sexta-feira, 20 de abril de 2018

FHC: O inevitável e o imprevisto

"Para fazer mudanças mais profundas, o Brasil precisa de lideranças que reflitam a emergência de uma nova sociedade"

"Políticos, jornalistas e intelectuais ficaram ligados na TV por São Bernardo, mas tinha mais gente vendo o jogo do Palmeiras"

Por Maria Cristina Fernandes | Valor Econômico

SÃO PAULO - "Na história, quando se pensa que acontecerá o inevitável, ocorre o imprevisto." Ao longo de 238 páginas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ora se rende ora se debate com a ideia-chave em novo livro, "Crise e Reinvenção da Política no Brasil". É a uma sociedade "mais forte porque desorganizada" que atribui possibilidades e riscos de uma crise cujo desfecho diz ser difícil prever.

As reflexões do ex-presidente foram colhidas, de setembro de 2017 a janeiro deste ano, em conversas com Sérgio Fausto, superintendente do instituto que leva seu nome, e Miguel Darcy, diplomata e seu assessor internacional. Delas emerge a ambiguidade da conjuntura: o indivíduo se fortaleceu frente ao Estado, mas a sociedade, sem o filtro dos partidos, se tornou mais vulnerável a aventureiros despreparados para o exercício do poder. E não apenas no Brasil.

O relato de sua passagem pelo poder está para ser concluído com o lançamento, talvez só em 2019, "quando já tiver passado o interesse pela sucessão", do quarto e último volume dos "Diários da Presidência". Já nas primeiras páginas de seu novo livro estampa a autocrítica do que deixou de fazer como senador, ministro e presidente da República. Com esse habeas corpus preventivo, põe-se a criticar a passagem do PT pelo poder e a tratar do porvir, a começar de tarefas historicamente retrancadas no Brasil, inclusive em seu governo, como a de impor concessões mais amplas àqueles que ganham mais.

A "utopia viável" com a qual conclui suas reflexões passa ainda pelo combate à impunidade, que hoje diz não ser mais um valor da classe média abastada, mas da maioria da população que vê se esvaírem os recursos de políticas públicas. É o apego ao oxímoro que parece levá-lo, nesta entrevista, a concordar mais com o ministro Luís Roberto Barroso, indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, do que com o ministro Gilmar Mendes, seu escolhido para a Corte. FHC nega a seletividade da Lava-Jato e defende, em ordem decrescente, seus correligionários Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Eduardo Azeredo. No dia seguinte, o Supremo tornaria réu o senador mineiro.

Relativiza tanto a entrega do Ministério da Defesa, criado em seu governo, para um militar quanto o peso das declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, às vésperas da votação do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - "falou para sua tropa" -, e diz que a intervenção no Rio só se justifica se for para pôr ordem na polícia.

Atribui a prisão de Lula à cota do imprevisto da história e diz que seu sucessor jogou bem ao buscar se sacralizar como "uma ideia". Não descarta que um dia, quando o gesto não se configurar como afronta à Justiça, possa vir a visitá-lo na prisão. Foi em seu apartamento, em meio a uma agenda de sucessivas reuniões, com tucanos e o presidente de um grande banco, que Fernando Henrique deu, ao Valor, a entrevista que segue:

Valor: O senhor diz no livro que, na história, quando se pensa que ocorreria o inevitável, acontece o imprevisto. Olhando para 2018, o que lhe parece inevitável e imprevisto?

Fernando Henrique Cardoso: Inevitável é que o Brasil de qualquer maneira vai continuar e tem lá seus valores, que procuro ressaltar no livro. O imprevisto é que, nos dias de hoje, não dá para saber quem vai ganhar. E se ganhar alguém que não tenha capacidade de levar o Brasil para diante? Já passamos por experiências difíceis nessa matéria. Mas na democracia você corre riscos. Espero que a população sinta o momento que estamos vivendo, as possibilidades que temos e que eleja alguém que permita ao Brasil avançar mais. Posso torcer, querer, mas a história, enfim, tem lá seus caprichos, que não são os meus. Nem sempre.

Valor: A derrota do ex-governador Geraldo Alckmin é inevitável?

FHC: Absolutamente não. Porque, primeiro, tem experiência aqui em São Paulo, com um partido que tem uma certa expressão e, segundo, porque acredito que no processo eleitoral seja possível mostrar que precisamos ter rumo e que não dá para você apostar em quem não se sabe o que pensa ou o que fez. O novo é quem está antenado com o que está acontecendo no mundo e no país, que saiba levar adiante. É bastante possível a vitória do governador Alckmin.

Valor: A prisão do Lula é o imprevisível?

FHC: É o imprevisto. Eu nunca imaginei que um ex-presidente com o significado do Lula fosse terminar sendo preso. Não acho bom - não estou criticando os juízes, porque eles têm os autos -, estou falando do significado histórico. Temos, no Peru, vários presidentes presos e um foragido. Alguns conheço, aliás acho que todos. E isso é bom para o país? Não, não é. Agora as instituições têm que funcionar. Os movimentos são muito importantes, mas é preciso também que haja filtros, para a história tomar um rumo e ter continuidade. A Justiça tem sua independência, e isso é inegável. Tanto é assim que você pode ver que, no momento atual, o PT não critica os outros partidos. Eles tentam dizer que há uma conspiração de vocês, da mídia. É importante mostrar que as instituições estão funcionando com independência dos interesses políticos imediatos.

Valor: Mas o PT não faz isso porque quer a solidariedade dos outros partidos, não?

FHC: Não é só por isso. O PSDB e os outros partidos não moveram a ação. Quem moveu a ação foi o Ministério Público. A narrativa fica capenga se disser que foi por interesse político.

Valor: O senhor disse que um líder hoje tem que ser capaz de transitar entre a sociedade e o Estado e entre a cidadania e as instituições. Qual a capacidade de Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Joaquim Barbosa, Marina Silva e Fernando Haddad cumprirem esse trajeto?

FHC: Primeiro, não sei se esses vão ser realmente os candidatos, né? Da minha experiência como presidente e senador sei que o governante que não conhece o Congresso tem dificuldade de fazer aquilo funcionar. Então, é preciso ver, desses aí, quem tem experiência de Congresso. Segundo, a máquina pública tem suas peculiaridades. Se você não souber que as Forças Armadas, o Itamaraty, a Receita Federal têm uma cultura própria, é difícil governar. Os grandes órgãos do Estado simplesmente não obedecem, eles têm uma dinâmica, e você tem que entendê-la. Por outro lado, se você não é capaz de falar com a nação, também é difícil governar. E a nação não são os ricos, nem são só os pobres. No mundo contemporâneo, não basta ao líder democrático ganhar a eleição. Tem que saber lidar com o Congresso, motivar a administração e falar ao país, para ter o apoio. Pela biografia a gente pode ver o que cada um desses aí é mais ou menos capaz, mas não cabe a mim julgar. Cabe ao povo.

FHC: ‘Geraldo é um corredor de maratona’

Entrevista com Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

Ex-presidente minimiza mau desempenho de presidenciável tucano e diz que Lula ‘é um político preso’, não preso político

Marianna Holanda e Eduardo Kattah, O Estado de S.Paulo

A seis meses das eleições, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) minimiza o fato de o pré-candidato de seu partido ao Palácio do Planalto, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, aparecer estagnado nas mais recentes pesquisas de intenção de voto, na faixa dos 8%. “Geraldo é um corredor de maratona, não de 100 metros”, disse na quarta-feira, 18, ao Estado, em seu escritório na capital paulista.

O tucano, de 86 anos, cita como exemplo sua própria campanha em 1994, quando só decolou em junho na esteira do Plano Real. Sobre uma eventual candidatura do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, Fernando Henrique afirma: “Foi um juiz competente, teve coragem, mas isso qualifica você para presidente? Por isso só, não”. “Não sei o que ele pensa.”

Questionado se o fato de o senador Aécio Neves (PSDB) ter se tornado réu pode contaminar a campanha tucana, Fernando Henrique cita o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Qual foi o impacto na inclinação pelo Lula? Até agora nenhum”. Ao comentar a prisão do petista, condenado na Lava Jato, ele rebate a tese do partido adversário, dizendo que não se trata de um preso político. “É um político preso.” Fernando Henrique lança hoje o livro Crise e reinvenção da política no Brasil, pela Companhia das Letras. 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

• No seu livro, o sr. fala que um líder deve ser capaz de explicar, passar uma mensagem. Que mensagem é essa e quem seria capaz de transmiti-la hoje?

Sempre fomos um País que achávamos que daria certo, grande pela própria natureza. Somos, mas não basta. Temos que ser grandes pela criatividade, tecnologia, capacidade. Tem que ter um rumo, essa é a mensagem. Para melhorar a vida das pessoas, com segurança, garantida a liberdade, crescendo a economia, emprego e bem-estar. Para isso, é preciso um governo que funcione. É simples, mas é preciso que quem emita a mensagem, tenha chama, toque no outro. O povo, por enquanto, não está nem aí. Política é assim, estamos aquecendo os motores.

• O livro fala ainda em uma “nova onda de direita”. Quem representa esse movimento?

No Brasil, temos gente que não é nem de direita nem de esquerda, é atrasada. O nome mais falado agora é o de (Jair) Bolsonaro. Não sei o que ele representa. Um sentimento de ‘quero ordem, mata bandido?’ É um sentimento que não tem expressão política. O que significa na economia, na vida social? É só uma explosão.

• Sobre o Judiciário, o sr. diz que teria se tornado mais consciente da sua autoridade e mais “permeável” à sociedade. O STF tem sido alvo de críticas por isso.

Fomos nós da Assembleia Constituinte que demos esse poder ao Supremo. Você pode requerer ao tribunal que, no vácuo da lei, ele legisle. Ele tem abusado? Não creio. Nas áreas comportamentais, como o Congresso fica receoso de avançar, às vezes o Supremo avança.

• E nos casos da Lava Jato?

A Lava Jato fez simplesmente o que todo mundo queria que se fizesse, pegou poderosos e ricos. O Supremo às vezes dá um habeas corpus e a população reclama, mas é que a lei permite liberar. Não acho que a Lava Jato tenha, no geral, extrapolado. E muito menos que ela seja facciosa, pegue um só partido. Estamos vendo agora, pegou os partidos que estavam no poder. Os que não estavam é natural que tenham menos foco na Lava Jato, porque não estavam metidos na cumbuca. Não é que a Justiça favorece os tucanos, favorece porque não estão no poder. Lava Jato foi um fato político muito importante, mas não dota aquele que foi o protagonista de qualidades para ser líder político. Mas há uma tentativa também de atacar o (juiz Sérgio) Moro. Acho que ele é apenas um juiz correto, tenta aplicar as leis tal qual ele entende.

• O STF tornou réu Aécio Neves e, na próxima semana, Eduardo Azeredo, outro ex-presidente do PSDB, pode ser preso. Qual o reflexo disso na imagem do partido do qual é presidente de honra?

Eu não posso ficar contente quando vejo personalidades importantes sendo julgadas e presas. O Lula, você acha que eu fico satisfeito? Não, mas não vou contra a Justiça. No caso do Aécio, foi apenas iniciado o processo. Ele disse que vai demonstrar que não havia dinheiro público envolvido. Eu não sei. Agora, eu não posso ser contra o que a Justiça decidiu. Nem num caso, nem no outro. Tem efeito claro, prejudica os partidos. Mas juiz não tem de ver se tem efeito político, tem de ver os autos. Tem indício de crime, abre o processo. Tem crime, condena. Foi o que eles fizeram.

• Isso pode ter algum impacto na candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin?

Digo isso até com constrangimento, mas qual foi o impacto na inclinação pelo Lula (nas pesquisas)? Até agora nenhum. Eu acho que devia ter, mas não sei se vai. É provável que as lideranças (tucanas) discutam esse assunto. Como ele (Aécio) tem direitos políticos, ele que vai decidir (se será candidato), mas acho que a liderança vai ponderar e dizer: ‘Presta atenção, olha as consequências’.

• Joaquim Barbosa se filiou ao PSB. O sr. acha que ele pode ser esse novo na eleição?

Não sei o que ele pensa. O que ele pensa sobre economia? Sobre a sociedade? Pode ser que sim, mas eu não sei. Um perfil parecido com o dele, no imaginário, é o de Moro. Eu não sei se o Moro seria um bom presidente. O Joaquim Barbosa foi um juiz competente, teve coragem, mas isso qualifica você para ser presidente? Por isso só, não.

• Alckmin, entre os nomes colocados, parece ser o candidato de centro que mais tem viabilidade eleitoral, mas não decolou. Como isso vai se resolver?

Quando eu fui ministro, deixei o Ministério da Fazenda para ser candidato à Presidência da República em abril, acho. Quando chegou em maio, eu falei à Ruth (Cardoso, ex-primeira-dama, que morreu em 2008), ‘não dá mais, vou desistir’, porque eu tinha apenas 11%, o Lula tinha 40%. Quem me apoiava? Ninguém. Que recurso eu tinha? Nenhum. Em junho, comecei a ganhar. Em agosto, estava na frente. Em outubro, ganhei no primeiro turno. O Geraldo é um corredor de maratona, não é de 100 metros rasos. Às vezes, você vai correr maratona e sai com velocidade de 100 metros e queima na largada. Vamos ver como vai ser, o que vai acontecer nesse jogo, que está apenas começando. Há elementos para (se viabilizar como o candidato), mas precisa ver se vai conseguir.

O que representa a prisão de Lula para o processo eleitoral?

Lula tem um peso simbólico, foi líder sindical, criou um partido. Ele não está sendo processado pelo que fez politicamente. O PT está dizendo: é um preso político. Não é. É um político preso. A narrativa do PT é de preso político. Se fosse, eu estaria protestando. É preso por outras razões. Você pode dizer: decisão não foi correta. Apela. A condição (de preso) vai pesar contra (no processo eleitoral), com o passar do tempo. Aí na campanha os partidos vão transformar um fato numa versão. Na política, não adianta eu ter razão, adianta ter capacidade de convencer, explicar. Melhor que não tivesse acontecido, mas aconteceu, e agora vamos ter que explicar à população. A força simbólica de Lula não é sobre o que ele faz e diz, mas sobre o que ele fez. E foi capaz de, ao fazer, cantar, cacarejar. Um dos defeitos do PSDB e meu é cacarejar pouco sobre o que se fez, quando se fazia. O Lula tem a virtude de que ele cacareja: eu fiz, eu fiz, agora sou ideia. A ideia pode ser boa ou pode ser má, não sei (risos). Mas foi uma boa sacada.

• O que uma eventual 3ª denúncia contra Temer representaria para o País, às vésperas da eleição?

Acho que seria insensato, porque vai ter uma luta de novo. É difícil que o Congresso a dois meses da eleição vá tomar uma posição contra o presidente. Acho que deveria ter um pouco de pensamento institucional.

• Do Ministério Público?

Inclusive. Tem de ter uma certa visão institucional do País. Se houve coisa errada, ele vai deixar de ser presidente, vai ser julgado. Por que balançar mais ainda a situação que já é em si frágil? Tem coisas tão importantes para fazer, retomar o crescimento, dar emprego, botar segurança na rua. Se fosse uma coisa afrontosa... Mas se for começar ver pelo em ovo para poder arranjar argumento para fazer um impeachment, processar presidente... Se fosse no começo do governo, eu entendo. Mas no fim, com eleição à vista? Tem de ter um pouco de moderação.

• E o que o sr. acha das manifestações de militares da ativa e da declaração do general Villa Bôas na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula?

Melhor que os militares não falem. Alguns ameaçaram, o chefe do Exército não fez isso. Basicamente, foi uma mensagem interna corporis. Ele falou antes que outros falassem coisas mais desabusadas. Não considero que a declaração do ministro tenha sido uma ameaça. Ele disse o que todo mundo diz: a impunidade não pode prevalecer, a Constituição diz isso. Ele não disse ‘condene fulano e beltrano’.

Fernando Gabeira*: Ganhar ou perder

- O Estado de S.Paulo

Esta será uma eleição singular, depois tudo o que vivemos. Atuação da sociedade é imprevisível

As pesquisas mostraram que há muitos candidatos à Presidência, mas ainda poucos votos. Conheço quase todos os candidatos pessoalmente, incluído Levy Fidelix, cuja campanha documentei em 2015, assim como outros considerados nanicos na época. Discutir suas qualidade e seus defeitos é um esforço válido, mas não é isso que farei em 2018. O que posso fazer apenas é ajudá-los a ganhar ou perder votos, lembrando grandes temas para a sociedade, nos quais nem sempre eles se fizeram presentes.

Poucos dos mais votados falaram, por exemplo, de duas questões muito discutidas no momento: a prisão em segunda instância e a revisão do foro privilegiado. É compreensível que mantenham uma certa distância. Abraçar esses temas e ampliá-los com uma perspectiva de combate à corrupção não é bem visto entre os políticos. Muitos candidatos são discretos nesse ponto porque não querem perder o apoio dos seus pares, muito menos arriscar-se a um confronto com o Congresso, em caso de vitória.

Como em todas as eleições, assumir uma linha política nem sempre representa apenas mais votos. É sempre um jogo de ganha e perde.

A própria esquerda será chamada a se definir, mas hoje, por uma questão de coerência, ela associa a prisão após segunda instância à presença de Lula na cadeia. E certamente terá de adotar a posição mais leniente, que prevê prisão após o trânsito em julgado.

Eliane Cantanhêde: Dispersão leva à derrota

- O Estado de S.Paulo

Depois de Lula, o centro também tenta reaglutinar suas forças políticas

Depois da pulverização desenfreada das candidaturas à Presidência, é hora de começar o movimento inverso, de reaglutinação das forças políticas. O ex-presidente Lula saiu na frente para trazer de volta a tropa unida, mas os articuladores dos demais, particularmente de Geraldo Alckmin e de Joaquim Barbosa, também se mexem. A união faz a força, a dispersão leva à derrota.

No seu comício de despedida antes de voar para Curitiba, naquele que teria sido o ato ecumênico para Marisa Letícia e não foi, Lula encheu Guilherme Boulos (PSOL) de elogios, acariciou o ego de Manuela d’Ávila (PCdoB) e convocou a militância para um projeto comum.

A questão é que Lula se esforça para reunir as esquerdas com a mesma intensidade com que as esquerdas se esforçam para se isolar de todo o resto. A invasão do triplex no Guarujá, comandada por Boulos, apavora a classe média. As investidas internacionais do PT, pela voz de sua presidente, Gleisi Hoffmann, margeiam o patológico e sacodem as redes sociais.

Difícil compreender o objetivo da invasão do apartamento, que só atende as alas mais radicais e imprudentes. Mais difícil ainda é entender o que a senadora petista pretende ao manifestar apoio ao regime calamitoso de Nicolás Maduro e fazer uma conclamação ao mundo árabe pró-Lula e contra o Brasil. O que Lula acha disso?

José de Souza Martins: Máscaras da história

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Os melancólicos e contraditórios acontecimentos destes dias de pessimismo e desesperança, dentro de alguns anos estarão nos livros de história que ensinarão às novas gerações uma concepção certinha do que hoje parece sem sentido. Uma história sem o peso dos fatos e dos fatores que envergonham os que vergonha têm. Nela não haverá corrupção, fraude, mentira, enriquecimento ilícito, injustiça, exploração dos frágeis, genocídio de índios e escravidão que persiste 130 anos depois da Lei Áurea. Será apenas a história pasteurizada dos cúmplices ou dos ingênuos. Uma história sem passado nem agora. Sem contradições, sem povo e sem cidadãos.

Tudo o que agora é incerteza, dúvida e falta de clareza, nas páginas desses livros será retilínea certeza de uma história que teria fluido serena e evolutivamente até o limiar do futuro. Não somos preparados para interrogar e conhecer os segredos e irrelevâncias do processo histórico: o meramente acidental que se tornou principal, as tramas inconfessáveis, sussurradas nos recantos escuros de lugares suspeitos, não vistos nem sabidos, onde nosso destino tem sido traçado bem longe da nossa consciência social e política.

Podemos rever episódios decisivos de nossa história, cujas ocultações aos livros escolares não têm a gravidade de episódios de dinheiro sujo escondido na cueca para pagar traficantes de influência e mercadores de votos. Nem os da mão leve dos pagadores de propina remunerando a desonra dos venais.

Mas desde há muito tramas invisíveis definem o que fomos e somos. Na Biblioteca Britânica há um documento de 1805 em que é exposto um plano de remover para o Brasil o príncipe herdeiro, dom João de Bragança, e sua esposa espanhola, Carlota Joaquina. E aqui induzi-los a proclamarem a independência das colônias portuguesa e espanholas de modo a assegurar o mercado do novo mundo para a economia inglesa.

Merval Pereira: Bombas desarmadas

- O Globo

Duas bombas foram desarmadas ontem no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), uma pela argúcia do ministro Edson Fachin, auxiliado pela presidente Cármen Lúcia, outra pela maioria mais uma vez apertada de 6 a 5. A questão dos embargos infringentes, que permitem reabrir um julgamento quando o réu não for condenado por unanimidade, era talvez a mais grave, pois a sua admissão nos julgamentos das Turmas, não prevista no regimento interno do Supremo, vai atrasar os processos, levando os recursos para decisão do plenário. No entanto, era uma decisão inevitável já que, no julgamento do mensalão em 2013, a existência dos embargos infringentes acabou sendo admitida, embora muitos juristas e cinco dos 11 ministros consideraram que eles não mais existiam, pois as normas que regem os procedimentos do STF e do STJ não se referiam a eles.

Mas eles subsistiram no regimento interno do Supremo, provavelmente por um descuido do Tribunal, que não atualizou seu regimento interno após a Constituição. Sua simples permanência num regimento ultrapassado fez com que seis dos ministros à época os aceitassem, proporcionando a alguns dos réus, entre eles José Dirceu, se livrarem de condenações por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Cometido o erro lá atrás, nada mais natural que também as Turmas, que só recentemente passaram a tratar de casos penais, os admitissem, para dar aos condenados uma possibilidade de usar os embargos infringentes da mesma maneira que os julgados no plenário.

O que demonstra certa manobra jurídica por parte do ministro Dias Toffoli é que ele considerou que Paulo Maluf tinha direito aos embargos infringentes quando o ministro Fachin havia decretado o trânsito em julgado, encerrando o processo. Alegando motivos humanitários, ele conseguiu levar o assunto ao plenário, e conseguiu a maioria para sua aplicação. O que ele queria, na verdade, era reabrir o processo de Maluf. Sua proposta de que apenas um voto divergente bastasse para dar direito aos embargos infringentes, seguida por outros quatro ministros, faria com que grande parte dos casos julgados nas Turmas acabasse no plenário, postergando uma decisão final e talvez mesmo possibilitando a revisão de penas.

Bruno Boghossian; Em busca do tucano perdido

- Folha de S. Paulo

Paulista aplica vacina, mas enfrentará outras dificuldades para recuperar votos

Vinte minutos depois do voto que selou a decisão de tornar Aécio Neves réu no STF (Supremo Tribunal Federal), Geraldo Alckmin fincou no chão a pá com a qual tentará cavar um fosso para separá-lo do senador mineiro. “Decisão judicial se cumpre. A lei é para todos, sem distinção”, afirmou.

Passadas 12 horas, o ex-governador paulista acionou uma escavadeira para acelerar a obra. Declarou ser “evidente” que Aécio não deveria ser candidato a nenhum cargo pelo PSDB este ano. Acrescentou que o mineiro precisa “se dedicar à questão processual e à sua defesa”.

O gesto pode parecer sutil, mas representa um sinal intenso porque foi emitido por alguém que ostenta o apelido de picolé de chuchu, devido a seu estilo “insosso”. Na prática, Alckmin rifou Aécio de maneira contundente, provocando incômodo entre aliados do mineiro.

O tucano paulista se apressou para demarcar um distanciamento porque sabe que não conseguirá carregar em sua cambaleante campanha presidencial o peso do colega, gravado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista.

Reinaldo Azevedo: O Licurgo de Ipanema

- Folha de S. Paulo

Barroso tentou reescrever a história para atender à demanda dos desmemoriados

O mundo conheceu até agora dois grandes legisladores, cada um deles “primus inter pares” desde que não postos em confronto. Houve o Licurgo de Esparta. E há o Licurgo de Ipanema, que também atende por Roberto Barroso, que, li numa entrevista, admira Beethoven e Taiguara. “Gente amarga mergulhada no passado/procurando repartir seu mundo errado”... Numa palestra proferida na segunda passada (16) nas dependências de Harvard, mas não em Harvard, o valente afirmou não ver a necessidade de uma nova Constituinte.

Que coisa! Concordamos nisso e no Beethoven. Mas... Tan, tan, tan, tan! Nos dois casos, deve ser por motivos distintos. Eu quero que a Constituição que temos permaneça. E que seja profundamente reformada por quem tem o poder para fazê-lo: o Congresso. Já o admirador de Taiguara defende a permanência da Carta para continuar a esculhambá-la à vontade. “Só feche o seu livro quem já aprendeu/Só peça outro amor quem já deu o seu”.

Se o Altíssimo cochilar, Barroso ataca. Anda de olho nos Dez Mandamentos. No papel de Moisés, teria dado um truque nas Tábuas da Lei antes de terminar de descer o Sinai.

Do Êxodo, ele gosta daquela parte em que Deus manda o povo ficar longe... “Alteraste, Barrosão, o que cravei a fogo na pedra? Como ousas?” Agastado, responderia: “Vós sois uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia!” E, depois de ensaiar, sem gaguejar! Emendaria outro belo pensamento, adaptando o que dissera sobre a Constituição ao negar o habeas corpus a Lula: “Essas Tábuas da Lei são apenas princípios; não são normas”. Se Barroso fosse Moisés, ele próprio esculpiria um Bezerro de Ouro por dia.

Rogério Furquim Werneck: A fantástica metamorfose de Jair Bolsonaro

- O Globo

Ele sempre pautou atuação na Câmara pelo esforço de extrair benesses governamentais para a clientela que o elegeu

Não é de hoje que, na esteira de uma longa história de deturpações e abusos retóricos, a palavra progressista deixou de ser levada a sério, esvaziada que foi de qualquer conotação mais consensual que já possa ter tido no debate político brasileiro. Sem ir mais longe, basta ter em conta a profusão de bandeiras “progressistas” distintas que, da esquerda à direita do espectro político, vêm sendo agora desfraldadas para a disputa das eleições de outubro. Ao eleitor bem informado, não faltam boas razões para manter distância de cada uma delas.

Próceres petistas vêm agora conclamando o partido a adiar a discussão de possíveis substitutos de Lula na eleição presidencial, até que se consiga definir uma plataforma eleitoral que possa atrair o apoio dos demais partidos de esquerda e unificar o “campo progressista”.

No Congresso, fechada a janela de infidelidade que, por um mês, permitiu que políticos trocassem à vontade de filiação, verificou-se que, de todos os partidos, o que mais se fortaleceu foi — pasme — o PP. Tendo eleito 36 deputados em 2014, passou a deter agora a segunda maior bancada da Câmara, junto com o MDB e logo abaixo do PT, com nada menos que 51 cadeiras. Com mais de 40% dos seus deputados às voltas com a Lava Jato e operações similares, o PP parece agora preocupado com sua imagem. Seguindo o que já fizeram outras agremiações, quer mudar de nome e passar a ser conhecido por uma única palavra: Progressistas.

Mais à direita do espectro político, até mesmo Jair Bolsonaro quer passar a ter uma bandeira progressista que possa chamar de sua. Já há muito tempo, o deputado vinha promovendo sua candidatura à Presidência com base na plataforma estreita e monocórdica da segurança pública e do conservadorismo de costumes. Há poucos meses, contudo, o candidato vem sendo submetido a intenso adestramento, para que possa passar a ter um discurso minimamente articulado e crível que lhe permita, afinal, ostentar seu recém-estreado compromisso inabalável com a adoção de um programa econômico de cunho liberal.

Ricardo Noblat: Cadeia não é comitê de campanha

- Blog do Noblat | Veja 

Quem mais desafiou a Justiça espera dela privilégios

O PT está no seu papel quando tenta transformar em comitê de campanha a carceragem da Polícia Federal em Curitiba onde Lula está preso desde o último dia 7.

Por sua vez, a Justiça de Curitiba está no papel dela quando oferece a Lula o mesmo tratamento reservado aos demais presos comuns – e a esses não é dado o direito de usar cela para fazer campanha.

O argentino Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, tentou visitar Lula ontem e não conseguiu. Não era dia de visita. E nem todo visitante tem acesso aos presos.

O prêmio que um dia ganhou não garante a Perez Esquivel livre trânsito. É possível que se o Papa Francisco pedisse para visitar Lula, pudesse fazê-lo. Mas não há notícia de que pedirá.

Além de preso como outro qualquer, ninguém mais do que Lula ousou desafiar a Justiça, debochar dos seus ritos e tentar desqualificá-la. E, em troca, reclama privilégios? Menos! Menos!

Dora Kramer: Todo mundo e ninguém

- Revista Veja

No barco à deriva das eleições não há vaga no bote salva-vidas

Com Luiz Inácio da Silva fora do elenco, a esquerda tem um problema. Sem dúvida alguma ele seria muito maior se o restante da representação partidária também não estivesse em enrascada semelhante. Nesse barco à deriva no cenário eleitoral não há lugar garantido no bote salva-vidas para nenhum dos navegantes ora embarcados.

O horizonte é névoa pura, e as pesquisas tomadas como bússola não apontam indicadores confiáveis. Em boa medida porque pesquisadores comprometidos com hipóteses e analistas compelidos pela necessidade de dar significado aos números por vezes não levam em conta variantes indispensáveis à consistência das análises e/ou deixam de lado os fatos.

A mais eloquente dessas evidências é aquela que considera isso ou aquilo “se” Lula for candidato. Trata-se de uma condicionante inexistente, o que faz do nome dele nas pesquisas uma distorção fática. Desde já inelegível, o ex-presidente só faz parte do rol de concorrentes no faz de conta petista cujo roteiro aceita desde o registro da candidatura até a cantilena do “candidato, mesmo preso”. Isso ocorre não por algum dos vários distúrbios graves de percepção que acometem a turma, mas por falta de opção eleitoral competitiva e de história melhor para contar no acampamento.

Hélio Schwartsman: Revolução ou reformismo?

- Folha de S. Paulo

Resposta para a intricada questão depende do lugar geográfico e histórico que você ocupa

Raúl Castro cedeu a Presidência de Cuba a Míguel Díaz-Canel. Mas o irmão de Fidel deverá continuar no comando do Politburo até 2021, de onde ainda exercerá forte influência sobre tudo. O cenário mais provável, portanto, é o de aceleração de reformas —a economia da ilha está em pandarecos—, mas sem sobressaltos. Se houver também alguma abertura política, será em doses ainda mais homeopáticas.

É preferível que regimes fracassados mudem através de revoluções ou de reformas graduais? A resposta para essa intricada questão depende do lugar geográfico e histórico que você ocupa. Quase todos amamos a Revolução Francesa, mas só porque não a vivemos.

Quando estamos suficientemente afastados do turbilhão revolucionário, é fácil apreciar o heroísmo daqueles que enfrentaram a tirania e louvar os nobres ideais que inspiraram o movimento. Mas, para quem estava lá, o retrato é mais dramático. Para começar, 1789 degenerou num banho de sangue. Mesmo para a maioria dos cidadãos que não perderam a vida na guilhotina ou em batalhas, foram tempos difíceis, de caos político e econômico.

Aloysio Nunes Ferreira*: O Itamaraty do século 21

- O Estado de S.Paulo

Sistema de planejamento estratégico propiciará mais transparência e eficiência à diplomacia

No final do ano passado determinei a criação de um grupo no Itamaraty para propor um sistema de planejamento estratégico do Ministério das Relações Exteriores, inspirando-se em outras chancelarias, em exemplos de sucesso de órgãos públicos e do setor privado e na melhor literatura de administração e pensamento estratégico. Essa decisão se baseou em duas constatações principais.

A primeira é que o Itamaraty tem capacidade de planejamento e análise invejável, mas a máquina cresceu muito e os temas são cada vez mais específicos e fragmentados, tornando mais complexa a tarefa de manter uma visão de conjunto e monitorar as atividades. Era necessário, portanto, que o planejamento refletisse essa realidade, garantindo unidade de propósitos, antecipação de tendências e riscos, além de preocupação constante com o resultado, isso tudo num ambiente internacional sempre incerto.

A segunda constatação diz respeito à tendência dos órgãos de controle e da moderna prestação de contas, que exigem não apenas a definição de objetivos e metas, mas também a capacidade de demonstrar resultados concretos com eficiência, de modo a assegurar o melhor uso possível dos recursos aplicados. Os órgãos de controle do próprio governo e os externos e independentes não se contentam mais com a conformidade e legalidade da execução orçamentária e financeira. Exigem também a demonstração do retorno do investimento público. Essa é uma tendência global, e não apenas no Brasil.

Vinicius Torres Freire: Há quem aposte no Brasil desanimado

- Folha de S. Paulo

Gente graúda da finança global sugere investir aqui; confiança empresarial cai

Os empresários industriais brasileiros ficaram menos otimistas em abril, indicam pesquisas da FGV e da CNI, a Confederação Nacional da Indústria. Há gente grande da finança mundial animada com o Brasil, como um pessoal do Goldman Sachs, que acaba de recomendar a compra de ativos brasileiros, ações em particular.

Não há relação necessária entre o ânimo nas fábricas daqui e os ânimos inconstantes dos mercadores de dinheiro do mundo, claro. Mas a discrepância chama um pouco a atenção neste momento.

Especula-se que um dos motivos da lerdeza persistente da economia seja a eleição. Ainda mais que em 1989 o resultado parece incerto. Colocar dinheiro nesse ambiente parece temerário.

A Bolsa ainda está perto do pico recente, “cara”. O real pode tropeçar nas pesquisas eleitorais. Mesmo a atividade econômica real pode fraquejar ainda mais, a depender da política. A vitória de um candidato palatável tampouco é um seguro, pois o Congresso tende a ser mais fragmentado do que na eleição de 2014 e tão ruim quanto.

Míriam Leitão: O freio dos juros

- O Globo

O Banco Central reduziu a Selic e liberou o depósito compulsório, o que em mercados dinâmicos ajudaria a aumentar o acesso ao crédito, baratear os financiamentos e impulsionar a atividade. Os dados do sistema financeiro, no entanto, mostram uma realidade distinta. A concessão de crédito às empresas ficou quase estável nos últimos 12 meses, com alta de 0,4%. Até rolar dívidas está difícil.

Para a pessoa física tem havido mais flexibilidade. As concessões saltaram 10,3% em 12 meses. Nesse mesmo período, o estoque de créditos corporativos caiu 6,7%. O BC se esforça para esquentar a economia, mas os bancos não têm cumprido o papel que lhes cabe nessa retomada.

O descolamento entre os juros cobrados pelos bancos e a Selic é evidente. Na contramão do BC, os bancos vêm aumentando desde dezembro a taxa cobrada no crédito livre, que chegou a 42,2% ao ano em fevereiro. Esse padrão é visto há muito tempo. De outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25%, até aqui o BC cortou a taxa a menos da metade, para os atuais 6,5%. Ou seja, o recuo foi de 54%. A queda da taxa do crédito livre, no entanto, foi, na média, de 21%.

Em modalidades com risco mais baixo, a taxa praticada não faz sentido. No crédito consignado, por exemplo, cujo pagamento é o desconto automático na folha de pagamentos ou no benefício previdenciário, os juros médios ao ano chegaram a 26,3% em fevereiro, o terceiro mês seguido de alta. Em 12 meses, mesmo com a forte queda da Selic, a taxa média do consignado recuou apenas 3,2 pontos.

Ex-presidente lança 'manifesto do partido efeagacista' em novo livro

Para FHC, adversários da modernização são ultramercadismo, esquerda estatista e corporativismo

Vinicius Mota | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A globalização, ao enfraquecer organizações como o Estado e os partidos e ampliar a autonomia do indivíduo, produziu um hiato entre um sistema representativo fossilizado, de um lado, e as aspirações de uma sociedade dinamizada, do outro.

É preciso reformar o ambiente partidário para reconectá-lo à vida dos cidadãos e reforçar o alicerce da democracia. Assim caminha o argumento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu novo livro, "Crise e Reinvenção da Política no Brasil".

Aos 86, em plena forma, o sociólogo forjado na efervescente Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP dos anos 1950 vai além e delineia a sua plataforma para a reabilitação da política partidária.

Trata-se de ser libertário nos costumes, em temas como a liberalização das drogas e a descriminalização do aborto, radical no combate à desigualdade de oportunidades e compromissado com a eficiência, na economia e no governo, e com a integridade no trato da coisa pública.

A reportagem da Folha brinca com o político tucano, em entrevista na sede da Fundação FHC, no centro de São Paulo: "170 anos depois de Engels e Marx, o sr. lança o manifesto do partido efeagacista?".

Eles queriam transformar o sistema produtivo, retruca. "Eu quero uma coisa mais modesta, melhorar as condições de decisão política no Brasil."

Para completar o quadro propício ao surgimento do novo partido —ou bloco de poder, como prefere FHC, num fraseado emprestado do ideólogo marxista Antonio Gramsci (1891-1937)—, há também os adversários a combater.

Três deles são identificados ao longo dos oito pequenos artigos, todos inéditos, que compõem o livro.

Em primeiro lugar, FHC rejeita a ideologia do ultramercadismo e do individualismo possessivo. Identifica a emergência de pessoas participantes, preocupadas com seu bem-estar, mas também com temas da coletividade, como as várias desigualdades e as questões ambientais.

Esses cidadãos contemporâneos aderem a valores como decência e mérito e os exigem de seus representantes.

O segundo oponente a enfrentar, segundo FHC, é a "velha esquerda burocrática e estatista". A ideia de que o Estado, conduzido por um partido iluminado, pode ser o agente transformador do ser humano e da sociedade deveria ser enterrada, segundo se depreende da leitura dos artigos e da crítica dura ao período petista no governo federal.

Entre a direita e a esquerda ultrapassadas, "incorporando elementos de ambos os lados", atua o corporativismo, o terceiro e mais frequente adversário da plataforma de mudanças esboçada ao longo do livro.

Em encontro com PSB, Barbosa diz que não sabe se quer ser presidente

Por Vandson Lima e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Na primeira reunião partidária da qual participou, com parlamentares e a cúpula do PSB, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, cotado para concorrer à Presidência, disse que ainda está bastante resistente à ideia de ser candidato. "Ainda não consegui convencer a mim mesmo de que devo ser candidato". Perguntado se não desejava ser presidente do país, respondeu direto: "Não sei se quero."

Ao chegar à sede do partido, Barbosa deparou-se com um grupo ligado ao movimento negro da legenda, que o aguardava com bandeiras e pétalas de rosas amarelas e vermelhas, cores do partido, espalhadas pelo caminho. Pegou a entrada oposta do prédio. "Estou atrasado", justificou.

Ele disse que o caminho para se lançar à Presidência pelo PSB não está construído. "Há dificuldades dos dois lados: o PSB tem suas dificuldades de ordem regional e eu tenho minhas dificuldades de ordem pessoal". A família, admitiu, é contra a candidatura. "Digamos, não é a favor".

O resultado na pesquisa Datafolha - terceiro lugar e até 10% de intenções de voto, conforme a simulação - deixou Barbosa satisfeito. "Para quem não frequenta a cena política, foi bom." Perguntado, contudo, da sua posição em um tema espinhoso como a reforma da Previdência, voltou a recuar. "Não sou candidato ainda." Sobre o possível prejuízo à sua viabilidade eleitoral, caso demore demais a se colocar candidato, Barbosa apenas respondeu: "Who cares [quem se importa, em inglês]?"

Governadores filiados à sigla que falaram à imprensa na saída do encontro, como Márcio França (São Paulo) e Ricardo Coutinho (Paraíba) também não mostraram ânimo com a candidatura.

França disse que ainda vê a pré-candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), a quem substituiu no governo paulista, como a mais madura para o momento vivido pelo país. "No meu ponto de vista, a opção do Alckmin é a mais madura que existe para o Brasil. Barbosa ainda não falou que quer ser candidato. Nunca falou isso. Eu não senti nele nenhuma pressa em tomar essa decisão", disse.

Já Coutinho, da ala do PSB mais próxima do ex-presidente Lula, ressaltou que, mais importante que lançar um candidato, é a sigla participar da formação de uma frente democrática que garanta a realização das eleições e a pacificação do ambiente político. "Eu penso que, para essa situação do país, de aumento da intolerância, deveríamos construir um programa mínimo para juntar forças e ganhar as eleições", apontou.

Barbosa: ‘Ainda falta muito para candidatura’

Na primeira reunião com o PSB como possível candidato a presidente, Joaquim Barbosa disse que ainda não convenceu a si mesmo e admitiu que há dificuldades com o partido.

O ser ou não ser de Joaquim

Em encontro na sede do PSB, ex-ministro diz ter ‘dúvida muito grande’ sobre candidatura

Bruno Góes, Catarina Alencastro e Carolina Brígido | O Globo

-BRASÍLIA- Terceiro colocado na última pesquisa Datafolha — com até 10% das intenções de voto —, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa fez ontem, em Brasília, sua primeira aparição no papel de possível presidenciável pelo PSB. Ao assumir o centro das atenções na arena política montada pelo seu partido, Barbosa mostrou que ainda cultiva o temperamento forte e o estilo enigmático. Em meio a pressões para apresentar-se como pré-candidato, ele flertou com a possibilidade, falou sobre seu bom desempenho nas pesquisas, mas, no final, acabou deixando a sede do PSB com mais perguntas do que respostas.

A jornalistas, Barbosa revelou ter dúvidas pessoais sobre a candidatura, citou a contrariedade da família, destacou que “ainda falta muita coisa” para tomar sua decisão e citou dificuldades na construção do projeto no PSB.

— Estou conhecendo o partido. O PSB tem a sua história, tem as suas dificuldades regionais, as dificuldades de alianças regionais. E eu, do meu lado, tenho as minhas dificuldades de ordem pessoal. Eu ainda não consegui convencer a mim mesmo de ser candidato. Então, persiste essa dúvida muito grande da minha parte. Isso afeta a minha família e várias pessoas do meu entorno — declarou o ex-presidente do STF.

PSB vê Barbosa alinhado à sua diretriz econômica

Ex-ministro, que se define como social-democrata, recebe documento com propostas da sigla; em reunião com cúpula partidária diz que ‘ainda não é candidato’

Eduardo Kattah, Pedro Venceslau, Julia Lindner, Isadora Peron e Irany Tereza | O Estado de S. Paulo

O PSB considera que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa está alinhado às diretrizes do partido para a economia. Barbosa, que poderá disputar a Presidência pela legenda, costuma se definir como um social-democrata, adepto da responsabilidade fiscal, mas defensor de um Estado indutor do desenvolvimento social. A um interlocutor, o ex-ministro do STF afirmou que sua história de vida, marcada pela superação da pobreza, não lhe permite abraçar um projeto ultraliberal ou defender o “capitalismo selvagem”.

No encontro com a cúpula e os principais líderes do partido, nesta quinta-feira, em Brasília, Barbosa recebeu a cópia de um documento da Fundação João Mangabeira – braço teórico do PSB – com os princípios que devem nortear o eventual futuro programa de governo da legenda.

O nome de Barbosa ganhou força como candidato à Presidência após a mais recente pesquisa Datafolha, na qual alcança entre 8 e 10 pontos porcentuais de intenção de voto.

Na reunião do PSB, o ex-ministro do STF frustrou correligionários mais animados ao não assumir a pré-candidatura. “Há dificuldades dos dois lados. O partido tem sua história e eu tenho minhas dificuldades do lado pessoal. Não convenci a mim mesmo que devo ser candidato.”

Ele, porém, não escondeu a satisfação com o desempenho na pesquisa. “Olha, para quem não frequenta ambientes públicos, órgãos públicos, não dá entrevista, leva uma vida pacata, está muito bom, né?”

Para Maia, é cedo para discutir aliança

Por Ricardo Mendonça | Valor Econômico

SÃO PAULO - Pré-candidato a presidente da República pelo DEM, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), disse ontem em São Paulo que atualmente nenhum dos concorrentes classificados como "de centro" tem condição de reivindicar apoio de rivais.

No conjunto de partidos que apoiam o governo Michel Temer, que também aventa a possibilidade de disputar, cresce a ideia de reunir as siglas em torno de um único postulante. Nesse universo, o mais bem posicionado nas pesquisas é o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que beira 10%.

Dono de 1% das intenções de voto na pesquisa Datafolha divulgada no último fim de semana, Rodrigo Maia afirmou que está satisfeito com sua candidatura. Informou que o DEM já organizou estruturas de campanha para redes sociais e pesquisas próprias e resumiu seu desempenho da seguinte forma: "Minha situação é igual a de todo mundo: todo mundo tem chance e ninguém tem chance no Brasil".

Na opinião do parlamentar, as chances reais de cada postulante à Presidência só serão conhecidas a partir do dia 10 de setembro. Segundo ele, o eleitorado ainda não está "antenado" com a política e tende a tomar decisões mais adiante. Dessa forma, argumentou, as alianças para a disputa presidencial não podem ser feitas com base nas pesquisas atuais.

Antes de falar sobre a impossibilidade de reivindicação de alianças na atual fase, Maia afirmou que discorda dos critérios que têm sido usados na imprensa para classificar quem é de centro.

"Não acredito que o centro é o ambiente onde só está a centro-direita", afirmou. Para ele, alguns nomes de esquerda também deveriam ser enquadrados nessa categoria. Na sua concepção, são "de centro" os políticos que aceitam negociar questões importantes para o país com representantes de outros partidos. Como exemplo, citou o ex-ministro Aldo Rebelo, que saiu do PSB e lançou candidatura à Presidência pelo Solidariedade.

As declarações do deputado foram dadas em entrevista coletiva após um encontro com investidores, fechado para a imprensa, organizado pelo banco Santander.

Na conversa com os repórteres, Maia foi provocado a falar sobre a recém-anunciada desistência de ACM Neto de disputar o governo da Bahia. Neto exerce segundo mandato na Prefeitura de Salvador e sua candidatura era tida como principal palanque estadual de Maia no país. Segundo o presidente da Câmara, porém, o recuo de seu colega de partido gera impacto positivo sobre sua candidatura.

Temer dirá na TV que é hora de conciliação nacional

Por Andrea Jubé e Cristiane Bonfanti | Valor Econômico

BRASÍLIA - No pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, que vai ao ar hoje à noite, o presidente Michel Temer dirá à população que é chegada a hora de promover a conciliação nacional. Em tom otimista, Temer voltará a citar os resultados positivos de sua gestão, como a recuperação da economia e a retomada dos empregos, num esforço para promover a reunificação do país, em tempos de radicalização da política a poucos meses das eleições presidenciais.

Um auxiliar nega que a manifestação presidencial venha a propósito do fantasma de uma possível terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Temer. "Não tem isso, será uma fala positiva, para levantar o astral". A avaliação no entorno de Temer é de que essa ameaça não prospera, porque o alvo principal do inquérito, a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos, não teria sido favorecida pelo decreto assinado por Temer.

Temer reforçará o discurso que tem feito nas últimas semanas, em declarações que saem de forma fragmentada entre os vários eventos de que participa. Em linhas gerais, ele defende o respeito ao estado democrático de direito e à Constituição Nacional, sobretudo no tocante à harmonia e à independência entre os três Poderes.

CNBB pede voto a candidatos ficha limpa

Por Cristiane Agostine | Valor Econômico

SÃO PAULO - A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou ontem dois documentos com orientações aos católicos para as eleições, como o voto em candidatos ficha-limpa e a rejeição a postulantes que tentam se eleger para obter foro privilegiado. A entidade defende também que os fiéis católicos não votem em candidatos que adotem planos econômicos que privilegiem o lucro em detrimento ao combate à desigualdade social, mas destaca que não se identifica com nenhuma ideologia ou partido político.

As duas mensagens foram apresentadas pelos bispos em Aparecida (SP), durante a 56ª Assembleia Geral da CNBB, que começou dia 11 e terminará hoje.

No texto intitulado "Eleições 2018: Compromisso e Esperança", a entidade diz que são "reprováveis" as candidaturas motivadas pela busca do foro privilegiado e outras vantagens. A CNBB afirma também que "não merecem ser eleitos ou reeleitos candidatos que se rendem a uma economia que coloca o lucro acima de tudo" e "nem os que propõem e defendem reformas que atentam contra a vida dos pobres e sua dignidade".

A entidade católica afirma que não se deve "abrir mão de princípios éticos" e diz que é preciso fazer valer as regras de lisura do processo eleitoral, votando em candidatos que não tenham a ficha-suja.

Em defesa do princípio da Ficha Limpa: Editorial O Globo

A permissão do Supremo para que Demóstenes Torres — cassado pelo Senado pelas ligações com o bicheiro Cachoeira — concorra contraria espírito da lei moralizadora

Quando investigações e a Justiça chegam, no Brasil, a desbaratar esquemas de corrupção em altos escalões, é natural que venham reações de todos os lados. O país, enfim, tem longa história de práticas não republicanas em que ricos e poderosos costumam, ou costumavam, ser tratados com benevolência na aplicação da lei.

Felizmente, esta cultura deletéria vem sendo combatida com razoável êxito por meio de instituições do Estado revigoradas, inclusive do ponto de vista geracional. Mas não é um processo simples, e nele a chamada sociedade civil tem papelchave, na vigilância — também função da imprensa profissional — e na denúncia de riscos de retrocessos nesta experiência civilizatória. Sempre, evidente, dentro dos limites institucionais.

Neste sentido, o fato de um ex-presidente da República com trajetória de popularidade estar preso por corrupção e lavagem de dinheiro — demonstração do vigor que o surto de republicanismo atingiu — justifica preocupações com a possibilidade de recuos em marcos legais estratégicos que ajudam a balizar o atual enfrentamento da corrupção nos escalões elevados, para que ele se torne prática no cotidiano da nação. Como acontece em países desenvolvidos.

Em lugar nenhum: Editorial | Folha de S. Paulo

Candidatura de Marina tem o mérito de escapar da polarização, mas insiste em respostas vagas

Mantendo-se competitiva nas pesquisas eleitorais, apesar de sua relativa ausência do debate público, a ex-senadora Marina Silva (Rede) se mostra, como nunca, uma figura paradoxal entre os candidatos à Presidência da República.

Como pouquíssimos líderes partidários, pode ostentar um currículo sem suspeitas do ponto de vista ético; afastada do PT desde 2009, realocou-se rapidamente em algum lugar ao centro do espectro ideológico, beneficiando-se com isso de uma confortável distância das polarizações que hoje dilaceram a disputa pelo poder no país.

Seria, portanto, uma candidata capaz de encarnar as aspirações em favor da renovação dos costumes eleitorais e administrativos.

Ao mesmo tempo, contudo, ela parece mais e mais representar uma das mais exasperantes características do político tradicional em vésperas de pleito.

Sua entrevista à Folha, cuja íntegra pode ser consultada na internet, ilustra à perfeição aquele velho hábito de não se comprometer com nada de palpável, repetindo rigidamente fórmulas vazias, como que memorizadas a custo, a despeito do que lhe perguntem os jornalistas.

Declara, por exemplo, não estar à esquerda nem à direita, mas “à frente”. Sim, pode-se aceitar a caracterização, desde que acompanhada de alguma especificidade. À frente do quê? O que pretende deixar para trás, e para onde caminha?

Sem dúvida, Marina representa expectativas de superar uma política fisiológica, fundada no aparelhamento da máquina estatal e na corrupção. Mas como irá governar, pergunta-se, sem forte base partidária no Legislativo?

Sua resposta é pouco mais do que uma fórmula verbal. Ao famigerado “presidencialismo de coalizão”, a candidata apresenta a alternativa de um “presidencialismo de proposição” —pelo qual a sustentação parlamentar se faria em torno de iniciativas programáticas.

‘Vale-tudo’ eleitoral: Editorial | O Estado de S. Paulo

De acordo com a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que estabelece o calendário das eleições gerais deste ano, o período de propaganda eleitoral nas ruas e na internet vai de 16 de agosto a 5 de outubro. Já no rádio e na TV, serão 35 dias de propaganda, de 31 de agosto a 4 de outubro. No País das leis que “pegam” ou “não pegam”, esses prazos não “pegaram” para a maioria dos pré-candidatos ao Palácio do Planalto.

Até ser preso, Lula da Silva percorreu o Brasil como o pré-candidato do PT à Presidência da República. Em momento algum foi admoestado com mais rigor pela Justiça Eleitoral por colocar na estrada uma campanha fora do prazo legal. Para escamotear suas reais intenções eleitoreiras, chamou os atos de “Caravana Lula pelo Brasil” para denunciar supostas perseguições que estaria sofrendo do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal.

O ex-presidente não está sozinho no desrespeito à lei. Segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro, do nanico PSL, também tem abusado do contato com eleitores em eventos públicos que nada diferem de atos típicos de uma campanha eleitoral. Atuante na internet, Bolsonaro usa as redes sociais para avisar seus apoiadores sobre horários de desembarque em aeroportos das cidades que visita, os compromissos agendados nestas localidades, entre outras informações de caráter eminentemente eleitoral.

A artimanha faz com que Bolsonaro seja recebido com atos políticos nos aeroportos, fogos de artifício, carreatas e outdoors, o que é vedado pela lei eleitoral. A desfaçatez é tão grande que o candidato do PSL chega a tripudiar da proibição de campanha fora do prazo. Pelas redes sociais, Bolsonaro costuma agradecer aos que mandam instalar outdoors com seu rosto e mensagens de apoio à sua candidatura.

Brasil fecha brechas legais e avança no combate à corrupção: Editorial | Valor Econômico

O Brasil apertou os controles sobre as informações a respeito de beneficiários finais de empresas e investidores que realizam transações no país e em grande parte por isso deu vários saltos na classificação dentre os países do G-20, segundo avaliação bianual feita pela Transparência Internacional com base nos princípios definidos pelo grupo em 2014. De um arcabouço legal fraco, o Brasil passou a ter um forte, em grande parte graças à instrução da Receita Federal (1634, de maio de 2016) que começou a fechar as enormes brechas existentes sobre o assunto.

A ferramenta é valiosa para fechar o cerco, hoje internacional, à corrupção e outros crimes. A ONU aponta que tem crescido o número de companhias anônimas que escondem seus verdadeiros proprietários ou acionistas para movimentar dinheiro ilegal e estima que a lavagem de dinheiro consuma 5% do PIB mundial, algo como US$ 2 trilhões por ano. Para o Banco Mundial, 70% dos grandes casos de corrupção ao redor do mundo foram praticados por empresas cuja identificação é pouco ou nada transparente.

"O Brasil teve o maior avanço entre os países do G-20, fechando brechas desde 2015", registra o relatório. "É o único país fora da União Europeia a estabelecer um registro central sobre beneficiários finais mantido pela autoridade fiscal, que será integralmente implementada no fim do ano".

Esse tipo de controle tem várias utilidades, não apenas a corrupção. A Receita, por exemplo, passou a autuar fundos de participação estrangeiros que estariam "escondendo" a identidade de investidores que seriam brasileiros - que não têm isenção do imposto de renda de 15% sobre os rendimentos concedidos aos não nacionais (Valor, 13 de abril). O episódio mostra o raio potencial de aplicação das normas em gestação assim como suas falhas, algumas delas apontadas pela Transparência.

Clara Nunes - Sagarana

Carlos Drummond de Andrade: Entre o ser e as coisas

Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.