domingo, 16 de julho de 2017

As metáforas de Bobbio | *Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S.Paulo

30 anos de democracia não civilizaram as partes em conflito na cena brasileira

Não são poucas as fantasias desfeitas e as ilusões perdidas que temos visto desfilar nos últimos tempos. Elas parecem passar mais depressa em períodos de crise vertiginosa e não poupam ninguém, mostrando os farrapos de bem e mal-intencionados, de “tribunos do povo” e adeptos de um liberalismo restrito. Difícil decifrar uma cena tomada pela centralidade dos órgãos de controle e pelos destroços de um sistema partidário que deveria vertebrar a institucionalidade democrática estabelecida há quase 30 anos.

Para usar uma metáfora de Bobbio, aliás, originalmente de Wittgenstein, cada um de nós terá alguns bons motivos para se sentir como a mosca dentro de uma garrafa, a esperar talvez por uma intervenção externa que a livre da prisão. A intervenção externa em nosso caso, segundo os defensores extremados da inédita ação corretiva em curso, viria pura e tão somente de juízes, delegados e promotores, mesmo quando, ressalvado o papel globalmente positivo que desempenham, fazem como o Bacamarte machadiano, para quem toda a Itaguaí deveria ser encerrada na Casa Verde; ou para quem, atualizando a trama, a atividade política só poderia recomeçar depois de encontrada uma “solução final” para a corrupção.

Luzes e trevas | Fernando Gabeira

- O Globo

É o momento de avaliar não só um governo, mas todo o processo de redemocratização. A notícia da condenação de Lula chegou num momento especial. Acabara de escrever um artigo sobre o apagão no Senado. E comparava aquilo aos apagões nos estádios de futebol: a luz volta aos poucos. E concluía que, no universo político, as luzes só voltarão completamente em 2018. A condenação de Lula é uma pequena lanterna para enxergar parcialmente o cenário das eleições presidenciais. A estratégia de lançar a candidatura para escapar da Justiça, de politizar o processo, sofreu um golpe. Talvez por falta de alternativa, a esquerda pode insistir nela. Mas é um equívoco fixar-se no destino de uma só pessoa e esquecer o país. O Tribunal Regional em Porto Alegre pode levar até nove meses para julgar um recurso, uma condenação fundada em provas testemunhais, documentais e periciais. Pode até levar mais. Legalmente é possível ser candidato. Mas será preciso levar um guarda-roupas de candidato e uma malinha com as coisas indispensáveis na cadeia.

Uma chance de 14 meses | Cacá Diegues

- O Globo

Precisamos saber o que faremos do Brasil neste instante seminal, como reconstruir nossa democracia. Bem que eu gostaria de escrever sobre outra coisa. Mas não dá. Cada vez que sinto necessidade de me calar para ver se sofro menos, me aparece um novo acontecimento que não posso deixar de comentar, como se precisasse disso para respirar no meio de tanto desastre. Quando decido escrever, e os sentimentos têm que se organizar através da disciplina da razão, perco o entusiasmo, acabo achando que a queda de Temer, a prisão de Lula, o mandato de Aécio ou o exibicionismo das senadoras são assuntos sem nenhuma importância, em face do que está de fato diante de nossos narizes.

É evidente que o futuro de Temer, Lula, FHC, Maia e de quem mais aparecer e se destacar no palco desse drama será sempre importante, independentemente de para quem torçamos. O que me agonia é que é evidente também que não está nas mãos de nenhum deles a chave da porta que deve ser aberta para sairmos dessa.

Sem liquidar a fatura | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S.Paulo

O recesso do Congresso começa, mas nem Temer nem oposição terão sossego

O início do recesso parlamentar, nesta semana, empurra o impasse e a guerra entre governo e oposição por tempo indeterminado. A oposição protela decisões porque aguarda novas bombas e não tem votos para autorizar o processo contra o presidente Michel Temer. O governo não faz outra coisa senão contar quem é contra e quem é a favor da denúncia para tentar “persuadir” os favoráveis.

No meio, está o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no colo de quem a Presidência da República pode cair caso Temer não vença no plenário da Câmara ou não resista à pressão e decida jogar a toalha. Até aqui, o presidente nem pensa em derrota nem deu o mínimo sinal de que tenha a intenção de renunciar, mas Maia parece bem animado.

Fé cega, faca amolada | Vera Magalhães

- O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Lula cada vez mais prega apenas aos que estão cegos pela fé

“Um brilho cego de paixão e fé, faca amolada.” Diante da cena de um líder cansado, roufenho, enumerando fantasias diante de uma plateia reduzida, anestesiada aos fatos, aplaudindo bovinamente nas pausas pré-fabricadas e entoando cantos religiosos, só me vinham à cabeça os versos de Milton Nascimento.

Lula deixou o terreno da política e está operando na seara do messianismo. Na quinta-feira passada, ao se defender da condenação a 9 anos e 6 meses de prisão, parecia mais um pastor de igreja neopentecostal do que um ex-presidente da República.

Judicialização ajuda Lula | Merval Pereira

- O Globo

Vergonhosa regra para impedir prisão de pré-candidatos não tornaria Lula elegível. A vergonhosa proposta do deputado petista Vicente Cândido (SP) de incluir na reforma política uma nova regra que impede a prisão de presumíveis candidatos até oito meses antes da realização das eleições, e não 15 dias antes, como manda a atual legislação eleitoral, é somente um desplante, uma afronta a mais ao povo brasileiro, e evitaria, se viável fosse, apenas uma eventual prisão de Lula, e não sua inelegibilidade.

Pela proposta esdrúxula, os postulantes apresentariam à Justiça Eleitoral uma declaração de que serão candidatos na eleição de outubro e, a partir daí, ficariam imunes à prisão, exceto em flagrante.

Ele admite que a proposta, que já está sendo conhecida com o “emenda Lula” e encontra oposição em diversos deputados, envergonhados com o excessivo despudor do deputado Vicente Cândido, tem o objetivo de proteger Lula, mas diz que servirá “para qualquer outro. É nossa arma contra esse período de judicialização da política".

O trapalhão | Míriam Leitão

- O Globo

O atrapalhado governo Temer vai causando estragos em várias áreas enquanto tenta se salvar. O atrapalhado governo Temer vai causando estragos enquanto tenta se salvar. Além de focado na própria sobrevivência, não tem rumo. Autoridades da economia batem cabeça em torno dos juros do BNDES, o presidente do banco defende política ruinosa do governo Dilma, o governo ataca de novo a Floresta de Jamanxim, a reforma trabalhista já nasceu precisando ser reformada.

As contradições acontecem com espantosa frequência. Na sexta, o governo mandou para o Congresso projeto de lei que reduz o tamanho da Floresta de Jamanxim. É o segundo ataque à mesma floresta. No final do ano passado, o governo baixou MP que reduzia em 37% o tamanho da área preservada. Essa é uma região de conflito. Quando a autoridade mostra fraqueza, aumenta a grilagem. Foi o que aconteceu. Um pouco antes de viajar para a Noruega, Temer vetou o que havia proposto. Não enganou norueguês e teve que ficar sabendo lá que o Brasil perdia parte do Fundo Amazônia. Agora, mandou projeto de lei propondo de novo a redução da mesma floresta em 350 mil hectares.

Na corda bamba da história | Lilia Moritz Schwarcz

- Folha de S. Paulo

Está enganado quem imagina ser essa a primeira vez que os brasileiros sentiram a certeza do desgoverno ou que o país experimenta uma crise dessas proporções.

Um ano depois da independência de 1822, Pedro 1º fecha o Congresso e impõe nossa primeira Constituição: a Outorgada. O novo corpo de leis determinava a vigência de quatro poderes -Executivo, Legislativo e Judiciário e mais outro: o Moderador. Esse era de uso exclusivo do Imperador e tinha a capacidade de anular os demais. Montou-se a crise e o primeiro monarca caiu, em 1831. Deixou o país nas mãos de seu filho, que tinha seis anos. Começavam as Regências, um momento de grave crise política, com revoltas estourando por todo o país.

Pedro 2º inaugura seu reino em 1840. O Segundo Reinado foi longo e estável, mas seu final, marcado por nova crise. Isolado no poder, o monarca foi derrubado em 1889 por um golpe organizado pelos militares.

Alvo errado | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Estão tirando dos trabalhadores para dar aos patrões. É assim que muitos grupos de esquerda descrevem a recém-aprovada reforma trabalhista. Quanto há de verdade aí? Pouco, eu diria.

O problema de certas facções menos sofisticadas da esquerda é que elas veem a economia como um jogo de soma zero, no qual o lucro de um é o prejuízo do outro. Se o dono do capital ganha, é porque está tirando recursos do trabalhador. O sistema, porém, é um pouco mais complexo.

A ordem intersubjetiva | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

Somente uma organização tem condições de abalar a Lava-Jato: o próprio Judiciário. Esse é o centro da disputa política em curso

A democracia é uma ordem intersubjetiva. Além dos aspectos físicos e materiais que caracterizam as instituições, como a espetacular arquitetura da Praça dos Três Poderes, e da consciência individual de cada eleitor, ela só existe porque uma vasta rede de comunicação tece os elos entre o caráter objetivo das decisões políticas e a crença de cada indivíduo quanto à importância dessas decisões para suas vidas. Ou seja, a crença de que a democracia é um valor a ser preservado pela sociedade.

Uma das características da crise ética que estamos vivendo é uma espécie de desconexão dessa rede. As instituições políticas como sistema de poder começam a reagir à crise, tendo como prioridade a própria sobrevivência, sem considerar o fato de que, ao fazê-lo, não podem romper os elos subjetivos com a sociedade que fazem da democracia a tal ordem intersubjetiva.

Antes e depois da Rio-92 | *Celso Lafer

- O Estado de S.Paulo

Foi na Conferência do Rio que o conceito de desenvolvimento sustentável se consagrou

Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente, em 1972, foi a primeira tomada de consciência no plano diplomático mundial da fragilidade dos ecossistemas que, integrados, sustentam a vida na Terra. As questões suscitadas enfrentaram distorções e inconformidades com os desníveis de desenvolvimento e riqueza do mundo.

De Estocolmo derivaram iniciativas relevantes, como a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que se consolidou no tempo e assinalou o reconhecimento do papel da ciência nas negociações diplomáticas do meio ambiente.

Energia solar ainda engatinha | Celso Ming

- O Estado de S.Paulo

A energia solar avança no Brasil, mas já não com o mesmo fôlego. Nos últimos 12 meses, a instalação de micro e minigeradores (painéis em casas, condomínios e hospitais, por exemplo) de energia solar fotovoltaica cresceu 200%.

Assim medido, é número que pode impressionar. Mas não deve enganar ninguém, porque provém de base de comparação muito baixa. Até junho do ano passado, havia 4 mil conexões no Brasil. Hoje são 12 mil, ainda uma insignificância diante do potencial.

Vários obstáculos seguem dificultando o avanço da novidade no País e convém examiná-los melhor. Nos últimos dez anos, os custos de instalação caíram, no mundo, em cerca de 80%. O impacto no Brasil é mais baixo em consequência da elevada carga tributária sobre componentes, o que tira competitividade desse tipo de geração por aqui. Por exemplo: o inversor solar (fotovoltaico), que é um conversor de corrente elétrica, chega a custar até 50% mais no Brasil pela incidência de impostos, como aponta Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Os subsídios do BNDES | Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Há dois tipos de subsídio do BNDES. Os explícitos e os implícitos.

A Constituição estabelece que 40% da receita do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) seja depositada no BNDES. O banco de fomento remunera esses recursos à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que é bem menor do que a taxa de captação do Tesouro Nacional.

As operações de empréstimos do BNDES têm como baliza a TJLP. Em geral, o banco cobra em seus empréstimos TJLP e um spread associado ao custo e ao risco de inadimplência da operação.

Muitas vezes o BNDES repassa esses recursos aos demais bancos, inclusive da rede privada. Esses bancos remuneram o BNDES pela TJLP e um spread e cobram do tomador do empréstimo TJLP e um spread ainda maior, que cobre o custo da operação e o risco.

Condenado, Lula deve pensar no poste | Elio Gaspari

- O Globo

Sob risco de ficar inelegível para 2018, Lula já precisa começar a pensar num poste. Até agosto do ano que vem, de duas uma: o Tribunal Federal de Porto Alegre derruba a sentença do juiz Sergio Moro e Lula disputa a eleição presidencial ou os três desembargadores confirmam a condenação e ele fica inelegível para a eleição presidencial. Ele precisa de um plano B, para ser desfechado no dia seguinte à confirmação de sua fritura. Até essa hora, Lula e o PT não admitirão a hipótese de que ele venha a indicar um poste. Os eventuais candidatos jamais aceitarão a designação de poste.

Fica o registro que Lula é ruim de postes. Desgraçou-se indicando Dilma Rousseff e arranhou-se elegendo Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo.

Até a metade do ano que vem, ficará aberto o balcão de apostas. Para animar a conversa, aqui vão quatro nomes, por ordem alfabética.

Um documento histórico – Editorial | O Estado de S. Paulo

A sentença assinada pelo juiz Sérgio Fernando Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de uma pena acessória de sete anos de inabilitação para o exercício de cargos públicos, constitui um importante documento do processo de consolidação da democracia no País.

O ineditismo da peça condenatória – a primeira proferida contra um ex-presidente da República pela prática de crimes comuns – já seria, por si só, razão suficiente para atribuir-lhe a devida adjetivação histórica. Trata-se de um marco incontrastável do primado da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, um dos pilares democráticos consagrados pela nossa Constituição.

A benigna deflação brasileira – Editorial | O Globo

Há, é certo, um efeito da profunda recessão no comportamento dos preços, mas o arrefecimento deles abre espaço para mais cortes nos juros, com vários reflexos positivos

Faz 23 anos do lançamento do Plano Real, quando chegou ao fim o longo ciclo de alta dos preços, culminando, como acontece nesses casos, num surto de hiperinflação. Há, portanto, jovens adultos brasileiros para quem fazer o máximo de compras no supermercado no dia do recebimento do salário, para preservar algum poder aquisitivo, é algo de um outro mundo.

Mas, para os atuais quarentões, vítimas e testemunhas da inflação sem controle e da subjugação dela, foi possível sentir a diferença entre os dois planetas. Sabem que a estabilização da moeda não tem preço, sem trocadilho. Os mais jovens também experimentaram, no final da experiência lulopetista, com Dilma Rousseff, a volta da inflação aos dois dígitos, numa conjugação maligna com recessão e desemprego. É uma mistura letal.

Abaixo os juros | Editorial | Folha de S. Paulo

Poucos se dão conta de que há um limite mínimo, fixado em regulamento, para a inflação no país. De mera curiosidade, o piso tornou-se objeto de atenção das autoridades, dado o risco de que seja descumprido pela primeira vez.

São 3% ao ano, correspondentes a um desvio de 1,5 ponto percentual em relação à meta de 4,5% –e foi exatamente essa a taxa acumulada no período de 12 meses encerrado em junho (quando o IPCA mostrou deflação mensal).

Decerto que uma taxa civilizada para a alta do custo de vida constitui motivo de comemoração, não de alarme. No caso brasileiro, entretanto, a queda rápida e até surpreendente da inflação evidencia os efeitos do ciclo recessivo brutal, que assolou o país por três anos, e da lentidão em superá-lo.

Lua adversa | Cecília Meireles

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…

Nelson Angelo, Moda pro Cacaso (Márcio Hallack & Luiz Sérgio Henriques)