terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

Como é que pode um governo resolver os problemas econômicos do País e sair tão mal avaliado como o governo Temer?

Eu acho que o presidente Temer fez mais do que eu imaginava que pudesse fazer. Por que? Ele virou presidente numa condição muito especial. É difícil você ter o impeachment e quem sucede ter popularidade. Ele fez o que o eu acho que tinha que fazer: olhar para a história e não para a popularidade.

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Fernando Henrique Cardoso, é sociólogo foi presidente da República. Entrevista: IstoÉ - Edição 21.12.2017 - nº 2506

José Antonio Segatto*: Uma crise anunciada

- O Estado de S.Paulo

Urge uma reforma para desburocratizar e desprivatizar as universidades públicas

Já há alguns anos constatamos, em artigo neste mesmo espaço (Publicização da universidade, 10/8/2014), o desencadeamento de uma grave crise nas universidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp. Apontávamos também seus fatores originários, que, acumulados ao longo do tempo, não haviam sido enfrentados – e envolviam e envolvem não só problemas econômico-financeiros e do sistema administrativo, mas, sobretudo, a conformação dos poderes e dos métodos de gestão, impregnados de patrimonialismo e clientelismo, cartorialismo e corporativismo. Observávamos, ademais, ser necessária a adoção de medidas urgentes capazes de estancar o agravamento da crise em curso e, mais, que esta poderia resultar em eventual inadimplência, o que implicaria a paralisação de atividades e a impossibilidade de pagamento da folha de salários e de encargos.

Decorridos mais de três anos, poucas providências foram adotadas. A USP, cuja situação, naquele momento, era de maior gravidade – com a folha de pagamentos tendo chegado a 105% do orçamento –, viu-se compelida a despender quase todas as suas reservas e realizar um ajuste, ainda que parcial e fraco, sem ir ao cerne das questões. Dessa forma, mesmo com as reparações promovidas pela Reitoria, a sua situação econômico-financeira continua precária.

Rubens Barbosa*: Presidência brasileira do Mercosul

- O Estado de S.Paulo

Bloco troca a retórica bolivariana por uma agenda reformista e pró-mercado

A 51.ª edição da reunião de cúpula dos chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados foi realizada em Brasília na semana passada. O Mercosul equivale hoje à quinta economia do mundo, com produto interno bruto (PIB) de US$ 2,7 trilhões.

Mais de 10% das exportações brasileiras têm como destino os demais sócios do bloco e 84% delas são produtos manufaturados. As trocas comerciais no Mercosul (US$ 38 bilhões – 2016) são hoje 8,5 vezes maiores do que as registradas no ano da fundação do bloco (US$ 4,5 bilhões – 1991).

A cúpula de chefes de Estado encerra a presidência pro tempore exercida pelo Brasil durante o segundo semestre de 2017. Em vista dos resultados alcançados, pode-se dizer que a reunião presidencial foi uma das mais eficazes e produtivas dos últimos anos. Nesse período, foram realizadas cerca de 300 reuniões dos órgãos decisórios e especializados do Mercosul, tratando de temas como comércio, regulamentos técnicos, contratações públicas, grupo de monitoramento macroeconômico, direitos humanos, justiça, desenvolvimento social, saúde e educação. Com esse esforço se atualizou a agenda de trabalho do bloco, que voltou a tratar de assuntos relevantes para o intercâmbio comercial e de questões novas e urgentes.

Raymundo Costa: Sem PT e PSDB no segundo turno

- Valor Econômico

Tucanos perderam o ativo da ética para a eleição de 2018

Na última contagem do ano, o Palácio do Planalto contabilizou 264 votos favoráveis à reforma da Previdência, que o governo quer votar em fevereiro de 2018. Ainda está longe dos 308 para aprovar a emenda constitucional. Vai depender do humor dos parlamentares na volta do recesso. Em geral deputados e senadores voltam do "contato com as bases" muito mais críticos em relação a tudo o que diz respeito ao governo, mas as pesquisas qualitativas em poder do Planalto indicam que a propaganda sobre a reforma no rádio e televisão encontrou receptividade na população. O otimismo na coordenação política do governo também aumentou, na contra-mão do ceticismo generalizado.

Diz a leitura das pesquisas quantitativas manuseadas no Planalto que o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), na ausência de Lula (PT), é o futuro presidente da República. Pode ser. Mas o ex-capitão do Exército aparentemente desacelerou nas pesquisas, enquanto Lula continua em crescimento, segundo o Datafolha do início de dezembro. O problema de Lula é jurídico - ele pode ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e não disputar.

Os marqueteiros e os políticos têm uma opinião em comum sobre a candidatura de Bolsonaro: ela será derretida quando a campanha começar pra valer. Em sua cruzada radical Bolsonaro deixou uma trilha de vídeos que expõem toda sua contradição. Mas nunca é demais lembrar que ele tem 11% na pesquisa espontânea, contra os 17% de Lula - os outros, 1% cada.

Joel Pinheiro Da Fonseca: Para 2018, amar o Brasil

- Folha de S. Paulo

Somos um povo criativo que sabe criar soluções transitórias: improviso, jeitinho, gambiarra

Ano novo é momento de novas escolhas. Para entrar bem, responda para si mesmo: por que escolho ficar no Brasil?

Todos os anos, pessoas de todas as classes emigram em busca de melhores condições: empregos, melhores serviços do Estado, segurança, educação para os filhos. Costumam ser bem-sucedidos.

Nos EUA, por exemplo, enfrentam dificuldades e preconceitos, mas mesmo assim integram-se bem e têm maior índice de emprego e de empreendedorismo não só do que a população nativa, mas do que a média dos imigrantes –os dados são do livro "Brasileiros nos Estados Unidos: Meio Século Refazendo a América (1960-2010)", lançado este ano. Muitos sonham em voltar.

Ficar no Brasil é enfrentar os riscos da vida comum, a dificuldade de crescer, a precariedade e o descaso das autoridades. E ainda encarar a dor de cabeça de tentar mudar as coisas. O que nos leva a fazer isso? Arrisco um motivo fora de moda: temos amor pelo Brasil.

Amar o Brasil significa duas coisas. A primeira –e mais fácil– é querer que nosso país melhore. A outra é reconhecer aquilo que já é bom e que merece nosso apreço.

Reconhecer aquilo que vale a pena e que pode mesmo ser lição para o resto do mundo. E isso está em falta.

No discurso padrão, o Brasil fácil fácil vira a soma de todos os males. Esquerda e direita competem no pessimismo nacional. Para a esquerda, somos o país da desigualdade, da exploração, do racismo, da injustiça.

Governados por uma elite gananciosa e mestra em acomodar interesses sem operar nenhuma transformação real, estamos muito longe do ideal igualitário do socialismo, ou, vá lá, dos países nórdicos.

Para a direita, somos o país da corrupção, do patrimonialismo, da burocracia, da preguiça e do jeitinho. Nossas instituições são frágeis, nosso Estado é ineficiente, nosso capitalismo é de laços. Tão distantes da eficiência impessoal, da ética do trabalho e da ambição norte-americanos.

Merval Pereira: Reação ao indulto

- O Globo

A revolta dos procuradores de Curitiba com a ampliação do indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer mostra bem o que entendem estar por trás dela: a tentativa de influir no andamento das investigações da Lava- Jato e de outras operações que desvendam atos de corrupção. A medida é vista como um compromisso governamental de livrar da cadeia os condenados, neutralizando uma das mais importantes armas da investigação, a delação premiada. Além da reação retórica, que tem atingido tons muito acima do normal, especialmente por parte dos procuradores de Curitiba, caberia ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), ou pode acontecer de juízes de execução penal, caso a caso, deixar de aplicá-la se entenderem que é inconstitucional.

Alguns advogados consideram que é uma argumentação provável. A maioria consultada considera possível, porém difícil. Existem casos de juízes negarem indulto por falta de reparação do dano decorrente de corrupção. Como a lei para progressão da pena exige a reparação, a mesma lógica poderia ser aplicada ao indulto. Não é argumento incontroverso.

Com a perspectiva de receber o indulto depois de cumprir apenas 1/5 da pena, quem vai fazer delação, pergunta o procurador-chefe da Lava-Jato, Deltan Dallagnol. Ele ressalta que, na “colaboração premiada”, o réu entrega informações e provas sobre crimes e criminosos, assim como devolve o dinheiro desviado, em troca de uma diminuição da pena. Essas informações e provas são usadas para expandir as apurações e maximizar a responsabilização de criminosos e o ressarcimento aos cofres públicos. O réu só faz um acordo quando corre o risco de ser condenado a penas sérias, ressalta Dallagnol, sem se incomodar com a acusação de que a Lava-Jato se utiliza das prisões prolongadas para conseguir delações.

Bernardo Mello Franco: O (mau) exemplo do Peru

- Folha de S. Paulo

O que o Brasil tem a ver com a crise política no Peru? Tudo, a começar pelo fato de que a confusão que aflige nossos vizinhos é produto das delações da Odebrecht.

O atual presidente, Pedro Pablo Kuczynski, e seus três últimos antecessores são investigados sob suspeita de receber propina da empreiteira baiana. Dois deles já tiveram a prisão decretada pela Justiça.

Ollanta Humala está na cadeia há cinco meses, acusado de lavagem de dinheiro. Alejandro Toledo está foragido nos EUA. É acusado de receber US$ 20 milhões para favorecer a Odebrecht na concessão de uma rodovia que liga o Peru ao Brasil.

Presidente duas vezes, Alan García foi denunciado sob acusação de fraudes no metrô de Lima. Há duas semanas, ele depôs a uma CPI de nome autoexplicativo: "Comisión Investigadora del Caso Lava Jato".

Agora o foco está sobre Kuczynski, um liberal conhecido pela sigla PPK que chegou ao poder no ano passado. Ele é suspeito de receber propina da Odebrecht quando era ministro. Uma de suas empresas embolsou US$ 782 mil da empreiteira baiana.

Miriam Leitão: Fuga para o Planalto

- O Globo

O grande risco com o Lula não é o radicalismo. Ele nunca foi radical, tanto que, como disse em entrevista na última semana: “Esse mercado injusto que nunca me agradeceu com o tanto que ganhou.” Deveria também ter cobrado gratidão das empresas em geral, porque nos 13 anos do governo petista os benefícios para o capital foram de 3% do PIB para 4,5% ao ano, um aumento, ao PIB de 2015, de R$ 90 bilhões.

Na entrevista, em que convidou um grupo de jornalistas para um café da manhã, o ex-presidente disse: “Eu não tenho cara de radical, nem o radicalismo fica bem em mim.” De fato. Não é esse o problema. O risco Lula é institucional. Já condenado em primeira instância, réu em mais 5 processos, denunciado em outros, sua estratégia é a fuga para o Planalto, único local onde poderá escapar de todas as ações, todas as investigações, onde terá autoridade sobre a Polícia Federal, e poderá minar o poder do Ministério Público. O Brasil se transformará num país em que a impunidade será coroada se o réu chegar à Presidência da República.

Ele tem usado a candidatura como defesa nas ações a que responde na Justiça. Provavelmente calcula que quanto maiores forem suas intenções de voto mais inatingível ficará, mais poderá usar a versão de que é um perseguido político.

Contudo, a Justiça terá que decidir diante das provas e dos autos e agora a palavra está com o TRF-4. Mesmo na hipótese de ser absolvido, há outros processos contra ele. Lula se define como uma pessoa “mais conhecida que uma nota de R$ 10”, e tenta usar essa notoriedade para se blindar. Vai se aproveitar do tempo jurídico e das muitas possibilidades recursais em seu favor. “Se eles cometerem a barbaridade jurídica de me condenar tenho ‘n’ recursos para fazer, e vou continuar viajando.”

Alckmin é o favorito, afirma analista

Cristian Klein | Valor Econômico

Para o cientista político, Lula não concorrerá, Bolsonaro desidratará na eleição presidencial e Alckmin é o favorito

RIO - Caso se confirmem os prognósticos do cientista político Marcus Melo, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as eleições de 2018 ocorrerão sem a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e haverá uma alta taxa de renovação no Legislativo, mas não nos cargos majoritários para presidente e governadores.

Melo prevê um "processo curioso, meio esquizofrênico" de mudança na classe política que compara à imagem de um queijo suíço. Caciques poderão ser "varridos do mapa", o PMDB será tóxico, a candidatura de Jair Bolsonaro definhará por estar longe das preferências do eleitor mediano, e o grande favorito para subir a rampa do Planalto em 1 de janeiro de 2019 é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

Em sua opinião, o tucano só não vence se acontecer falta de coordenação ou algo como se passou na eleição a prefeito do Rio, com o colapso do centro que permitiu a chegada improvável de um bispo - Marcelo Crivella (PRB) - e de um "comunista" - Marcelo Freixo (Psol) - ao segundo turno. "Esse cenário carioca, porém, é improvável na eleição a presidente", diz. Sobre a chance de haver, por exemplo "três cavalos" querendo ocupar a mesma faixa, Melo afirma que essa possibilidade é reduzida, pois Luciano Huck, João Doria e Aécio Neves são cartas fora do baralho.

Também não acha crível o PMDB lançar um candidato ou mesmo apoiar alguém do núcleo governista, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD). "Quem cogita a candidatura dele não tem a menor ideia do que é o perfil do eleitorado brasileiro. É preciso me apontar o sucesso nas urnas de outro ex-banqueiro com muito menos carisma do que o Alckmin - o que é difícil encontrar - e que foi CEO do grupo J&F, maior empresa implicada na Lava-Jato ao lado da Odebrecht ", diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: Lula conseguirá ser candidato a presidente?

Marcus Melo: Todos os desdobramentos são marcados pelas incertezas, mas as evidências do padrão do TRF-4 indicam a sustentação da condenação. Haverá judicialização, o caso chegará à Corte Suprema e o STF terá que se manifestar. Tudo se encaminha para Lula não ser candidato.

Valor: Mas Lula disse que desistirá de concorrer se for condenado.

Melo: Tudo que o Lula está dizendo agora faz parte de sua estratégia de defesa. Não podemos tomar a declaração pelo valor de face. Há certa ambiguidade nestas situações [de condenação em segunda instância], por causa de liminares. Há precedentes em eleições anteriores de candidatos que conseguiram participar, sub judice. Mas o desenlace deve ser o impedimento de se candidatar. Se concorrer, a rejeição dos eleitores o derrubará.

Valor: Com a condenação é provável que venha também a prisão?

Melo: Aí o cenário é mais nebuloso ainda. Mas a prisão interessa menos aos atores envolvidos do que a condenação. Como solução em futuro não muito distante, pode haver um perdão presidencial. A conciliação é uma tradição nossa desde 1853 com o Marquês do Paraná [primeiro-ministro do período imperial que reuniu liberais e conservadores em seu ministério]. A anistia ocorreu em todos os períodos monárquicos e republicanos. É usada amplamente e está presente nas melhores democracias, pois há casos dessa natureza, em momentos de grande importância. Gerald Ford anistiou Nixon. Na Revolta da Armada, no fim do regime militar, não me surpreenderia se acontecesse com Lula. Aliás, quase aconteceu com o [José] Dirceu [o petista recebeu perdão de pena imposta a ele no julgamento do mensalão, mas continuou preso por condenação na Lava-Jato].

DEM planeja lançar Maia à Presidência

Partido deve fazer lançamento em convenção, em 6 de fevereiro; aliados apontam presidente da Câmara como político de diálogo

Igor Gadelha / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O DEM trabalha para lançar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), como candidato ao Palácio do Planalto em 2018. A legenda investe no discurso de que ele é o único candidato com capacidade de “reunificar” a política nacional, por ser hoje um dos poucos parlamentares com trânsito no governo Michel Temer e nos principais partidos de oposição (PT, PCdoB e PDT), que o ajudaram a se eleger para o comando da Casa, além de manter boa relação com o Judiciário.

O lançamento da pré-candidatura já tem data marcada: 6 de fevereiro, quando está prevista a realização da convenção nacional do DEM. Ao apresentar Maia, a estratégia da sigla é testar o nome do presidente da Câmara nas pesquisas eleitorais. O parlamentar fluminense tem dito a aliados que só aceita disputar a Presidência se atingir pelo menos 10% das intenções de voto. Em levantamentos recentes, ele aparece com menos de 5%.

“O Rodrigo tem os principais atributos que o legitimam a exercer essa função de candidato do centro: capacidade de diálogo, equilíbrio e serenidade para tomar decisões. Hoje é um presidente respeitado pelo governo e pela oposição, mostrando vocação para romper esse clima de intolerância política que agita o País”, diz o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), um dos principais entusiastas de sua candidatura.

Em busca de apoio para se viabilizar como candidato ao Planalto, Maia atua em pelo menos duas frentes. Em uma delas, tenta se firmar como líder do Centrão, grupo do qual fazem parte partidos médios, entre eles PP, PR, PSD, PRB e PTB, e que está sem liderança desde a prisão do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na outra, investe em uma aproximação com o PMDB de Michel Temer, o qual trabalha por uma candidatura única da base aliada que defenda o legado econômico de seu governo.

Analistas já preveem alta de até 3% do PIB em 2018

Incerteza sobre Previdência e eleição deve causar turbulência

Economia terminará 2017 com crescimento de 1%, o dobro do esperado, e inflação e juros em baixa

O resultado da economia neste fim de ano, com PIB em alta e juros e inflação em baixa, levou analistas a refazer previsões e projetar crescimento de até 3% em 2018. O ano de 2017 terminará melhor do que o esperado, com expansão perto de 1%, contra a expectativa de 0,5% de meses atrás. Mas a retomada deve ser turbulenta. Ainda serão computados a aprovação ou a rejeição da reforma da Previdência, com votação marcada para fevereiro, e o cenário eleitoral: o Tribunal Regional Federal da 4ª Região marcou o julgamento do ex-presidente Lula, líder nas pesquisas, já em janeiro. Se sua condenação for mantida, o petista será enquadrado na Ficha Limpa e impedido de se candidatar.

2018 melhor, mas turbulento

Retomada mais forte que a esperada em 2017 eleva expectativas para o ano. Eleição é desafio

Marcello Corrêa / O Globo

A economia terminará 2017 melhor do que se esperava. Em janeiro, analistas previam que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria só 0,5% este ano. Agora, segundo pesquisa do Banco Central, projetam alta de quase 1% e inflação mais baixa — as previsões para o IPCA despencaram de 4,8% para menos de 3%. Com a retomada mais forte do emprego e do consumo, melhoraram também as expectativas para 2018 e já há estudos que indicam expansão acima de 3% no ano. Mas quem será o próximo governo? Essa é a dúvida que, para economistas, dará o tom da economia e lançará desafios no ano que vem.

Analistas têm observado que o Brasil viveu três momentos em 2017. Empolgado pela aprovação da emenda que estabelece um teto para os gastos públicos, o mercado esperava que o presidente Michel Temer tivesse força para aprovar mais reformas, principalmente a da Previdência. A delação da JBS, em maio, no entanto, foi um divisor de águas, e parte dos economistas previu que os desdobramentos sobre a economia seriam mais graves. Nos últimos meses de 2017, já era comum ouvir a tese de que a economia se descolou da política. Agora, a visão é a de que a influência de Brasília nos mercados aumente.

Um tempero para essa análise é a expectativa sobre o que acontecerá com a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas de intenção de voto e condenado em primeira instância no âmbito da Operação Lava-Jato. Seu caso será julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no dia 24 de janeiro. A Lei da Ficha Limpa prevê que, se ele for condenado em segunda instância, ficará inelegível. Portanto, as apostas do mercado agora se dividem entre um cenário com Lula e outro sem ele.

Em 2018, mercado vê inflação menor e Selic abaixo dos 7%, aponta Focus

-Valor Econômico

SÃO PAULO - Os sinais mais efetivos de que a inflação deve encerrar o ano abaixo de 3% trazidos pelo IPCA-15, divulgado na semana passada, e pelo Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central, levaram os analistas do mercado a reduzir ainda mais as projeções para o IPCA e para a Selic.

A mediana de estimativas do boletim Focus para a inflação oficial neste ano caiu de 2,83% para 2,78%, enquanto a previsão para o fim do ano que vem furou a barreira dos 4% e se acomodou em 3,96%. Para o IPCA nos próximos 12 meses, a projeção caiu de 3,91% para 3,86%.

Para a Selic, a mediana do mercado reduziu a estimativa de 7% para 6,75% em 2018, refletindo a sinalização do BC de que há espaço para um novo corte na taxa no início do ano que vem.

Já as previsões para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) continuaram a subir no boletim Focus. Para 2017, os economistas aumentaram a aposta de 0,96% para 0,98%, enquanto para 2018 passaram de 2,64% para 2,68%.

Top 5
O grupo de instituições que mais acertam as projeções para o Focus (Top 5) ajustou a previsão para o IPCA para este ano de 2,73% para 2,77%, se alinhando à mediana do restante do mercado.

Para 2018, em contrapartida, a previsão do Top 5 para o IPCA caiu de 3,95% para 3,72%. Para a Selic no fim do ano que vem, as instituições mantiveram a projeção de 6,50%.

Consumo das famílias vai impulsionar PIB em 2018

Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - O consumo das famílias vai impulsionar a economia também em 2018, tendo o investimento como coadjuvante. Essa é a avaliação dominante de bancos e consultorias, que apostam numa expansão do PIB na casa de 1% neste ano e de 2,5% a 3% no ano que vem.

Com os juros mais baixos, o menor endividamento dos consumidores, a melhora no mercado de trabalho e a reação do crédito, o consumo das famílias tende a crescer entre 3% e 4% em 2018, depois de avançar algo como 1% em 2017. Para o investimento, diversos analistas veem uma alta na casa de 6% ou um pouco mais no ano que vem, variação que parece forte, mas que se dá sobre uma base muito fraca.

Já a Fazenda tem uma visão mais positiva sobre o investimento - o secretário de Política Econômica, Fabio Kanczuk, vê espaço para a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) crescer na casa de dois dígitos em 2018.

Para analistas de bancos e consultorias, porém, o consumo privado, com peso de quase dois terços no PIB, é que continuará a puxar a economia. "A contribuição do consumo das famílias para o crescimento será a maior pelo lado da demanda", diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. Ela projeta uma expansão de 3% para a demanda das famílias e de 6,2% para o investimento. Com peso bem menor, equivalente a cerca de 16% no PIB, a FBCF vai contribuir de modo mais modesto para o crescimento, mesmo crescendo a um ritmo duas vezes mais forte que o consumo privado, avalia Alessandra, que espera expansão para o PIB de 2,8%.

Soltura de presos expõe divisão dentro do Supremo

A Primeira Turma é favorável a 16% dos pedidos de habeas corpus e a Segunda, a 40% dos casos

Enquanto a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) é favorável, total ou parcialmente, a 16% dos pedidos de habeas corpus – incluindo os preventivos –, a Segunda tem o mesmo entendimento em 40% dos casos, informam Elisa Clavery , Marianna Holanda e Bibiana Borba, com números obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O período analisado vai de junho de 2015 a outubro deste ano. Diante da diferença entre as decisões, advogados admitem que preparam a defesa de acordo com a filosofia de cada ministro. Até mesmo ministros do STF reconhecem a discrepância entre as turmas: Gilmar Mendes, da Segunda, chegou a chamar a Primeira de “câmara de gás”. Para especialistas, os dados revelam uma “roleta-russa” de decisões, e a consequência, segundo eles, são insegurança jurídica e perda de legitimidade da Corte. O STF não comentou os números.

Soltura de presos acentua divisão dentro do Supremo

Elisa Clavery, Marianna Holanda, Bibiana Borba / O Estado de S. Paulo.

As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) têm entendimentos divergentes sobre a concessão de habeas corpus. Enquanto a Primeira Turma é favorável, total ou parcialmente, a 16% dos pedidos, a Segunda decide próréu em 40% dos casos, mostra levantamento feito pelo Estado com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

A discrepância nos julgamentos finais de habeas corpus – pedidos de liberdade após a prisão ou preventivo para impedir a detenção – revela uma “roleta-russa”, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. A consequência, dizem, é insegurança jurídica e perda de legitimidade da Corte, uma vez que a decisão depende mais da turma ou do relator do que da própria lei. Advogados de políticos, parte de investigados na Operação Lava Jato, afirmam que há uma “clara divisão” no Supremo.

Os dados analisados são referentes a julgamentos entre junho de 2015 – mês em que o ministro Edson Fachin, penúltimo a entrar, passou a integrar a Corte – e outubro deste ano. Na semana passada, antes do recesso do Judiciário, os ministros expediram uma série de decisões divergentes, como a soltura de investigados na Lava Jato e a ordem de cumprimento imediato da pena do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).

Salvo-conduto para o crime: Editorial/O Globo

Pretende-se, de fato, manietar a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal

A proposta de lei sobre abuso de autoridade em tramitação no Congresso tem a marca indelével de vingança corporativista contra a Operação Lava-Jato. São palpáveis as digitais de líderes do PMDB, PSDB, PT, PP, PR e de outros partidos envolvidos, em níveis variados, nas investigações sobre corrupção e lavagem de dinheiro em contratos de obras públicas federais e estaduais.

Sob o pretexto de aperfeiçoar mecanismos de defesa da sociedade contra abusos de agentes públicos, pretende-se, de fato, manietar a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal nos inquéritos em que políticos com e sem mandato apareçam como suspeitos.

A receita é conhecida. Foi aplicada com relativo êxito na Itália, nos anos 90 do século passado, para desestruturar investigações da Operação Mãos Limpas que expôs a a corrupção endêmica no Legislativo, Executivo e também no Judiciário.

O enfrentamento como solução: Editorial/O Estado de S. Paulo

Desponta claramente no campo da esquerda radical um agitador firmemente disposto a liderar uma revolução para a conquista do “poder popular”, cujo principal desafio “é pensar um programa que não seja o de conciliação, mas de enfrentamento e que bote o dedo na ferida de problemas estruturais”. O candidato a líder popular-revolucionário, defasado um século no tempo, é Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), um “movimento territorial dos trabalhadores” que luta contra o capitalismo: “No capitalismo é assim: muitos trabalham e poucos têm dinheiro. Por isso lutamos contra ele”. É o que diz a Cartilha de Princípios do MTST.
Em entrevista ao jornal Valor, Boulos não consegue disfarçar que considera Luiz Inácio Lula da Silva um líder decadente e superado, a quem concede, generosamente, o direito de ser candidato na eleição presidencial do ano que vem “como uma questão democrática”, não de “convergência programática, mas de não deixar que o Judiciário defina o processo eleitoral no tapetão”.

É tão forte a fé de Boulos na decadência de Lula que não acredita que o chefão do PT consiga levar o protesto popular às ruas no caso de ser impedido pela Justiça de candidatar-se à Presidência da República, o que depende de decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) sobre sentença do juiz Sério Moro, que o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do triplex do Guarujá.

A razão disso é que “parte da esquerda deixou de fazer o trabalho de base”, o que “gera apatia, perplexidade” e “a longo prazo cria uma fissura profunda entre Brasília e o Brasil, que se traduz no sentimento de insatisfação com a política e que pode se expressar em algum momento com explosões sociais”. E insiste: “Defendo que a esquerda se apresente em 2018 com projeto de enfrentamento, sem alianças com golpistas”.

Gratuidade ilusória: Editorial/Folha de S. Paulo

Há escassa surpresa na constatação, em pesquisa Datafolha, de que os contribuintes paulistas defendem a continuidade do ensino gratuito nas universidades públicas estaduais. Já assoberbados com a sobrecarga tributária, não admitem pagar por um direito que seria obrigação do Estado respeitar.

O princípio está inscrito no artigo 206 da Constituição, que determina a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Como aí não se faz distinção entre os níveis fundamental, médio e universitário de ensino, decorre que a ideia de cobrar mensalidades no terceiro grau dependeria de alteração constitucional.

Não espanta, assim, que expressivos 70% dos jovens de 16 a 24 anos defendam a manutenção do dispositivo da Carta Maior. Desprovidos de renda própria ou entrando pelo estrato inferior no mercado de trabalho, é compreensível que enxerguem na universidade pública —e gratuita— sua grande chance de ascensão socioeconômica.

Empresas substituem crédito por captações no mercado: Editorial/Valor Econômico

Um estudo divulgado pelo Banco Central em seu Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de dezembro mostra que as empresas estão compensando a queda no crédito bancário por captações em operações como emissões de debêntures, de notas promissórias e de ações. Esse é o início de uma saudável transição nas fontes de financiamento ao setor produtivo, que antes eram excessivamente dependentes das linhas direcionadas dos bancos públicos e agora usam mais o mercado privado de capitais.

O crédito bancário a pessoas jurídicas, um mercado que em novembro somava R$ 1,423 trilhão, vem registrando retração desde meados de 2016, à medida que empresas excessivamente endividadas procuram desalavancar os seus balanços. Esse processo já está bem avançado, mas não concluído, tanto que o Banco Central prevê para 2018 uma contração de 2% no crédito bancário para as pessoas jurídicas.

A Petrobras, por exemplo, anunciou seu novo plano de negócios, na semana passada, com a previsão de reduzir a sua dívida líquida dos atuais US$ 88 bilhões para US$ 77 bilhões até o fim de 2018, incluídos nesses números financiamentos bancários e não bancários. Em setembro de 2016, o endividamento atingiu volume recorde, de US$ 100 bilhões.

Painel/Folha: Com auxílios sob ameaça, associação de juízes ataca verba extra paga a outras categorias, como AGU

Não caio só Sob ameaça de corte do auxílio-moradia, a Associação dos Juízes Federais levantou honorários pagos a integrantes da AGU de maio a outubro deste ano. Em média, eles receberam ao menos R$ 4.000 por mês. Esses valores ficam de fora do cálculo do teto salarial e podem fazer a remuneração extrapolar o limite de R$ 33,7 mil. A Ajufe vai levar os dados à Comissão Especial do Extrateto, do Senado, que discute proposta para limitar ganhos dos servidores ao máximo estabelecido por lei.

Origem As verbas extras destinadas aos membros da AGU são honorários pagos pelas partes que perderam ações. O montante ficava com a União, mas lei aprovada em 2016 determinou que os valores passassem a ser encaminhados a um fundo para serem divididos entre os integrantes do órgão de acordo com o tempo de serviço.

Linha de corte Ao mirar esses honorários, a Ajufe quer trazer novo elemento para defender o direito do auxílio-moradia de R$ 4.377,73 a juízes. O pagamento do benefício deve ser discutido pelo STF em 2018.

Revanche “Estão visando apenas os vencimentos da magistratura e esquecendo os de outras carreiras. Os honorários públicos são um extrateto. É dinheiro que deveria ser direcionado aos cofres públicos. Por que não se discute isso?”, provoca Roberto Veloso, que dirige a associação dos magistrados.

Cada um na sua Desde que o DEM decidiu incluir seu nome na longa lista de presidenciáveis de 2018, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), começou a manter distância regulamentar do ministro Henrique Meirelles (Fazenda).

Porta fechada? Maia mantém postura solidária à agenda econômica, mas tem evitado conversar sobre política com o titular da Fazenda.

Onde pega Se optar por um voo solo, o presidente da Câmara pode criar problemas para o ministro. Hoje no PSD, Meirelles pretendia migrar para o Democratas se sua atual sigla não lhe der legenda para disputar.

Coluna do Estadão: TSE definirá se cota de mulher inclui transexual

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai discutir no início de 2018 o registro de candidaturas de transexuais. A pedido da senadora Fátima Bezerra (PTRN), a Corte Eleitoral deve definir, por exemplo, se um homem transexual que disputar a próxima campanha pode ser incluído pelos partidos na cota feminina. A Lei das Eleições prevê que cada legenda ou coligação deverá preencher no mínimo 30% para candidaturas de cada sexo, mas a senadora alega que o termo “sexo” é questionável nesse caso, pois não alcança a identidade de gênero.

» Deadline. A maioria dos partidos enfrenta problemas para cumprir a cota feminina. O caso dos transexuais está sob a relatoria do ministro Tarcisio Vieira. Uma decisão sobre o tema pode sair até 5 de março, quando o TSE fecha as resoluções da eleição de 2018.

» Indefinição. A senadora pede ao TSE que também esclareça se o candidato transexual pode concorrer com o nome social. Sustenta que a maioria não possui documentos emitidos conforme a identidade de gênero e sim de acordo com o sexo biológico.

» Batata quente. Virou um jogo de empurra a discussão no DEM sobre candidatura própria ao Planalto em 2018. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, diz que o nome do partido é o do prefeito de Salvador, ACM Neto. Já o baiano jura que o candidato é Maia.

» Por etapas. As conversas do PSB com o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa não significam garantia de que ele terá a legenda caso decida disputar a eleição presidencial de 2018. A consulta ao partido só será feita após o ok dele.

Luiz Carlos Azedo: Não é só comida

- Correio Braziliense

Por uma série de razões, entre as quais a Operação Lava-Jato, a queda do preço dos alimentos não se refletiu na popularidade do presidente Michel Temer

Talvez o melhor resultado do governo Temer em 2017, percebido com certeza pelas famílias de baixa renda na ceia deste Natal, tenha sido a redução do preço dos alimentos, da ordem de 5,2%, para um IPCA de 2,7%, em comparação com o ano passado, que registrou uma inflação da alimentação de 9,4%. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, a inflação desse segmento chegou a 12,9%, o que explica em grande parte o enorme descontentamento popular com o governo da petista. Entretanto, por uma série de razões, entre as quais a Operação Lava-Jato, a queda do preço dos alimentos não se refletiu na popularidade do presidente Michel Temer, que continua baixa.

Não foi uma redução qualquer. O peso maior da queda do custo dos alimentos foi dentro de casa, ou seja, nos produtos adquiridos nas feiras e nos supermercados, que chegou a 5,1%, enquanto a inflação fora do domicílio (bares, restaurantes) foi de 3,5%. Essa oportunidade de ouro para Temer capitalizar o êxito de sua política monetária foi desperdiçada porque o governo demorou a se dar conta do fenômeno e não encontrou nenhum símbolo que popularizasse a redução do preço da comida, como aconteceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com Plano Real, quando o frango passou a custar R$ 1 o quilo. Neste Natal, um frango inteiro temperado estava custando mais de R$ 20.

Daniel Aarão Reis: Um brinde para Violeta

- O Globo

Ela nasceu em 4 de outubro de 1917, e veio ao mundo pobre de marré deci, em San Carlos, um vilarejo na periferia de Chillán, nos confins no Chile. O pai, insinuante e finório, boêmio, só gostava dos copos e do violão. A mãe dava duro na costura. A menina cresceu de pé no chão, zanzando por aí. Da mãe herdou as habilidades manuais. Do pai, o gosto pela música e pelo canto.

E assim, de bar em bar, na rua mesmo, em eventuais circos que passavam pelos remotos lugarejos, arrastando seus irmãos com ela, se fez cantora e violonista, sempre de ouvido. Em troca, os camponeses a aplaudiam, e lhe davam ovos e pão, às vezes, uma galinha e feijão, para aquela menina enérgica e decidida, corajosa.

O irmão mais velho, Nicanor, cedo se destacaria pela inteligência e pelo talento literário. Incentivado e apoiado, partiu para Santiago. Violeta, quando fez 15 anos, foi atrás. Pediu guarida, mas o tranquilizou: “Eu me sustento sozinha, com o meu violão”. Logo chamou os manos e com eles percorria casas de canto e de dança, bares e restaurantes, levando aos ouvidos distraídos dos fregueses e dos boêmios as canções populares que aprendera e ouvira do pai, dos amigos e familiares e das gentes dos campos.

Com muito trabalho, foi ganhando espaço e audiência. Como disse seu melhor biógrafo, Fernando Sáez, aquela voz afinada, algo áspera, estranha, sombria, terrosa, fora dos padrões, seduzia e encantava. Sempre que tinha um tempo, partia para os vilarejos à cata de músicas e canções. De cada viagem, vinha com uma colheita de joias raras do cancioneiro popular. Diziam das ilusões e das misérias da vida cotidiana, do trabalho duro, de Deus e do diabo, de seu combate eterno e apocalíptico, de sonhos e de amores que davam certo, alguns; outros, a maior parte, nem tanto. Trazia também, e nisto foi pioneira, os nomes dos autores e das autoras, o ambiente e a coreografia de cada canção, costumes e usos, comidas e bebidas associados, chegando inclusive a descobrir instrumentos musicais antigos, em desuso, como o chamado guitarrón, com 25 cordas agrupadas de cinco em cinco e que se tocam conjuntamente. E convidava as mulheres camponesas para conversar nos espetáculos, contar sobre as origens e as condições das músicas que cantavam: cuecas, tonadas, parabienes e esquinazos, cuartetas e décimas, chapecaos e mais polcas e mazurcas. Ao contrário de uma certa tradição idílica das relações nos campos, tecendo uma visão cor-de-rosa do que se convencionava chamar, de forma indulgente, de “folclore”, manifestação ingênua e “primitiva” de um povo “bom”, que aparecia para as elites através de mulheres e homens engalanados, Violeta mostrava o encanto da vida dos camponeses, mas sem disfarçar ou ocultar a dureza da vida que era a sua. E mudou inclusive a forma de se apresentar, com saias negras e blusas brancas, os vastos cabelos negros, entrançados ou soltos, realçando um rosto grave, olhos profundos e meio tristes.

E assim se fez conhecida aquela mulher e se tornou a melhor cantora do Chile: Violeta Parra.

Vladimir Maiakovski: A Esperança

Injeta sangue no meu coração, enche-me até o bordo das veias!
Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre ,
sobre a terra
não vivi o meu bocado de amor. Eu era gigante de porte, mas para que este tamanho?
Para tal trabalho basta uma polegada.
Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:
esfregar,
lavar,
escovar,
flanar,
montar guarda.
Posso, se vos agradar, servir-vos de porteiro.
Há, entre vós, bastante porteiros?
Eu era um tipo alegre,
mas que fazer da alegria,
quando a dor é um rio sem vau?
Em nossos dias,
se os dentes vos mostrarem não é senão para vos morder ou dilacerar. O que quer que aconteça,
nas aflições,
pesar...
Chamai-me! Um sujeito engraçado pode ser útil. Eu vos proporei charadas, hipérboles e alegorias, malabares dar-vos-ei em versos. Eu amei... mas é melhor não mexer nisso. Te sentes mal?

Paulinho da Viola: Pecado capital