ouro e diamantes em Minas Gerais, que foi de tal magnitude que ajudou, inclusive, o processo de industrialização da Europa.

O declínio da importância das regiões produtoras de açúcar, em fins do século XIX, com a concomitante relevância do café na pauta de exportação brasileira torna São Paulo, rapidamente, o centro difusor de um processo de industrialização que transformaria seu poder relativo na História do Brasil.

Desde o início do século XX, o país é tocado pelo dinamismo de São Paulo, que se torna polo de atração dos brasileiros de todas as regiões e de imigrantes dos mais diversos países do planeta, dotando-lhe de uma característica ímpar, dentre os estados que constituem o país: a mais cosmopolita de todas, rivalizando, inclusive, com Buenos Aires no que respeita ao continente sul-americano.

Hoje, quando completa 457 anos, a cidade de São Paulo é a mais importante de nossas metrópoles.

Em suas fronteiras co-habitam o mundo do capital, do trabalho e da cultura em uma interação dialética que revolucionou, no decorrer do século passado, o próprio país, estabelecendo novos modelos de sociabilidade e de intervenção política.

A mais paradigmática de nossas cidades, ao adentrar o século 21, encontra-se convulsionada por conta de seus inúmeros e imensos desafios, que requerem uma extraordinária vontade política e capacidade técnica.

No instante em que a globalização com seus permanentes desafios e promessas apontam para o crescente processo de urbanização, e a cristalização das megalópoles, onde residirá a maior parte do planeta.

Agora, residindo na cidade das promessas da modernidade, e que me deu a honra de representá-la no Congresso, venho somar-me aos milhares de cidadão do país e do mundo que transformaram a modesta cidade da garoa na mais cosmopolita, descortinando para o futuro próximo e mediato o desafio de torná-la mais democrática e solidária.

Roberto Freire é presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

No centro das decisões :: Merval Pereira

O G-20, que reúne as maiores economias do mundo, toma cada vez mais jeito de ser o organismo apropriado para as decisões do novo mundo multipolar que vem se desenhando, substituindo o G-8 antes que os fatos o tornassem obsoleto. Em poucos anos, países emergentes como China, Índia e Brasil estarão entre as principais economias do mundo, superando muitas das que hoje fazem parte do G-8.

A Rússia, pela importância política mais do que pela sua economia, já fazia parte como convidada do principal fórum de decisões.

A realidade fez com que esse fórum tivesse que ser ampliado, e agora os países emergentes estão inseridos nas decisões internacionais, e têm que assumir as responsabilidades decorrentes da nova situação.

Pois o presidente francês, Nicolas Sarkozy, está disposto a usar seu mandato à frente do G-20 para conseguir um consenso entre as principais economias do mundo, para regulamentar não apenas os mercados financeiros internacionais, mas também o mercado internacional de commodities, em especial o de produtos agrícolas.

Ele ontem fez um discurso bastante incisivo no Fórum Econômico Mundial, acenando inclusive com a possibilidade de uma revolta dos países pobres caso as principais economias do mundo não cheguem a um consenso para ajudá-los.

É dentro do contexto de um mundo que muda rapidamente, onde as informações chegam em segundos às mais diversas partes através dos mais diferentes meios tecnológicos, que Sarkozy vê a necessidade de uma ação para conter as especulações.

Não parecia estar fazendo cena quando previu que em 20 a 30 anos, se não houver uma mudança de postura diante dos problemas como escassez de alimentos devido à alta especulativa dos preços, pode haver uma crise de proporções inestimáveis.

Ele chamou atenção especificamente para o Brasil, dizendo que os países que hoje estão ganhando muito dinheiro com a alta dos preços das commodities estão sujeitos a quedas bruscas, o que pode desequilibrar suas economias.

Para ele, melhor será para todos se houver um mercado equilibrado pela regulação.

Sarkozy defendeu até mesmo uma taxa, que classificou de "infinitesimal", sobre as transações financeiras para a formação de um fundo de ajuda aos países pobres - fundo este com que os países ricos já estão comprometidos, mas para o qual não haverá dinheiro diante do enorme déficit fiscal que os países tiveram para enfrentar a crise financeira que estourou em 2008.

Dificilmente Sarkozy conseguirá esse consenso, e provavelmente as diferenças dos interesses dos países que formam o G-20 ficarão patentes durante as discussões. E Sarkozy parece jogar com a união dos países europeus para tentar dar os rumos das discussões, deixando os emergentes em posição subalterna.

O Brasil, por exemplo, se nega a apoiar uma regulamentação dos preços de commodities, mas quer a regulação dos mercados financeiros.

A própria gênesis do G-20 mostra como é difícil acomodar os interesses desse mundo multipolar, que tem hoje em países emergentes - como os que formam os Brics - jogadores fundamentais.

O G-20 nasceu em 2003, por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio em Cancún, no México - que paralisou as negociações da Rodada de Doha para liberalização do comércio internacional devido a um impasse que colocou o grupo de países emergentes, à época liderado pelo Brasil, em contraposição a Estados Unidos, Japão e União Europeia.

Houve quem, na ocasião, se vangloriasse de que os emergentes haviam enfrentado com êxito os "países ricos" pela primeira vez, mesmo que à custa do fracasso das negociações.

Cinco anos depois, em 2008, o Brasil via-se na posição oposta à da China, e principalmente, à da Índia. Estávamos então do outro lado da mesa, com os "países ricos", na negociação da agricultura.

O problema é que a coesão do G-20 só se dá por razões que são ideológicas. A estratégia deu certo para os emergentes até o momento em que o G-20 representava uma resistência para a abertura em produtos industriais.

O que impediu a negociação naquela ocasião foi a proteção à agricultura familiar na Índia e na China. Dentro do G-20 não há um consenso básico em matéria de agricultura para poder negociar, porque a agricultura não é um tema Norte-Sul.

A Índia está protegendo seus pequenos agricultores porque eles não têm produtividade para competir, assim como a União Europeia protege os seus agricultores pela mesma razão. E o competidor, em grande parte das vezes, é o agronegócio brasileiro.

O Brasil pode ser considerado hoje a "fazenda do mundo". E poucos interesses comuns existem entre os representantes dos emergentes.

Alguns desses países já são potências econômicas, como a China, e outros estão a caminho, como Índia e Brasil, mas, quando lhes interessa, posam de pobres.

Porém, quando a França levanta a necessidade de dinamizar o comércio de alimentos para atender às necessidades justamente dos "países pobres", são os emergentes que produzem alimentos que não querem uma regulação.

Mesmo porque desconfiam que a preocupação francesa com os mercados tem mais a ver com a tentativa de controlar a ascendência das novas potências do que propriamente defender os países pobres.

A situação paradoxal leva a que seja possível que Índia ou China sejam obrigadas até a reduzir suas tarifas em caso de escassez de algum alimento, assim como os interesses do Brasil e dos Estados Unidos são convergentes quando se trata da produção de biocombustíveis, acusada frequentemente de ser responsável pela alta do preço dos alimentos.

Há ainda interesses políticos conflitantes entre os emergentes do G-20, como, por exemplo, a aspiração de fazer parte de um Conselho de Segurança da ONU reformulado que reflita esse novo mundo multipolar.

O apoio do presidente Barack Obama à entrada da Índia, anunciado recentemente, teve como objetivo principal enfraquecer diplomaticamente a China, mas atingiu diretamente o Brasil, que vem tentando obter dos Estados Unidos uma declaração formal de apoio e nunca conseguiu mais do que declarações genéricas e indiretas.

FONTE: O GLOBO

Jogo de amarelinha:: Dora Kramer

O que significa essa relação risonha e franca entre a presidente Dilma Rousseff e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab? Olhando de repente e considerando a iminente transferência dele do DEM para o PMDB, parece significar a transposição do prefeito da oposição para a situação.

Concluindo apressadamente a interpretação dos gestos, ver-se-ia neles o vislumbre de uma candidatura ao governo de São Paulo em 2014, com o apoio do PT, para tentar derrubar os 20 anos que na ocasião o PSDB estará completando de controle político do Estado.

Como ainda há muita água para rolar e muitos galos para cantar daqui até lá, pode ser tudo isso, nada disso ou parte disso.

É verdadeiro o interesse do PT em Gilberto Kassab, assim como é genuíno o conflito entre ele e o governador Geraldo Alckmin. É significativa também a redução do afã oposicionista do prefeito desde a eleição de Dilma e a derrota de José Serra.

Com a morte de Orestes Quércia, o PMDB de São Paulo tornou-se um feudo sem senhor. Por mais que o vice-presidente Michel Temer seja o sucessor, digamos, de direito de Quércia, seu cotidiano é agora nacional.

Portanto, a ideia de Kassab é assumir de fato o pedaço de forma a se livrar da subordinação ao PSDB e criar asas próprias. Se Serra tivesse sido eleito isso estaria resolvido. Como não foi, há que conquistar novas trincheiras.

Mas logo ao lado e no campo do maior aliado do governo federal? Pois é. Nada garante que o PMDB ao fazer um acordo com uma força política importante de São Paulo, onde já não tinha quase nada e para onde Kassab promete levar prefeitos, deputados e vereadores, usará isso a favor da atual aliança com o PT.

Pode ser que mais adiante use contra.

Convém prestar atenção nas relações estreitíssimas de Kassab com dois personagens: José Serra e Jorge Bornhausen, com os quais o prefeito vive dizendo que tem uma dívida eterna e, por ela, submete seus interesses às conveniências de ambos.

Algo se arma em São Paulo que ainda não é possível enxergar com clareza, até porque os artífices da obra, como convém a toda engenharia política que se preze, trabalham de olho no adversário, não revelam suas estratégias, dependem das circunstâncias e do andar das carruagens.

O jogo não é de via simples muito menos única: Kassab acumula, não divide forças para voar mais alto na política. Como candidato ao governo em 2014 com o apoio do PT?

Só se alguém puder acreditar em sã consciência e na posse do juízo perfeito que o PT abriria mão da chance de tirar São Paulo das mãos do PSDB justamente quando o partido estará em crise aguda de fadiga de material.

E o governo federal enquanto isso? Faz o seu papel: adula Geraldo Alckmin, agrada Antonio Anastasia, tenta neutralizar e dividir a oposição. Mais do que já está.

Recibo. José Sarney na presidência do Senado outra vez (a quarta) é confissão de suas excelências de que não há nada de melhor na Casa outrora nobre.

Reforma urbana. Jaime Lechinski escreve de Curitiba para, a propósito da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, lembrar (muito bem lembrado) o "drama das periferias urbanas, consequência das migrações rurais ocorridas a partir dos anos 60 e drasticamente aceleradas ao longo da década e meia seguinte".

Um processo desordenado, improvisado para o qual, na velocidade em que ocorreu, o Brasil não estava preparado. Isso é sabido.

Do que não se fala, e Lechinski aborda, é do tempo, dinheiro e energia gastos com a reforma agrária - "uma causa sem futuro" - em detrimento da atenção que seria devida à ocupação das periferias das grandes e médias cidades.

Sugere que políticos, intelectuais, movimentos sociais, governos que nunca levantaram essa bandeira passem a fazê-lo, a fim de conferir importância ao que de fato importa - o direito à vida - e de lidar com problemas reais no lugar de empregar dinheiro público em esforço inútil.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Revolução:: Eliane Cantanhêde

Às vésperas da 3ª Reunião de Cúpula da América do Sul com os países árabes, dia 16 de fevereiro, em Lima, o mundo árabe está, ou parece estar, em chamas.

Começou na linda e periférica Tunísia, chegou à Argélia, bateu na Jordânia, está agora no Egito -líder árabe- e já chegou no Iêmen. Impossível fingir que não há um movimento que extrapola fronteiras e atinge toda a região. Mesmo que ainda restrito a jovens e à classe média conectada à internet.

Até agora, o Brasil tem ficado diplomaticamente quieto, observando, sentindo, esperando ver como fica antes de se manifestar. Mas quem deve estar mesmo em polvorosa são os Estados Unidos, que já perderam há tempos o Irã e não podem se dar ao luxo de perder também o poderoso Egito (80 milhões de habitantes versus 10 milhões da Tunísia) e a Jordânia.

Para ter noção da importância estratégica de ambos: dos 22 países da Liga Árabe, apenas dois reconhecem oficialmente Israel: justamente... Egito e Jordânia, que fazem fronteira com o mega-aliado dos EUA naquelas bandas.

É por isso que os EUA balançam entre princípios (a democracia) e o pragmatismo (manter os aliados no poder). No máximo, como a UE, pedem que o regime de Hosni Mubarak permita manifestações e evite a violência. Ah, tá!

As rebeliões têm tudo a ver. São resultado de ditaduras que se eternizam, não respeitam direitos coletivos nem individuais e transformam os países em bolsões de pobres e ignorantes. No Egito, estima-se que metade da população ganha de US$ 1 a US$ 2 por dia e que 40% são analfabetos.

As informações não circulam e até os sermões das mesquitas são previamente censurados. Mas nem o fechadíssimo mundo árabe consegue escapar do instrumento mais globalizado da história da humanidade - a internet. Mark Zuckerberg, do Facebook, é o maior revolucionário do planeta.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A porta que não será trancada:: César Felício

A presidente Dilma Rousseff tem um encontro marcado com uma crise no próximo mês, quando deve comparecer à cúpula dos países do mundo árabe e da América do Sul, em Lima, no dia 16. Será a estreia da presidente em um cenário global, uma vez que Dilma não quis circular por Davos. A cúpula de Lima, talvez o mais abrangente encontro intercontinental de chefes de Estado do que outrora se convencionava chamar de "Terceiro Mundo", vai reunir o grupo de 34 países pela terceira vez, agora mais do que nunca marcados pelo contraste institucional: do lado sul-americano, não é possível caracterizar governo algum, nem mesmo o mais controverso, de Hugo Chávez na Venezuela, como uma ditadura. No mundo árabe, a dificuldade é a oposta. Os fatos dos últimos dias, envolvendo Tunísia e Egito, falam por si.

Essa assimetria institucional jamais foi um problema para o antecessor de Dilma e nem para a aproximação entre os dois blocos, que vem sendo bem-sucedida. Economicamente, o movimento comercial entre o Brasil e o mundo árabe quadruplicou nos últimos oito anos; o Egito assinou um acordo de livre comércio com o Mercosul e a Jordânia deve ser o próximo a fazê-lo. No plano político, o encontro está sendo precedido por uma onda de países latino-americanos que reconheceram o direito da Palestina ser estabelecida com as fronteiras anteriores a 1967.

Há dúvidas sobre o grau de pragmatismo que a presidente - vítima de uma ditadura de uma forma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva jamais foi - terá no cenário internacional. Poucos dias atrás, em nota, Dilma prometeu conferir à questão dos direitos humanos "um lugar central em nossa política externa, sem seletividade e tratamento discriminatório". A cúpula de Lima pode ser tanto um momento de afirmação dessa centralidade como uma boa ocasião de separar a retórica da "realpolitik".

A depender do rumo que a crise nos países árabes tome, existe até uma possibilidade de que se reforce a aproximação do Brasil com o mundo árabe. "O que nós estamos testemunhando agora é claramente uma vitória dos reformistas", comenta a jornalista americana de origem libanesa Octavia Nasr, dona da empresa de consultoria Bridges Media. Octavia trabalhou por 20 anos na CNN e foi coordenadora de cobertura em assuntos do Oriente Médio, e ganhou notoriedade no ano passado quando foi demitida por colocar no Twitter um comentário lamentando a morte de um líder religioso pertencente ao Hezbollah. Segundo a jornalista, torna-se cada vez mais difícil impedir uma guinada democrática tanto na Tunísia quanto no Egito, com chances da onda atingir outros países. Caso prevaleça o reformismo, estará criada uma alternativa à bipolaridade entre o fundamentalismo islâmico de um lado e o regime ditatorial de corte personalista, militar ou de partido único, do outro. Aumentará o nível de conforto do Brasil em alinhar-se com o mundo árabe.

O risco, conforme a própria Octavia lembra, é o de grupos como o da Irmandade Muçulmana surfarem na onda que se ergue contra Hosni Mubarak no Egito e que se insinua em outros países. A resposta poderá vir apenas em setembro, mês das eleições egípcias. "Será duro para Mubarak concorrer novamente ou eleger o filho Gamal Mubarak", comenta a jornalista. As eleições no mundo árabe são famosas por garantir reconduções com votações acima de 90% do total de sufrágios, maiorias que paradoxalmente retiram, e não concedem, credibilidade a seus beneficiários.

É uma questão complexa ligar a crise nos países árabes à economia. Pelos indicadores normalmente usados para avaliação, o quadro tunisiano e egípcio é de difícil caracterização. Nem o egípcio Mubarak e nem o tunisiano Ben Ali enfrentaram uma recessão em suas longas ditaduras, mas ambos os países sofrem de problemas que se tornaram crônicos. Segundo o Banco Mundial, o último ano em que houve retração econômica na Tunísia foi 1986. No Egito, não houve caso algum nas últimas três décadas.

As altas taxas de desemprego podem ser uma explicação para a cólera das multidões, já que o Oriente Médio e Norte da África possuem regionalmente a maior taxa mundial de mão de obra desocupada, segundo a instituição. E essa não é uma situação observada apenas nos últimos anos: os indicadores do Banco Mundial mostram que o índice anda estável, acima dos dois dígitos, na Tunísia e no Egito desde 2000. O ingrediente essencial para a explosão foi a ditadura em si, que produziu um regime fechado a tal ponto que o desespero de um camelô que se imolou ao ter a mercadoria apreendida pela polícia catalisou a revolta contra o regime tunisiano.

Difícil é deixar de ver com ceticismo o resultado concreto dessas explosões. "Não há essencialmente nada de novo no Oriente Médio. Os governos podem cair, mas os regimes ficam", comentou o professor Paulo Vizentini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), autor do livro "Relações Internacionais do Brasil - de Vargas a Lula". Segundo Vizentini, a desorganização das oposições, a ausência de uma classe média estruturada e a falta de pressão internacional são fatores que conspiram a favor do status quo.

Vizentini também é cauteloso ao demarcar a diferença que Dilma poderá ter de Lula no plano externo. "Lula foi um criador de oportunidades, que abriu várias frentes simultâneas. Dilma tende a dar conteúdo a essas iniciativas, onde isso for possível", afirma. A presidente não abrirá novas portas, mas dificilmente trancará alguma.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, está em férias

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Licença para confundir:: Míriam Leitão

No último absurdo de Belo Monte, um presidente interino do Ibama deu uma licença parcial que vai provocar um dano permanente, a "supressão da vegetação". O Ministério Público entrou ontem com uma ação contra a licença. O BNDES emprestou R$1,1 bilhão ao grupo, mas garante ao MPF que exigiu que a empresa nada fizesse no local antes da licença de instalação total.

O Ministério Público entrou com uma ação ontem contra a concessão da licença de instalação parcial. Na comunicação do Ibama, eles definiram essa concessão com o curioso nome de "licença específica" para os "sítios" de Belo Monte e Pimentel. Na lei, o que existe é licença prévia, que é um primeiro sinal ao empreendedor, entendido como aprovação do Estudo de Impacto Ambiental. No caso de Belo Monte, essa primeira licença foi concedida, mas com 40 exigências. Em seguida, cumpridas as exigências, é dada a licença de instalação.

O BNDES concedeu tempos atrás um empréstimo ponte de R$1,1 bilhão à Norte Energia, que fará a hidrelétrica de Belo Monte, exigindo, no entanto, que ela não faça qualquer intervenção no "sítio". Só que as árvores do "sítio" começarão a ser derrubadas a partir dessa licença parcial.

O texto da documento do BNDES ao Ministério Público, que tenho em mãos, é claro. Diz que na minuta do contrato "figura a obrigação explícita para a beneficiária de não efetuar qualquer intervenção no sítio em que está prevista a construção da usina sem que tenha sido emitida a Licença de Instalação do empreendimento como um todo."

O presidente substituto do Ibama, Américo Ribeiro Tunes, me disse ontem que não foi concedida a licença de instalação do empreendimento.

- Essa é uma licença apenas para fazer trabalhos específicos. Instalar o canteiro de obras, escritório, terraplanagem, alojamentos de trabalhadores.

Na conversa, ele várias vezes falou da licença definitiva no condicional: "se" ela for concedida; "caso ela venha a ser aprovada." Eu perguntei a ele o que aconteceria com a vegetação suprimida caso a licença não fosse concedida; como seria possível pôr de volta no mesmo lugar uma árvore centenária que pode ser derrubada a partir de agora?

- Eles terão que replantar tudo. Aquelas áreas para as quais foi concedida licença de supressão da vegetação estão alteradas. Não estamos falando de áreas tão intactas assim. Além do mais, é uma área pequena - disse Américo Tunes.

O terreno de 238 hectares tem até 64 hectares em área de preservação permanente. Pode não ser grande, mas deu mais ambiguidade ao processo. Pode-se instalar um canteiro de obras de uma obra que pode não ser feita. É permitido desmatar até área de preservação permanente, apesar de haver incerteza sobre a licença. O BNDES concedeu um adiantamento de mais de um bilhão de reais desde que não se mexa no "sitio", e o "sítio" ganha o direito de ser mexido apesar de não ter ainda licença de instalação do empreendimento.

Américo Tunes alega que é comum essa concessão em etapas da licença de instalação. Ninguém acha que isso é comum. Especialistas em direito ambiental dizem que existem mesmo só aquelas três formas de licença que se conhece: prévia, de instalação e de operação. Essa figura do "específica" e "parcial" não existe na legislação.

O presidente do Ibama garante que o que ele concedeu não permite o início das obras:

- Só posso conceder essa licença depois que a empresa cumprir as 40 condicionantes que foram exigidas na licença prévia. Essa é uma obrigatoriedade legal que temos que respeitar. Temos consciência da nossa responsabilidade. Eu te asseguro que se elas não forem cumpridas, a licença não será concedida. Neste caso, a empresa terá que fazer a desinstalação do que foi autorizado agora e recuperar a área.

É o samba da licença doida. Ela é e não é, pode-se desmatar uma área, incluindo-se APP, pode-se fazer a terraplanagem de dois "sítios", montar centro de alojamentos, lavanderia, almoxarifado, oficina de manutenção, borracharia, lubrificação, centro de conveniência, centro de atendimento ao trabalhador, portaria, central de carpintaria, canteiro industrial pioneiro, instalações provisórias de britagem e produção de concreto, sistema de abastecimento de água, esgotamento sanitário, 52 kms de estradas, sendo 42 kms de ampliação e 10 kms de novos trechos, áreas de estoque de solo e de madeira.

Tudo isso acima está escrito no documento oficial do Ibama, cujo presidente diz que a licença de instalação do empreendimento não tem data para ser concedida, depende dos técnicos, pode não sair, e, se não forem cumpridas as 40 condicionantes, não será concedida.

O Ministério Público perguntou ao BNDES quanto custa a obra e quanta energia ela vai produzir. O governo costuma dizer que são 11 mil MW e a um custo de R$19 bilhões. O banco respondeu: "a capacidade de geração estabelecida no contrato de concessão com a Aneel é de 4.571 MW médios de energia assegurada." O valor de R$19 bi é do empréstimo pedido até agora. Segundo o BNDES, o custo previsto de Belo Monte é de R$25,8 bilhões e o banco pode financiar até R$24,7 bi. Ou seja, o BNDES poderia emprestar até 95,7% do total. Uma concentração de risco inaceitável na prática mais elementar da prudência bancária.

Tudo está sendo atropelado: técnicos do Ibama, meio ambiente, limites fiscais, precaução técnica, termos dos contratos com o BNDES, princípios jurídicos, normas democráticas. Na democracia, o administrador público convence, não passa o trator sobre controvérsias tão agudas.

FONTE: O GLOBO

Trabalho aquecido:: Celso Ming

Se havia em novembro uma situação virtual de pleno emprego no Brasil, em dezembro ela foi reforçada. Como indicam os números do IBGE, o nível de desemprego caiu de 5,7% em novembro para 5,3% em dezembro, magnitude nunca antes observada.

Antes de prosseguir, convém eliminar eventuais dúvidas sobre o significado do pleno emprego. Não se pode vê-lo apenas como aquecimento excessivo do mercado de trabalho. O pleno emprego é condição fortemente desejada pelos administradores da economia. Pode-se dizer até que o principal objetivo da Política Econômica é criar empregos e boa qualidade de vida para a população em condições sustentáveis no longo prazo. Assim, se não dá para evitar um problema com que lidar, é melhor a situação de pleno emprego do que a de desemprego.

Essa é uma condição paradoxal do Brasil quando comparada com o que acontece no mundo rico. Lá a atividade econômica está em franca recuperação e, no entanto, o emprego de pessoal não consegue reagir. Tudo se passa nos Estados Unidos, como se o empresário tivesse descoberto nos dois últimos anos de crise que pode aumentar a produção de sua empresa sem ter de contratar mais gente. Basta para isso que invista alguma coisa mais em Tecnologia de Informação (controle eletrônico de estoques, controles online e internet).

Aqui no Brasil, a escassez de mão de obra permeia hoje toda a atividade econômica. Ontem, o gerente de Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, Cimar Azeredo, observou que não se pode aceitar sem questionamento o diagnóstico de pleno emprego, porque há as diferenças regionais. Ou seja, a falta da mão de obra que se vê no Sudeste não é a mesma do Nordeste. Mas esse critério não pode servir de base prática de análise. Não se eliminarão tão cedo no Brasil as diferenças entre as regiões. E, no entanto, as consequências econômicas do aquecimento excessivo do mercado de trabalho estão aí.

Para medir esse efeito, mais relevantes do que essas diferenças, é preciso levar em conta as necessidades setoriais. Onde a atividade econômica é importante no Brasil há hoje uma forte escassez de mão de obra, tanto de alta como de qualificação relativamente mais baixa. Falta engenheiro, piloto de avião, mecânico, mestre de obras, soldador, pedreiro, eletricista, pintor e, até mesmo, babá e empregada doméstica.

Na ata da última reunião do Copom ontem divulgada, o Banco Central fez referência à "estreita margem de ociosidade dos fatores de produção, especialmente, de mão de obra". E advertiu que essa situação conduz ao risco crescente de que os salários aumentem mais rapidamente do que a produtividade. Ou seja, o pleno emprego é fator que hoje concorre para acentuar a inflação já solta demais. E é nesse momento que mais se sente falta, nos grandes centros urbanos, de programas que se dediquem à recuperação e capacitação de pessoal.

Mas o antídoto para a inflação é conhecido: austeridade na condução das contas públicas e dinheiro mais apertado na economia.

CONFIRA

Ata ambígua

A ata do Copom ontem divulgada foi duramente fria na exposição dos problemas, mas amena no tom geral.

Meta ameaçada

Reconheceu que a incerteza aumentou, que a inflação foi longe demais e que ameaça a meta deste ano. A ata também foi muito clara quanto aos efeitos sobre os preços do excessivo aquecimento do mercado de trabalho (veja o texto ao lado).

A questão fiscal

Como das outras vezes, deixou claro que, para o combate à inflação, conta com a disciplina fiscal do governo federal. E admitiu veladamente que a força da política de juros depende da geração de superávits primários.

A solidão dos juros

Mas, também como das outras vezes, faltou a firmeza demonstrada por outros bancos centrais de que a autoridade monetária não pode ficar sozinha na guerra contra a inflação e de que, se é para cumprir a meta, a política fiscal do governo federal tem de ser mais consistente.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Pragmatismo europeu:: Carlos Lessa

A inflação é um monstro assustador. Atingiu, pelo INPC, 5,9% durante 2010. Teve como principal componente os alimentos (carnes vermelhas, brancas, feijões etc). Puniu, de forma mais pesada, as famílias com renda de até seis salários mínimos, pois, em seus orçamentos domésticos, a alimentação tem um peso maior. Fez aumentar a inadimplência do consumidor comum. A inflação foi atenuada pelo real valorizado, que sustentou as importações de produtos industrializados.

Frente à inflação, o Banco Central (BC) elevou a taxa de juros e adotou uma série de medidas restritivas de crédito, que havia crescido, na era Lula, 20% ao ano. Agora, o prazo para a compra de automóveis baixou para 24 prestações, ao invés de até 90 meses. Está anunciado um corte de gasto público de R$ 50 bilhões. A China, que enfrenta uma pequena aceleração inflacionária, também elevou a taxa primária de juros, mas ampliou o programa de gastos públicos.

É fácil inferir o destino dos R$ 50 bilhões: aumentar o superávit primário e ampliar a conta de juros de dívida pública. Há um coro trágico, cada vez mais barulhento, a favor de cortes fiscais e, ao mesmo tempo, surgiu a defesa da estabilidade da taxa de câmbio, esta faz que o governo tenha medo que o dólar, subindo, intensifique a inflação.

A principal pressão inflacionária, como o próprio banco Central reconhece, provém do impacto das altas de preços de commodities no IPCA. Estas altas têm origem na especulação em mercados globais totalmente fora do alcance das medidas do Brasil. Em doze meses, o ICBr (Índice de Commodities Brasil) acumulou alta de 29,2%. No coração da especulação global, estão as aplicações financeiras em índices de matérias-primas: em 2001, eram US$ 10 bilhões, agora são US$ 360 bilhões, sendo que este tipo de aplicação cresceu US$ 60 bilhões só em 2010.

Surge, agora, no Primeiro Mundo, a sugestão de "combate à especulação" com papéis e derivativos ligados a commodities. Aparece como novidade a tese de formação de estoques internacionais reguladores dos preços de alimentos e matérias-primas. As infrações do neoliberalismo são impressionantes, por seu pragmatismo: a Europa, campeã do conservadorismo liberal, quando incomodada pela globalização, propõe fundos de alimentos e matérias-primas para controlar e reduzir seus preços.

Jamais fui neoliberal e sempre defendi que o Brasil tenha estoques estatais reguladores de alimentos (tivemos no passado, porém foram dissolvidos pelo neoliberalismo). O imposto sobre a exportação deveria ser acionado sempre que um alimento ou matéria-prima estivesse prejudicando o padrão de vida da grande massa de famílias brasileiras. Entretanto, a fórmula internacional está voltada contra os países exportadores de alimentos e matérias-primas. É evidente o malefício que teria sobre a agroindústria brasileira.

O neoliberalismo, como ideologia do movimento pró-globalização, atrofiou a soberania nacional. A desordem financeira que instalou está produzindo variadas manifestações: a Irlanda estatizou todo seu sistema bancário; a Tunísia mudou o governo pela alta dos preços dos alimentos. O Brasil deveria retomar o discurso e a prática da industrialização, lançando mão de um conjunto de intervenções no mercado brasileiro; deveria fazer o discurso da soberania nacional. Da mesma forma que os países europeus protegem suas atividades agropecuárias (a França é a campeã), o Brasil deveria proteger as atividades industriais de empresas sob controle nacional.

O ensaio a favor de estoques reguladores internacionais terá a oposição brasileira e, provavelmente, a dos Estados Unidos.

Porém, pragmaticamente, haverá uma onda de controles nacionais e, talvez, alguma interferência na bolsa de mercadorias, que tem dado sustentação à especulação com alimentos e matérias-primas.

É desnecessário sublinhar as dificuldades que essa tendência submeterá ao balanço de pagamentos brasileiro. O Brasil, com a indústria atrofiada e com fantasias de vir a ser "celeiro do mundo", tem que retomar a ideia de um projeto nacional que desenvolva as forças produtivas internas e gere empregos, em quantidade e qualidade. Não será fácil a instalação desse projeto.

Os primeiros movimentos da política econômica foram tímidos e o fantasma da inflação conduz à preferência pelo crescimento medíocre. Fazer a transição do neoliberalismo - impregnador de instituições e mentes e beneficiador de um conjunto de fortes interesses - para o desenvolvimento social é a tarefa histórica da nova presidente da República. Porém, é óbvia a necessidade de modificar o sistema cambial e reforçar o controle nacional sobre as atividades financeiras. Tornar o país desinteressante para as aplicações financeiras especulativas, recolocar a empresa sob controle nacional em segmentos-chaves da atividade produtiva, frear a tendência à saída de empresas brasileiras para o exterior, redesenhar a matriz de transportes é tarefa ciclópica.

O Brasil da nova presidente tem a seu favor o petróleo e o pré-sal, e é possível, nesse domínio, operar uma transformação substantiva da estrutura econômica e social. De todos os riscos que o Brasil enfrenta, nada é mais assustador que abrir mão desta fronteira de investimento e fazer da exportação de petróleo cru a falsa saída para o desenvolvimento.

Carlos Lessa - é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O voluntarismo do PT na economia:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Os mercados acompanham com interesse as primeiras ações do governo Dilma.

Pequenas decisões ou movimentos mais relevantes da nova equipe instalada no Palácio do Planalto têm grande repercussão no vaivém dos mercados.

Afinal, o Brasil é uma das economias emergentes com maior visibilidade entre os investidores internacionais. Em 2010 fez parte -pela primeira vez- do seleto grupo dos dez países que mais receberam investimentos diretos estrangeiros.

O maior foco da atenção dos analistas tem sido a decisão do Copom sobre juros, a questão do salário mínimo e o corte de despesas no Orçamento fiscal para 2011.

Não tenho visto, entretanto, uma análise mais estrutural de como será a gestão da economia nos próximos anos.

Talvez porque o sucesso do governo Lula tenha cristalizado a visão de que o governo do PT segue hoje o receituário econômico de Fernando Henrique Cardoso e ponto final.

Não é essa a minha impressão.

Embora aceite que os valores socialistas mais radicais, que dominaram o PT durante a fase fora do poder, estão hoje superados, entendo que sua visão da economia ainda é a de um grupo de esquerda democrática clássica.

O principal elemento do pensamento desse grupo é o de um voluntarismo da ação do governo na busca do crescimento acelerado.

Gosto da imagem sobre o comportamento do Exército francês na fase inicial da 1ª Guerra Mundial para descrever esse ativismo de grande parte dos governos de esquerda. Era o chamado ""élan", palavra francesa para descrever ""o ímpeto" como a força principal que movia os soldados franceses nas trincheiras da Europa.

No caso dos governos, como o da nossa presidente, a teoria do élan se aplica à busca do crescimento econômico. Nessa versão, as mortíferas metralhadoras alemãs são substituídas por limitações de natureza financeira e econômica que aparecem em uma economia de mercado nos momentos de boom.

Cito dois exemplos clássicos e que já ocorrem neste Brasil no início de 2011: o quase pleno emprego no mercado de trabalho e o deficit financeiro em nossas transações comerciais com o exterior.

O principal motivo dessas verdadeiras armadilhas, em que caem os governos mais tradicionais de esquerda -e é a história que nos mostra isso-, é a incapacidade de seus economistas em aceitar que movimentos importantes em uma economia de mercado acontecem em momentos diferentes. Os economistas chamam de "lags" esses espaços de tempo que ocorrem entre ações dos agentes econômicos -inclusive governos- e seus impactos nos vários mercados.

O exemplo da relação entre consumo e investimento em uma economia como a brasileira é um dos mais importantes para mim. Com o consumo das famílias e do governo em expansão vigorosa, já há alguns anos, começam a aparecer gargalos em vários setores da economia.

Como existe um grande otimismo em relação ao futuro, as empresas -e o governo- estão dispostas a investir na expansão de suas fábricas ou usinas hidrelétricas ou na exploração do petróleo do pré-sal.

Acontece que, durante um tempo, os gastos com investimentos produtivos se confundem com os de consumo, tornando ainda maior a pressão sobre fatores escassos como mão de obra, transportes e energia.

Somente após algum tempo - normalmente longo - esses gastos cessam e temos um aumento da oferta de bens e serviços. No caso do mercado de trabalho, essa armadilha é ainda mais delicada porque o tempo necessário para treinar e formar novos trabalhadores com alguma qualificação é muito elevado.

Vivemos essa situação no Brasil de hoje e, mesmo assim, o nosso ministro da Fazenda vem a público dizer que a meta do governo é crescer 5,5% nos próximos anos.

Isso não acontecerá sem que a inflação se acelere de forma perigosa e o deficit em conta-corrente atravesse a fronteira do bom senso econômico. É preciso reduzir a demanda agregada nos próximos anos para permitir que os gastos de investimento sejam realizados sem pressão sobre os preços.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O Ibama virou um negócio insustentável::Marcos Sá Correa

Antes de gerar o primeiro quilowatt, a usina de Belo Monte conseguiu transformar o Ministério do Meio Ambiente num negócio insustentável. Eletrocutou esta semana mais um presidente do Ibama. Governo vai, governo vem, cada vez mais eles passam e ela fica.

Tragados por Belo Monte, os nomes passam pelo cargo tão depressa que mal dá tempo de aprendê-los. Geralmente saem de fininho, "exonerados a pedido" e condecorados por processos. Mas chegam com estardalhaço digno de plenipotenciários do patrimônio natural. E é assim que o Brasil está inaugurando mais um presidente do Ibama. Quem? O catarinense Américo Ribeiro Tunes.

Como presidente substituto, Tunes nem precisou assinar a posse no Ibama. Assinou diretamente seu passaporte para a posteridade, concedendo de cara a licença "parcial" de Belo Monte. Ela autoriza o desmatamento de 23 hectares na bacia do Rio Xingu para a instalação de um canteiro de obras que formalmente poderá ou não construir a hidrelétrica. Mas com isso deixou na poeira todos os recursos técnicos e judiciais que o projeto ainda não conseguiu responder.

O demissionário Abelardo Bayma, antecessor de Tunes, assinou a licença prévia de Belo Monte. O antecessor do antecessor, Roberto Messias Franco, desencalhou em 2009 os estudos de impacto da hidrelétrica. Em 2008 demitiu-se a ministra Marina Silva, ao entrar en rota de colisão com Belo Monte, depois de capitular diante das pressões para liberar as usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. Mesmo sem eletricidade, Belo Monte dá choque.

Dure muito ou pouco essa interinidade de Tunes, ele tem um lugar na história da usina e da burocracia ambiental, juntando sua assinatura à estreia de "licença parcial", um truque que a rigor serve para testar encanador em reforma de banheiro. "Parcial", neste caso, quer dizer o quê?

Se o termo for sincero, o país está entregue a interesses poderosos, sem dúvida, mas insensatos a ponto de defenestrar presidentes do Ibama só para construir um canteiro de obra sem a menor garantia de fazer a obra. Ideia semelhante só passou por Brasília uma vez, há mais de 30 anos, através da cabeça prodigiosa do economista Mario Henrique Simonsen. Como ministro do governo João Figueiredo, ele propôs que o Brasil legalizasse o pagamento de comissões por obras que não pretendia executar. Alegava que assim todos sairiam ganhando. A começar pelos brasileiros, que assim gastariam menos com empreitadas inúteis e perdulárias.

Simonsen estava brincando. Queria simplesmente dizer com isso que muita coisa no país só sai do papel porque alguém está de olho na percentagem da intermediação. Mas a licença "parcial" de Belo Monte, a julgar pelo número de baixas que já causou, está falando a sério, mesmo sem esclarecer se aquilo custará menos de 19 ou mais de 30 bilhões de reais e gerará 11 mil ou 4 mil megawatts.

Belo Monte é urgente porque o Palácio do Planalto está sentado sobre mais de 60 projetos de usinas, a maioria na Amazônia. Isso porque a região tem potencial sobrando? Não. Por enquanto, o que há são advertências no mínimo plausíveis, como a do engenheiro Enéas Salati, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável.

Salati está combinando com calma e cautela o que já se sabe sobre mudança climática com o que se conhece dos rios nas 12 grandes regiões hidrológicas do território brasileiro. Encara um horizonte de 2015 a 2100. Não tem pressa, porque não vai ganhar nem perder um tostão com obra nem desmatamento. Mas já tem dados para prever que a vazão média dos rios na Amazônia cairá de 30 a 40% até o fim do século. O Rio Tocantins tende a chegar lá com a metade do volume que tinha antes de 1990. É para lá que o governo está nos levando, custe o que custar.

Marcos Sá Correa é jornalista

FONTE O GLOBO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

Ativistas contestam governo sobre lista de desaparecidos políticos

O governo federal acredita ter indícios de que 19 desaparecidos políticos durante a ditadura, depois de torturados e mortos, foram enterrados clandestinamente em Petrópolis (RJ). O Grupo Tortura Nunca Mais considerou precipitada a divulgação dos nomes dos militantes.

Ativistas no Rio contestam lista da ‘Casa da Morte’

Grupo Tortura Nunca Mais acha precipitada identificação, em Petrópolis, de restos que seriam de desaparecidos da ditadura, conforme diz o governo

Wilson Tosta

O governo federal acredita ter indícios de que 19 desaparecidos políticos durante a ditadura de 1964-85, depois de torturados e mortos, foram enterrados clandestinamente em Petrópolis (RJ), mas a publicação da suposta descoberta abriu uma crise entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência e ativistas do setor.

O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio (GTNM-RJ) diz ser precipitada a lista com nomes dos presumivelmente sepultados em dois cemitérios do município, divulgada no livro "Habeas Corpus - que se apresentem os corpos", editado pela secretaria na gestão passada. Responsável pela pesquisa desses nomes, Ivan Seixas reconhece que não há ainda comprovação de que os restos localizados sejam dos militantes citados - ele diz que há apenas "possibilidades" - mas defende o trabalho como passo importante nas buscas. Alguns listados estiveram presos na "Casa da Morte", centro clandestino de tortura mantido na cidade nos anos 70.

"Há suspeitas de que 19 pessoas enterradas nos cemitérios de Petrópolis sejam na realidade desaparecidos que passaram pela Casa", disse Seixas, ele mesmo um ex-preso político e filho de um militante.

Seu pai, Joaquim Alencar de Seixas, integrava o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e, em São Paulo, foi morto por agentes do governo militar na prisão, segundo outros presos. Ivan trabalhou para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em pesquisa sobre desaparecidos políticos, assessorando a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. "O livro é apenas e tão somente um registro de todas as pistas que se tem sobre desaparecidos no País inteiro, para que as buscas continuem de algum ponto", defendeu.

Semelhanças. Os restos mortais que poderiam ser dos desaparecidos foram selecionados na pesquisa por terem características semelhantes: mortos em geral por ferimentos na cabeça, encontrados na rua e em datas às vezes próximas de desaparecimentos de presos. Apesar de o livro falar em 19 pessoas, dá nomes de 18 - pelo menos algumas teriam recebido novas identificações. Um seria Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, da Vanguarda Popular Revolucionária, talvez enterrado como José Neves Filho. Outro seria Ivan Mota Dias, ativista da VPR supostamente sepultado como um desconhecido encontrado morto na Estrada União-Indústria. Ambos estão no Cemitério de Petrópolis.

Um terceiro corpo seria de Ísis Dias de Oliveira, que foi da Ação Libertadora Nacional (ALN) e teria sido identificada como Celita de Oliveira Amaral no Cemitério de Itaipava.

"Com o pouco levantado pela pesquisa em Petrópolis não se pode fazer ilações", disse Cecília Coimbra, do GTNM. Para ela, "é leviano afirmar o que está no livro. Em história, não se pode fazer ilações. É preciso testemunho e documento."

Lista. Outros militantes que, diz o livro, poderiam estar em Petrópolis são: Paulo Stuart Wright, David Capistrano, Celso Gilberto de Oliveira, Luiz Almeida Araújo, Heleny Teles Guariba, Sérgio Landulfo Furtado, Paulo Ribeiro Bastos, Umberto Albuquerque Câmara Neto, Honestino Monteiro Guimarães, Caiupy Alves da Costa, João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, José Roman, Thomaz Antônio Meireles e Paulo Celestino da Silva. "Não sei de onde esses nomes foram tirados, pergunte à secretaria", disse Cecília. As buscas foram feitas em registros dos dois cemitérios, requisitados pelo Ministério Público Federal.

A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência informou que apenas a primeira edição do livro, de 500 exemplares, mencionava a participação do GTNM-RJ, mas a menção foi retirada da segunda tiragem. A Secretaria, hoje comandada por Maria do Rosário, não comentou o conteúdo do livro, editado quando o secretário era Paulo Vannuchi, no governo passado.

PARA LEMBRAR

Rua Arthur Barbosa, 120. Nesse endereço funcionou em Petrópolis, no início dos anos 70, o centro clandestino de torturas e extermínio batizado por militantes de esquerda como "Casa da Morte" e "Casa dos Horrores", ponto de passagem comprovado de pelo menos quatro militantes mencionados na lista publicada em "Habeas Corpus". Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, Heleny Teles Guariba, Paulo Celestino da Silva e Ivan Mota Dias foram vistos ou ouvidos por Inês Etienne Romeu, presumivelmente uma das poucas pessoas que sobreviveram às sevícias dos torturadores encobertos por codinomes como "Doutor Guilherme".

Detida em 1971 por pertencer à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Inês ficou presa em São Paulo e no Rio. Em 1972, denunciou à Justiça Militar ter sofrido "dias em cárcere privado, onde foi submetida a coações e sevícias de ordem física, psicológica e moral". Foi condenada à prisão perpétua, mas, anistiada em 1979, entregou à imprensa uma descrição da "Casa da Morte".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Deputado ligado a Furnas ameaça PT com denúncias

Em guerra com o PT por causa de cargos de segundo escalão e pressionado por denúncias de ingerência em Furnas, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fez ameaças claras a petistas ontem. No Twitter, lembrou o escândalo dos aloprados - no qual petistas foram presos com mais de R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo para comprar um dossiê forjado contra tucanos, em 2006: "E impressionante o instinto suicida desses caras. Quem não se lembra dos aloprados? Quem com ferro fere com ferro será ferido." Cunha ainda fez referências a Valter Cardeal, diretor da Eletrobrás e homem de confiança da presidente Dilma. Ameaçou também seu ex-aliado Garotinho: "Vai ser multo proveitoso detalharmos todas as reuniões que tivemos juntos. Contribuiria e muito para o nosso país." Reunidos em jantar de apoio a Marco Maia (PT) para presidente da Câmara, ontem, no Rio, Cunha e Garotinho evitaram o assunto.

Cunha ameaça petistas

Deputado do PMDB lembra o caso dos aloprados, insinuando ter revelações contra o PT

Cassio Bruno e Dandara Tinoco

Pressionado diante das denúncias de tráfico de influência em Furnas, que atribui a integrantes do aliado PT, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) começou a ameaçar petistas e até o antigo aliado e companheiro de partido Anthony Garotinho, ex-governador e deputado federal eleito. Em mensagens no Twitter, referindo-se à série de reportagens publicadas no GLOBO desde segunda-feira, Cunha fez ameaças até a Valter Cardeal, diretor de Engenharia e Planejamento da Eletrobras e homem de confiança da presidente Dilma Rousseff.

"Os petistas que plantaram isso sao os mesmos que atacam a imprensa e kja foram vitmas de difamacoes", escreveu, emendando, em tom de ameaça:

"E impressionante o instinto suicida desses caras. Quem nao se lembra dos aloprados?? Quem com ferro fere com ferro sera ferido" - escreveu, referindo-se ao escândalo em que petistas foram presos com mais de R$1,6 milhão em dinheiro vivo para comprar um dossiê forjado contra tucanos. Até hoje, cinco anos depois, a Polícia Federal não descobriu a origem do dinheiro.

Cunha afirmou ainda que os documentos que denunciam sua suposta ingerência em Furnas foram feitos por "aqueles que queriam fazer campanha com dossiês e felizmente não conseguiram".

Ao comentar reportagem publicada ontem que trata do pagamento feito por Furnas de R$73 milhões a mais por ações vendidas por empresários ligados a ele, o peemedebista afirmou que o negócio foi validado pelo Conselho de Administração da estatal. "Alias pelo que sei os presidentes do conselho foram o Cardeal e o Flavio Decat, um dos dois aprovou as transacoes. Aprovariam se fosse isto??", escreveu, referindo-se a Valter Cardeal, que chegou a assumir interinamente a presidência da Eletrobras no governo Lula, por indicação de Dilma, e também a Flavio Decat, cotado para assumir o comando da estatal.

Ele mandou ainda um recado para o ex-governador Anthony Garotinho: "Vai ser muito proveitoso detalharmos todas as reunioes que tivemos juntos. Contribuiria e muito para o nosso pais". Os dois já foram aliados, mas romperam recentemente.

Em sua página, Cunha afirmou que não tem ligações com Lúcio Bolonha Funaro, doleiro que se apresenta como representante da Gallway, que integra a Companhia Energética Serra da Carioca II, favorecida pelo negócio. Negou ainda, em tom de ironia, ter participação da transação: "Nao sei quem e Serra da Carioca, Galway, Serra do Facao e qualquer serra que nao seja ponto turistico".

O presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, perguntado ontem sobre as ameaças de Cunha, respondeu com ironia:

- Quando ele tiver mais de dez mil seguidores no Twitter, eu respondo a ele.

Em encontro que reuniu ontem 26 dos 46 deputados da bancada do Rio e outros estados, numa churrascaria na Zona Sul carioca, Eduardo Cunha disse que não falaria sobre as acusações, alegando que havia divulgado nota sobre o assunto. A reunião foi em apoio à candidatura do petista Marco Maia (RS) para a presidência da Câmara.

Garotinho, citado ontem por Cunha no Twitter, não quis comentar as denúncias:

- Eu prefiro ler coisas melhores que o Twitter do deputado Eduardo Cunha. Ele que responda pelos atos dele. Não falo com esse rapaz há dois anos.

O deputado Marco Maia criticou as acusações feitas por Cunha ao PT.

- Tudo aquilo que sai da política é lamentável. Temos que evitar que haja acusações entre petistas e peemedebistas, entre integrantes do mesmo governo. Precisamos trabalhar para que haja harmonia e refletir o papel das empresas públicas. Qualquer coisa que saia disso é um equívoco - afirmou Marco Maia.

Colaborou: Adriana Vasconcelos

FONTE: O GLOBO

Desautorização em série

A presidente Dilma desautorizou sua ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e negou, três vezes, a possibilidade de cortes no PAC. O ministro Guido Mantega negou que o governo negocie a correção do IR, o que fora admitido pelo secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho.

Dilma desautoriza ministros sobre corte no PAC

Presidente diz que programa não será contingenciado e que governo vai manter o controle da inflação

Fábio Vasconcellos

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que admitiu anteontem que o governo federal pode contingenciar recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi desautorizada ontem pela presidente Dilma Rousseff. Em visita ao Rio para anunciar obras para as áreas atingidas pelas chuvas, a presidente fez uma defesa dos programas do governo como o Minha Casa, Minha Vida e o PAC. Ao ser perguntada se poderia haver cortes no PAC, a presidente foi enfática:

- Nós não vamos, nós não vamos, vou repetir assim três vezes, nós não vamos contingenciar o PAC, nós não vamos contingenciar o PAC.

Anteontem, Miriam Belchior dissera que o governo ainda estuda onde pode haver contingenciamento e, portanto, não estava descartada redução dos recursos para o PAC. O anúncio dos cortes do Orçamento deste ano deve ocorrer após a eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado. A estimativa é que o governo tenha que cortar cerca de R$40 bilhões para conseguir cumprir a meta do superávit primário de 3% do Produto Interno Bruto.

Também o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já tinha admitido cortes no PAC, no fim do ano passado, mas o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu, negando que Dilma fosse fazer isso.

Dilma esteve no Rio para anunciar a construção de unidades habitacionais para as sete cidades da Região Serrana, que foram parcialmente destruída pelas chuvas. Em entrevista, a presidente afirmou também que a economia brasileira vai crescer nos próximos anos e que o governo continuará adotando medidas para conter a ameaça de inflação:

- A economia brasileira vai crescer, nós vamos manter o controle da inflação, nós não negociaremos com a inflação e nós vamos manter a economia crescendo, sistematicamente.

Segundo Dilma, além do controle da inflação e da manutenção do crescimento econômico, o governo terá que investir para reduzir as desigualdades regionais:

- Um país rico só é de fato rico se, e o Brasil pode ser um país rico, se nós formos capazes de reduzir a desigualdade regional e a desigualdade social. Por isso também vamos continuar buscando essa redução, e essa redução é uma combinação entre uma taxa determinada de crescimento econômico e políticas de governo, tanto do governo federal quanto do governo (estadual).

A discussão sobre os cortes no PAC começaram no fim de dezembro, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a afirmar que o PAC poderia seria afetado. Um dia depois, também no Rio, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva desautorizou o ministro. Na época, Lula afirmou que havia conversado com Guido que, por sua vez, teve que se explicar para a presidente eleita, Dilma Rousseff.

FONTE: O GLOBO

FH será estrela do programa do PSDB no dia 2

Adriana Vasconcelos

Objetivo é lembrar legado do ex-presidente tucano para era Lula

BRASÍLIA. Nem José Serra, nem Aécio Neves. A estrela do próximo programa nacional do PSDB, que irá ao ar em 2 de fevereiro, será o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Após escondê-lo nas duas últimas campanhas presidenciais, temendo desgastes junto ao eleitorado, os tucanos querem mostrar agora que parte das conquistas do governo Lula é fruto do legado deixado por FH. O ex-presidente gravará sua participação domingo e ajudará a dar o tom do discurso da oposição para os próximos quatro anos. Frisará que o crescimento do país é fruto de todos, não só de um governo.

A opção do PSDB de não chamar Serra e Aécio para participarem do programa foi evitar o acirramento da disputa travada nos bastidores entre os dois pelo controle da legenda. Isolado na reunião de escolha do novo líder na Câmara, Serra, por meio de aliados, reagiu ontem, acusando Sérgio Guerra de ter articulado de forma indigna, com rolo compressor, sua recondução à presidência do PSDB, em maio.

Embora nunca tenha admitido publicamente a intenção de disputar a presidência do PSDB, Serra não gostou de ser surpreendido por um abaixo assinado de 54 deputados tucanos em favor da reeleição de Guerra.

- Não tem conspiração, exclusão nem rolo compressor. Tudo se desenvolveu num quadro de transparência e naturalidade. Não havia nenhuma candidatura colocada - disse Guerra.

FONTE: O GLOBO

Alckmin ajuda, e serristas rechaçam moção pró-Guerra

Julia Duailibi, Christiane Samarco, Gustavo Uribe e Eduardo Kattah

Um dia depois de tucanos terem defendido em documento a reeleição do atual presidente do PSDB, governador diz que apoiará José Serra

Aliados do ex-governador José Serra entraram em campo nesta quinta-feira, 27, para tentar neutralizar a moção provada por parlamentares tucanos que defendia a reeleição de Sérgio Guerra à presidência do PSDB. Numa ação articulada com serristas, o governador Geraldo Alckmin veio a público negar que apoiasse a manobra.

Logo pela manhã, Alckmin afirmou que apoiará Serra caso ele decida se candidatar à presidência do partido. "Nem sei se o Serra quer ser o presidente do partido, mas, se ele quiser, terá o meu integral apoio", afirmou. Segundo aliados, Serra gostaria de presidir o PSDB. O candidato derrotado ao Planalto, no entanto, não manifestou internamente o desejo de ocupar o cargo.

O documento defendendo a recondução de Guerra, assinado por 54 parlamentares tucanos na quarta-feira, foi visto por serristas como uma articulação dos aliados do ex-governador Aécio Neves. Militantes ligados a ele recolheram as assinaturas. Alckmin também foi acusado de ter apoiado a articulação.

Aécio, que pretende disputar a Presidência em 2014, é entusiasta da manutenção de Guerra na presidência, como forma de evitar que Serra ocupe o cargo, no qual poderia articular a sua própria candidatura para 2014.

"Sérgio Guerra tentou criar um fato consumado e se desqualificou como presidente do partido. O papel dele é buscar a unidade para a luta externa. E não usar uma reunião de bancada para divisão interna", afirmou o deputado Jutahy Júnior (BA), aliado de Serra. "O documento é inócuo. Quem vai decidir o novo presidente serão os convencionais."

"A lista foi uma forma infeliz de buscar a presidência do partido. Mas a convenção de maio é que decidirá sobre a presidência", disse o ex-governador Aberto Goldman. "Além da lista não ter sido debatida internamente, acredito no bom entendimento entre Serra e Alckmin", afirmou o deputado Vaz de Lima, o único paulista que não assinou a lista.

Alckmin e Serra conversaram anteontem. Cogitou-se a divulgação de uma nota negando envolvimento do governador no apoio a Guerra, redigida pelo jornalista Márcio Aith, que atuou na comunicação da campanha de Serra e hoje trabalha com Alckmin no Bandeirantes.

Guerra avisou Alckmin da iniciativa antes da reunião da bancada, mas o governador não deu nenhuma orientação para os deputados paulistas, apesar de ter dito ao senador que achava muito cedo tratar daquele assunto.

"Não houve uma operação contra nem a favor de ninguém, muito menos contra Serra. Todos reconhecemos seu tamanho e sua importância política, sobretudo eu, que dediquei minha energia e até minha saúde na coordenação da campanha presidencial", disse Guerra.

Divisão

Apesar das declarações do governador, aliados de Alckmin estão divididos sobre o futuro da presidência do PSDB.Uma ala avalia que o melhor é defender a eleição de Serra para o cargo e intensificar laços políticos com ele. Assim o projeto eleitoral de Alckmin e Serra sairia fortalecido, numa dobradinha Presidência/governo paulista, que poderia ser encabeçada por qualquer um dos dois em 2014.

Para outro grupo, Serra na presidência do PSDB ficaria muito fortalecido, fazendo um contraponto ao poder de Alckmin em São Paulo. Citam que o governador defende para a presidência estadual do PSDB o Pedro Tobias. Mas que aliados de Serra querem Aloysio Nunes Ferreira.

"Será precipitado qualquer movimento para desautorizar a bancada. Sou Serra, mas quero Guerra na presidência", disse o deputado Eduardo Gomes (TO). Os mineiros tentaram desvincular a articulação de Aécio. "Não há razão para que um prejudique o outro no momento em que nos é exigido uma união familiar", amenizou o novo líder da minoria na Câmara, Paulo Abi-Ackel, aliado de Aécio. "Os mineiros respeitam Serra e reconhecem a importância do seu papel como representante dO PSDB", reforçou.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

BC e FMI alertam governo para gastos

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e o FMI alertaram o governo para a situação fiscal do país. Para o BC, o controle efetivo de gastos é essencial para evitar aperto monetário maior. Já o FMI advertiu para a deterioração "particularmente acentuada" nas contas fiscais. E previu que as metas não serão cumpridas.

Alerta fiscal para o Brasil

BC diz que controle de gastos é fundamental para alívio monetário. FMI vê "deterioração acentuada" nas contas

Patrícia Duarte*

A situação fiscal do Brasil está em estado de alerta, apontaram documentos divulgados ontem tanto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como pelo próprio Banco Central (BC). A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada na semana passada, que deu início a um ciclo de aumento de juros ao elevar a Taxa Selic de 10,75% para 11,25% ao ano, afirmou que o cumprimento - sem manobras - das metas fiscais acordadas para este ano e o próximo, com controle efetivo de gastos, e a moderação na expansão do mercado de crédito serão fundamentais para que a política monetária do BC não seja mais restritiva que o esperado atualmente pelo mercado. Já o FMI alertou, na atualização de seu relatório "Monitor Fiscal", para uma deterioração "particularmente acentuada" nas contas fiscais. E ressaltou que as metas fiscais não devem ser cumpridas "por ampla margem".

Na ata do Copom, o BC também reforçou sua preocupação com o avanço da inflação por causa dos preços elevados das commodities em geral e dos alimentos em particular, além da atividade econômica ainda forte, com a demanda por bens e serviços crescendo acima da capacidade de oferta do setor produtivo.

- O BC trabalha com o cumprimento da meta fiscal cheia (economia para pagamento de juros equivalente a 3% do Produto Interno Bruto, PIB, em 2011) e jogou um pouco da responsabilidade de cumprir a meta de inflação para o governo todo - afirmou o sócio da consultoria Tendências Juan Jensen, para quem a Selic será elevada a 12,25% até abril, em linha com a mediana do mercado mostrada pela pesquisa Focus, do BC.

BC espera superávit de 3%, FMI não

Desde o fim de 2009, o BC tem indicado a necessidade de o setor público aumentar o controle fiscal para evitar pressões adicionais sobre a inflação. Quanto mais o governo gasta, mais a demanda cresce, consequentemente estimulando o reajuste de preços. Na ata de ontem, no entanto, o BC foi bem mais enfático que o normal, usando um parágrafo inteiro para defender sua ideia.

"O Copom reafirma que seu cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias com as quais trabalha para as variáveis fiscais. Importa destacar que a geração de superávits primários compatíveis com as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação, além de contribuir para arrefecer o descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta, solidificará a tendência de redução da razão dívida pública sobre produto (PIB)".

O BC informou que, dentro do seu quadro de expectativas, trabalha com a projeção de o governo fazer um superávit primário de 3% do PIB neste ano e de 3,1%, como "hipótese", em 2012. Este é o compromisso firmado pelo setor público no Orçamento deste ano. Mas boa parte dos analistas - e o FMI - não acredita nisso e projeta superávit inferior a 3% neste ano, devido ao elevado gasto público.

No "Monitor Fiscal", o Fundo observou que "o aumento da arrecadação foi usado, de maneira geral, para financiar gastos maiores", principalmente no Brasil, na China e na Índia. O FMI apontou ainda como problemas os elevados déficits fiscais de Estados Unidos e Japão.

Apesar de ser mais otimista que a média do mercado nesse campo, o BC piorou suas expectativas sobre inflação. Sem citar números, disse que suas contas para o IPCA estão "acima do centro da meta" em 2011, tanto no cenário de mercado (com previsões de analistas) quanto no de referência (com indicadores confirmados até uma determinada data).

Para 2012, o BC também passou a enxergar um índice maior que o centro da meta no cenário de referência, mas ainda com a Selic a 10,75% ao ano. Ou seja, sem levar em conta a elevação nos juros já feita. A meta de inflação para 2011 e 2012 é de 4,5% pelo IPCA, com margem de oscilação de dois pontos percentuais para mais ou menos.

O BC destacou a importância, para o controle da inflação, das medidas macroprudenciais tomadas em dezembro, que limitaram o acesso ao crédito de consumo de longo prazo. Os efeitos já foram sentidos em janeiro, com a queda de 3,5% das concessões de empréstimos às famílias e a forte elevação nas taxas de juros.

No cenário externo, o BC avaliou que pode estar começando uma recuperação econômica nos Estados Unidos, mas que esta ainda é uma incerteza. Não voltou, no entanto, a defender que o cenário internacional possa ajudar a segurar a inflação.

Mercado teme novas medidas e inflação

A ata de ontem foi a primeira com Alexandre Tombini como presidente do BC e, para os analistas, apesar de a forma ainda estar bastante parecida com as demais, as questões inflacionárias foram tratadas de maneira mais clara. Para o economista do banco Santander Cristiano Souza, a ata do BC não traz indicações, pelo menos a priori, de que o Copom vai acelerar o ciclo de aperto de juros.

- Essa ata dá mais cores à discussão sobre a inflação, mas não parece que vai acelerar o passo no aperto monetário - afirmou Souza, que mantém a perspectiva de que a Selic será elevada para 13% ao ano até julho.

A preocupação com a inflação e com a possibilidade de mais medidas macroprudenciais do governo, além da saída de investidores estrangeiros, fizeram a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encerrar em queda ontem. O Ibovespa, seu principal índice, caiu 0,96%, aos 68.050 pontos. Companhias de construção e varejo tiveram as maiores quedas, devido ao temor sobre o impacto da alta da Selic.

- O mercado está com muito medo da inflação e percebe que os juros estão fortes não apenas aqui, mas também nos emergentes. E vão continuar fortes - afirma o gestor de renda variável da Vetorial Asset Management, Fernando Belaciano.

Já o gerente de renda variável da Corretora Futura, Renato Bandeira de Mello, destacou o movimento de saída dos estrangeiros da Bolsa:

- A ata do Copom citou mais medidas macroprudenciais, e o mercado não sabe qual será o alcance dessas medidas.

Colaborou Lucianne Carneiro, com agências internacionais

FONTE: O GLOBO

Dilma evitará ataque público à imprensa

Dilma Rousseff não quer assumir o tom de guerra contra a imprensa do governo Lula, mas isso não significa que seu relacionamento com a mídia será sempre amistoso. Pelo contrário, tende a ter seus conflitos, mais no varejo do que no atacado.

Não está nos seus planos, por exemplo, enviar o projeto de regulação da mídia ao Congresso sem consenso com os empresários do setor. Defende um debate técnico sobre o tema, sem contaminações ideológicas como no governo passado.Por outro lado, já deu sinais de que não pretende ser tolerante com aquilo que considera, em sua avaliação, erros de informação.

Lula adorava fazer críticas à mídia em seus discursos, mas dificilmente se preocupava em ficar pedindo correções de informações publicadas na imprensa. Costumava dizer que não lia jornais e chegou a proclamar que eles lhe causavam "azia".

Dilma tem estilo diferente do ex-chefe e mentor. Não deve atacar publicamente a mídia, mas como leitora detalhista de jornais e revistas fará questão de mandar recados e pedir correções do que considere equivocado.

Fazia isso na Casa Civil. Já o fez no curto período na Presidência. Recentemente, ela surpreendeu um ministro ao perguntar sobre uma reportagem publicada no dia anterior em uma revista internacional. Ela havia lido o texto em seu tablet iPad, enquanto o ministro ainda não tinha tomado conhecimento do conteúdo.

Para a equipe, a presidente tem deixado claro que detesta vazamentos de informações a jornalistas.

Na interlocução formal, até aqui Dilma deu entrevistas exclusivas apenas a jornais estrangeiros.

Sua intenção é manter contatos periódicos com grupos de jornalistas para conversas informais, o que já ocorreu. Acredita que esses tipos de encontros são mais produtivos e esclarecem melhor a imprensa. Devem ser mais frequentes que entrevistas coletivas e exclusivas.

Para assessores, ela prefere dar entrevistas temáticas -como fez no Rio, quando visitou as áreas afetadas pelas chuvas. Dilma afirma que a presidente tem de aparecer menos que seu governo. Na prática, o Planalto passou a ter frequentes briefings de ministros.

A ministra Helena Chagas (Comunicação Social) afirma que a presidente ainda não deu entrevistas coletivas além da ocorrida no Rio porque está focada em "gerenciar" o governo. "Ela não pode estar em dívida [com jornalistas] em menos de um mês [de mandato]", diz ela.

A presidente decidiu continuar com duas estratégias de comunicação de Lula: manterá o "Café com a Presidenta" e a coluna em jornais regionais, respondendo a perguntas dos leitores.

Aos que reclamam de sua baixa exposição nesse início de governo, justifica que, por enquanto, está focada no trabalho de estruturar seu governo. Só que esse era seu estilo na Casa Civil.

Está na agenda futura de Dilma conversar com os empresários do setor. Antes, seu ministro Antonio Palocci (Casa Civil) fará um contato precursor com os donos de jornais, TV e rádios, uma espécie de preparação de terreno para estreitar relações.

Afinal, além de considerar improdutivo seguir o caminho de embate com a imprensa, Dilma sabe que, nesse início de governo, não tem o respaldo popular de Lula para comprar brigas.

Tudo, porém, faz parte de um estilo de um governo que mal começou, que por enquanto recebe elogios em alguns editoriais e colunas, mas gera reclamações de jornalistas pela falta e controle no fluxo de informações. Motivo: sua equipe teme as broncas da chefe por conta de informações que ela preferia não ler na imprensa.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

OAB-RJ faz alerta contra indícios de desmobilização

Presidente da entidade envia ofício ao estado criticando desativação de hospitais e falta de assistentes sociais

Gabriel Mascarenhas

O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, enviou ontem um ofício ao governo do estado, pedindo providências contra o que chamou de "indícios de desmobilização" em Nova Friburgo. Entre os pontos citados por Damous, estão a desativação dos hospitais de campanha da Marinha e da Secretaria estadual de Saúde e a falta de assistentes sociais.

- Moradores contaram que estão sendo levados a alojamentos sem as condições mínimas de conforto. É necessário retirar as pessoas de áreas de risco, mas não jogá-las em qualquer lugar, como trastes. Mesmo o aluguel social: onde se pode morar com R$500? - perguntou Damous, acrescentando que as ações do governo não podem ser voltadas somente para a construção de casas.

O presidente da OAB-RJ disse que não queria ser leviano e ressaltou que estava apenas transmitindo aquilo que viu e ouviu na serra. Ele apontou ainda o risco de desemprego e os danos psicológicos causados pela enxurrada como temas prioritários para as políticas públicas:

- Não se pode esperar a mobilização vista no auge da crise, mas as cidades não vão se recuperar sozinhas. Os problemas são complexos. Muitas empresas acabaram, por exemplo.

A Secretaria estadual de Obras negou que esteja havendo desmobilização. O órgão informou que o hospital da campanha foi desmontado após a reabertura do hospital municipal e a instalação de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na cidade. A secretaria argumentou ainda que o vice-governador Luiz Fernando Pezão está acompanhando os trabalhos na serra e que foi montado um gabinete de reconstrução da região.

FONTE: O GLOBO

Lula virou história

Rachel Bertol

O governo mal acabou, mas uma simples consulta a livrarias virtuais indica, até o momento, aproximadamente 50 livros lançados com o nome "Lula" no título - fora os demais, sem a menção direta. O número é significativo se comparado, por exemplo, aos cerca de 15 disponíveis on-line, a partir da mesma ferramenta, com "Fernando Henrique Cardoso" ou "FHC". Enquanto o ex-presidente tucano é o principal autor de suas obras - nesse caso, há mais de duas dezenas delas sendo oferecidas -, Lula não assina livro algum, mas sua história tem potencial para inspirar uma bibliografia jornalística e acadêmica ainda maior, especialmente a partir de agora, nesta fase de balanços e análises (talvez) menos polarizadas.

Um dos biógrafos mais ativos do Brasil, Fernando Morais não tem dúvida: "Lulinha dá um livraço". Autor de clássicos como "Chatô, o Rei do Brasil" e "Olga", Morais gostaria de escrever um livro com o mesmo fôlego desses sobre o ex-presidente. E ele não é o único com planos editoriais a respeito de Lula. O jornalista Kennedy Alencar prepara um dos livros mais aguardados sobre os oito anos do governo, a ser lançado pela Publifolha, no qual vai contar mais sobre os bastidores da vida palaciana. A pesquisadora Denise Paraná, autora de "Lula, o Filho do Brasil" (editora Fundação Perseu Abramo) - base do filme homônimo de Fábio Barreto -, também reuniu material para um novo livro, desta vez sobre a simbologia em torno do líder político.

O sociólogo Francisco de Oliveira planeja publicar no ano que vem "A Formação do Avesso: Predação de Classe e Trabalhos de Sísifo", pela Boitempo. "Sempre começo pelo título", diz. Seu objetivo é revisar a história brasileira, mostrando como o "lulismo" se encontraria na culminância de uma nova estratégia de dominação, iniciada há meio século, que se daria pelo avesso, ou seja, com a participação das próprias classes dominadas.

O fenômeno do lulismo é controverso, até por causa de seu ineditismo, aspecto com o qual concordam Oliveira e um dos seus principais interlocutores - e opositores - nesse debate, seu colega André Singer, porta-voz da Presidência até 2007. Também em 2012, Singer vai lançar um livro sobre o lulismo, que se baseará na tese de livre-docência que defenderá neste ano na Universidade de São Paulo (USP). "Quando comecei a fazer essa análise, estabeleci um diálogo com as hipóteses do professor Francisco de Oliveira", afirma Singer. "Concordo com ele no sentido de que temos algo novo, mas não acho que seja às avessas, até porque a política que continua a ser executada contempla aspectos do programa original do Partido dos Trabalhadores [PT], como a inclusão social, apesar da incorporação de elementos que não estavam presentes inicialmente, de extração neoliberal."

Toda a polêmica, de acordo com Fernando Morais, só faz apimentar uma virtual biografia. "É uma figura que merece algo mais exaustivo, acho que alguém vai fazer. Lula é adorado pela população, mas tem uma oposição dura. O Lula demonizado dá um sabor especial ao livro. Além disso, ele não é casmurro, o que ajuda o biógrafo. Este é um trabalho no qual eu tenho muito interesse e convivi bastante com o Lula."

No momento, entretanto, Morais prefere deixar o projeto amadurecer: "Pedi, por meio de amigos comuns, para gravar com Lula uma meia dúzia de depoimentos longos, sobre passagens importantes do governo, mas ele disse para desistir, porque ou sairia abobrinha ou perderia amigos. A poeira na alma dele ainda não baixou. Um dia, se topar, torço para que chute a bola para o meu lado."

Já o coordenador editorial da editora Fundação Perseu Abramo, Rogério Chaves, está mais otimista quanto à possibilidade de obter depoimentos do ex-presidente. A fundação tem entre seus propósitos contar a história do PT, e a ideia é preparar uma continuação do livro "Lula, o Filho do Brasil", que tem apresentação de Antonio Candido e se concentra no período de formação do filho de dona Lindu. A editora negocia a contratação de um novo autor. "Queremos amadurecer a ideia com o próprio Lula", conta Chaves. "A ideia é discutir menos o Lula como mito e sim como agente de um momento de grande mudança. Será necessário ter nessa edição a participação de uma pessoa com leitura política, que vá pegar também a fase do governo. Pensamos em aproveitar este ano, quando as informações estão mais recentes."

Além disso, a editora da fundação iniciou, no ano passado, a publicação de coleções técnicas sobre os dois mandatos. Uma delas é "2003-2010: o Brasil em Transformação", na qual serão lançados mais quatro volumes neste ano - sobre políticas sociais, direitos humanos, estatais e saúde.

A dificuldade de escrever sobre a trajetória do ex-presidente, segundo Denise Paraná, deve-se ao fato de Lula raramente dar depoimentos. "Até hoje, ele só deu depoimentos longos sobre a sua vida para a pesquisa que eu realizei. Foram muitos meses de entrevista, horas de conversa, no início dos anos 1990." Ao longo desses anos, Denise travou amizade com a família de Lula e frequenta casamentos e festas de Natal dos irmãos e dos sobrinhos dele. Já coletou amplo material sobre a construção simbólica do personagem, no Brasil e no exterior.

"Não me interessam tanto o lado político partidário, as disputas ou o balanço do governo. Quero escrever sobre a visão de mundo dele, destacando os aspectos subjetivos, ideológicos, culturais. Há muitos anos, eu tenho conversado com a família toda, observado como enfrentam as situações etc. Em "Lula, o Filho do Brasil", eu já trabalhava por meio dessa corrente da psico-história", diz.

No novo livro, vai analisar como Lula estaria contribuindo para o país se livrar do chamado "complexo de vira-lata", termo cunhado por Nelson Rodrigues quando observava a seleção nacional jogando futebol com potências estrangeiras. Segundo Denise, o brasileiro está entre os cinco povos mais otimistas do mundo quanto à mobilidade social, e Lula seria um símbolo importante desse ânimo.

"Existem pessoas que conseguem ascender socialmente. Em geral, saem da classe social baixa e se adaptam à nova classe. Deixam um lugar para ocupar outro. Mas com o Lula foi diferente: ele ocupa os dois lugares. Ele tem orgulho de ser o incluído e ao mesmo tempo o orgulho de ser o superexcluído. Isso dá um nó na cabeça da elite. Lula constrói espaço novo, a partir da comunicação direta com a população. Do ponto de vista simbólico, ele quebra paradigmas e modelos o tempo todo."

Em suas pesquisas no exterior, Denise chegou a se impressionar com a força do personagem, que chegaria a substituir Pelé como principal referência a respeito do país. "Muita gente que antes nem sabia onde fica o Brasil agora fala do país através da figura do Lula. É como se ele tivesse posto o Brasil no mapa-múndi."

Mas Denise reconhece que se trata de figura controversa: "Há quem diga que ele pratica populismo de direita, enquanto outras pessoas afirmam que é completamente revolucionário. Eu ouvi isso na França. Mas não estou dizendo que tudo deu certo no governo. O fato é que há muita coisa para estudar a respeito desses últimos oito anos: foram infinitas e profundas as transformações."

Boa parte do que diz poderia servir de subsídio a uma explicação do "lulismo". De acordo com André Singer, a base do fenômeno, que se configurou claramente a partir da reeleição de 2006, se encontra nos estratos de mais baixa renda da população - sendo o Bolsa Família um ingrediente não desprezível nesse conjunto. "É uma camada da população com perspectiva de mudança de renda, mas pode ser considerada conservadora por querer essas mudanças sem ameaça à ordem estabelecida. O lulismo tem elementos carismáticos, sobretudo no Nordeste, mas é um movimento real da sociedade, democrático. Embora não formalizado, tem fôlego para durar muitos anos", afirma.

Para Oliveira, sem entender o lulismo dificilmente se entende o Brasil de hoje: "Mesmo porque o lulismo nos devora". Em sua opinião, Lula é um ilusionista: "Ele tira coelho da cartola o tempo todo. Não é o escravismo ou o patrimonialismo que explicam o atraso atual. Não se trata de uma herança de 500 anos. No livro, vou fazer a revisão da história para mostrar como essa formação do avesso se refere aos últimos 50 anos, a uma escolha das camadas dominantes. Houve uma opção pelo atraso. Cria-se a pobreza, que não é brasileira, como forma de controle e dominação. Lula tira benefício disso. Seu governo foi a culminância desse processo. Não houve avanço institucional nestes oito anos. Assim como as classes dominantes, Lula dança sobre a miséria para construir a sua popularidade."

O Brasil vive uma "falsa euforia", diz Oliveira. "Sobraram para o país os produtos baratos. É a euforia de quem chegou atrasado ao baile, a celebração da derrota da vitória. Todos estão contentes, mas sobre cultura e cidadania não temos nada. Chegou-se aos bens de consumo, mas não à civilidade", comenta. "Estamos vivendo um fascismo do consumo. As pessoas se detestam, desapareceu qualquer traço de solidariedade pessoal e social. Os valores que a sociedade deveria cultivar, ela não cultiva. Há uma tensão fascista no ar. Sempre que um materialista começa a relacionar feitos sociais, pode desconfiar que atrás existe um cheiro de fascismo." O sociólogo, que é ex-petista, reitera: "Fizeram do Lula a imagem idealizada do anjo operário, o que ele não é. Faz muitas décadas que ele deixou de ser operário. A tragédia brasileira é imensa."

Como observa Morais, "herói de bronze só tem em praça pública" e a figura de Lula, como se vê, está longe do consenso. Por enquanto, na imprensa e em seminários, o momento é dos primeiros balanços. Especula-se qual seria sua participação na gestão da sucessora, Dilma Rousseff, e se voltaria a se candidatar à Presidência, embora Denise Paraná, até o momento a maior especialista na biografia lulista, aposte que não há volta: "Lula nunca andou para trás. Quando saiu da presidência do sindicato, disseram o mesmo, que ele voltaria, mas não foi o caso. Sempre foi assim na trajetória dele. O Brasil agora já fica pequeno para Lula, que tem a possibilidade de fazer muita coisa pelo mundo. Duvido que se candidate novamente, até porque entrou para a história como o presidente mais popular do país".

Kennedy Alencar, que cobriu os dois mandatos pela "Folha de S. Paulo", em Brasília, fez questão de esperar que Lula deixasse o Planalto para terminar seu livro sobre o governo só agora. "Achei melhor assim, para ter uma perspectiva mais ampla", afirma Alencar, que começou a redigi-lo de maneira mais intensa no ano passado. Já publicou algo do que saiu na própria "Folha", em dezembro. "Desde a eleição do Lula em 2002, pensava em escrever algo, com material apurado que eu não tinha como usar no dia a dia. Reuni muitos bloquinhos de anotação ao longo dos anos. Eu sempre escrevia um pouco e guardava."

Sua intenção é identificar os piores e melhores momentos, contar sobre a sucessão de escândalos enfrentados, como o caso Waldomiro Diniz e o mensalão, falar da crise econômica, das políticas sociais etc. "Vou detalhar um pouco mais. Ainda vou ter algumas conversas. A gente nunca para de apurar. Estou com todo o material arquivado, mas quero tempo para fazer com mais calma." Haveria ainda alguma revelação importante? "Eu acho que sim, porque jornalista nunca consegue mostrar tudo. A relação entre imprensa e governo é naturalmente tensa, sempre vai ter algo para descobrir." Além disso, o próprio Lula gostaria de voltar ao assunto do mensalão este ano, como lembra o jornalista: "É muita história para contar".

FONTE: VALOR ECONÔMICO