domingo, 21 de janeiro de 2018

Opinião do dia - Montesquieu

Não é indiferente que o povo seja esclarecido. Os preconceitos dos magistrados começaram por ser os da nação. Numa época de ignorância, não temos nenhuma dúvida, mesmo quando se cometem os piores males; numa época de luzes, trememos ainda quando são perpetrados os maiores bens. Sentimos os antigos abusos, vemos a sua correção, porém vemos também os abusos da própria correção. Deixamos o mal, se tememos o pior; deixamos o bem, se duvidamos do melhor. Só olhamos as partes para julgar o todo reunido; examinamos todas as causas para ver todos os resultados.

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Montesquieu (1689-1755). ‘O Espírito das leis’ (1748), prefácio, p. 28. Editora Nova Cultura, 2005

*Luiz Sérgio Henriques: A difícil identidade do petismo

- O Estado de S.Paulo

Seu militante típico se move à força de slogans e de uma visão maniqueísta do mundo

Mesmo sem nunca ter tido a carga antissistêmica dos antigos partidos comunistas, o petismo, surgido essencialmente de um núcleo sindical moderno, vocacionado simultaneamente para o confronto e para a negociação trabalhista, continua a responder por boa parte das turbulências da vida brasileira nestes 30 anos de País redemocratizado. Por isso, constitui para intérpretes e comentaristas um desafio que se torna ainda mais agudo em momentos de espesso nevoeiro, como este que temos atravessado, com os fatos relativos a seu maior dirigente, novamente candidato presidencial contra todo e qualquer empecilho legal que lhe possa ser oposto, segundo a vontade reiterada dos organismos partidários e de sua “sociedade civil”.

Em vão procuramos a identidade daquele partido, pouco nítida mesmo após os sucessivos períodos à frente do Poder Executivo, interrompidos por um impeachment traumático. O controle de inúmeros governos municipais e estaduais, bem como as amplas bancadas legislativas, para não falar no lastro eleitoral consistente, parecem não ter trazido aquele mínimo de cultura de governo que caracteriza os agrupamentos conscientes de sua própria força e capazes, por esse motivo, de dirigir todo um país, cumprindo uma função nacional que só se alcança com a superação de vícios de origem, limites programáticos e sarampos ideológicos. Traços, em suma, que os leninistas de antes, com todo o pathos revolucionário que os abrasava, chamavam de doença infantil, cuja irrupção os isolava e criava, à direita, um virulento espírito reacionário de massas.

*Alberto Aggio: De Beijing a Roma, os dilemas do pós-comunismo

- O Estado de S.Paulo

O ex-PCI aprofundou a democracia e a China se aferra ao nacionalismo autoritário histórico

No ano passado relembraram-se os cem anos da revolução bolchevique, referência maior do chamado “comunismo histórico”. Muitos livros foram publicados, um sem-número de artigos ganharam as páginas de revistas e jornais, congressos e seminários foram realizados ao redor do mundo. Seria excessivo imaginar que uma revisão daquele processo histórico, por mais bem feita que fosse, tivesse o condão de superar todas as polêmicas em torno dele. O dado positivo, contudo, é que a “celebração” da efeméride não produz mais o mesmo efeito. A revolução comunista da Rússia já é um fato do passado e não promove as divisões que antes promovia entre os simpatizantes do seu ideário.

Imposto o comunismo na Rússia, não apenas o país foi revolvido, como o mundo passou a ser impactado por um sistema antagonista do capitalismo que se transformou num fenômeno global, influenciando vários países e milhões de pessoas. A crença no poder dos comunistas tornou seu movimento uma força global, não havendo no século 20 nenhuma dimensão da vida que não tenha sofrido sua influência. Mas esse movimento guardava paradoxos que, com o tempo, lhe seriam fatais.

Talvez não haja síntese mais fiel à glória e à tragédia do comunismo do que a formulada por Silvio Pons no seu livro A Revolução Global (Fap/Contraponto, 2014). Para ele, o comunismo se constituiu simultaneamente em “realidade e mitologia, sistema estatal e movimento de partidos, elite fechada e política de massas, ideologia progressista e dominação imperial, projeto de sociedade justa e experimento com a humanidade, retórica pacifista e estratégia de guerra civil, utopia libertadora e sistema concentracionário, polo antagônico da ordem mundial e modernidade anticapitalista. Os comunistas foram vítimas de regimes ditatoriais e artífices de Estados policiais”.

Fernando Gabeira: Os ares de puritanismo

- O Globo

Enquanto a política for cúmplice de quadrilhas, a juventude vai passar ao longe

O debate entre mulheres americanas e francesas sobre assédio sexual já deu muito o que falar. Vou me dedicar apenas a uma pontinha dele. É argumento das francesas que estamos ameaçados por um novo puritanismo. Por acaso, estava lendo sobre o tema, a volta do puritanismo, mas vista de um ângulo completamente diferente. Nele, o motor do novo puritanismo não estava precisamente num grupo de atrizes vestidas de preto, mas na própria industria da diversão onde são protagonistas. Esta é uma interessante visão do filósofo inglês John Gray. Ele acha que as guerras envolvendo gente só acontecem nos estados falidos. Em países ricos de alta tecnologia, as guerras são feitas por computadores.

Com essa mudança na guerra, a pressão para manter a coesão social é relaxada, e os pobres podem ser deixados à parte, desde que não representem ameaça. Nesse contexto, há também a mutação na economia. O domínio da agricultura está no fim; o da indústria, nos estertores. Entra em cena a distração. Segundo Gray, o imperativo do capitalismo contemporâneo, nas áreas mais ricas, é manter o tédio à distância. Onde a riqueza é a regra, a maior ameaça é a perda do desejo. Gray vê a economia movida pela manufatura das transgressões e conclui:

— Hoje, as doses de loucura que nos mantêm sadios são fornecidas pelas novas tecnologias. Qualquer um ligado à internet tem uma oferta ilimitada de sexo e violência virtuais. Mas o que acontecerá quando não conseguirmos novos vícios? Como superar o ócio e a saciedade quando sexo, drogas e violência feitas por designers não venderam mais? Nesse ponto, podemos ter certeza, a moralidade voltará à moda. Talvez não estejamos longe de um tempo em que “moralidade” seja vendida como um novo tipo de transgressão.

Ranier Bragon: Botox presidencial

- Folha de S. Paulo

Se alguém ainda tinha esperança de aprovação da reforma da Previdência em 2018, pode ir colocando as barbas de molho.

Em entrevista à Folha, Michel Temer indicou que sua prioridade, de fato, é reformar sua imagem pública. "Esteja certo que não vou sair da Presidência com essa pecha de um sujeito que incorreu em falcatruas."

Uma tarefa e tanto, diriam os detratores. Mas o presidente parece não estar muito preocupado com eles: "Estão na cadeia. Quem não está na cadeia, está desmoralizado".

Temer não se recordou de imediato, mas vários dos seus aliados também estão igualmente desmoralizados e/ou presos. Como os emedebistas Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha.

Merval Pereira: Sem protelações

- O Globo

Se condenado, Lula não pode protelar recurso. O ex-presidente Lula pode não ter tanto tempo para recorrer contra a inelegibilidade, caso sua condenação seja confirmada pelo TRF-4, quanto sugere a legislação eleitoral. A Lei da Ficha Limpa não fala em recursos, considerando que a segunda condenação é suficiente para impedir uma candidatura. Um de seus autores, Marlon Reis, que na época era juiz, diz que houve inclusão da possibilidade de recurso com prioridade através do artigo 26C da Lei das Inelegibilidades a fim de que não alegassem que o direito a uma medida liminar para suspender os efeitos da lei fora retirado dos condenados.

O artigo foi escrito com a intenção de, ao mesmo tempo em que garante o direito ao recurso, não permitir ações protelatórias. Diz lá que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso (no caso de Lula, o Superior Tribunal de Justiça) poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

Segundo o Código de Processo Civil, preclusão é a perda de direito de se manifestar, por não ter feito atos processuais na oportunidade devida ou na forma prevista. A lei prevê que “conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”.

Eliane Cantanhêde: Aparelhada e abusada

- O Estado de S.Paulo

Desvios e aparelhamento da CEF jogam bancos públicos na fogueira da Lava Jato

As revelações sobre a Caixa Econômica Federal trazem à tona como os bancos públicos não escaparam do assalto à administração direta, às estatais e aos fundos de pensão. Regras de governança? Pra quê? E, sem regras de governança, a CEF foi virando mais entre tantas casas da mãe Joana, como a Petrobrás. Aparelhada, abusada, a instituição passou a servir mais aos poderosos de plantão do que à população brasileira.

Por que um banco público precisa de 12 (12!) vice-presidentes? Para acomodar o máximo de apadrinhados políticos? Cada um responda com base no que souber, achar ou quiser achar, mas o fato é que a CEF é alvo de três operações da PF, Patmos, Sépsis e Cui Bono?, sem contar uma quarta, a Greenfield, sobre desvios no Funcef, o fundo de pensão dos funcionários.

Elas apuram empréstimos duvidosos, em torno de figuras bem conhecidas, já atrás das grades, como Eduardo Cunha e os ex-ministros (de Dilma e Temer) Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves. E não é que Geddel, que mantinha um apartamento só para caixas e malas de dinheiro, foi vice da Caixa?!

Era a esse tipo de mandachuva que os demais vices, diretores e funcionários respondiam, sem falar que, indicados por PR, PP, MDB e sei lá mais o quê, os vices tinham de pagar favores, geralmente com juros, correção monetária e muita generosidade.

O resultado é quase aritmético: assim como na Petrobrás, o índice de corrupção na CEF corresponde ao tamanho do rombo, que ninguém sabe como pagar. A ideia mais criativa é abocanhar R$ 15 bilhões do FGTS, que não dá em árvore e não é dessa nem de nenhuma outra mãe Joana, mas efetivamente tem dono: o trabalhador brasileiro.

Luiz Carlos Azedo: Por que somos assim?

- Correio Braziliense

Nada indica que a renovação dos nossos costumes políticos ocorrerá com a implosão dos atuais partidos ou seu colapso nas eleições, por causa das eleições proporcionais e regionais

Ao contrário do que aparenta a política brasileira, na qual a “transa” substituiu os projetos, o Brasil é fruto das ideias. Elas antecederam o Estado e a nação, antes mesmo do descobrimento. E não há nenhum momento relevante da nossa história que não tenha resultado de um projeto ambicioso ou mesmo de um devaneio. Brasília, por exemplo. A crise que estamos vivendo na política brasileira é resultado da falta de ideias? Ou será fruto de um ajuste de contas entre uma espécie de novo “americanismo”, emergente no Judiciário, e o velho “iberismo” predominante no Executivo e no Legislativo?

Pode ser que sim. Mas a crise, indiscutivelmente, é coadjuvada por fenômenos que modificaram a face do Brasil e sua relação com o mundo. A urbanização acelerada e a globalização, respectivamente, ocorreram sem que o país estivesse preparado política e culturalmente para isso. Ao mesmo tempo em que transitaram da taipa para a alvenaria, as favelas e periferias são sendo plugadas pela revolução tecnológica em curso, na qual a velocidade da comunicação e das inovações entre em choque com velhas estruturas e instituições.

O livro Brasil, brasileiros. Por que somos assim? (Editora Verbena/Fundação Astrojildo Pereira), uma coletânea de artigos e ensaios organizada por Cristovam Buarque, Francisco Almeida e Zander Navarro, lança luzes sobre o momento que vivemos. Reúne textos de Alberto Aggio, Augusto de Franco, Bolívar Lamounier, Cristovam Buarque, Flávio R. Kothe, John W Garrison II, José de Souza Martins, Loreley Garcia, Lourdes Sola, Luís Mir, Marco Aurélio Nogueira, Marcus André Mello, Mécio Pereira Gomes, Paulo Cesar Nascimento, Socorro Ferraz e próprio Zander Navarro.

Esse grupo de historiadores, cientistas políticos e antropólogos realiza um esforço de interpretação da crise atual, na qual se registra um “deficit brutal de consenso e inteligência crítica”, nas palavras de Nogueira. Será que o brasileiro “perdeu a guerra para si mesmo”, como afirma Flávio Kothe, ao ressaltar que fomos incapazes de pôr para funcionar o nosso aparelho de estado e a economia? Talvez uma das chaves para compreensão de tudo isso esteja na evolução do nosso pensamento político.

O professor Francisco Weffort, em seu livro Formação do pensamento político brasileiro, destaca: primeiro, nos primórdios da colonização a meados do Império, nossos intelectuais e as elites não reconheciam a existência do povo como um ator do processo; segundo, a emergência tardia do Estado, que somente ocorre a partir da chegada de dom João VI e da Independência; terceiro, uma forte herança medieval, que mistura os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da nossa realidade. Não é à toa que as marcas registradas do nosso “iberismo” são o patrimonialismo e o “sebastianismo”.

Ricardo Noblat: O país do quero o meu

Blog do Noblat/Veja

A volta do auxílio-moradia para quem veste farda representaria uma nova despesa da ordem de R$ 2.2 bilhões este ano

Isso é lá hora de o Comandante da Marinha pedir, e o do Exército endossar que se restabeleça o auxílio-moradia para militares extinto em 2000? Logo quando o resultado negativo das contas do Estado só faz aumentar e quase não sobra dinheiro para investimentos?

A volta do auxílio-moradia para quem veste farda representaria uma nova despesa da ordem de R$ 2.2 bilhões este ano. Dos atuais 378 mil militares na ativa, 246 mil teriam direito ao benefício. Recrutas não teriam direito porque dispõem de alojamento.

Segundo os comandantes Eduardo Bacellar Leal Ferreira (Marinha) e Eduardo Villas Boas (Exército), o auxílio-moradia seria capaz de proteger os militares “da ação nefasta do crime organizado por, eventualmente, residirem nas áreas de risco”.

A intenção pode ser boa e até justa, mas o momento não é. De resto, por que não se pensar então que uma espécie de auxílio moradia deveria ser dado para proteger os civis também que residem em áreas de risco, sujeitos à ação nefasta dos traficantes e milicianos?

Míriam Leitão: Todas as forças

- O Globo

A crise da segurança pública é tão ampla, tão profunda e perigosa que as autoridades precisam abandonar as partições com que veem suas responsabilidades. Os estados pedem a presença das Forças Armadas, que acham que não é sua função. A União diz que está apenas auxiliando, porque é atribuição constitucional dos estados. Há uma emergência e as disputas de jurisdição aumentam o risco de todos.

Existem brigas e rixas entre polícias e desentendimento entre instâncias administrativas sobre de quem é a responsabilidade em cada evento. As Forças Armadas dizem que não foram preparadas para a atuação dentro das cidades, mas sim para defender a integridade nacional e temem que a presença prolongada no combate aos narcotraficantes contamine a tropa. Os estados, muitas vezes, convocam as Forças Armadas porque querem reduzir os custos, aliviar suas responsabilidades e, na visão federal, estão banalizando esse ato. A Força Nacional virou uma forma de melhorar salários dos policiais e os estados se queixam de que custa caro.

Celso Ming: A Embrapa envelhecida

- O Estado de S.Paulo

Muita coisa no setor público lembra um verso de Belchior cantado por Elis Regina: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”. É, por exemplo, o caso da Embrapa.

Criada em 1973, a Embrapa cresceu, virou referência em pesquisa agropecuária e ganhou posição de destaque na consolidação do agronegócio brasileiro. Escreveu uma história de orgulho, mas agora está fragilizada porque se nega a admitir que não é mais a mesma.

No último dia 5, o sociólogo Zander Navarro, ainda como pesquisador da Embrapa, fez críticas aos rumos da empresa, em artigo no Estadão. Apontou excessos, de burocracia e de pesquisas em desenvolvimento, mais de 1,1 mil. Dias depois, foi demitido, sem justificativa pública. Entre os gestores da estatal, circulou documento em que o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, alegou “comportamento irresponsável e destrutivo” por parte de Navarro.

Desde o tempo dos profetas do Antigo Testamento sabe-se que o corporativismo não gosta de críticas e quase sempre se defende com atitudes autoritárias. O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro de Camargo Neto, é um dos que denunciam o comportamento: “A Embrapa, tão elogiada no passado, agora acha que não deve prestar contas para a sociedade”. Para ele, o artigo teve o mérito de expor graves problemas.

Samuel Pessôa: Corrupção, contas públicas e crescimento

- Folha de S. Paulo

Há a percepção de que uma forte queda da corrupção fará aparecer no caixa do Tesouro Nacional algo como R$ 200 bilhões. Esse número fatídico tem sido divulgado sem que haja nenhuma referência a algum estudo sistemático que o origine.

Três motivos principais sugerem que as coisas não são tão simples.

O primeiro motivo é que o combate à corrupção tem um custo. Ou seja, para saber quanto aparecerá no caixa do Tesouro, é necessário calcular números líquidos do custo do combate à corrupção.

Erros como esse são comuns em estatísticas dessa natureza. Com frequência divulgam-se na imprensa números sobre desperdício de alimentos. O subtexto é que a sociedade poderia ser muito mais rica se não houvesse o desperdício. O problema é que não se consideram os investimentos necessários para reduzir as perdas. O ganho para a sociedade será o resultado líquido.

Ou ainda com as perdas da Sabesp na distribuição de água nos domicílios. As perdas precisam ser computadas de forma líquida (sem trocadilho) dos custos de reduzi-las.

*José Roberto Mendonça de Barros: O que oferece o populismo?

- O Estado de S. Paulo

Duas candidaturas populistas, à direita e à esquerda, polarizam as pesquisas eleitorais

Os dados atuais mostram que duas candidaturas populistas, à direita e à esquerda, polarizam as pesquisas eleitorais.

Independentemente das possibilidades de manutenção deste quadro até a época da eleição, o que não acredito, é útil pensar no que elas oferecem ao distinto público.

À direita, Bolsonaro mostra uma carreira parlamentar de pouco brilho e muitas frases ofensivas. Em meio a esse quadro, porém, emerge claramente alguém adepto do Estado grande, forte e intervencionista, com vários traços militares. Parece acreditar em soluções tão bombásticas quanto superficiais. Curiosamente, mais recentemente está indicando um programa econômico liberal, que não casa com suas convicções e sua história. O que afinal oferece ao País? Dá para confiar no seu alegado liberalismo ou o que temos é o mais puro populismo, do tipo “confiem em mim e eu salvarei o País”.

Definitivamente, não acredito que sua postulação vá manter a força que aparenta ter hoje.

Por outro lado, temos a candidatura Lula que, antes de mais nada, tem que ser avaliada à luz de todo o período petista no poder, mais de treze anos. Não dá para apagar da história o governo Dilma, como se tenta.

Olhado desta forma, não deixa de ser surpreendente que se chegou a acreditar (e até a escrever teses) de que havia sido descoberto um novo modelo de crescimento. Na verdade, tratou-se de mais um experimento latino americano de populismo, alavancado a partir de um período de ganhos com preços de commodities, que naufragou gerando uma gigantesca crise a partir de 2014 e da qual só estamos saindo agora.

Os planos com e sem Lula na disputa

Adversários fazem suas estratégias de olho no julgamento

Na próxima quarta-feira, quando o ex-presidente Lula será julgado pelo TRF-4, um grupo de espectadores estará especialmente interessado na sentença: os outros pré-candidatos à Presidência. As equipes de Alckmin, Bolsonaro, Ciro e Marina, os quatro pré-candidatos mais consolidados, já traçam suas estratégias para todos os cenários eleitorais.

Adversários já traçam planos com e sem Lula

Pré-candidatos adaptam estratégias e fazem cenários para depois do julgamento do petista

Maria Lima, Silvia Amorim e Marco Grillo / O Globo

BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO - Com a pré-campanha eleitoral em pleno andamento, os potenciais candidatos à Presidência da República têm um compromisso em comum na agenda esta semana: acompanhar com atenção o julgamento, em segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do tríplex do Guarujá (SP). Nos bastidores, traçam estratégias para cenários com e sem a presença do petista — e avaliam como hipótese mais provável que Lula, líder nas pesquisas de intenção de voto, siga na disputa até o limite máximo, ainda que seja eventualmente condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

Se for absolvido, o petista terá caminho livre para tentar o terceiro mandato. No entanto, se os desembargadores confirmarem a condenação imposta pelo juiz Sergio Moro, o assunto vai parar na Justiça Eleitoral. A lei da Ficha Limpa estipula que condenados em órgãos colegiados (como o TRF-4) fiquem inelegíveis, mas abre brecha para que a candidatura de Lula se mantenha até que todos os recursos sejam analisados.

Adversário histórico do PT, o PSDB tem em Geraldo Alckmin o nome mais provável para disputar a Presidência. O governador de São Paulo trabalha com o panorama de que o petista será seu adversário, mas, a aliados, confidencia que uma eleição sem Lula do início ao fim seria o melhor dos mundos para o PSDB. O raciocínio é simples: sem o petista, as duas vagas do segundo turno estariam em aberto.

NA ÚLTIMA HORA
No entanto, como considera remota a possibilidade de Lula abrir mão de uma candidatura, mesmo que seja declarado inelegível, Alckmin tem defendido que o cenário mais favorável a ele seria Lula fazer campanha e ser tirado da eleição na última hora. O tucano tem dúvidas sobre a tese de que o petista transferiria automaticamente os votos para um substituto indicado pelo PT. Alckmin avalia também que a presença de Lula em boa parte da campanha serviria de trava para o crescimento de outros candidatos de esquerda, como o ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT. Essas duas situações juntas, na opinião do governador, ampliariam a chance de o PSDB chegar o segundo turno.

Caciques controlam partidos com comissões provisórias

Maioria das legendas tem executivas indicadas; STF avalia questão

Igor Mello / O Globo

A menos de seis meses do início das convenções — onde as legendas escolherão seus candidatos na eleição de 2018 e aprovarão coligações —, a grande maioria dos diretórios partidários no Brasil é provisória: das 55.204 direções municipais, estaduais e nacionais, 40.575 (ou 73,5% do total) foram nomeadas pelos caciques. No meio de uma confusão jurídica, a questão agora aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não tem data para acontecer.

Segundo especialistas, a manutenção do caráter provisório nos diretórios garante aos caciques o domínio de boa parte dos partidos. Mais vulneráveis, os dirigentes dessas comissões podem ser destituídos a qualquer momento, fazendo com que fiquem alinhados aos dirigentes estaduais e nacionais, responsáveis por nomeá-los.

Em 2015, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou uma resolução que dava um prazo de 120 dias para que as legendas alterassem seus estatutos, definindo prazos máximos para a duração das comissões provisórias. Após sucessivos adiamentos, ele entrou em vigor em agosto de 2017, mas, na prática, não deu em nada. Isso porque o Congresso incluiu na emenda constitucional que criou a cláusula de barreira um artigo garantindo a autonomia para “estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios”.

PT teme encolher se Lula for barrado na eleição

Disputa. Ainda sem consenso sobre um nome alternativo caso o ex-presidente fique inelegível, partido não esconde receio de perder espaço no Legislativo e nos Estados

Vera Rosa / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - Prestes a completar 38 anos e com o destino atrelado à sobrevivência política de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT ainda não conseguiu traçar uma estratégia eleitoral que vá além da batalha jurídica para salvar o ex-presidente e permitir sua entrada na disputa ao Palácio do Planalto. Nos bastidores, dirigentes e parlamentares trabalham com a perspectiva de condenação de Lula e não escondem o receio de encolhimento do PT no Legislativo e até em governos estaduais, caso ele seja impedido de concorrer.

O resultado do julgamento do ex-presidente pelo Tribunal Regional da 4.ª Região (TRF-4) na quarta-feira, em Porto Alegre, põe em xeque o futuro do PT pós-Lava Jato. Seja qual for o desfecho, porém, a Executiva Nacional petista lançará a sua candidatura no dia 25. Para ganhar tempo, o registro será feito em 15 de agosto, último dia do prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral.

Até lá, o PT apresentará uma plataforma de governo que põe o Estado como “motor de desenvolvimento”, prega gestão fiscal “anticíclica” para estimular o crescimento em época de crise, isenta quem ganha até cinco salários mínimos de pagar Imposto de Renda e defende a federalização do ensino médio. As propostas procuram aproximar o PT da classe média e da juventude, além de resgatar eleitores que se decepcionaram com o governo Dilma Rousseff.

A ideia do partido é criar um clima de comoção no País durante a campanha e investir no discurso do “nós contra eles”, na tentativa de mostrar que Lula é “vítima” de perseguição montada para impedi-lo de chegar à Presidência. O petista responde a seis processos e foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo juiz Sérgio Moro, no caso do triplex do Guarujá. Até agora, ele lidera todas as pesquisas de intenção de voto.

O placar do julgamento de Lula, porém, é motivo de preocupação no PT. A expectativa ali é de que o ex-presidente consiga ao menos um voto favorável, dos três desembargadores que vão examinar o processo, abrindo divergência no TRF-4. Dessa forma, ele teria direito a mais um recurso judicial.

“Se Lula for condenado, não teremos mais normalidade institucional no Brasil”, afirmou ao Estado a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR). “A partir do dia 24 será luta cerrada. Estão cutucando a onça com vara curta”, emendou. Ré na Lava Jato, Gleisi chegou a dizer, em entrevista ao site Poder360, que, para prender Lula, seria preciso “matar gente”, mas depois alegou ter usado uma “força de expressão”.

Por sobrevivência, esquerda tem 'trégua' e constrói agenda comum

Catia Seabra, Anna Virginia Balloussier / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Sob bênção de Luiz Inácio Lula da Silva, partidos de esquerda buscarão uma estratégia conjunta de sobrevivência a partir da quarta-feira (24), data do julgamento do petista pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.

Com a possibilidade de a condenação do ex-presidente se manter, PT, PC do B, PDT e até PSB promovem uma "trégua eleitoral" e anteciparam para após o Carnaval o lançamento de um programa com vistas a uma aliança no segundo turno do pleito —ou mesmo no primeiro. O PSOL tem acompanhado as discussões na condição de observador.

Fora PSB, todas essas legendas anunciaram (ou flertam com a ideia de) pré-candidatos —Manuela D'Ávila pelo PC do B, Ciro Gomes pelo PDT e Guilherme Boulos pelo PSOL.

Essa agenda —que inclui a defesa da soberania nacional e de reformas estruturais— permitirá que Lula discuta com dirigentes partidários uma saída para as esquerdas. A ideia, contudo, não é impor uma adesão ao PT. A pretexto dessa articulação, Lula deverá conversar pessoalmente com os pré-candidatos, desobstruindo o diálogo até com seu ex-ministro Ciro —que evitou assinar o manifesto "Eleição Sem Lula É Fraude".

Lançado em dezembro, o texto foi respaldado por D'Ávila e Boulos, além de nomes como Chico Buarque, Pepe Mujica, Noam Chomsky e até o deputado Paulinho da Força, que no impeachment de 2016 adaptou "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores" para "Dilma, vai embora que o Brasil não quer você / E leva o Lula junto e os vagabundos do PT".

Amigo de Lula, o ex-ministro Luiz Dulci é apontado como um canal com Ciro. Outra ponte, o presidente do PDT, Carlos Lupi, diz que Ciro sempre esteve aberto a esse encontro. "Mas este não é o momento." O próprio Lupi gravou um vídeo de desagravo a Lula.

Um vazio a ser preenchido: Editorial/O Estado de S. Paulo

Em meio à polarização entre os populismos de direita e de esquerda, os brasileiros genuinamente preocupados com o futuro do País não enxergam no atual quadro sucessório uma candidatura capaz de atender a seus anseios de estabilidade econômica, racionalidade administrativa e responsabilidade fiscal.

Muitos políticos agora se apresentam como candidatos do “centro”, sem que fique claro que “centro” vem a ser esse, pois nenhum deles parece capaz de enfrentar as urnas defendendo, sem ambiguidades e com coragem, as reformas, a austeridade no trato das contas públicas, o respeito irrestrito às leis, a modernização do Estado, a coesão social e o estímulo à iniciativa privada. Ou seja, não há uma candidatura verdadeiramente liberal entre aquelas que têm potencial para efetivamente disputar a eleição.

O País atravessa um momento muito especial da longa crise deflagrada há 15 anos pela aventura lulopetista. Tem-se a impressão de que o pior já ficou para trás, graças à competente ação da equipe econômica do governo e também em razão do bom momento da economia mundial. No entanto, é preciso ter clareza de que tal recuperação é meramente circunstancial, pois depende do resultado da eleição presidencial para se consolidar. Se o próximo ocupante do Palácio do Planalto não for alguém totalmente comprometido com um projeto que coloque o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentável, se esse novo presidente não compreender a dimensão da catástrofe que se abaterá sobre o País caso caia na tentação de se desviar do caminho das reformas estruturais, o atual esforço para dragar o pântano deixado pela abilolada administração de Dilma Rousseff – corolário dos oito anos de Lula – terá sido em vão.

Ajuda indefensável: Editorial/Folha de S. Paulo

A farra com o auxílio-moradia para juízes está com os dias contados —ou deveria estar, a julgar pela disposição da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de pôr em votação no mês de março os processos que podem dar um basta nesse desperdício de dinheiro público.

O caso, ao menos em tese, é bastante simples. O auxílio-moradia foi concebido como remuneração adicional para magistrados e membros do Ministério Público que, por força de sua atuação, estivessem em serviço fora de seus domicílios de origem.

A ajuda, ainda no campo das abstrações, faria sentido sobretudo para os membros da estrutura federal, que com frequência se veem deslocados para Estados distantes de sua residência habitual. Seria, por assim dizer, um incentivo à ocupação de cidades remotas.

Já aí haveria um problema na argumentação. As carreiras de juízes federais e procuradores da República estão entre as mais bem pagas do país. Seus integrantes não tardam a ganhar R$ 33.763 mensais —valor equivalente ao salário de ministro do STF e que, por determinação da Constituição, deveria ser o teto do serviço público.

O problema sem fim da habitação popular: Editorial/O Globo

O Minha Casa Minha Vida injetou bilhões neste segmento, mas continuaram problemas como baixa qualidade dos imóveis e falta de infraestrutura

Já era tempo de o poder público, em todos os níveis, haver aprendido a maneira de formular e executar programas habitacionais eficientes para famílias de baixa renda. Mas erros se sucedem, principalmente na qualidade dos imóveis, falta de infraestrutura e na localização dos projetos, quase sempre distantes de tudo — devido ao preço baixo dos terrenos, é certo.

Essas mazelas já haviam sido identificadas em governos do extinto Estado da Guanabara, nas gestões de Carlos Lacerda (1960-65) e Negrão de Lima (1965-70), época das remoções de favelas da Zona Sul para áreas distantes, na Zona Oeste.

Fernando Pessoa: Afinal

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

Sursum corda! Erguei as almas! Toda a Matéria é Espírito,

Porque Matéria e Espírito são apenas nomes confusos
Dados à grande sombra que ensopa o Exterior em sonho
E funde em Noite e Mistério o Universo Excessivo!
Sursum corda! Na noite acordo, o silêncio é grande,
As coisas, de braços cruzados sobre o peito, reparam

Jorge Aragão: Coisa de pele