domingo, 11 de março de 2018

Pedro S. Malan*: Do querer ser ao crer que já se é

- O Estado de S.Paulo

Há que buscar as convergências possíveis, que sempre existem, entre os mais moderados

A fantasia humana é um dom demoníaco. Está constantemente abrindo um abismo entre o que somos e o que gostaríamos de ser. Entre o que temos e o que gostaríamos que tivéssemos.” Assim escreveu Mario Vargas Llosa em La Verdad de las Mentiras. Pode um dom ser demoníaco ou a expressão é apenas um atroz paradoxo, produzido pela veia literária do autor?

Dom, afinal, significa qualidade ou característica especial, geralmente positiva. Demoníaco, algo negativo, relativo a ou próprio do demônio. A combinação das duas palavras tende a significar algo ruim se o abismo continuamente aberto pela fantasia humana leva a anomia, paralisia, desalento, inveja, ressentimento, cinismo, raiva. Mas poderia também evocar algo bom: a busca por desenvolver potencialidades, por crescer, enfrentar e superar com coragem as adversidades.

É instigante imaginar que o texto de Vargas Llosa possa aplicar-se também a sociedades e países, como o Brasil de 2018; e às perspectivas de consolidação da democracia nos próximos anos, entre nós como em várias outras partes do mundo, inclusive o desenvolvido. Ocorre-me a reflexão porque segue prolífica a temporada de livros sobre “suicídios” de regimes democráticos, alguns já mencionados neste espaço. Acabam de sair How Democracies Die, de S. Levitsky e D. Ziblatt, e Authoritarianism and the Elite Origins of Democracy, de V. Menaldo e M. Albertus, ambos ainda sem tradução. A maioria das obras procura lembrar como sucumbiram tantas democracias europeias nos anos 20 e 30 do século passado. Sobre a Tirania, de Timothy Snyder, e A Mente Imprudente e A Mente Naufragada, ambos de Mark Lilla, são belos exemplos de que há lições da História - recente - que não devem ser esquecidas. Afinal, os conflitos em questão levaram a dezenas de milhões de vítimas.

Sérgio Besserman Vianna: Coragem

- O Globo

A maior das coragens intelectuais é rever suas próprias opiniões, especialmente as mais caras à própria história

Coragem intelectual é algo muito raro. Coragem física, não; pelo contrário, é comum. Embora a literatura e o cinema consigam com facilidade despertar o interesse humano por atos de grande coragem, para o macho homo sapiens são ações quase naturais, darwinianamente selecionadas em centenas de milhares de anos como boa opção para sobreviver, conquistar poder e atrair a atenção das mulheres.

Já a coragem intelectual, a coragem de Sócrates, Giordano Bruno, Galileu Galilei (mesmo que nunca tenha sussurrado eppur si muove) e muitos outros — ou seja, a coragem de enfrentar o pensamento dominante, mesmo que ao custo da própria vida ou liberdade — tem motivações na afirmação da liberdade individual e da importância de sempre aprofundar o pensamento.

A maior das coragens intelectuais é a de rever suas próprias opiniões, especialmente aquelas mais caras à própria história, psicologia e visão de mundo. Não é algo simples. Mesmo na Ciência, com sua adesão rigorosa a métodos de investigação e de confronto com as evidências, podemos contar duas histórias opostas sobre o tema. A primeira, muito edificante, é relatada pelo biólogo Richard Dawkins. Um recém-doutor apresenta sua tese sobre o metabolismo celular em um auditório de Oxford. Ao final, em seguida às palmas, um catedrático da área, já idoso, levanta-se, sobe as escadas e cumprimenta o jovem cientista na frente de todos: “Obrigado por mostrar que eu estive errado nos últimos 25 anos”.

Mas nada que é humano é simples. O grande Max Planck, um dos pais da física quântica, observou que, muitas vezes, o avanço da Ciência não vinha do convencimento, mas da eventual morte dos cientistas estabelecidos, abrindo espaço para outra geração aberta às novas ideias.

Pessoalmente, assisti a dois momentos de grande coragem intelectual (que não beneficiaram em nada seus autores). Mikhail Gorbachev, reconhecendo o fracasso da experiência soviética, e Alan Greenspan, ex-presidente do Fed (o banco central americano), sendo questionado por um senador democrata após a crise de 2008: “Então, você reconhece que estava errado (sobre se mercados se autorregulam)?”. E Greenspan, repetindo Keynes, “Sim. Quando os fatos mostram que eu estava errado, eu costumo mudar de opinião”.

Karl Marx, no final da vida, de saco cheio com as simplificações de cartilha do seu pensamento, declarou: “Só tenho certeza de uma coisa, não sou marxista”. Muito antes, sua filha Laura lhe aplicou um questionário onde no final lhe perguntava sobre seu lema preferido. E Marx: “Duvidar sempre”.

O psicanalista Frances André Green resumiu numa frase maravilhosa: “A infelicidade da pergunta é a resposta”. Nesse Brasil politicamente tão polarizado de forma rasa e superficial, talvez esteja faltando aos extremos fisicamente tão aparentemente corajosos um mínimo de superação da covardia intelectual.

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Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Marco Aurélio Nogueira: Onze candidatos e nenhuma ideia

Será que somente o reduzido grupo dos que defendem e valorizam a necessidade de uma nova pactuação democrática consegue ver o tamanho do buraco em que caiu o País?

A fragmentação continua a avançar, trazendo consigo a sensação de que o próximo governo será marcado pela inoperância, pelo artificialismo da concorrência político-partidária e pela tensão ideológica. Ninguém parece se preocupar com o quadro e todos continuam a correr rumo ao precipício, que fica sempre mais próximo.

Cada candidato faz de conta que o problema não é com ele, mas com os outros, sempre tidos e havidos como “inimigos”. Falta cordialidade, desprendimento e tolerância entre os postulantes, e deles o problema se transfere para os eleitores, que já começam a se pegar nas redes.

Por enquanto são onze, que a preguiça analítica distribui entre esquerda, centro e direita, mas que a rigor pouco se diferenciam entre si, a não ser pelo tamanho da língua e pela volúpia de chegar ao poder. Outros mais deverão aparecer e embolar ainda mais a corrida. Como não há ideias postas na mesa, a atribuição do lugar que cada candidato ocupa no tabuleiro político e ideológico não passa de exercício classificatório desprovido de sentido. Serve tão-somente para que se delineie uma situação “ideal”, com polos que se contradizem. As contradições, porém, não são explicitadas. Nem as diferenças.

Eliane Cantanhêde: Uma bagunça

- O Estado de S.Paulo

Se a eleição presidencial tem tantos candidatos, é porque nenhum convence até agora

Tem alguma coisa errada quando o líder das pesquisas é um condenado e está com o pé na cadeia, o segundo colocado se empolga (e empolga) com uma “bancada da metralhadora”, o presidente mais impopular da história recente quer entrar na campanha e um ex-presidente que é réu e caiu por impeachment se lança candidato como se fosse a coisa mais natural do mundo. A sucessão tem nomes demais e candidatos viáveis de menos. Seria cômico, não fosse trágico.

Está difícil decorar os nomes dos quase 15 candidatos e é improvável que todos eles vão em frente. No tão falado “centro”, o presidente Michel Temer dificilmente enfrentará uma campanha, o ministro Henrique Meirelles não encanta nenhum partido e o deputado Rodrigo Maia tem resistências do próprio pai, o ex-prefeito César Maia. Logo, o mais provável é que Temer, Meirelles e Maia acabem desistindo e afunilando para Geraldo Alckmin, do PSDB. E não é impossível que o MDB, com Meirelles, e o DEM, com Mendonça Filho ou o próprio Maia, venham até a disputar a vice do tucano.

Merval Pereira: Futuro inseguro

- O Globo

Mesmo os que acreditam na força da política tradicional, com seus acordos por baixo dos panos e suas coligações estapafúrdias para aumentar o tempo de televisão, fogem do PMDB e do próprio presidente Michel Temer. A janela de mudança partidária permitida pela legislação começou com uma evidência de debandada de políticos do maior partido do país, que bem ou mal está no poder.

Essa insegurança partidária atinge os candidatos regionais, que fazem acordos localizados que terão repercussão negativa no final das contas, ajudando a manter a incoerência intrínseca de nosso sistema político-partidário.

Os acordos que obedecem a uma lógica local — que se distancia da lógica nacional da candidatura presidencial — farão com que vários candidatos frequentem palanques variados, misturando mais ainda a cabeça do eleitor.

Também o DEM e o PSDB sofrem com a corrida de políticos para outros portos mais seguros. É provável que a frágil Rede de Marina Silva venha a recolher algumas adesões que lhe restituirão a possibilidade de participar dos debates na televisão, depois que perdeu o número mínimo de cinco parlamentares exigido pela legislação eleitoral. Suas expectativas de poder, mostram as pesquisas, são mais sólidas do que as de políticos teoricamente bem estruturados, como Geraldo Alckmin.

Bruno Boghossian: Em busca do grande acordo

- Folha de S. Paulo

Com condenação de Lula, partidos ensaiam debate sobre revisão de regra no STF

Um fiel aliado de Lula procurou um ministro de Michel Temer no mês passado para reclamar do que considerava uma postura passiva do governo diante do risco de prisão do ex-presidente. Indignado, o petista argumentou que o Planalto deveria se valer de sua influência no Judiciário para reagir a uma caçada aos políticos que também mira a cúpula do MDB.

O objetivo era claro: apelar para o espírito de corpo e convencer Temer a atuar, nos bastidores, a favor da campanha pela revisão da regra que permite a execução de penas após condenações em segunda instância.

Ainda não há sinais de articulações concretas, mas os impactos da provável prisão de Lula se tornaram tema de discussões (por ora, difusas e desorganizadas) entre personagens relevantes de PT, MDB e PSDB —tripé do establishment político nacional.

Integrantes dos três grupos já manifestaram preocupação a ministros do Supremo Tribunal Federal, ampliando as pressões para que a corte mude seu juízo sobre a prisão de condenados em segunda instância.

Vera Magalhães: STF apequenado

- O Estado de S.Paulo

Empurrar o tema da segunda instância para debaixo do tapete não vai evitar pressão sobre a Corte

Em jantar com jornalistas e empresários em janeiro, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, disse que voltar a discutir o tema da possibilidade de cumprimento de pena de prisão a partir da condenação em segunda instância seria “apequenar” o Supremo Tribunal Federal. Repetia ali a tática da retranca que adotou em relação ao assunto.

Acontece que empurrar o assunto para debaixo do tapete, como se não houvesse ministros dispostos a mudar seu entendimento nem casos concretos batendo à porta, não vai evitar a pressão sobre a Corte. Pelo contrário: ela atinge, à medida que se aproxima o período eleitoral, seu grau máximo.

Houve três decisões sobre o tema em 2016, todas favoráveis a que o cumprimento da pena possa se dar após a condenação em segunda instância sem que isso fira o princípio da presunção de inocência. Ao decidir desta forma por 6 votos 5 (ou 6 a 4 na última delas, em que Rosa Weber não se manifestou numa votação do plenário virtual), o STF retomou, na verdade, a jurisprudência que vigorou até 2009. Nada de extravagante, portanto.

Ainda que a última decisão, de novembro de 2016, tenha dado repercussão geral ao entendimento, não têm sido raros os casos em que ministros ou mesmo Turmas do próprio STF decidem de forma contrária, concedendo habeas corpus contra a execução imediata das penas. Portanto, a instabilidade vem justamente da Corte que deveria exercer o papel de “estabilizadora”, “unificadora” e “pacificadora” das normas, como escreveu o ministro Edson Fachin em acórdão desta semana justamente sobre o assunto.

Luiz Carlos Azedo: O drama dos bons políticos

- Correio Braziliense

Os eleitores estão de partida. Mas não sabem para onde. Querem que alguém aponte um caminho no qual acreditem. É aí que mora o perigo do senso comum

O Brasil está mais ou menos como aquele cavaleiro descrito pelo escritor tcheco Franz Kafka, no conto A Partida:

— Para onde cavalga, senhor?

— Não sei direito — eu disse —, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo.

— Conhece então o seu objetivo? — perguntou ele.

— Sim — respondi — Eu já disse: “fora daqui”, é esse o meu objetivo.

É mais ou menos assim que vamos às eleições de 2018. As pesquisas mostram uma desorientação muito grande da maioria dos eleitores. Não é por causa da inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem em razão da liderança resiliente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O percentual de indecisos na eleição varia de 38% a 42%, considerando-se todos os candidatos pesquisados. Numa eleição relâmpago, com 45 dias de campanha, qualquer coisa pode acontecer, inclusive nada de extraordinário.

Comecemos, pois, pelo extraordinário. Os projetos mais radicais à mesa são os de Bolsonaro e de Guilherme Boulos, o líder dos sem-teto lançado pelo PSol. Radicais de direita e esquerda, respectivamente. Ambos são regressistas do ponto de vista do papel do Estado e da relação do Brasil com o mundo. São projetos excludentes entre si, mas que têm em comum o anacronismo ideológico de direita e de esquerda. Eleitoralmente falando, Bolsonaro tem muito mais densidade do que Boulos. É beneficiado por uma certa reação conservadora de parcelas da sociedade à violência, ao desemprego e à corrupção, principalmente, o eleitorado evangélico. Boulos busca os órfãos de Lula com o antigo radicalismo petista, que não cola mais, por causa da Operação Lava-Jato.

Fora esses dois extraordinários, temos Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Geraldo Alckmin (PSDB) e Rodrigo Maia (DEM) com candidaturas formalizadas. O presidente Michel Temer ainda costeia o alambrado, como diria o falecido Leonel Brizola. E o PT não sabe ainda quem será o substituto de Lula, embora o nome mais cotado seja o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Os eleitores de esquerda, centro-esquerda, centro-direita e direita estão sendo disputados por essa turma. Por enquanto, todo mundo pode virar ou continar japonês.

O que pode fazer diferença na campanha para esses candidatos? Em primeiro lugar, o recall de campanhas anteriores. Casos de Marina, Ciro e Alckmin. Em segundo, os recursos financeiros e o tempo de televisão. Vantagens para Haddad, Alckmin e Maia. Em terceiro, as estruturas de poder e capilaridade partidária, idem. Quarto, a imagem do candidato em relação à Lava-Jato e às propostas que seduzam os eleitores. É aí que o jogo pode haver muita diferença. Finalmente, a proposta política. Nesse quesito, ninguém apresentou ainda um programa exequível. E, ademais, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a proposta precisa ser traduzida e “fulanizada” para seduzir os eleitores.

Vinicius Torres Freire: A guerra de mentira de Trump, o bárbaro

- Folha de S. Paulo

'Guerra comercial' é exagero; conflito causaria dano mais terrível agora do que nos anos 1930

Tristeza não tem fim. Estupidez também não. Não se deve dar de barato o dano colateral que a tolice autodestrutiva de Donald Trump pode causar. Ainda assim, parece demais dizer que a barreira americana à importação de aço vá provocar guerra comercial.

Para começar, o que seria uma guerra comercial? O comentário clichê lembra o caso dos anos 1930, quando os EUA, então um país protecionista, elevaram ainda mais suas tarifas de importação, provocando retaliações e outros danos que ajudaram a aprofundar a Grande Depressão. Mas 2018 não é 1934.

O comércio nos anos 1930 equivalia a um décimo das transações dos anos 2010 (medido como porcentual do PIB do mundo). A economia jamais foi tão mundializada: o volume relativo de comércio é maior e, também, cada produto é mais globalizado.

Nos anos 1930, 60% do comércio do mundo era feito de matérias-primas, combustíveis e produtos agrícolas. O resto das transações era de manufaturas, porém mais simples e em geral montadas em um ou poucos países. Eram trocas entre setores diferentes de países com especialização diferente (indústria versus commodities).

Rolf Kuntz: Truculência de Trump é só uma das ameaças

- O Estado de S. Paulo

Acertos bilaterais para escapar das tarifas dos EUA também minam a ordem multilateral

A truculência do presidente Donald Trump, exibida mais uma vez com a ameaça de uma guerra comercial, será vitoriosa se muitos governos buscarem a redução de danos por meio de acertos bilaterais. Se isso ocorrer, o governo de uma potência, os Estados Unidos, conseguirá atropelar facilmente a ordem multilateral. Dois parceiros, Canadá e México, ficaram logo isentos das novas tarifas sobre importações de aço e de alumínio. O gesto amigável é parte da renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Essa renegociação é um dos itens mais vistosos da agenda proposta desde a campanha eleitoral pelo atual presidente americano.

Outros países poderão ser isentos, disse na sexta-feira o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin. O governo brasileiro já manifestou preferência “pela via do diálogo e da parceria”. É uma atitude prudente e moderada, à primeira vista, mas perigosa para o sistema. Será o diálogo um bom substituto para a legalidade internacional – mesmo para uma legalidade ainda incompleta e menos eficaz que a ordem vigente num Estado?

O presidente Trump confirmou o novo lance protecionista na quinta-feira à tarde. Pouco depois apareceu a resposta brasileira, em nota assinada por dois ministros, o de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e o de Indústria e Comércio Exterior, Marcos Jorge. A nota mistura vários assuntos e diferentes níveis de relações entre os países.

O Brasil, segundo o texto, exporta para os Estados Unidos principalmente produtos semiacabados de aço, usados como insumos pela indústria americana. Ao mesmo tempo, os brasileiros são os maiores importadores de carvão siderúrgico dos Estados Unidos. Para que comprometer um comércio vantajoso para os dois lados? Em seguida, há uma referência ao esforço internacional para eliminar o excesso de capacidade do setor siderúrgico. Vale a pena minar esse trabalho?

Samuel Pessôa: China liberal?

- Folha de S. Paulo

Quem tem Estado mínimo, o Brasil ou a China? Aqui, a carga tributária é de 32% do PIB, e lá, de 21%

Laura Carvalho, minha colega que ocupa este espaço às quintas, abordou em sua coluna da semana passada o relatório da OCDE(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgado em 28 de fevereiro em Brasília.

Como apontou Laura: "O relatório da OCDE recomenda, além de abrir mais a economia para a concorrência estrangeira e reformar a Previdência, tornar o Banco Central independente, pôr fim à política industrial, desvincular os benefícios sociais do salário mínimo e reduzir o papel do BNDES, entre outras medidas. O conjunto de reformas estruturais propostas, acredita, seria capaz de elevar o crescimento do PIB brasileiro em 1,4 ponto percentual ao longo dos próximos 15 anos".

Segundo Laura, o relatório repisa temas de receitas antigas que não funcionaram. Poucos países se deram bem. Laura escreve que "a exceção são os países que conseguiram acelerar muito suas taxas de crescimento por não terem cumprido a cartilha, entre os quais a China é o maior exemplo".

Celso Ming: Espinha quebrada

- O Estado de S.Paulo

A magra inflação (apenas 0,32%), a mais baixa em meses de fevereiro dos últimos 18 anos, só não surpreendeu porque já era esperada. Mas pode indicar novidades. Também este 2018 aponta para uma inflação anual em torno de 3%. Quem se lembra de inflação mais baixa no Brasil ponha o dedo aqui.

A principal dessas novidades é a de que provavelmente esteja sendo quebrada a chamada inflação estrutural. Boa parte da inflação brasileira acontece por inércia. Os fazedores de preços vinham remarcando suas mercadorias e serviços conforme a inflação anterior, não importando aí se reduziram ou não seus custos de produção. Essa é a principal escrita que pode estar sendo quebrada.

Como assim? Se esse jogo remarcatório é bastante espalhado, ou seja, se todos – fornecedores, produtores e vendedores – se comportam assim, ninguém perde o freguês porque está vendendo mais caro, o concorrente também faz a mesma coisa.

E é isso que parece ter mudado, não só porque o Banco Central fez um bom trabalho na sua política monetária (política de juros), mas porque a recessão e a perda de renda nos meses anteriores levaram o consumidor a comprar menos ou a adiar suas compras. Um sinal de que isso está acontecendo é o fato de que, por alguns meses seguidos, a baixa da inflação está bem espalhada pela cesta de consumo; não está concentrada em um punhado de itens.

Falta avaliação de gastos e de políticas: Editorial | O Globo

Mesmo gastando bem mais do que arrecada, o Estado brasileiro não se preocupa em zelar pela qualidade das despesas e tampouco analisa a eficácia de seus programas

O debate é recorrente — e assim precisa ser — sobre a qualidade das elevadas despesas públicas e a eficácia de programas, sempre lançados em meio a fanfarras, mas que não funcionam ou funcionam mal, e nada é feito para consertar as falhas. Falta ao Estado brasileiro a cultura da avaliação, e sua ausência é causa de um desperdício incomensurável na movimentação do dinheiro do contribuinte. Mesmo sem considerar a corrupção, que, como hoje se vê de forma mais clara, não é pequena.

Estudo divulgado há pouco pelo Banco Mundial (Bird) confirma que, na tentativa de estimular o setor produtivo, o país não só gasta muito como “é ineficiente na maioria das atividades que realiza”.

Há programas notoriamente falhos, como, nos tempos de Lula II e Dilma, quando houve grande ativismo estatista, em que o BNDES serviu de instrumento de distribuição descuidada de bilhões em créditos subsidiados a empresas e setores escolhidos pelo governo — também com o objetivo espúrio de conseguir apoio financeiro em campanhas eleitorais —,ea taxa de investimento em relação ao PIB praticamente não se moveu. Manteve-se abaixo dos 20% do PIB, insuficientes para levara economia a crescer de forma sustentada.

Encontro marcado: Editorial | O Estado de S. Paulo

Já são 11 os postulantes ao Palácio do Planalto que, oficialmente, apresentaram os seus nomes e trabalham na articulação de alianças e na elaboração de seus planos de governo. No entanto, faltando cinco meses para o registro das candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é difícil afirmar que todos terão as suas fotos estampadas nas urnas no dia 7 de outubro. Alguns ficarão pelo caminho, outros nomes poderão surgir.

Há quem anteveja uma disputa entre 18 candidatos, número próximo do recorde nacional, registrado no pleito de 1989, quando 22 candidatos disputaram a Presidência da República na primeira eleição direta após a redemocratização do País. Uma coisa é certa: sejam 11, 18, 22 ou 30 presidenciáveis, quem quer que seja eleito terá sobre sua mesa de trabalho, desde o primeiro dia de mandato, um desafio incontornável: aprovar a reforma da Previdência.

Na quinta-feira passada, o Ministério do Planejamento divulgou o Balanço da Seguridade Social. Sob esta designação estão todas as ações de governo destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência social e assistência social, como determina a Constituição.

Por onde anda Marina?: Editorial | Folha de S. Paulo

O lugar correspondente à 'terceira via' nas eleições deste ano continua desocupado

Recorrente nos meios interessados no debate político, uma pergunta mais uma vez se coloca face à disputa presidencial de 2018: por onde anda Marina Silva (Rede)?

Capaz de atrair mais de 22 milhões de eleitores no primeiro turno de 2014 —algo em torno de um quinto dos votos válidos—, a ex-ministra do governo Luiz Inácio Lula da Silva obtém, segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, 13% das preferências em um cenário sem o nome do ex-presidente.

Já em 2010, quando teve desempenho apenas um pouco inferior, a então candidata pelo PV surgia como opção capaz de superar o tradicional embate entre PT e PSDB pela hegemonia política no país.

Apresentava-se, ademais, quase como um caminho natural para a constituição do “pós-lulismo”, aliando uma respeitável carreira na militância ambientalista com a crítica aos turvos comportamentos do governo petista.

Uma Constituição peculiar: Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao determinar a quebra do sigilo bancário do presidente Michel Temer, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), dá a entender que sobre sua mesa repousa uma Constituição muito peculiar, adaptável aos seus desígnios moralizadores e políticos. Quando um comando constitucional não se coaduna com as convicções particulares do ministro, são estas que vencem a luta por sua consciência.

O absurdo da decisão tomada pelo ministro Barroso, que atendeu ao pedido do delegado Cleyber Malta, responsável pelo inquérito que apura, no âmbito da Polícia Federal, supostas irregularidades na edição do chamado Decreto dos Portos, assinado pelo presidente Temer em maio do ano passado, é capaz de surpreender até o cidadão mais acostumado com as recentes extravagâncias do STF. E elas não têm sido poucas.

Está-se diante da primeira autorização para quebra do sigilo bancário de um presidente da República no exercício de seu mandato. A medida compreende o período entre 2013 e 2017. O curioso no pedido da autoridade policial é que nem mesmo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, incluiu Michel Temer no pedido de investigação por supostas irregularidades na concessão de áreas do Porto de Santos, que teria favorecido a empresa Rodrimar.

Slogan complica possível plano B do PT

Defender o mote ‘eleição sem Lula é fraude’ divide filiados e militantes e vira problema com risco de o ex-presidente ser impedido de disputar o pleito

Sérgio Roxo | O Globo

SÃO PAULO - Com a possibilidade cada vez mais real de o PT ser obrigado a aderir a um plano B na eleição presidencial deste ano, o partido começa a discutir internamente o que fazer com o slogan “eleição sem Lula é fraude”, adotado no ano passado, depois da condenação do ex-presidente pelo juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá.

A palavra de ordem só faria sentido se a sigla decidisse, na hipótese de a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser enquadrada na Lei da Ficha Limpa, boicotar a disputa eleitoral ao Palácio do Planalto. Apesar de a ideia continuar a ter adeptos na legenda, ela é encampada hoje apenas por um grupo minoritário. O próprio ex-presidente disse, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 1º de março, ser contra “boicotar as eleições”.

Uma liderança petista defende que o caminho correto seria amenizar o tom do discurso e deixar de usar o slogan desde já. A preocupação é que o eleitor fique confuso em aderir a um plano B petista com o partido desqualificando o pleito. Os cotados para assumir a cabeça da chapa se Lula tiver a candidatura cassada são o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi questionada pelo GLOBO se a legenda orientará seus dirigentes e aliados a deixarem de lado a palavra de ordem, mas não respondeu. Como discussões públicas sobre o plano B petista estão proibidas, os debates sobre o que fazer com a palavra de ordem ainda estão restritos aos bastidores.

‘Renovação’ do DEM passa por nova geração de clãs

Expoentes do partido entraram na política pelas mãos dos pais e avós

Débora Bergamasco | O Globo

-BRASÍLIA- Desde que o PFL foi rebatizado de Democratas, em 2007, esta é a primeira vez que o DEM promete levar adiante uma candidatura própria à Presidência da República. Nos discursos que fomentam a précandidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), a palavra “renovação” ganha ênfase especial para vender uma imagem de que o deputado de 47 anos é a “nova geração” do partido, ao lado do novo presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto, de 39, e do ministro da Educação, Mendonça Filho, de 51.

Se por um lado o trio representa uma exceção aos sexagenários e septuagenários que comandam o Brasil, por outro, eles são também expoentes de velhos clãs políticos. Os três entraram na vida pública graças ao empurrãozinho dos seus influentes ascendentes — pais e avô. Mesmo assim, dá para falar em renovação?

— Claro que é renovação — responde Rodrigo Maia. — O prefeito de Salvador ganhou a eleição no voto, o Mendonça já foi vice-governador, deputado estadual e federal eleito pelo voto, não por uma decisão do pai dele. E eu, apesar de ninguém acreditar muito, cheguei à Presidência da Câmara pela segunda vez. Não fui escolhido presidente da Câmara pelo meu pai.

Maia argumenta que os três construíram seus projetos “com a base que aprendemos com eles (pais e avô), com seus acertos e erros”.

Candidatura do MDB divide núcleo político de Temer

Ministros e emedebistas divergem sobre estratégia eleitoral: apoiar a tentativa de reeleição ou o projeto de Meirelles

Vera Rosa, Tânia Monteiro | O Estado de S. Paulo.

/ BRASÍLIA - Os conselheiros mais próximos do presidente Michel Temer estão divididos quanto ao projeto eleitoral do partido para este ano. Se todos neste momento concordam que a sigla deve voltar a ter um presidenciável, eles não se entendem quanto ao nome que deve estar na urna em outubro. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Wellington Moreira Franco, sonha ver Temer candidato à reeleição. Já o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, trabalha pelo nome do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Padilha conta com apoio do presidente nacional do partido, senador Romero Jucá (RR), para quem Meirelles reúne credenciais para unir o centro político e ser o candidato do governo, migrando do PSD para o MDB. A discussão sobre a candidatura de Temer à reeleição ganhou força após o governo decretar a intervenção na segurança pública do Rio, no mês passado.

Amigo do presidente Michel Temer desde os anos 1990, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Wellington Moreira Franco, é hoje um dos principais defensores, no Palácio do Planalto, da candidatura do chefe a um novo mandato. Em público, ele desconversa, mas, nos bastidores, não apenas tem simpatia pela ideia como trabalha com afinco para que o projeto se concretize.

A proximidade do ministro com o presidente causa ciúmes dentro e fora do Planalto. O gabinete de Moreira fica no quarto andar do Planalto. Na outra ponta, no mesmo andar, fica o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Os dois integram a direção do MDB, fazem parte do grupo de Temer e, ao lado do presidente, são alvo de inquérito aberto para apurar repasses de R$ 10 milhões da Odebrecht para o partido, em 2014.

Mesmo assim, Moreira e Padilha têm um relacionamento protocolar e não é raro protagonizarem divergências. Conhecido por fazer planilhas certeiras com o placar de votações no Congresso, Padilha, por sua vez, parece mais pragmático em relação à sucessão presidencial. O chefe da Casa Civil tem a mesma opinião do presidente do MDB, senador Romero Jucá (RR), para quem o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reúne credenciais para unir o centro político e ser o candidato do governo, migrando do PSD para o MDB.

Diante dos holofotes, porém, Padilha diz apenas que a base do governo, liderada pelo MDB, deve ter um único concorrente ao Planalto. “Meirelles faz uma justa postulação, mas nós temos de ter a competência de chegar em junho e verificar quem possui melhores perspectivas para ser candidato”, disse Padilha ao Estado.

Presidente tem de receber tratamento diferenciado, diz ministro da Justiça

Para Torquato Jardim, Temer tem funções essenciais de chefe de Estado que ficam prejudicadas com uma suspeita não fundamentada

Gustavo Uribe, Letícia Casado | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Torquato Jardim, 68, defende que o presidente Michel Temer tenha um tratamento diferenciado em razão do cargo que ocupa.

Foi o argumento usado por ele para criticar a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso de quebrar os sigilos bancários e fiscal do presidente, no período de 2013 a 2017, no inquérito que investiga a suspeita de pagamento de propina na edição de um decreto do setor portuário.

Jardim disse à Folha que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, precisa acertar o passo com o seu antecessor, Rodrigo Janot.

Isso porque Dodge, ao contrário de Janot, pediu a inclusão do emedebista no inquérito que apura repasses da Odebrecht ao MDB em 2014, período anterior ao mandato presidencial de Temer. O ministro revelou que se discutiu decretar um estado de defesa no Rio de Janeiro, que autoriza a restrição de reuniões e a quebra de sigilos.


• Folha - Por que o sr. discorda da quebra dos sigilos do presidente?

Torquato Jardim - Acho equivocada porque inclui períodos em que ele (Temer) não era presidente. Essa é a questão. O decreto dos portos se refere a 2017. Se ele [Barroso] tem dúvidas e indícios, tem de motivar e fundamentar o ato e se conter ao período em que ele [Temer] já era presidente.

• A quebra do sigilo no período do mandato é, portanto, aceitável.

Seria tecnicamente e processualmente correto. Mas pede ponderação. Não se fez isso com nenhum presidente até hoje. É preciso termos conhecimento claro e objetivo das razões que levam à quebra do sigilo –mas somente do período em que ele está no cargo. Caso contrário, cria suspeita contra o cargo de presidente. Não é sobre apenas a pessoa, mas a incolumidade da função. Ele tem funções essenciais de chefe de Estado que ficam prejudicadas com essa suspeita não fundamentada. O Brasil nas próximas três ou quatro semanas, liderando o Mercosul, deve talvez fechar acordo comercial com a União Europeia. No auge de uma negociação, sai uma notícia de impacto comercial. É obvio que há prejuízo.

• Então o presidente deveria ter tratamento diferente dos outros cidadãos se existe uma suspeita de corrupção?

Sim, porque ele é presidente e a Constituição permite isso. Se fosse para ser tudo igual, não haveria o parágrafo 4, artigo 86 (de que o presidente "na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções").

Lenin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil

O resgate de Julius Martov, o rival no Partido Operário Social Democrata Russo de Vladimir Lenin, líder da Revolução Russa. É a proposta do e-book Lenin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil, do jornalista e cartunista Cláudio de Oliveira.

Dividido em seis breves capítulos, a obra defende que as posições de Martov indicavam a possibilidade de uma alternativa democrática e socialista à ditadura comunista implantada na Rússia a partir de novembro de 1917.

Mostra um plano de Martov apresentado em 1919. Sugere que tal programa foi a base da Nova Política Econômica, implementada por Lenin em 1921 em substituição ao “comunismo de guerra”, estabelecendo uma economia mista na União Soviética. A NEP tirou o país da crise, mas foi abandonada por Josef Stalin em 1928. Ela serviu de inspiração para as reformas na China, propostas por Deng Xiaoping a partir de 1978.

Exilado na Alemanha, em 1921, Martov se juntou ao tcheco-alemão Karl Kaustky e ao austríaco Otto Bauer para a fundação da Internacional de Viena, que buscava um terceira via entre o comunismo e a socialdemocracia. Suas ideias influenciaram mais tarde o Estado do Bem-Estar Social na Suécia e os eurocomunistas.

O livro narra o aprofundamento da divisão entre comunistas e socialdemocratas após a Revolução Alemã de 1918, fato que favoreceu à vitória do nazismo em 1932. Traz ainda a participação das mulheres na Revolução Russa na trajetória de quatro militantes: Alexandra Kollontai, Nadezhda Krupskaia, Lydia Dan e Eva Broido.

Conclui com a influência da revolução bolchevique no Brasil, resultando na fundação do Partido Comunista, em 1922. Porém, em 1930, o PCB sofreu intervenção da Internacional Comunista e seu líder, Astrojildo Pereira, foi expulso sob a acusação de “menchevismo martovista” por se aliar a socialistas e liberais contra a Velha República.

A obra é um resgate didático para quem deseja conhecer um pouco da história da esquerda mundial e brasileira.

Cacá Diegues: Como poderia ter sido

- O Globo

Segundo Beltrame, as UPPs eram apenas portas abertas pela polícia, através das quais o Estado devia passar para prover moradores daquilo a que tinham direito

Beltrame já dizia que as UPPs eram portas abertas pela polícia Ahistória quase sempre nos leva a um passado distante para que compreendamos a origem de nossas desgraças. Mas, às vezes, ela está ali mesmo, tão perto que mal podemos percebê-la. A atual presença de forças federais, para garantir a segurança pública do Rio de Janeiro, é um bom exemplo de erro besta que não precisava ter sido cometido.

Em dezembro de 2008, o novo programa de segurança pública, criado por José Mariano Beltrame, deu origem às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Quando o programa começou a funcionar, eu já estava envolvido com a produção de “5Xfavela, agora por nós mesmos”, filme totalmente realizado por jovens cineastas moradores de favelas cariocas, lançado comercialmente dois anos depois. Estava na cara, nos olhos e nas palavras daqueles quase mil meninas e meninos do filme a curiosidade pela nova e original política de segurança.

Logo depois de “5Xfavela, agora por nós mesmos”, por sugestão dos próprios cineastas desse filme, iniciamos a preparação de uma nova produção. Ela se chamaria “4Xpacificação”, um longo documentário em quatro partes que pretendia descobrir e revelar o que estava acontecendo nas comunidades cariocas, depois da implantação das UPPs.

Beth Carvalho: As rosas não falam (Cartola)

Carlos Drummond de Andrade: Atriz

A morte emendou a gramática.
Morreram Cacilda Becker.
Não era uma só. Era tantas.
Professorinha pobre de Piraçununga
Cleópatra e Antígona
Maria Stuart
Mary Tyrone
Marta de Albee
Margarida Gauthier e Alma Winemiller
Hannah Jelkes a solteirona
a velha senhora Clara Zahanassian
adorável Júlia
outras muitas, modernas e futuras
irreveladas.
Era também um garoto descarinhado e astuto: Pinga-Fogo
e um mendigo esperando infinitamente Godot.
Era principalmente a voz de martelo sensível
martelando e doendo e descascando
a casca podre da vida
para mostrar o miolo de sombra
a verdade de cada um nos mitos cênicos.
Era uma pessoa e era um teatro.
Morrem mil Cacildas em Cacilda.