domingo, 3 de dezembro de 2017

Luiz Werneck Vianna *: A sucessão e o novo espírito do tempo

- O Estado de S.Paulo

O cenário pela frente não favorece previsões de desenlaces felizes para os nossos dilemas

A política brasileira encontra-se criptografada, indecifrável para os mortais comuns, que a cada dia são aturdidos pelos meios de comunicação com notícias de que o fim do nosso mundo está próximo e não há o que fazer para salvá-lo do pântano da corrupção em que estaria atolado. Nossos profetas do apocalipse são prisioneiros de suas fabulações sobre a História do País, que identificam como um experimento malsucedido a ser “passado a limpo” por sua intervenção redentora. Querem nos fazer crer que atuam em nome de ideais e sem interesse próprio, mas o gato está escondido com o rabo de fora, pois em meio à alaúza que provocam se pode entrever a manipulação da sucessão presidencial de 2018.

Essa sucessão abre uma janela de oportunidade para uma agenda inovadora que procure, em meio a um amplo processo de deliberação pública, identificar novos rumos legitimados pelo voto para o País. No entanto, caso se frustre esse caminho por desastradas ações dos agentes políticos, pode apontar para o derruimento do regime da Carta de 88, concedendo passagem às potências malignas que ora nos espreitam. O cenário que se tem pela frente, é forçoso reconhecer, não favorece previsões de desenlaces felizes para os dilemas com que ora nos confrontamos.

Aqui, ao que parece, Maquiavel foi banido do nosso repertório político desde o advento da Operação Lava Jato, há três anos presença dominante na conjuntura sem que, salvo exceções, a copiosa literatura que lhe é dedicada leve em conta as circunstâncias que envolvem as ações dos atores e dos fins que erraticamente perseguem. Desarmados de suas lições, anacronicamente recuamos ao medievo, atribuindo-se - “maquiavelicamente”? - precedência dos valores da moralidade sobre a razão política. Ignora-se que o realismo político que Maquiavel preconizava estava a serviço de um ideal cívico, qual seja o de criar na Itália um Estado capaz de livrá-la da dominação estrangeira.

No campo do Direito, é Weber o ignorado em sua veemente recusa às pretensões “patéticas”, em suas palavras, dos juízes que se comportam nos seus julgamentos em “nome de postulados de justiça social”. Exemplares, no caso, os juízes que desafiam a ordem racional-legal ao recusarem, em nome do que sua corporação entende como o justo, a aplicação a lei da reforma da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Fernando Henrique Cardoso *: Coragem e decência

- O Estado de S.Paulo


É hora de o PSDB mostrar como vê o futuro e colaborar para uma sociedade melhor


Quando eu era criança havia um ditado que insistia em que “ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. Eram tempos do Jeca Tatu, figura mítica que habitava os campos brasileiros. Ainda devem existir jecas-tatus por este mundão afora, mas sua imagem esmaeceu no imaginário brasileiro. Havia o drama dos pés descalços; mesmo no Rio, onde passei a meninice e não havia muita gente descalça, muitos usavam tamancos. O bicho-do-pé era uma preocupação dos que iam às fazendas. Depois veio a leva das “havaianas” e se tornou raro ver gente sem sapato. As saúvas devem continuar existindo...

Mais recentemente, antecedendo a Constituição de 1988 e mesmo depois dela, durante meu governo, as “marchas dos sem-terra” tornaram realidade política a carência de reformas no campo. Bem ou mal fomos distribuindo terras. Somando o que foi feito em meu governo ao que fez o primeiro governo petista, houve, sem alarde, uma “reforma agrária”, se considerarmos a redistribuição de terras. Ao lado disso, houve uma revolução agrícola, com ciência e tecnologia da Embrapa por trás, financiamento mais adequado e audácia empresarial.

Não havia SUS até que os governos pós-Constituição de 1988 o puseram em marcha. Adib Jatene, Cesar Albuquerque, José Serra e Barjas Negri são, dentre outros, nomes a serem lembrados nessa construção. Sem esquecer que foi o grupo dos “sanitaristas” da Constituinte, composto por médicos, geralmente de esquerda, que introduziu a noção de seguridade e inventou a colaboração público-privada no SUS.

É boa a prestação de serviços pelo SUS? Depende. Mas ele existe e atende, em tese, os 205 milhões de brasileiros.

Merval Pereira: O semipresidencialismo

- O Globo

A proposta do semipresidencialismo em análise. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece o semipresidencialismo como forma de governo no país atribui ao presidente da República, que seria eleito pelo voto direto, um papel mais amplo do que o de árbitro de decisões do governo. O Artigo 61 confere ao presidente a competência de propor leis ordinárias e complementares. Por sua vez, o Artigo 84 permite ao chefe de Estado vetar total e parcialmente projetos de lei.

Ele está sendo debatido pelo presidente Michel Temer com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício de Oliveira, além de lideranças políticas, e pode ser apresentado ainda neste governo, mas não poderia entrar em vigor em 2018, pois já temos menos de um ano para as eleições.

Além do mais, o tema é controverso, pois a mudança do presidencialismo para o parlamentarismo já foi derrotada duas vezes em plebiscito, e o Supremo ainda julgará se é possível fazer tal mudança apenas por emenda constitucional, sem novo plebiscito. Octavio Amorim Neto, professor associado da EBAPE/FGV-Rio e atualmente investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa no período 20172018, um especialista nesse tipo de sistema de governo, principalmente no sistema português, que estuda há 20 anos, fez, a meu pedido, uma análise da PEC, baseando seus comentários nos trabalhos dos politólogos Robert Elgie, Matthew Shugart e John Carey.

Bernardo Mello Franco: O compadre invisível

- Folha de S. Paulo

Gilmar Mendes mandou soltar o rei dos ônibus. Parece notícia velha, mas não é. Na sexta-feira, o supremo ministro voltou a libertar o empresário acusado de chefiar a máfia dos transportes no Rio. Foi o terceiro habeas corpus concedido por Gilmar ao mesmo réu.

Em julho, Jacob Barata Filho foi preso na Operação Ponto Final. Os policiais que batizaram a ação não contavam com a canetada do ministro. Após retornar das férias, Gilmar liberou o empresário para seguir viagem longe da cadeia de Benfica.

Com base em novas provas, o juiz Marcelo Bretas voltou a decretar a prisão de Barata. O ministro deu uma entrevista invocada e mandou soltá-lo pela segunda vez em menos de 24 horas. A velocidade motivou a Lava Jato a questionar os vínculos entre o libertador e o libertado.

Gilmar foi padrinho de casamento da filha de Barata. Além disso, seu cunhado é sócio do empresário. Para completar, a mulher do ministro é sócia do escritório de advocacia que defende as empresas do réu.

Vera Magalhães: A gestação de um líder

- O Estado de S.Paulo

Antes da eleição, Alckmin tem de mostrar que é capaz de comandar o próprio partido

O personalismo é uma marca indelével da política brasileira, sabemos todos. Procuramos não ideias ou projetos, mas personagens capazes de empunhar bandeiras e nos convencer de que são os líderes talhados para conduzir o país naquele momento.

No cenário político que se desenha para 2018, há dois candidatos a herói já em campanha. Lula desempenha esse papel desde sempre. Mesmo decadente e desfiando em sua nova campanha uma versão falseada da própria história e do país, tem um partido à sua disposição e um público disposto a engolir seu cordel político.

Do outro lado, uma parcela da direita, que execra Lula e tudo que o petismo legou ao país nos últimos anos, não pensa duas vezes antes de embarcar com fé cega e faca amoladíssima na conversa de outro populista, Jair Bolsonaro, seduzida por palavras de ordem e pela promessa de um nirvana de ordem e progresso.

Diante de um quadro assim polarizado, em que os únicos convictos parecem mais integrantes de seitas que eleitores, há espaço para lideranças menos inflamadas e carismáticas? Parece ser essa a busca de um amplo setor da sociedade, menos ruidoso que os exércitos de Lula e Bolsonaro, invisível nas ribaltas das redes sociais e das passeatas, mas que vai decidir a eleição.

Míriam Leitão: Conflitos do Brasil

- O Globo

Exposição revela a memória dos conflitos da República. Deixe do lado de fora do Instituto Moreira Salles, no Rio, qualquer ideia que você tenha sobre o Brasil ser um país pacífico, sem guerras, e prepare-se para ver a história em fotos e ângulos inesperados. Em Ponta Grossa, em abril de 1894, o cabo Sebastião Juvêncio, ao lado de superiores, faz pose para o fotógrafo Affonso de Oliveira Melo, minutos antes de degolar um rebelde.

Era a Revolução Federalista, no Sul do Brasil, uma guerra civil que deixou dez mil mortos, mil deles degolados. A Kodak havia acabado de chegar ao Brasil, e “as partes em luta contratavam estúdios fotográficos para retratar líderes, tropas, acampamentos e vitórias", diz o texto da curadora Heloisa Espada. Algumas fotos são de arquivos públicos, outras são de coleções pessoais, e houve um esforço de procura de documentos inéditos.

A exposição conta com imagens a História do Brasil através dos seus conflitos, do início da República até 1964. Trata do golpe, mas não da ditadura militar, porque aí seria uma outra história, explica Heloisa Starling. Ela e Angela de Castro Gomes são as organizadoras. A exposição exibe imagens de uma sequência impressionante de revoltas, motins, guerras sangrentas ao longo de 75 anos da República, dissolvendo a ideia de que o Brasil resolveu desavenças apenas na negociação.

Celso Ming: ‘Quem castiga é os avessos’

- O Estado de S.Paulo

A recuperação da economia deixou de ser apenas uma aposta. Já está demonstrada em números sólidos.

Quem olhou para o resultado do PIB do terceiro trimestre divulgado nesta sexta-feira, pode ter ficado com a impressão de que o avanço não passou de coceirinha: apenas 0,1% sobre o segundo trimestre.

Curiosamente, desta vez, o resultado mais relevante foi visto pelo retrovisor. O IBGE revisou para mais tanto os resultados de 2016 (queda de 3,5% e não de 3,6%), como também os dos dois trimestres deste ano. O efeito mais importante dessas revisões é a nova percepção de que, em outubro, a economia já estava num patamar superior ao imaginado antes. Foi como se PIB do último trimestre estivesse ficado 0,6% acima do PIB de 2016.

No entanto, entre os números mais relevantes estão o bom avanço da indústria (mais 0,8% sobre o segundo trimestre), o aumento do consumo das famílias (1,2% sobre o trimestre anterior) e, o expressivo crescimento do investimento (1,6% sobre o trimestre anterior).

Marcos Lisboa: Travessia

- Folha de S. Paulo

Será traumático corrigir os caros equívocos das políticas setoriais da última década. Apenas o subsídio concedido nos empréstimos do BNDES entre 2009 e 2014 custou mais de R$ 320 bilhões. Não deveria surpreender. Fracasso similar ocorreu nos governos JK e Geisel. Ambos também adotaram medidas de incentivo à produção local que resultaram em longos anos de crise e muitas empresas incapazes de concorrer com a produção externa.

O nacional desenvolvimentismo acredita que produzir localmente é preferível à importação. O nosso atraso decorreria de duas causas principais. Em primeiro lugar, empresas estrangeiras remeteriam lucros extraordinários às suas matrizes. Em segundo, o comércio internacional nos seria desfavorável. Exportávamos matérias primas, como café e açúcar, cujos preços tenderiam a diminuir em comparação com os bens industriais. Superar o atraso passaria pela restrição à remessa de lucros e por produzir aqui tudo o que fosse possível.

Essas conjecturas estavam erradas. A Light exemplifica a empresa estrangeira denunciada por seus supostas tarifas e lucros excessivos em meados do século 20. Marcelo Jourdan, porém, analisou os seus balanços e mostrou que as tarifas e lucros foram abaixo do mínimo esperado.

Fernando Gabeira: Reflexões sobre o provolone

- O Globo

Parei algum tempo para pensar na história do deputado que levava queijo provolone e biscoitos na cueca. Ele foi condenado a sete dias no isolamento. O queijo provolone custa R$ 35, o quilo. Na cela de Cabral foram encontrados queijos tipo Saint Paulin e Chavroux, ambos rondando os R$ 300, o quilo. Nada aconteceu, exceto a retirada dos alimentos importados.

Na verdade, acho que ambos os casos são simples infrações das regras do presídio. O do deputado Celso Jacob acabou resultando numa pena quase que perpétua. Durante muitos anos, ele será conhecido como o deputado do queijo na cueca. De um ponto vista social, é um ato inofensivo. Descoberto, revela um ser humano numa situação patética, dessas que podem acontecer com muitas pessoas ao longo da vida. São, ao mesmo tempo inofensivas mas destruidoras, se divulgadas.

Minha conclusão sobre esse caso não é nada popular, a julgar pelas reações das pessoas com quem comentei meu desconforto. Sinceramente, acho que ele deveria sofrer algum tipo de punição por infringir a regra e que não deveria exercer o mandato desde quando foi condenado. No entanto, o sistema penitenciário poderia tratar o caso como a centenas de outros no presídio, sem exposição pública.

Sei que a luta contra a corrupção é uma grande causa. Exatamente por abraçar algumas grandes causas, tenho também um pouco de medo delas. Às vezes, fazem com que gente ignore o outro e sua precária condição humana, no embalo da defesa de nossas ideias.

A revolução cultural chinesa foi um impacto para mim. Estava em Lisboa, rumo ao País de Gales, onde faria um curso de jornalismo. Aquelas imagens de homens seminus com cartazes pendurados no peito me traziam desconforto. Com o tempo, conheci melhor o que se passou na China, e cada vez mais a ação daqueles jovens com o livro vermelho de Mao Tsé-Tung na mão, prendendo e humilhando, pareceu-me uma maneira doentia de como uma sociedade autoritária pune as pessoas.

Até num filme sobre julgamento de líderes nazistas, lembro-me de uma cena, de um dos acusados mais velhos segurando a calça porque estava sem cintos, em que senti também um desconforto.

Cacá Diegues: O estranho caso de miss McCarthy

- O Globo

Quando minha filha me mostrou revoltada o vídeo no celular, achei que podia ser uma brincadeira de mau gosto, um desses programas de youtubers que gostam de agredir o politicamente correto. Um Porta dos Fundos infeliz. Mas depois entendi que se tratava mesmo de um post de alguém que tinha o hábito de frequentar a internet com esse tipo de intervenção imbecil, em relação a qualquer assunto que fosse capaz de ferir o próximo. Um praticante gratuito de um certo exibicionismo sadomasoquista.

No vídeo, uma moça feia, meio gordinha, com cabelos cortados em franjas de um jeito bem antigo, lábios viperinos que tentavam impedir os dentes de pularem fora e um sorriso sequestrado pelo pescoço grosso, dizia, através de palavras mal mastigadas, coisas horríveis sobre Titi, de 4 anos, filha adotiva do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, astros de nossa televisão. Titi, vi depois seu retrato na imprensa, é uma criança graciosa, que os pais adotivos conheceram num país africano. A menina é, portanto, negra, a razão dos desvarios da moça na internet.

A moça em questão se chama Dayane Alcântara Couto de Andrade, mas se manifesta nas redes sociais com o pseudônimo de Day McCarthy, como se fosse uma cidadã americana que mora no Canadá. Aos jornalistas que recebeu com entusiasmo, miss McCarthy afirmou que faz sempre esse tipo de publicação nas redes, para se vingar de quando, desde sua tenra infância, era vítima de bullying na escola, de colegas que a chamavam de pobre, gorda e feia. Dayane disse no jornal que já nasceu “com pensamento racista”. “As pessoas me chamavam de macaca”, disse ela, “porque diziam que eu era preta e tinha o nariz de Michael Jackson”.

Eliane Cantanhêde: Huck: alívio e luto

- O Estado de S.Paulo

Luciano Huck articulava partido, programa e equipe, mas pode ser tarde demais

Anunciada sua decisão de participar da política, mas não como candidato à Presidência, Luciano Huck fez o que mais ansiava desde que entrou na roda e passou a “apanhar” nas redes sociais: submergiu. Isso não significa que esteja feliz com as decisões. “Estou aliviado e de luto”, repete a interlocutores.

Aliviado porque os não-políticos ficam traumatizados ao entrar na mira. E, de luto, porque Huck não estava brincando quando quase assinou sua filiação ao PPS, integrou movimentos de renovação política, saiu conversando a torto e a direito e meteu a cara nos estudos. A verdade é que ele estava animado.

Tudo começou quando uma amiga avisou: “O Paulo Guedes está lançando seu nome para a Presidência”. Não é nada trivial, em especial se você não é político, não tem partido, não se chama Manuel nem mora em Niterói. Mas aquilo acionou em Huck o desafio, seu gosto pelo debate político, a certeza de que o Brasil está fadado a dar certo. Oito meses depois, os dois conversavam seriamente.

Paulo Guedes, um dos fundadores do Banco Pactual, é um liberal moderno por definição. Quando teve o estalo de que Huck seria um bom produto eleitoral, ele vislumbrou também nele o talento e a capacidade para presidir o País. Como convém a um homem de mercado, com formação em Chicago, o estalo veio com as pesquisas.

A ficção que trava a reforma: Editorial/O Estado de S. Paulo

Apesar da urgente necessidade de aprovar a reforma da Previdência e de todo o debate já ocorrido nos últimos meses em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, a impressão é de que o assunto não avança como deveria no Congresso. Há quem diga que, no momento, o governo de Michel Temer teria em torno de 270 votos favoráveis à reforma na Câmara, número insuficiente para aprovar uma emenda à Constituição. É possível, sem sombra de dúvida, questionar a precisão dessas estimativas de votos, que sempre contêm larga margem de erro, mas o fato incontornável é que a reforma da Previdência parece estar empacada.

É necessário, portanto, romper essa inércia, que deixa o País à deriva, como se toda a discussão sobre a inviabilidade e a injustiça do atual sistema previdenciário fosse mero exercício teórico, sem consequências práticas. Urge votar a PEC 287/2016.

E por que não se vota a reforma da Previdência? Uma resposta possível é dizer que mudanças no sistema previdenciário são sempre impopulares e que, com as eleições de 2018, os parlamentares não se entusiasmam em enfrentar o assunto. Esquivar-se seria mais fácil. Ainda que essa justificativa pareça plausível, ela é insuficiente para explicar o atual travamento da reforma da Previdência.

Lula, Bolsonaro e o PIB: Editorial/Folha de S. Paulo

Os sinais cada vez mais consistentes de que a economia voltou a crescer ainda parecem insuficientes para convencer os eleitores de que a dolorosa recessão atravessada pelo país ficou mesmo para trás.

O pessimismo segue dominante na opinião pública, de acordo com o novo levantamento do Datafolha. Para 61% da população, a situação econômica do país continuou piorando nos últimos meses. Somente 27% apostam em alguma melhora daqui para a frente.

Os números ajudam a entender a impopularidade do governo Michel Temer (PMDB) e a força eleitoral exibida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se mantém na liderança da corrida presidencial, com vantagem significativa sobre seus principais rivais.

Com o desemprego ainda em patamares elevados e sem conseguir enxergar razões para otimismo, é natural que muitos eleitores se lembrem com generosidade do petista, associando-o ao crescimento acelerado que marcou os últimos anos de seu governo, e não ao desastre que sobreveio quando esse ritmo se revelou insustentável.

‘A batalha final’: Editorial/O Estado de S. Paulo

Os procuradores da República envolvidos na Operação Lava Jato divulgaram um manifesto que em tudo se assemelha a um panfleto político-partidário. Intitulado Carta do Rio de Janeiro, em referência à capital fluminense, onde eles se reuniram no dia 27 passado, o texto enumera uma série de resultados positivos do esforço contra a corrupção em curso desde 2014, para em seguida, mais uma vez, denunciar uma orquestração dos políticos “contra as investigações e os investigadores”. Diz ainda que “as tentativas de garantir a impunidade de políticos poderosos certamente se intensificarão”, razão pela qual a sociedade deve manifestar-se contra qualquer tentativa do Congresso “de dificultar ou impedir as investigações criminais de pessoas poderosas”. Para esse fim, “é crucial que em 2018 cada eleitor escolha cuidadosamente, dentre os diversos setores de nossa sociedade, apenas deputados e senadores com passado limpo, comprometidos com os valores democráticos e republicanos e que apoiem efetivamente a agenda anticorrupção”.

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, foi ainda mais dramático. Segundo ele, 2018 será o ano da “batalha final” da operação anticorrupção, pois a “eleição de deputados federais e senadores é que determinará se existirão retrocessos na luta contra a corrupção”.

Para os procuradores da Lava Jato, os brasileiros escolheram muito mal seus representantes no Congresso e, portanto, devem tomar mais cuidado no ano que vem. Mais do que isso: não basta ao eleitor escolher um candidato conforme sua afinidade política ou em apoio a uma determinada plataforma; para que sua opção seja considerada correta, é preciso respeitar os critérios estabelecidos por esses iluminados. Talvez então seja prudente aguardar a opinião deles sobre os candidatos para só então escolher em quem se deva votar em 2018.

Um perfil inédito para a Petrobras: Editorial/O Globo

A paridade dos preços internos com os externos é essencial para a desejada atração de sócios para o refino, rompendo-se tabu criado há décadas

Maior empresa brasileira, de envergadura com proporções gigantescas, mesmo em padrões mundiais, a Petrobras passa por importantes transformações, permitidas pelo afastamento do poder do nacional-populismo de Dilma e Lula, no impeachment da presidente, por crime de responsabilidade. O tempo da nova administração, com Pedro Parente à frente, ministro chefe da Casa-Civil de Fernando Henrique Cardoso, é curto, porém os danos causados pelo lulopetismo na estatal foram tão sérios que apenas uma terapia profunda evitaria que a empresa tivesse de ser socorrida pelo Tesouro, com o país em grave crise fiscal. Deu certo.

Sufocada pela maior dívida corporativa do mundo (meio trilhão de reais), a empresa passou a vender ativos — como aconselhava a sensatez. Há um programa de venda de US$ 21 bilhões entre este e o ano que vem. Com Dilma-Lula, o BNDES repassaria recursos recebidos do Tesouro, que se endividaria para isso, numa ciranda cujo resultado seria o mesmo desarranjo fiscal que terminou sendo provocado por Dilma com seu “novo marco macro econômico”.

O Congresso aprovou mudanças estratégicas no modelo estatista, intervencionista de exigência de índices irreais de conteúdo nacional para equipamentos contratados pelos consórcios vencedores de rodadas de licitação. Isso voltou a atrair investidores estrangeiros. Reviu-se a delirante regra que concedeu à Petrobras monopólio na operação no pré-sal e fixava a participação compulsória da estatal em 30% dos consórcios.

Lula se fortalece para 2018 e Bolsonaro se consolida em 2º

Lula lidera, e Bolsonaro se consolida em 2º, aponta Datafolha

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fortaleceu sua liderança e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) está isolado em segundo lugar da corrida presidencial, segundo indica pesquisa do Datafolha.

A constatação coincide com o momento em que o PSDB tenta emplacar o nome do governador Geraldo Alckmin (SP) como o candidato das forças de centro no pleito de 2018, contrapondo-o aos extremos da esquerda e direita, personificados respectivamente em Lula e Bolsonaro.

Além disso, o apresentador Luciano Huck, alvo de especulações para a mesma tarefa, disse que não será candidato.

O instituto fez 2.765 entrevistas entre 29 e 30 de novembro, em 192 cidades. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

Como houve alterações em cenários, só é possível comparação com levantamentos anteriores nas simulações de intenção espontânea de voto no primeiro turno e estimuladas no segundo.

O tucano, hoje, está em quarto lugar na disputa em um cenário com a maior gama de candidatos colocada, empatado numericamente com o ex-governador Ciro Gomes (PDT, 6%) e tecnicamente com o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa (sem partido mas cortejado pelo PSB, 5%) e o senador Alvaro Dias (Podemos, 3%).

Aqui, Lula lidera com 34% e Bolsonaro o segue com 17%. Marina Silva (Rede) aparece numericamente acima do pelotão encabeçado por Alckmin e Ciro, mas tecnicamente empatada com ambos.

Marina encerra 'ciclo de reflexão' e se lança pré-candidata à Presidência

Marina Dias / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Após um longo período de discussões e do que costuma chamar de "ciclo de reflexão", Marina Silva decidiu se lançar pré-candidata à Presidência em 2018. A ex-senadora afirmou que a crise em que o país está mergulhado fez com que ela se dispusesse a concorrer pela terceira vez ao Palácio do Planalto.

"O compromisso e o senso de responsabilidade, sem ser a dona da verdade, me convoca para esse momento", afirmou Marina neste sábado (2), em Brasília, durante reunião do Elo Nacional da Rede, partido fundado pela ex-senadora em 2015.

Em discurso de quase uma hora, Marina disse que é preciso "dar um sabático de quatro anos para os partidos que criaram a crise no país" e que está preparada para enfrentar uma "campanha ralada".

"Não vamos nos unir para combater ninguém [...] uma campanha ralada dói bem menos que um país partido", completou em uma paródia da música da Kell Smith.

Alckmin já articula por apoio do PMDB

Com governador, Temer diz que desembarque do PSDB será ‘elegante’

Silvia Amorim e Gustavo Schmitt / O Globo

Lula lidera pesquisa do Datafolha, e Bolsonaro se consolida em segundo. A indicação de Geraldo Alckmin para a presidência do PSDB impôs novo ritmo à aproximação do tucano com os peemedebistas, grupo com o qual ele não pretendia avançar tão cedo nas negociações que miram as eleições de 2018. De imediato, o governador de São Paulo terá duas missões que servem como teste de fogo para uma aliança, que pode dar ao partido um acréscimo significativo no tempo de TV durante a campanha: a garantia de votos do PSDB na reforma da Previdência e a condução do desembarque dos tucanos que ocupam cargos no governo.

Nesse novo cenário, a entrega de 900 imóveis do Minha Casa, Minha Vida ontem, em Limeira (SP), reuniu Temer e Alckmin. O presidente tentou suavizar o desembarque tucano.

— Será uma coisa cortês e elegante, como é do meu estilo e do governador. O PSDB deu uma grande colaboração ao governo por um ano e meio — disse Temer. Alckmin fez um aceno positivo. — Presidente, conte conosco. A boa política é buscar entendimento para os problemas do Brasil — disse o governador de São Paulo, que preferiu não comentar sobre entrega de cargos do governo.

Devem sair os ministros Luislinda Valois, dos Direitos Humanos, e Antonio Imbassahy, da secretaria de Governo. Apenas Aloysio Nunes, das Relações Exteriores, pode permanecer.

REALINHAMENTO COM O PMDB
Antes mesmo de ser aclamado para comandar o PSDB, dividido entre os grupos dos senadores Aécio Neves (MG) e Tasso Jereissati (CE), Alckmin fazia movimentos pontuais e procurava lideranças regionais do PMDB, inclusive adversários do grupo político de Temer.

PMDB e PSDB projetam aliança só em três Estados

Até agora, apenas no TO, AC e BA peemedebistas e tucanos caminham para um acordo na disputa estadual; lógica local prejudica ideia de candidatura única à Presidência

Renan Truffi, Daiene Cardoso e Pedro Venceslau / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA E SÃO PAULO – A defesa de um “projeto único de poder” por meio de uma candidatura de centro-direita que inclua PMDB e PSDB na eleição presidencial de 2018 não tem suporte até o momento nos Estados. Nas alianças regionais, predominam os interesses locais. O PMDB deverá ter candidatura própria ao governo em pelo menos 12 Estados e somente em três unidades da Federação tucanos e peemedebistas estão próximos de se coligarem na disputa majoritária.

Dono de uma das principais bancadas no Congresso – atualmente com 81 parlamentares –, o PMDB é um forte aliado durante a campanha porque dispõe de um dos maiores tempos de TV e tem porcentual significativo do fundo eleitoral, criado para financiar as candidaturas com verba pública.

Pelos acordos desenhados até agora, o PMDB não tem aliança garantida com o PSDB em nenhum dos 12 Estados onde projeta candidatura ao governo. O partido do presidente Michel Temer deve ser protagonista de sua própria chapa em Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Nestes Estados há negociação por aliança com os tucanos apenas no Tocantins. Isso porque o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) e o governador Marcelo Miranda (PMDB-TO) ensaiam, nos bastidores, uma eventual composição de chapa conjunta, algo negado oficialmente pelo Executivo.

No Acre e na Bahia, dois Estados em que nem PMDB nem PSDB devem ser protagonistas, os dois parecem estar mais próximo de uma união. No primeiro, a ideia é os peemedebistas se unirem aos tucanos contra a hegemonia do PT, que governa o Estado desde 1999. Assim, eles cogitam apoiar a candidatura do senador Gladson Cameli (PP-AC) ao Executivo. Neste cenário, o PMDB indicaria o ex-deputado federal Marcio Bittar (PMDB-AC) para vaga no Senado e os tucanos escolheriam o vice de Cameli.

Na Bahia, a ideia é uma coligação em torno da candidatura do prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM-BA), ao governo. Assim, os tucanos devem indicar o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA) para o Senado, enquanto o PMDB negocia o nome do vice na mesma chapa.

A ideia original era que uma das vagas de senador ficasse com o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), preso na Operação Lava Jato, ou com o irmão dele, o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que é citado nas investigações. Ele nega irregularidades.

As conversas de aliança entre PMDB e PSDB podem evoluir em alguns Estados onde o cenário permanece indefinido, como Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Pernambuco e Santa Catarina.

No Distrito Federal, o partido se desgastou com a prisão do presidente da sigla, Tadeu Filippelli, que deve tentar uma vaga na Câmara dos Deputados. Agora, Filippelli costura uma aliança com o PSDB, cujo candidato ao governo local deve ser o deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF).

Ao Estado, Izalci disse que a saída do PSDB do governo Michel Temer não deve refletir na aliança local, uma vez que a cúpula do PMDB nacional não tem tradição de interferir em questões regionais. “PMDB e PSDB no DF precisam de um palanque forte. Não vamos excluir qualquer partido de uma aliança.”

Em Pernambuco, o cenário ainda é indefinido por causa da disputa entre o grupo que atualmente comanda o Diretório Estadual, do deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), e os aliados do senador Fernando Bezerra (PMDB-PE), que almeja disputar o governo do Estado e se filiou recentemente ao partido. Jarbas quer ser o candidato ao Senado pela sigla e defende a manutenção da composição com o PSB. Bezerra, no entanto, ensaia uma aproximação com os tucanos, liderados pelo ex-ministro das Cidades, o deputado Bruno Araújo.

Há ainda os casos em que a aliança parece estar longe de se consolidar, como em Minas, onde os peemedebistas estão na base do governo Fernando Pimentel (PT) e devem apoiá-lo, apesar de haver uma dissidência peemedebista próxima ao PSDB. Para o deputado tucano Marcus Pestana (MG), aliado do senador Aécio Neves (PSDB-MG), o PMDB, desde a redemocratização, optou por ser coadjuvante no palanque nacional para se fortalecer em suas bases.

Fernando Pessoa: Acaso

No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.

Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.

Wilson das Neves - Os papéis / O Samba é meu dom