quinta-feira, 29 de março de 2018

Roberto Freire: Faces do obscurantismo

- Diário do Poder

Cada vez mais isolado, sem apoio da sociedade, sem ideias para o Brasil e sem uma alternativa clara para oferecer à população nas próximas eleições, o lulopetismo não se constrange ao manifestar sua falta de apreço pela democracia e pela liberdade. A lamentável campanha levada a cabo por simpatizantes e mesmo alguns próceres do partido, que vieram a público para defender um boicote à série “O Mecanismo”, produzida e exibida pela Netflix no país, é um retrato perfeito da falência política e moral e do completo descompasso entre certos setores da esquerda e o mundo real.

Para quem ainda não teve a oportunidade de ver, trata-se de “uma obra de ficção inspirada livremente em eventos reais” – esclarecimento feito a todos os telespectadores antes mesmo do início do primeiro episódio. O diretor José Padilha, um dos mais consagrados profissionais do cinema brasileiro, deixa claro que “personagens, situações e outros elementos foram adaptados para efeito dramático”. A história gira em torno dos bastidores de uma investigação claramente inspirada na Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção da história do país e que simbolizou o desmantelo ético e moral dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff.

Se, por um lado, já tivemos bolsonaristas e entusiastas da extrema-direita pregando o fechamento de exposições de arte em museus, agora é a vez de a extrema-esquerda defender a censura de séries e filmes que não são do seu agrado. O que fazem tais lulopetistas exacerbados, que mais se assemelham a fundamentalistas religiosos, é tornar “O Mecanismo” um sucesso absoluto de audiência, talvez maior do que todos os filmes e séries já produzidos no Brasil.

Violência inadmissível: Editorial | O Estado de S. Paulo

Os tiros disparados contra dois ônibus da comitiva do ex-presidente Lula da Silva, durante passagem pelo Paraná na terça-feira passada, constituem intolerável incidente. É preciso que as autoridades estaduais responsáveis pela segurança pública investiguem de maneira célere o caso, para que logo se conheça a autoria desse ato violento. Foram colocadas em risco as vidas de muitas pessoas e isso não pode passar em brancas nuvens.

A “caravana” de Lula da Silva por cidades do Sul do País tem sido alvo de manifestações, muitas delas violentas. O número de manifestantes não é expressivo, mas a disposição deles de causar embaraços ao ex-presidente resulta em tensão crescente – convenientemente explorada pelo PT.

É bom que se frise que, apesar das ameaças de tumulto, a comitiva petista não fez à Secretaria da Segurança Pública do Paraná nenhum pedido formal de escolta, nem para a “caravana” nem para Lula. A Secretaria informou ainda que não tinha como garantir o policiamento, uma vez que o itinerário da “caravana” foi mudado sem aviso. Ou seja, os petistas preferiram correr o risco do confronto, pondo em perigo a integridade física do ex-presidente, a ter a proteção da Polícia Militar paranaense.

Isso não significa, é claro, que a comitiva de Lula seja responsável pela violência que vem sofrendo. Nada justifica o ataque com paus, pedras, chicotes e tiros contra um grupo político antagonista, por mais danoso que esse grupo seja para o País. Considerar que a violência contra Lula da Silva e seus sequazes seja uma consequência natural – e, portanto, aceitável – do discurso belicoso do chefão petista, como se este fizesse por merecer as agressões por ter dividido o País entre “nós” e “eles”, é dar um passo decisivo para o bem conhecido terreno do vale-tudo, que nada tem a ver com democracia.

Tiros em caravana e ameaça no STF atingem a democracia: Editorial | O Globo

Não cabem no ciclo mais extenso de estabilidade democrática da história do país atos como os contra o ex-presidente Lula e o ministro do Supremo Edson Fachin

Se a violência no Rio chega a requerer uma intervenção federal, ela avança também em outras regiões. Nada resta a não ser enfrentá-la por todos os meios legais e, tanto quanto isso, impedir que se alastre pelo tecido social.

Neste sentido, é preocupante e potencialmente muito perigosa a coincidência de ser este um momento também de paixões político-partidárias e ideológicas, quando se aproxima uma campanha eleitoral decisiva para o país e com enorme fragmentação de candidatos. Uma repetição, neste aspecto, do quadro eleitoral de 1989, quando houve a primeira eleição direta para presidente desde o fim da ditadura.

Os tiros disparados contra a caravana do expresidente Lula, no Sul, e ameaças à família do ministro do Supremo Edson Fachin, relator na Corte de processos da Lava-Jato, entre eles um em que o ex-presidente está condenado já em duas instâncias, são atos repulsivos, antidemocráticos. Protestar é parte do jogo democrático. Jogar pedras, um crime. Ameaçar, atirar, inaceitável. Precisam, por óbvio, de rápida e incisiva investigação.

As paixões políticas usuais em eleições têm sido amplificadas pela confluência da campanha com o andamento desse processo da Lava-Jato, em que o ex-presidente Lula está condenado a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. Pela jurisprudência em vigor no Supremo, a Justiça estaria emitindo mandado de prisão para Lula começar a cumprir a pena.

Na Idade da Pedra: Editorial | Folha de S. Paulo

Tiros contra a caravana de Lula exigem investigação imediata e repúdio absoluto

O ataque a tiros contra dois ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Paraná, constitui até aqui o ponto culminante —e intolerável numa sociedade democrática— de uma escalada de radicalismo e intimidação.

É certo que protestos contra candidatos de qualquer partido nada têm de ilegítimo; o PT, por seu papel central nos escândalos recentes de corrupção, não teria como escapar ileso da indignação geral.

Ainda mais porque têm sido claras as indicações de Lula no sentido de buscar o confronto e desafiar a legitimidade das sentenças da Justiça e da própria magistratura.

Há uma abissal diferença, contudo, entre expressões populares de revolta e a tentativa de inviabilizar pela violência as atividades de um partido. Substitui-se o debate pela agressão, a política pela capangagem, o Estado de Direito pelos métodos da Idade da Pedra.

Tem-se notado maior radicalização política na sociedade. O fenômeno não seria alarmante por si mesmo: é normal, em qualquer democracia, que setores residuais do eleitorado se alinhem aos polos do espectro ideológico.

É preciso blindar os cofres públicos no ano eleitoral: Editorial |Valor Econômico

Um dos efeitos de o presidente Michel Temer ter decidido concorrer à reeleição, embora tenha prometido não fazê-lo depois do impeachment de Dilma Rousseff, será a virtual paralisia do Congresso. Anos eleitorais sempre se caracterizam pela redução do ritmo dos trabalhos da Câmara e Senado, embora agora seja diferente. Temer vai à disputa também com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que vai trocar de partido e saltar no MDB. A base governista, já desconjuntada, não alinhou-se com nenhum deles, o que significa que candidaturas oponentes medirão conveniências da aprovação ou desaprovação de projetos legislativos em função da repercussão favorável ou desfavorável para seus cálculos eleitorais. É uma situação que conduz à paralisia.

O presidente Temer pretende ordenar seu apoio no Congresso fazendo uma reforma ministerial em que os cargos vagos sejam ocupados por partidos que possam ajudá-lo na travessia eleitoral - ou no trecho dela que for possível, pois as chances de levá-la até o fim, nas urnas, não são nem um pouco favoráveis. É nesse alinhamento que mora o perigo para as contas públicas, já que os gastos crescem significativamente em anos eleitorais. Há espaço orçamentário para as realizações governistas. Nos doze meses encerrados em fevereiro, o déficit público foi de R$ 110,6 bilhões, cifra que até dezembro pode, pelo orçamento, chegar a R$ 156 bilhões. Não se trata apenas de gastos previstos, porém, mas das tentativas de ir além deles para obter votos.

É o que ocorre agora com as iniciativas de Temer de conseguir liberar empréstimos de bancos federais, em especial da Caixa Econômica Federal, para Estados e municípios, tendo como garantia recursos dos fundos de participação. O Conselho de administração da CEF, presidido pela secretária do Tesouro, Ana Vescovi, apontou dúvidas sérias sobre a legalidade dos empréstimos e os vetou. Temer recorreu à Advocacia Geral da União, que elaborou um parecer considerando-os legais. O presidente da CEF é Gilberto Occhi, do PP, citado na Lava-Jato em depoimentos de Lucio Funaro.

William Waack: Morrer na praia

-O Estado de S.Paulo

O sinal que mais se levanta hoje no Brasil é o sinal de interrogação. Para onde vai?

Não tem nada mais difícil para quem está envolvido com o noticiário do dia a dia político do que entender o rumo de mudanças à medida que elas ocorrem. Já passei por isso, entre outras ocasiões, cobrindo a queda do Muro de Berlim, em 1989. Quarenta dias antes do evento eu estava lá, na Alemanha Oriental, reportando sobre as manifestações e fugas em massa do regime comunista. E não imaginava que faltava só pouco mais de um mês para aquele mundo todo acabar de vez. Foi só depois do muro derrubado que tudo aquilo que já era visível ficou tão claro, tão óbvio, como o caminho que levava a uma revolução.

Crises graves, e o Brasil vive uma, têm características em comum: a velocidade dos acontecimentos é uma delas (no nosso caso, a rapidez com que fomos de escândalo em escândalo, de delação em delação e, agora, de decepção em decepção). Outro aspecto em comum é a desorientação de elites pensantes (políticas, econômicas ou ambas) – para não falar de vastas parcelas da população – que passam a sofrer de perda de capacidade de “leitura” da realidade, ou seja, de antecipar fatos e suas consequências (bastante evidente nos dirigentes do PT antes do impeachment).

Merval Pereira: Civilização regressiva

- O Globo

Os sintomas de uma sociedade em degradação moral. São de características distintas os atentados políticos que mataram a vereadora do PSOL Marielle Franco; as ameaças ao ministro Edson Fachin e à sua família — reveladas no programa “Roberto D’Avila”, na GloboNews —; e os tiros que atingiram ônibus de uma caravana do ex-presidente Lula no Sul do país. Mas são sintomáticos de uma sociedade em degradação moral acelerada.

A vereadora carioca, ao que tudo indica, foi assassinada por grupos de bandidos incomodados com suas denúncias em favor dos habitantes da comunidade de onde veio, a Favela da Maré, contra arbitrariedades de policiais e milicianos.

As ameaças ao ministro Fachin visam, na acusação de Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a “intimidação do magistrado, em razão de estar conduzindo os processos relativos à Operação Lava-Jato na Suprema Corte brasileira”.
E os tiros contra a caravana de Lula, acusa o PT, são um atentado contra o que ele representa como liderança popular no país. Como se vê, não apenas o assassinato da vereadora Marielle tem conotações de crime organizado.

Bruno Boghossian: Atalhos perigosos

- Folha de S. Paulo

Violência, hostilidade e ameaça são atalhos perigosos nas competições políticas. Essas armas são tradicionalmente usadas em guerrilhas, golpes de Estado e ditaduras para impor vontades e mudar regras sem a necessidade de se recorrer à construção de consensos.

O desvio costuma se apresentar quando instituições estabelecidas frustram os desejos de um grupo, que opta por fazer à força as transformações de seu interesse. Tomar esse caminho, porém, é uma solução arriscada, que invariavelmente mina a estabilidade e fomenta divisões, com resultados imprevisíveis.

O acirramento dos embates políticos no Brasil atingiu um ponto dramático em 2018. Cidadãos e analistas tentam explicar as ações violentas sob a ótica da decepção dos brasileiros com partidos e instituições, que deveriam representá-los e tomar decisões de acordo com suas vontades.

O bloqueio e os ataques à caravana do ex-presidente Lula são um símbolo da reação de segmentos insatisfeitos e descrentes com o processo institucional que balizará o futuro político do petista.

Maria Cristina Fernandes: A delação do mundo que não se acaba

- Valor Econômico

Lava-Jato avança sobre bens; Temer garante foro a alvos

Ressuscitaram as negociações para a delação do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Dada por abortada há seis meses, às vésperas da saída do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, do cargo, a delação ressurge em meio às cinzas da Lava-Jato.

Sob Janot, Cunha só queria entregar o que já se sabia, especialmente depois que o doleiro Lúcio Funaro, passou à frente e decidiu colaborar. Mas a asfixia financeira do ex-deputado tem contribuído para a retomada das negociações. No início desta semana, o juiz Sergio Moro autorizou o bloqueio de US$ 5 milhões de seu patrimônio. Foram confiscados três imóveis e parte de uma propriedade no Rio. O Ministério Público também pediu que o juiz estenda o bloqueio aos bens de sua mulher, a jornalista Claudia Cruz.

É difícil asfixiar as fontes de recursos de um parlamentar que serviu a tantos interesses quanto Eduardo Cunha. Por mais que a PF e o MP fucem, sempre haverá algum potentado disposto a manter o conforto de sua família. Preso, porém, o maior patrimônio que Eduardo Cunha pode dispor é das informações que preserva sobre os personagens da República nos dois lados do balcão.

A negociação dessa delação dá-se ainda em meio às tratativas para a candidatura de sua filha, que vai se lançar à Câmara dos Deputados pelo MDB do Rio. O ex-deputado penitenciário não pretende por em risco as condições de Danielle Dytz da Cunha alcançar um mandato. Ainda não se sabe, por exemplo, quanto o PMDB vai alocar na campanha da filha de Cunha.

Bernardo Sorj: Da indignação à intoxicação coletiva

- O Globo

A estratégia é clara: em primeiro lugar caluniar, desacreditar, insultar e difamar todos os políticos, menos, obviamente, aqueles que eles apoiam

A indignação é um sentimento moral fundamental. Ela expressa nossa revolta frente a atos que ferem nossos valores e que devem ser combatidos. Em 2013, as pessoas que saíram às ruas, identificadas com as mais diversas correntes ideológicas e reivindicações, eram a expressão coletiva de um sentimento de indignação com as disfunções do poder público, em todos os níveis. Num curto período de tempo, a indignação deu lugar à intoxicação coletiva.

Esta é produto do sentimento de impotência, da frustração com a incapacidade de transformar a indignação em propostas positivas e agendas que indiquem o que deve ser feito para transformar a realidade. O intoxicado é alguém que perdeu sua autonomia, que deixou de pensar para se transformar num zumbi que se alimenta de ódio, que transformou a raiva contra o estado de coisas num fim em si mesmo, que xinga no lugar de refletir, que se satisfaz em culpar o outro sem assumir responsabilidades.

Entender como chegamos a este estado de coisas exigiria uma longa análise, mas certamente a intoxicação coletiva se acelerou após o impeachment. Os que apoiavam o governo defenestrado encontraram uma tábua de salvação nos slogans contra o “golpe” e no “Fora Temer”, eludindo assim o debate interno, que parecia incontornável, sobre os desastres do governo Dilma e os processos de corrupção. Por sua vez, a grande massa que apoiou o impeachment logo se sentiu traída pela associação do novo presidente com condutas impróprias e a uma equipe enlameada. Abriam-se as comportas para transformar os indignados em intoxicados.

Míriam Leitão: As dúvidas da Justiça

- O Globo

O ministro Gilmar Mendes disse que pedófilos e traficantes já poderiam ser presos mesmo antes da decisão, de 2016, de prisão após condenação em segunda instância, porque se admitia “a prisão provisória sempre que justificada”. Contesta o que disse o juiz Moro sobre o risco de possível mudança no STF. Sendo assim, se houver mudança no Supremo será benefício endereçado aos condenados por corrupção?

Essa é a dúvida que fica. Se os outros criminosos continuarão podendo ser presos, após a condenação em segunda instância, então por que esta discussão agora?

O ministro avisou que discorda do que o juiz Sérgio Moro disse ao Roda Viva e que reproduzi na coluna de ontem. Moro contou que em menos de dois anos a 13ª Vara Federal executou ordem de prisão de 114 condenados em segunda instância. Número bastante expressivo se for considerado que se refere apenas a uma única vara. São condenados pelos mais variados crimes: 12 são da Lava-Jato e de casos como tráfico de drogas, peculato e pedofilia. Gilmar argumenta que o entendimento do STF de 2009, que estabelecia o cumprimento da pena só após a última instância, já autorizava a prisão nesses casos.

Ricardo Noblat: “Fora da lei, nada!”

- Blog do Noblat

Recado aos incendiários

A quem interessa, a essa altura, a exacerbação dos ânimos políticos? Quem tiraria vantagens dela, ou pensa que tiraria? Ou quem menos perderia se ela avançasse? A saber, e não necessariamente nesta ordem.

Interessa ao PT xucro para trazer seus militantes de volta às ruas. Pois é cada vez mais precária a situação de Lula. Ficha suja, impedido de ser candidato, corre o risco de ser preso se o Supremo Tribunal Federal não der um jeito nisso. E, sem Lula, que jamais deixou alguém se criar à sua sombra, o partido teme colher uma baita derrota em outubro próximo

Interessa à parte da direita também xucra que apoia a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República. O clima de radicalização favorece à eleição dele. Mas Bolsonaro precisa desesperadamente que Lula seja o seu opositor. A não ser, a suspensão das eleições estaria de bom tamanho para Bolsonaro.

Interessa aos que defendem pura e simplesmente uma intervenção militar, clamam pelo golpe, jogam ovos e pedras em quem odeiam e ameaçam com tiros à esmo. Eles podem não ter grande expressão eleitoral, mas são influentes e fazem muito barulho. O golpe militar de 64, logo de início, contou com amplo apoio popular.

Bernardo Mello Franco: É hora de cobrar responsabilidade

- O Globo

Na noite em que atiraram contra a caravana do ex-presidente Lula, o governador Geraldo Alckmin foi ao cinema. Depois de assistir a um filme sobre o bispo Edir Macedo, o tucano foi instado a comentar o ataque ao adversário político. “Acho que eles estão colhendo o que plantaram”, respondeu.

Para quem busca se vender como candidato de “centro”, a declaração foi um tiro pela culatra. Diante da repercussão negativa, o marketing entrou em campo e operou uma mudança de tom. Ontem de manhã, Alckmin tuitou que “toda forma de violência tem que ser condenada” e que é “papel das autoridades apurar e punir os tiros contra a caravana do PT”.

O episódio deixa uma dúvida: o candidato a presidente usará o figurino de estadista ou voltará a ser o governador que, após uma chacina em seu estado, disse que “quem não reagiu está vivo”?

O Brasil está às vésperas de uma campanha tensa, em que a violência das ruas e a intolerância das redes ameaçam transbordar para a corrida eleitoral. É hora de cobrar responsabilidade dos políticos que dizem respeitar as regras da democracia e do convívio civilizado.

A senadora Gleisi Hoffmann, do PT, já deu sua cota à insensatez ao dizer que seria preciso “matar gente” para se cumprir uma decisão judicial contra Lula. No último sábado, a senadora Ana Amélia, do PP, exaltou os gaúchos que hostilizaram e jogaram ovos contra a caravana petista. As duas recuaram, mas o discurso incendiário já havia inflamado a militância.

Luiz Carlos Azedo: Tiros na noite

- Correio Braziliense

Depois da revelação de que a família do ministro do STF Edson Fachin,sofreu ameaças, os tiros contra o ônibus da caravana de Lula fornecem ingredientes de um thriller policial às eleições presidenciais

O escritor norte-americano Dashiell Hammett (Maryland, 27 de maio de 1894; Nova York, 10 de janeiro de 1961) abandonou a escola com 14 anos e passou a trabalhar como mensageiro, entregador de jornal, escriturário, apontador de mão de obra e estivador na Filadélfia e Baltimore, até completar 20 anos, quando foi trabalhar na Agência Pinkerton de detetives. Em 1918, alistou-se no Corpo de Ambulâncias do Exército; voltou tuberculoso da guerra, tentou retomar a antiga profissão de detetive, mas acabou escritor de histórias policiais. Entre um porre e outro, foi o criador do noir americano, o gênero literário que surgiu nas revistas e jornais populares, a partir de contos e folhetins.

Autor de Seara vermelha (1929), O falcão maltês (1930), A chave de vidro (1930), Mulher no escuro (1933) e Continental OP (1945), Hammett trabalhou para o cinema em Hollywood. Na década de 1930, conheceu Lillian Hellman, jovem escritora e líder feminista, uma paixão até a morte. Ao lado de John dos Passos, Ernest Hemingway e Arthur Miller, entre outros intelectuais norte-americanos, destacou-se na luta contra o nazismo nos EUA, que somente entrou na II Guerra Mundial em 1941, após o ataque japonês a Peal Harbor, no Havaí. Hammett se alistou novamente e serviu como sargento do exército americano.

Homem de esquerda, o escritor foi vítima da “caça às bruxas” promovida pelo senador Joseph McCarthy no início da década de 1950. Não colaborou com a comissão que investigava atividades supostamente subversivas na indústria cinematográfica, foi preso e incluído na lista que impedia os artistas de trabalharem em Hollywood. Hammett morreu doente e frustrado, mas deixou uma legião de seguidores.

*Cláudio de Oliveira: A esquerda esquecida de San Tiago Dantas

O presidente da República amplia o investimento público, expande a economia e melhora a renda da população. Desfruta então de alta popularidade. Porém, as contas públicas entram em desequilíbrio, a inflação se acelera e a atividade econômica declina. O presidente empurra os problemas para o seu sucessor, cujas medidas aumentam as dificuldades e levam o país a crises política e econômica. Sem apoio, o sucessor se vê fora do poder. O vice-presidente assume, tenta um ajuste e apresenta um programa de recuperação econômica. Procura um amplo entendimento em torno das medidas, mas elas enfrentam oposição no Congresso e na sociedade.

Essa sequência de acontecimentos nos parece familiar e as personagens poderiam ser o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a sua sucessora Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer. As autoridades econômicas envolvidas na busca de promover o ajuste e a retomada poderiam ser os ministros Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Henrique Meirelles. Os leitores que viveram o final da década de 1980 poderiam lembrar que essa sequência de fatos se encadeia também com o presidente José Sarney, o seu sucessor Fernando Collor de Melo e o vice-presidente Itamar Franco. Os ministros que tentaram recolocar a economia nos trilhos poderiam ser uma sequência de nomes como Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega e Zélia Cardoso de Melo, até Fernando Henrique Cardoso, o titular da Fazenda que lançou o Plano Real em 1994.

Mas o livro Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista, de autoria de Gabriel da Fonseca Onofre, recorda que essa sequência aconteceu bem antes e tem outras personagens: o presidente da República em questão era Juscelino Kubitschek, o sucessor, Jânio Quadros, o vice-presidente, João Goulart e os ministros eram Celso Furtado, do Planejamento, e San Tiago Dantas, da Fazenda. A dupla apresentou em dezembro de 1962, o Plano Trienal, com medidas que, num primeiro momento, buscavam ajustar as contas públicas, cujo déficit havia sido então de 36%. E outras para, no momento seguinte, recuperar a produção nacional, que havia caído de 7,7% em 1961 para 3,5% em 1962, e debelar a inflação de 50,1% do final do ano. Números preocupantes, mas ainda longe da inflação de 4.853% de 12 meses, em março de 1990, quando José Sarney passou a faixa para seu sucessor, Fernando Collor de Mello.

Segundo o livro, o Plano Trienal tinha o “objetivo de estabelecer regras e instrumentos rígidos para o controle do déficit público e o combate à inflação sem comprometer o desenvolvimento econômico”. E “as seguintes políticas eram a base do plano: restrição salarial, limites de crédito e preços e corte nas despesas governamentais. Afetava-se, portanto, interesses de capitalistas e trabalhadores”. Os sindicatos e partidos como PTB, PSB e PCB então se mobilizaram contra o plano, receosos de aceitar restrições salariais em troca de uma incerta expansão da renda no futuro.

Sem apoio tanto de sindicalistas quanto de líderes empresariais, o Plano Trienal é abandonado. Um anos depois, diante do agravamento da crise, o presidente João Goulart pede a San Tiago Dantas a articulação de uma base de apoio parlamentar em torno de um programa de reformas moderadas. Mesmo então fora do governo, San Tiago Dantas propõe a Frente Progressista, uma aliança reunindo o PTB do presidente João Goulart, mais os centristas do PSD de Juscelino Kubistchek, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, e do PDC de Franco Montoro, as esquerdas representadas pelo PSB de João Mangabeira e o PCB de Luís Carlos Prestes, bem como setores ligados à conservadora UDN. Porém, o acordo foi bombardeado pela Frente de Mobilização Popular, criada em 1962 e liderada pelo deputado e ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.

Zeina Latif *: O Brasil tem agenda, sim

- O Estado de S.Paulo

A agenda econômica está posta: ajuste fiscal estrutural e ação estatal mais eficiente

Os pré-candidatos à Presidência aos poucos revelam sua visão sobre política econômica. Há boas e más notícias.

A boa notícia é que não negam o problema fiscal e a necessidade urgente de ajuste, incluindo a reforma da Previdência. É o mínimo que se espera de presidenciáveis competitivos. Fora que sem um compromisso com reformas, ninguém com juízo vai aceitar ser ministro da Fazenda.

Lições foram aprendidas com a crise fiscal e econômica e com a campanha de 2014. A disciplina fiscal deve ser preservada, sob pena de a inflação (e os juros) sair de controle. A política de corte superficial de gastos e sem reformas estruturais em 2015 causaram mais danos que benefícios; o Brasil perdeu o grau de investimento. É necessária uma campanha responsável, pois há um país a ser governado no dia seguinte da vitória. Essas lições são os únicos “legados” de Dilma, infelizmente a um custo elevadíssimo.

A divergência principal entre os pré-candidatos está no tipo de proposta de ajuste fiscal. Nos extremos residem algumas más notícias.

Na direita, Paulo Guedes, a quem Jair Bolsonaro delegou a agenda econômica, defende privatizações amplas e adoção do regime de capitalização na Previdência (cada pessoa poupa para sua própria aposentadoria), em substituição ao regime atual de partilha (os ativos “sustentam” os inativos). Uma proposta como essa não é factível, pois implicaria um rombo enorme, tendo em vista o passivo atuarial da Previdência em 233% do PIB, segundo o Tesouro.

Na esquerda, Ciro Gomes fala em flexibilizar a regra do teto, que é a esperança de estabilizar a dívida pública (em porcentual do PIB) e ter carga tributária decente no futuro. A regra estaria sufocando gastos essenciais, o que é uma afirmação imprecisa, pois as despesas com educação e saúde têm piso legal. Na falta da regra do teto, tem a regra de ouro, que já está constrangendo a execução orçamentária. Ambas são regras constitucionais e sua modificação exige elevado capital político (3/5 de votos no Congresso Nacional), que seria mais sabiamente utilizado para reduzir a rigidez do orçamento e rever renúncias tributárias.

Ribamar Oliveira: Lucro e prejuízo no mesmo exercício

- Valor Econômico

Projeto que acaba com contabilidade esdrúxula está parado

Está na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aguardando despacho, desde dezembro do ano passado, o projeto de lei que altera as relações entre o Tesouro Nacional e o Banco Central. O projeto, que é de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), já foi aprovado pelo Senado. Ele resultou de uma longa negociação com o governo e da pressão feita por numerosos especialistas para acabar com o mecanismo que, atualmente, permite que o BC financie o Tesouro.

Assessores de Maia disseram ao Valor que o projeto ainda não andou porque o presidente da Câmara está conversando com representantes do BC para definir o melhor encaminhamento das propostas que afetam o mercado financeiro. O projeto de lei 9.248, por exemplo, que permite que o BC receba depósitos voluntários de instituições financeiras, já tem comissão especial onde será analisado. A comissão aguarda a indicação de representantes dos partidos para iniciar os trabalhos.

"Na última reunião que o presidente Maia fez com técnicos do BC, eles manifestaram preocupação de que essa proposta seja aprovada antes do projeto, que trata das relações do BC com o Tesouro", explicou um assessor. "Então, a ideia é que os dois projetos tramitem conjuntamente", informou. De acordo com os mesmos assessores, Maia dará celeridade aos dois projetos logo depois da votação da proposta do cadastro positivo, que ocorrerá na próxima semana.

‘A Justiça não se intimida’, diz presidente do Supremo

Após ministro Edson Fachin relatar ameaças à família, Cármen Lúcia afirma que Poder tem ‘um papel constitucional a cumprir do qual ele não pode se subtrair’

Rafael Moraes Moura | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Um dia depois de o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, afirmar que sua família está recebendo ameaças, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, disse ao Estado que “a Justiça não se intimida” com tentativas de constrangimento.

“A Justiça não se intimida, primeiro porque ela tem um papel constitucional a cumprir do qual ela não pode se subtrair. A prestação da Justiça significa exatamente atender a quem tem direito. O que o juiz ameaçado precisa é de garantia para ter tranquilidade e cumprir as suas funções”, disse a presidente do Supremo, ressaltando que decisões judiciais sempre trazem um “nível de insatisfação”.

As declarações de Cármen Lúcia e de Fachin ocorrem num momento em que ministros do Supremo se agridem verbalmente em sessões no plenário, viram alvo de constrangimento nas ruas e a própria imagem do tribunal se desgasta perante a opinião pública.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, foi hostilizado enquanto caminhava por Lisboa, onde vai passar o feriado de Páscoa. O vídeo circulou nos últimos dias nas redes sociais.

Em meio ao clima de pressão sobre a Corte, o plenário do Supremo julga na próxima quarta-feira o habeas corpus preventivo ajuizado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista tenta evitar sua prisão após a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) rejeitar o recurso contra a condenação a 12 anos e 1 mês de reclusão no regime fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP).

Escolta. Cármen Lúcia autorizou o aumento do número de agentes para escolta permanente de Fachin e encaminhou ofício para todos os colegas do Supremo sobre a necessidade de reforço na segurança. Atualmente, cerca de 90 magistrados de todo o País estão sob escolta.

“Numa democracia, as pessoas se manifestam. O que não é aceitável é ultrapassar os limites da lei, da legalidade”, afirmou Cármen Lúcia. A própria presidente do Supremo também virou alvo de ofensas e críticas nas redes sociais, intensificadas depois do julgamento que abriu caminho para o senador Aécio Neves (PSDB-MG) retomar o mandato parlamentar, em outubro do ano passado.

Políticos repudiam ataque à caravana

Pré-candidatos ao Palácio do Planalto condenaram o ataque a bala contra o comboio do ex-presidente Lula no Paraná. Numa rede social, o presidente Temer criticou o clima de “uns contra outros”, enquanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tachou o fato de “gravíssimo.” Os petistas pediram que a investigação seja federalizada.

Reação conjunta

Opositores de Lula repudiam ataque à caravana; Planalto oferece apoio à investigação

Dimitrius Dantas | O Globo

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Apesar das divergências políticas, os disparos contra dois ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Paraná, provocaram reações da maior parte dos presidenciáveis, da OAB e do presidente Michel Temer, além de parlamentares governistas e de oposição. A Polícia Civil do Paraná, responsável pelas investigações, ainda não tem pistas sobre os autores do ataque. O PT pediu a federalização da investigação, porém a entrada da Polícia Federal no caso só deve ocorrer se for comprovado crime político, de acordo com o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.

O inquérito da Polícia Civil do Paraná passou a investigar o crime de disparo de arma de fogo com danos, e não mais tentativa de homicídio, como informado anteontem pelo delegado plantonista Wilkison Fabiano Oliveira de Arruda. Há duas semanas viajando por cidades da Região Sul, a caravana de Lula é marcada por hostilidades, como ataques com ovos e pedras, e agressões, como a de seguranças, a serviço do PT, contra o repórter Sérgio Roxo, do GLOBO.

Ontem, pelo menos sete postulantes ao Planalto condenaram o ataque, que ocorreu entre as cidades de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul. Único a destoar, o deputado Jair Bolsonaro (PSCRJ) sugeriu, sem apresentar nenhuma prova, que os tiros foram dados pelos próprios petistas. Márcio Macedo, coordenador da caravana, afirmou que Bolsonaro quer tirar dividendos eleitorais do caso, “querendo polarizar” com Lula.

— Lamento o que aconteceu com a caravana do ex-presidente Lula. Desde quando assumi o governo venho dizendo que nós precisamos reunificar os brasileiros. Precisamos pacificar o país. Essa onda de violência, esse clima de “uns contra os outros” não pode continuar — escreveu Michel Temer, no Twitter, antes de entrevista à rádio BandNews de Vitória, na qual afirmou: — Devo dizer também que, na verdade, essa onda de violência não foi pregada talvez por aqueles que tomaram essa providência, talvez tenha sido, tenha começado lá atrás. E a história de uns contra outros, realmente cria essa dificuldade que gera atritos dessa natureza.

Embora a pré-campanha esteja marcada pela polarização política, os presidenciáveis, ontem, amenizaram o discurso. Em texto publicado no Twitter, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), reprovou o ataque a tiros e cobrou a apuração e punição dos responsáveis.

Impunidade é combustível

Para especialistas, faltam ações do TSE e medidas contra a violência política

“A eleição acaba sendo um foco de conflito. Com Lula na disputa, é claro que o clima vai esquentar” Fabio Wanderley Reis Cientista político e professor da UFMG

“A melhor forma de inibir a violência contra candidatos é uma investigação rigorosa. A impunidade estimula a violência” Ricardo Ismael Professor da PUC-Rio

Igor Mello | O Globo

A punição de atos de violência política é um fator primordial para conter o aumento das tensões na pré-campanha eleitoral deste ano, já marcada pela polarização.

Na terça-feira, dois ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram alvejados por tiros em Quedas do Iguaçu, no interior do Paraná. No mesmo dia, o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), revelou que sua família tem sido ameaçada.

Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, a impunidade é um fator central e estimula mais ações violentas pelo país.

— A melhor forma de inibir a violência contra candidatos é uma investigação rigorosa. A impunidade estimula a violência — resume.

Ainda segundo Ismael, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) precisa assumir sua responsabilidade, tendo em vista a possibilidade de eleições tumultuadas.

— Eleição é como uma final de campeonato. Se o juiz deixar, vão bater da canela para cima. Não dá é para o juiz não aparecer no campo dessa disputa democrática. O TSE precisa se manifestar sobre a violência, seja ela física ou patrocinada via internet, usando fake news — completa.

A escalada de violência — que tem se refletido em confrontos entre opostos na disputa partidária, ou mesmo entre militantes com posições dissonantes em temas específicos, não é uma exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, foram registrados diversos confrontos entre militantes do movimento Black Lives Matter e supremacistas brancos. Para o cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), políticos precisam ter responsabilidade diante do atual momento.

Para analistas, radicalismo põe em risco a democracia

O sociólogo Luís Flávio Sapori sugere que forças políticas do País façam comunicado conjunto refutando atos violentos

Caio Sartori | O Estado de S. Paulo.

Analistas ouvidos pelo Estado avaliam os tiros disparados contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no interior do Paraná, como o momento mais agudo do radicalismo político no País. Para eles, o funcionamento da democracia está em risco neste ano eleitoral.

Nesse contexto, o sociólogo Luís Flávio Sapori, da PUC-MG, sugere que as forças políticas do País, incluídos aí partidos e grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), façam um comunicado conjunto refutando atos violentos recentes. “Seria uma manifestação pública, de forma a apaziguar os ânimos das pessoas.”

O cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, vê na falta de diálogo entre as forças políticas um dos grandes empecilhos para o fim do clima bélico. “Democracia funciona bem quando esquerda e direita não têm grandes diferenças entre si e conseguem conversar.”

Para o cientista político Claudio Couto, da FGV-SP, o suposto aval aos tiros dado por nomes fortes da política só reforça o perigo antidemocrático – ao jornal Folha de S. Paulo, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria disseram que o ataque à caravana foi um efeito colateral produzido pelos próprios petistas. Após a má repercussão das declarações, Alckmin usou o Twitter para dizer que “toda forma de violência deve ser condenada”. “O PT polarizou com o discurso de ‘nós fizemos, eles não’, mas não pregou, por exemplo, a morte das elites, a eliminação dos adversários”, diz Couto.

“Foi algo sem precedentes no período democrático”, resume o cientista político Marco Antônio Teixeira, também da FGVSP. “O atentado não foi a um candidato, mas à própria democracia. Se não for reprimido, dá aval a outros casos”, afirma o professor. / Colaborou Leonardo Augusto

Violência política radicaliza debate eleitoral

- Valor Econômico

SÃO PAULO, CURITIBA E BRASÍLIA - Uma disputa pela narrativa marcou o dia seguinte ao mais grave episódio de violência política no Brasil nos últimos anos, com o ataque a tiros a dois dos três ônibus da caravana que acompanha o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Paraná. O ex-presidente, em vídeo, equiparou o incidente ao surgimento do nazismo. "Não podemos permitir, depois do nazismo e do fascismo, grupos fanáticos nesse país", disse.

O incidente serviu a Lula para reaglutinar a esquerda. Os pré-candidatos do Psol e do PCdoB à Presidência, Guilherme Boulos e Manuela d'Ávila, compareceram ao ato de encerramento da caravana promovido por Lula no fim do dia, em Curitiba.

Para o segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que também esteve ontem no Paraná, Lula pode ter simulado o atentado. "Para mim é algo feito por eles, para buscar a vitimização", disse. Recebido por cerca de 200 pessoas no aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais (PR), Bolsonaro simulou espancar um "pixuleco", dando tapas na cabeça do boneco.

O duelo entre as manifestações favoráveis a Lula e a Bolsonaro na capital paranaense não se deu. Até o início da noite, não havia incidentes na capital paranaense, no que foi paradoxalmente o dia mais tranquilo da caravana de Lula pela região Sul.

O governo federal e o estadual agiram para, na prática, minimizar o episódio. No Palácio do Planalto a decisão será a de manter a Polícia Federal fora das investigações, ao contrário do que a bancada do PT pediu, em audiência com o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Para o governo federal, não está caracterizada a existência de crime político.

A investigação seguirá nas mãos da Polícia Civil do Paraná, sob comando do governador Beto Richa (PSDB) por mais alguns dias, já que o tucano deve se desincompatibilizar para disputar uma cadeira ao Senado e ser substituído pela vice-governadora Cida Borghetti (PP), mulher do ministro da Saúde, Ricardo Barros. Segundo o delegado titular da Polícia Civil de Laranjeiras do Sul (PR), Helder Lauria, o episódio não será tratado a princípio como uma tentativa de homicídio, mas como "disparo de arma de fogo com dano". Richa despachou duas equipes de Curitiba, com três homens cada, para auxiliar Lauria no inquérito. Mas o Ministério Público do Paraná, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), anunciou que vai acompanhar as investigações e que trabalha com a hipótese de tentativa de homicídio.

O presidente Michel Temer lamentou o incidente. "Desde que assumi o governo, venho dizendo que precisamos reunificar os brasileiros. Essa onda de violência não pode continuar", escreveu em sua conta no Twitter. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) definiu o caso como "gravíssimo". Afirmou em entrevista à rádio Bandeirantes que o país chegou "à beira do precipício" e que é necessária uma reação conjunta de todas as esferas de poder.

A primeira reação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi de dizer que Lula estava colhendo o que plantou, em declaração a jornalistas na noite de anteontem. Na manhã de ontem, modulou o tom. "É papel das autoridades apurar e punir os tiros contra a caravana do PT", escreveu em sua conta no Twitter.

Nas redes sociais, a polarização dividiu quase pela metade o espaço no Twitter e no Facebook. Lula recebeu 10,449 milhões de menções positivas e Bolsonaro 10,777 milhões, de acordo com levantamento divulgado pela agência de análise MAP.

Cora Rónai: ‘O mecanismo’

- O Globo

Ruffo é ruim da cabeça, mas se recusa a tomar remédio porque acha que, se não fosse a sua obsessão, não seria o policial que é. Bota obsessão nisso. Ele recolhe os sacos de lixo de um antigo desafeto, recompõe páginas passadas em trituradores como se fossem um gigantesco quebra-cabeças e acaba descobrindo um sistema de corrupção que corrói o país de alto a baixo, e que levará seus colegas investigadores aos gabinetes mais importantes da República. Ruffo não participará da caçada como policial da ativa porque, assim que o conhecemos, está em vias de ser afastado da operação e aposentado por invalidez — mas é a sua luta que estará em cena, de ponta a ponta.

Ele se queixa amargamente do salário, diz reiteradas vezes que tudo o que conseguiu na vida foi um carro de segunda mão e um sítio no interior e, quando é encostado, passa a receber R$ 2.950 por mês. Ainda que a realidade de muitos aposentados seja essa, é difícil imaginar um policial federal nessa situação: eles não ganham mal e, até outro dia, tinham aposentadoria integral.

Ficção é ficção, e este é só um detalhe do roteiro de “O mecanismo”, mas é nesse tipo de detalhe que, em geral, tropeça a dramaturgia brasileira. “O mecanismo”, como até os meus gatos já sabem, e as pedras da calçada se cansaram de ouvir, é a nova série da Netflix baseada na Lava-Jato, criada e dirigida por José Padilha, escrita por Elena Soárez e odiada de maneira desproporcional por quem, pelo visto, se escandaliza mais com palavras num vídeo do que com ações criminosas na vida real. A ideia em relação ao personagem é mostrar um homem atormentado, levado pelas circunstâncias ao auge do desespero, mas tenho a impressão de que haveria outras maneiras de justificar o seu estrangulamento financeiro e o abismo de bens materiais que existe entre ele e o doleiro que persegue.

Zimbo Trio / Orquestra Arte Viva: Bach / Prelude no.2 in C Minor

Carlos Drummond de Andrade: Turno à janela do apartamento

Silencioso cubo de treva:
um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento,
a integração da noite.
Nenhum pensamento de infância,
nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação
de um mundo enorme e parado.
A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder:
na escuridão absoluta,
como líquido, circula.
Suicídio, riqueza ciência...
A alma severa se interroga
e logo se cala. E não sabe
se é noite, mar ou distância.
Triste farol da ilha rosa.