domingo, 23 de abril de 2017

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira

Os riscos inerentes ao processo em curso se alimentam de ilusões deste tipo. Há muita gente à espreita, de oportunistas a protofascistas, interessados em ganhar a massa decepcionada com os políticos e mordida pelos escândalos. Não são idênticos entre si, nem em termos políticos, nem em ideologia. Alguns têm mais substância, proposta e estilo, outros são provocadores baratos. Mas todos oferecem “ordem”, trabalho e “seriedade” ao povo.

Aos bons políticos dispostos a agir na esfera pública estatal caberá produzir uma articulação e apresentar suas postulações juntamente com uma visão do País que merecemos.

A solução do enigma não está no meio, mas num ponto futuro ainda não claramente delineado, para o encontro do qual os democratas deveriam estar trabalhando com afinco e realismo. Seja a opção por uma Constituinte, seja o caminho o das reformas pontuais no curto prazo, teremos de assistir à gestação de um pacto de novo tipo, que envolva a sociedade e todos aqueles com disposição para garimpar democraticamente o novo e recriar o modo de fazer política no País.

*Professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da UNESP. “Depois das delações, o tempo”, O Estado de S. Paulo, 22/4/2017

‘Não será a corrupção que poderá parar esse país’

Temer diz que o Brasil trabalha para melhorar ambiente de negócios

Em entrevista à imprensa espanhola, presidente elogia o trabalho do juiz Sérgio Moro à frente da Lava-Jato, mas lamenta que 24 senadores e 39 deputados estejam sendo alvo de investigações

O presidente Michel Temer afirmou ontem à imprensa espanhola que o Brasil não vai parar por conta do “efeito de atos de corrupção”. Ele admitiu ser “triste” o fato de 60 parlamentares estarem sob a mira de investigação, mas ressaltou que é preciso esperar para ver se os políticos serão ou não condenados, e que o país trabalha para melhorar o ambiente de negócios. Temer disse que Sérgio Moro cumpre “adequadamente” seu papel como membro do Judiciário e evitou falar sobre a Lava-Jato: “Qualquer consideração negativa que eu faça será muito ruim neste momento porque poderá importar na ideia de que se quer acabar com a Lava-Jato.”

‘País não para por delação’

Presidente afirma que atos de corrupção não vão afetar reformas e ação dos investidores

Eduardo Barretto e Catarina Alencastro | O Globo

-BRASÍLIA- Após a divulgação de uma série de delações devastadoras e de pedidos de investigação que atingem oito ministros de seu governo, o presidente Michel Temer afirmou que o país não ficará paralisado pelo “efeito de atos de corrupção”. Temer também disse que o juiz federal Sérgio Moro cumpre seu papel “adequadamente” e admitiu que é “triste” o fato de dezenas de parlamentares estarem sob a mira da Justiça. Depois de colaborações premiadas de 78 exexecutivos da Odebrecht, as investigações da Operação Lava-Jato chegaram ao núcleo do governo e envolveram 63 deputados e senadores. Temer foi citado em dois inquéritos, mas enquanto for presidente tem imunidade temporária por atos cometidos antes do mandato.

Janot estuda suspender ação por caixa dois simples

Benefício cogitado pelo procurador-geral está previsto em lei para réu primário e pena não superior a um ano

Jailton de Carvalho | O Globo

BRASÍLIA - Políticos acusados exclusivamente de caixa dois, ou seja, movimentação de recursos não declarados sem vínculo com atos de corrupção, terão um caminho facilitado nos inquéritos abertos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir das delações de ex-executivos da Odebrecht. O procurador-geral Rodrigo Janot e auxiliares diretos responsáveis pela Lava-Jato estão examinando a possibilidade de oferecer a esses políticos a chamada suspensão condicional do processo. Embora o procurador-geral ainda não tenha batido o martelo, esta é a tendência majoritária nas discussões internas entre Janot e assessores, segundo disse ao GLOBO uma pessoa que acompanha o debate.

Temer quer nome ligado a Janot na Procuradoria-Geral da República

Marina Dias, Letícia Casado, Gustavo Uribe | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante do discurso de Rodrigo Janot de que não quer assumir um terceiro mandato no comando da PGR (Procuradoria-Geral da República), o presidente Michel Temer avalia um nome alternativo para ocupar o cargo a partir de setembro.

O desejo do peemedebista é que o novo procurador-geral seja alguém ligado a Janot, para passar a ideia de "continuidade" dos trabalhos da Lava Jato e evitar desgaste.

O comandante do órgão é o responsável final pelo ritmo de investigações de políticos com foro privilegiado na operação, que são denunciados pela PGR e julgados no Supremo Tribunal Federal.

Auxiliares de Temer admitem, em caráter reservado, que nome próximo ao atual procurador-geral seria ideal também para dar "previsibilidade" ao andamento das ações que investigam oito de 28 ministros do governo.

Nesse cenário, o Planalto já vislumbra um perfil que atende a esses requisitos: Blal Dalloul, secretário-geral da PGR desde junho de 2016.

Em setembro, Temer vai indicar ao Senado Federal o substituto de Janot pelos próximos dois anos.

Pinheiro entrega documentos para reforçar elo de Lula com tríplex

Bela Megale, Marina Dias e José Marques | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, CURITIBA - A defesa de Léo Pinheiro, sócio da OAS, entregou à Justiça Federal do Paraná documentos para tentar comprovar as afirmações de que o ex-presidente Lula foi beneficiado pela reforma de um tríplex em Guarujá (SP). A informação foi divulgada pelo jornal "O Globo".

Em depoimento na semana passada ao juiz Sergio Moro, o empreiteiro disse que o apartamento era de Lula.

Entre os documentos entregues estão o registro de que dois carros em nome do Instituto Lula passaram pelo sistema automático de cobrança dos pedágios a caminho do Guarujá entre 2011 e 2013. Não há, no entanto, documento que comprove que as viagens tiveram como destino o apartamento.

Lula levou proposta da Odebrecht a Cuba, diz delator

Executivo Mariz Nogueira contou à Lava Jato que em 2014 presenciou conversa do ex-presidente com um representante do Itamaraty em que petista afirmou ter levado ao líder cubano pedido da empreiteira que ajudaria a viabilizar linha de crédito para construção de uma zona franca industrial

Luiz Vassallo | O Estado de S. Paulo

Em delação premiada, o executivo da Odebrecht João Carlos Mariz Nogueira relatou à Procuradoria-Geral da República que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou ao presidente de Cuba, Raúl Castro, em 2014, uma proposta da empreiteira para viabilizar a construção de uma zona franca industrial na ilha. A obra seria um anexo do Porto de Mariel, também empreendido pela construtora brasileira. O negócio, porém, não foi levado adiante.

Segundo o delator, ele presenciou uma conversa de Lula com o representante do Itamaraty Marcelo Câmara, na qual o petista afirmou ter tratado com Castro sobre uma linha de crédito para financiar o projeto. O ex-presidente estava em Cuba para ministrar palestras pagas pela Odebrecht. Ao fim da visita, Lula disse ao representante do Ministério das Relações Exteriores, segundo Nogueira, que Castro havia se interessado pela proposta da construtora brasileira.

Em três anos, principais empresas citadas na Lava Jato demitiram quase 600 mil

Segundo analistas, a operação, somada à crise econômica e à redução do preço do petróleo, causou um efeito negativo ainda maior nos setores de construção e de óleo e gás

Fernando Scheller | O Estado de S. Paulo

A recessão, a queda do preço do petróleo, a redução dos gastos do governo e a Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção envolvendo a Petrobrás, empreiteiras e agentes do governo, tiveram efeito devastador no emprego. Levantamento do Estado com dez das maiores empresas citadas na Lava Jato mostra que, somente entre funcionários diretos e terceirizados dessas companhias, o corte de vagas entre o fim de 2013 (antes da deflagração da Lava Jato, em março de 2014) e dezembro de 2016 foi de quase 600 mil pessoas. Analistas apontam que o efeito foi ainda maior, quando se consideram as vagas indiretas.

Empresas do setor de óleo e gás, como a Petrobrás, foram afetadas pela redução da cotação do petróleo, que hoje está próxima de US$ 50. Já as grandes construtoras e incorporadoras tiveram de lidar com o alto endividamento da população, que deixou de comprar imóveis, e com a conclusão – ou interrupção – de projetos de infraestrutura, diante da deterioração das contas do governo.

Pezão recebeu propina, diz delator

Em delação homologada pelo STJ, o doleiro Álvaro Novis disse que entregou dinheiro em espécie para Luiz Carlos Barroso, operador indicado pelo governador Pezão, revelam CHICO OTAVIO E DANIEL BIASETTO. A propina, segundo o delator, era paga pela Fetranspor. Pezão disse que nunca recebeu recursos ilegais. A Fetranspor também negou o envolvimento em práticas ilícitas.

Delator relata ação de operador de Pezão

Doleiro Álvaro Novis afirma que entregou dinheiro em espécie para homem de confiança de governador

Chico Otávio e Daniel Biasetto | O Globo

O cerco se fecha sobre o governador Luiz Fernando Pezão. Em delação que acaba de ser homologada pelo ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o doleiro Álvaro Novis, acusado de fazer pagamentos para o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, revelou que entregou dinheiro em espécie, em mais de uma oportunidade, para um operador indicado por Pezão, Luiz Carlos Vidal Barroso, o Luizinho.

A propina, segundo o delator, era paga pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado (Fetranspor). Novis, que está preso desde janeiro pela Operação Calicute (versão da Lava-Jato no Rio), disse que Luizinho usava o próprio carro para recolher o dinheiro, entregue em 2014, ano em que Pezão disputou e venceu a eleição estadual.

Falido, Rio deve passar pelo menos uma década em crise

Em decadência política, Rio viverá uma década de crise

-O Estado de S. Paulo

Faltam recursos para serviços básicos e salários de servidores; Estado está em ‘situação falimentar’, diz secretário da Fazenda. Caos expõe o desarranjo do setor público do País

Mergulhado em caos econômico, político e social, o Rio tenta entender como chegou à maior crise de sua história. O rombo do Estado neste ano, de R$ 22 bilhões, é resultado de uma combinação que inclui recessão econômica, retração nas atividades da indústria do petróleo, queda da arrecadação e déficit previdenciário. “A situação é falimentar”, diz o secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa. A Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) prevê que, mesmo com o plano de recuperação fiscal, o Rio voltará a arrecadar mais do que gasta somente em 2029. Apenas em 2038 o Estado será capaz de pagar, integralmente, os juros e a amortização da dívida com a União.

Escândalos de corrupção agravam economia do Estado já fragilizada

Entre as causas da crise estão orçamento mais rígido, receita menor, recessão e queda do preço do petróleo

Gilberto Amendola | O Estado de S. Paulo

RIO - Uma economia fragilizada, um Estado quebrado e um sistema político em frangalhos resumem a situação do Rio atualmente. Entre os fatores causadores da crise estão a perda de receita pública da ordem de 5%, o engessamento do orçamento com “gastos cativos”, como educação, saúde, segurança e previdência, a recessão e o ônus adicional da queda do preço do petróleo sobre a arrecadação com royalties. Para piorar, a gestão do Estado, conduzida por uma elite política alvo de investigações e acusada de envolvimento em escândalos de corrupção, intensificou o colapso.

Analistas ouvidos pelo Estado descrevem a crise fluminense com suas implicações econômicas e políticas. “Com quedas fortes de receita, os porcentuais de comprometimento indicados se elevam e a sobra de recursos diminui, podendo até zerar. Daí para o caos é um pulo”, diz o consultor Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento.

A economia do Rio é concentrada, o que, para o economista Mauro Osório, da Universidade Federal do Rio (UFRJ), é um problema. “Há pouca estrutura produtiva. Muitos dos fabricantes de maquinário para o setor petrolífero estão em São Paulo.”

Depois da tempestade | Fernando Gabeira

- O Globo

Furacões, ciclones e tsunamis são fenômenos dinâmicos: chegam e passam. Costumo trabalhar com desastres naturais, tempestades devastadoras. De um modo geral, o presidente sobrevoa a região, verte uma lágrima diante das câmeras, anuncia uma ajuda financeira que, além de ser realmente menor do que vai enviar, no fim é parcialmente devorada pela corrupção local.

O que foi arrasado, agora, não é um pedaço de terra, mas um sistema político eleitoral. E não há presidente para ajudar, pois está agarrado aos escombros para não ser levado pela enxurrada. De qualquer forma, com ou sem ajuda, o problema que se coloca é sempre esse: como reconstruir. Apesar de figurar no topo da lista de países dominados pela corrupção, o Brasil tem condições de superar esse estágio, a partir da vontade de uma boa parte de seu povo.

Não acredito tanto em lição de moral. O que vai funcionar é tornar o risco da corrupção extremamente alto para quem se deixa seduzir por ela. O primeiro e grande passo para isso foi a Lava-Jato, que revelou a possibilidade de uma investigação eficaz que sobreviva ao arsenal de artifícios jurídicos do próprio sistema corrompido.

A Venezuela e as esquerdas brasileiras | Bolívar Lanounier

- O Estado de S.Paulo

Tivemos de aguardar 13 anos para nos livrarmos do vergonhoso apoio oficial ao chavismo

Passo a passo, o legado chavista vai destruindo a Venezuela. Em vez de agir no sentido da reconciliação da sociedade, Nicolás Maduro, o sucessor de Hugo Chávez, parece querer dividi-la ainda mais.

A realidade cotidiana do país é o desabastecimento generalizado e a miséria. Dias atrás os jornais estamparam uma foto de venezuelanos disputando restos de comida com urubus num aterro sanitário de Boa Vista (Roraima). A alucinação de Maduro é de tal ordem que a hipótese de uma guerra civil não pode ser descartada. Informações divulgadas na semana passada dão conta de que ele estaria disposto a recrutar e armar 1 milhão de milicianos para “defender a soberania nacional”.

Chefetes fascistas como o atual presidente venezuelano são, em geral, adeptos do blefe como tática política; admitindo, porém, que ele mobilize 300 mil ou 400 mil, as consequências funestas de sua opção logo se evidenciariam. Cumprir tal ameaça seria um passo irreversível no sentido de uma ditadura totalitária, com a supressão do que lá ainda resta de liberdade, instituições e direitos humanos.

Num abrir e fechar de olhos, o chavo-madurismo se firmaria entre os piores exemplos de tirania na América Latina; e nem estável seria, pois dificilmente conseguiria desarmar a horda pretoriana que terá criado.

Resposta ao advogado de Lula | Merval Pereira

- O Globo

Recebi de Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente Lula, uma carta em que, além de considerações sobre a atuação do Grupo Globo, faz críticas ao meu trabalho e aponta o que seriam incorreções e mentiras da coluna publicada na sexta-feira com o título “Segredo de Polichinelo”.

As opiniões do advogado sobre minha atuação ou a do Grupo Globo não têm a menor importância, mas fatos que ele taxa de mentirosos ou distorcidos merecem contestação. Diz Cristiano Zanin que o ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, em depoimento, admitiu que Lula jamais teve a chave ou usou o imóvel; jamais manteve qualquer pertence pessoal no local; jamais teve qualquer título de propriedade do apartamento, o que demonstraria que não é o proprietário do imóvel.

Esqueceu-se o advogado de que Leo Pinheiro respondeu a perguntas sobre o tema de maneira bastante direta: não havia chave nem poderia haver objetos pessoais porque o apartamento estava em obras. E, a pedido do próprio ex-presidente, a transferência do título de propriedade não feita por questões políticas, pois desde 2009, quando o Globo denunciou a existência do tríplex no Guarujá, Lula pediu sucessivamente para adiar a assinatura.

Lições da Venezuela | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

O caos no país de Chávez e Maduro é um alerta contra salvadores da Pátria

A Venezuela está esfarelando espantosamente aqui ao lado, mas a situação lá não tem a ver com a situação cá e vai enterrando a ideia, ou ameaça, de que o Brasil viraria “uma Venezuela”. Apesar disso, temos muito o que aprender no país vizinho.

Há três enganos quando se olha para a Venezuela e se depara com a fome, o desabastecimento, o descalabro, o ridículo, os tumultos e as mortes: achar que toda essa tragédia é resultado só de Hugo Chávez, que Chávez era um boçal e que a aproximação do Brasil com o regime começou com Lula e o PT.

A tragédia venezuelana vem sendo costurada há décadas, desde quando o país era um dos mais ricos da América do Sul, mas usava perdulariamente os recursos do petróleo e se jogava nos braços dos Estados Unidos. Mesquinha, a elite empresarial se gabava de só tomar água importada. Sentada no petróleo estatal, a burocracia enlameou-se de corrupção e contaminou as instituições. E ninguém cuidou de converter os recursos que jorravam do petróleo em planta industrial, desenvolvimento, justiça social, futuro, enfim.

O teste | Ranier Bragon

- Folha de S. Paulo

Está marcada para quarta-feira (26) a primeira votação importante em que o governo medirá o grau de adesão de sua base em torno das reformas de Michel Temer.

O plenário da Câmara deve analisar nesse dia o pacote de mudanças na legislação trabalhista. Reunidas em 132 páginas, as propostas atendem majoritariamente a interesses patronais. O principal aceno aos trabalhadores é o da promessa da obtenção ou manutenção do emprego.

Sensíveis a redes sociais e a danos à imagem, deputados contrariaram o governo na terça (18) ao não aprovar a aceleração da tramitação da reforma. Áulicos espalharam a lorota de que houve apenas um cochilo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que encerrou a votação antes que todos os governistas tivessem chegado ao plenário.

Literatura de cadeia | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A preferência por Crime e Castigo, e não por livros de autoajuda, tem explicação óbvia: o sentimento de culpa do protagonista do livro, o jovem Raskólnikov

Nunca se leu tanto nos presídios federais. De um lado, por causa da elevação do nível de escolaridade dos detentos; de outro, porque o projeto de remição de penas pela leitura do Ministério da Justiça estimula bastante esse tipo de atividade entre os presos. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), por exemplo, resenhou mais de 60 livros antes de ter a pena perdoada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, seis meses após passar para o regime semiaberto. A pena foi extinta em razão de indulto concedido pela ex-presidente Dilma Rousseff no fim de 2015.

Na contabilidade do Ministério da Justiça, os cinco livros mais lidos são clássicos da literatura universal e brasileira. O campeão, o título já diz tudo, é Crime e Castigo, do escritor russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881), seguido de Incidente em Antares, do gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975); Sagarana e Grande Sertão: Veredas, os dois do mineiro Guimarães Rosa (1908-1967); e Dom Casmurro, a obra mais traduzida do carioca Machado de Assis (1839-1908), considerado um clássico da literatura universal. Cada livro resenhado vale por quatro dias de cadeia.

Lula, o sócio oculto | Vera Magalhães

- O Estado de S. Paulo

Tal qual um Fausto dos trópicos, Lula vendeu ao diabo o que era uma biografia virtuosa

As últimas e estarrecedoras revelações do submundo da empreiteirocracia instituída no Brasil por Luiz Inácio Lula da Silva e mantida sob Dilma Rousseff não deixam dúvida: Lula não era apenas beneficiário, mas sócio majoritário e idealizador do esquema que pilhou a Petrobrás, o BNDES, o setor elétrico, a Receita Federal e sabe-se lá mais quantos pedaços do Estado.

Mais: Lula se tornou sócio dos empreiteiros não só depois de instalado no Palácio do Planalto. As negociatas começaram bem antes, quando o sindicalista ainda começava a angariar a fama que viria a ter.

Foi nessa época, ainda no fim dos anos 1970, que o petista começou a se mostrar maleável a vender suas convicções na bacia das almas do pragmatismo, ajudando Emílio Odebrecht a pacificar uma greve no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia.

Tempos em conflito | Miriam Leitão

- O Globo

O processo no qual o empresário Léo Pinheiro falou está na reta final. Agora, falta ouvir o réu Lula, no dia 3 de maio. Depois, vêm as alegações finais e a sentença. Até o meio do ano deve sair a decisão, e a acusação ficou muito mais robusta. Do ponto de vista jurídico, Lula foi encurralado. Mas do ponto de vista político ele ainda tem brechas. O país está prisioneiro desses tempos em conflito.

O tempo político e o tempo jurídico têm gritantes diferenças. Mesmo se Lula for condenado agora no processo do apartamento do Guarujá, dificilmente o caso será julgado pelo Tribunal Regional em menos de um ano, porque o órgão tem muitos outros julgamentos na frente. Assim, o país chegará em 2018, na hora do registro de candidaturas, com Lula podendo sim ser candidato a presidente por causa de uma aberração jurídica. Nenhum réu pode assumir a Presidência, mas um réu condenado em primeira instância pode ser candidato porque a lei da Ficha Limpa só impede que entre em disputa eleitoral quem foi condenado em duas instâncias. O STF precisará ser provocado para dizer se um réu pode ser candidato a presidente, já que existe o preceito constitucional de que uma pessoa nessa condição não pode assumir o cargo.

O Brasil se refaz ou apodrece? | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Circula por aí a ideia de convocar uma Constituinte, excluídos os políticos da geração zumbi, os mortos-vivos da República falecida entre 2013 e 2016, que fede insepulta.

Quase ninguém nos centros de poder compra a Constituinte, por ora. Mas, no início de 2015, quando já se falava de impeachment, quase toda a elite mais atuante refugava a deposição de Dilma Rousseff.

Há ânsia desesperada de outro país, de mudança ordenada, pois já ocorrem transformações de fundo; instituições e política se dissolvem ou se estragam em lutas violentas. O Brasil está em mudança constitucional, no sentido genérico do termo.

"Transformação" é um nome suave para essa guerra civil por outros meios que se desenrola desde 2015 e que, a depender de vencedores e estragos, vai definir se haverá governo viável em 2019.

‘Se tiver, você destrua’ | Elio Gaspari

- O Globo

Até o dia em que o juiz Sérgio Moro vier a encerrar o julgamento de Lula, quatro palavras dividirão opiniões. Disse? Não disse? Nessa queda de braço com seu ex-amigo e empreiteiro Léo Pinheiro, sócio da OAS, Lula joga sua liberdade. O prestativo mandarim acompanhou uma visita do casal Silva ao apartamento do edifício Solaris, no Guarujá. Segundo ele, em “abril ou maio” de 2014, Lula disselhe que destruísse quaisquer anotações relacionadas com suas transações com o então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Lula nega, e não há testemunha dessa conversa.

Lula também nega que seja o proprietário do apartamento, cuja reforma acompanhou. Até bem pouco tempo Léo Pinheiro negava que a OAS distribuísse capilés e operasse políticos pelo caixa 2. É difícil saber quando qualquer um dos dois diz a verdade.

A Polícia Federal e o Ministério Público poderão levantar detalhes que ajudem a esclarecer o mistério das quatro palavras. (O da serventia do apartamento nunca foi um enigma respeitável.)

Aprendizado | Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

O professor Luiz Carlos Bresser-Pereira escreveu o manifesto Projeto Brasil Nação, que teve a adesão de diversos artistas, intelectuais, economistas e profissionais em geral. A marca do manifesto é a incapacidade dos signatários em aprender com os resultados das escolhas de política econômica feitas entre 2006 e 2014.

No início, o manifesto denuncia a decadência da indústria naval e a redução dos critérios de conteúdo nacional. Certamente os signatários são contrários à medida aprovada no Congresso Nacional de eximir a Petrobras de ser operadora única do pré-sal, por ser contrária à construção de "projetos com autonomia no campo do petróleo".

Para os signatários do manifesto, a desastrosa situação a que chegou a Petrobras há poucos anos não foi causada pelas escolhas de gestão. Talvez eles coloquem tudo na conta da corrupção. A incapacidade de associar a alteração no plano de negócios da Petrobras já em 2003 e os resultados da empresa no fim do ciclo petista mantém a sociedade andando de lado. Em algum momento, repetiremos os mesmos erros. Não houve aprendizado.

Vamos zerar | Cacá Diegues

- O Globo

A Lava-Jato está pondo em questão um sistema de representação. Se tivermos bom senso, ela servirá como elemento para reconstruirmos o país a partir das eleições de 2018

Nesses últimos dias, senti muita inveja de Bruno Borges. Os últimos dias foram os dos vídeos de depoimentos do pessoal da Odebrecht; e Bruno Borges é o rapaz do Acre que sumiu no mundo, desapareceu deixando 14 livros criptografados e signos pelas paredes de seu quarto, igualmente ilegíveis. Bruno não só escapou do que andamos tomando conhecimento, como também não precisa se preocupar com o que pensa sobre o assunto. Se alguém quiser saber sua opinião, não entenderá a resposta.

A resposta é mesmo difícil, complicada, precisa de imaginação. E pode ser, às vezes, incompreensível como os livros e os signos de Bruno. Mas um dia temos que desvendá-la.

Ninguém se salva das apurações da Lava-Jato. Fiéis marqueteiros, amigos do peito, correligionários e sócios entregam seus parceiros, como uma colaboração involuntária ao necessário desmonte do país. Eduardo Cunha e Sérgio Cabral já estão na cadeia; e quase todos os políticos, de todos os partidos, estão fazendo as malas (ou deviam estar) para lhes fazer companhia. Os delatores da Odebrecht, com mais ou menos sadismo e galhofa, seguem expondo seus crimes e pecados.

Persistente queda da inflação – Editorial | O Estado de S.Paulo

Em meio a indicadores ainda frágeis de recuperação da atividade econômica e a incertezas políticas alimentadas pelas revelações da Operação Lava Jato e pelo comportamento errático da base do governo no Congresso – da qual depende a aprovação das reformas que assegurem as condições para o crescimento –, persistem sinais estimulantes indicando que as coisas podem melhorar. A inflação, já baixa para os padrões dos últimos anos, continua a perder força. Não mais parece surpreendente que feche o ano abaixo da meta de 4,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional – e que baliza as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) –, fato que não ocorre desde 2009.

A medição mais recente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reafirma a tendência de queda da inflação na variação acumulada em 12 meses. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15) de abril – cujo período de coleta se situa aproximadamente entre os dias 15 do mês anterior e do mês de referência – aumentou 0,21%, um pouco mais do que a alta de 0,15% em março, mas o resultado acumulado de 12 meses ficou em 4,41%, abaixo, portanto, da meta. Além disso, a alta do mês é a menor registrada pelo IPCA-15 de abril desde 2006, quando subiu 0,17%. Naquela época, a demagogia lulopetista ainda conseguia vender aos desavisados seu insustentável projeto de crescimento com inflação baixa, que desmoronou na gestão Dilma Rousseff e lançou o País na mais profunda recessão em muitas décadas.

Em defesa do usuário – Editorial | O Globo

Falta um ponto de equilíbrio entre o cartório do táxiea ausência de regras

Aplicativos de transporte fazem parte da onda digital que varre todo o sistema produtivo, de bens e serviços. Não há mais dúvida de que se vive uma revolução nas mudanças, às vezes profundas, na forma como as pessoas se relacionam, trabalham e se locomovem. Como em toda vez que isso ocorre na história da Humanidade, a nova tecnologia tem efeitos disruptivos. Destrói negócios e os substitui por outros, faz o mesmo com empregos, assim por diante. O mesmo que aconteceu com o lançamento do aplicativo Uber, seguido por outros. O fato de se poder baixar um aplicativo que permite acesso a frotas de veículos particulares, capazes de oferecer um serviço de melhor qualidade e a um preço acessível é revolucionário. E podendo a corrida ser paga com o cartão de crédito que o usuário cadastra em sua conta. Para-se de andar com dinheiro vivo, enquanto o motorista deixa de manipulálo, um detalhe não desprezível que ajuda na segurança dele.

A base do ensino – Editorial | Folha de S. Paulo

Há muito esta Folha defende que se esgotou o tempo para teorias inócuas, experimentação sem propósito e condescendência pedagógica no ensino público.

Com o Brasil amargando sucessivos desempenhos vexatórios em leitura, ciências e matemática na prova internacional Pisa, parece evidente que a educação nacional estacionou num patamar muito baixo de qualidade.

Um passo necessário se dá agora com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Pelo menos o ensino fundamental, do primeiro ao nono ano, contará em breve com um conjunto definido de objetivos de aprendizado; em mais alguns meses, será a vez do ensino médio.

Apesar de certos desvios pelo caminho, a BNCC traça um bom roteiro para o que é mais urgente: retornar ao básico (sem trocadilho). E o fundamento, em educação, jamais se firmará sem o domínio de escrita e leitura, de operações triviais da matemática e de noções gerais de ciências.

Estão aqui as pobres coisas | Jorge de Lima

Estão aqui as pobres coisas: cestas
esfiapadas, botas carcomidas, bilhas
arrebentadas, abas corroídas,
com seus olhos virados para os que

as deixaram sozinhas, desprezadas,
esquecidas com outras coisas, sejam:
búzios, conchas, madeiras de naufrágio,
penas de ave e penas de caneta,

e as outras pobres coisas, pobres sons,
coitos findos, engulhos, dramas tristes,
repetidos, monótonos, exaustos,

visitados tão só pelo abandono,
tão só pela fadiga em que essas ditas
coisas goradas e órfãs se desgastam.

Nara Leão - Odeon